A INTERAÇÃO ENTRE A PSICOLOGIA JURÍDICA APLICADA AO DIREITO

 

 

AUTORAS:

VALÉRIA CRISTINA GUSMÃO LIMA

ÍRIS ANTÔNIA SILVA VIEIRA

 

 

 

 

 

Resumo

 

O presente trabalho tem como propósito principal, apresentar sucintamente como a Psicologia vem sendo utilizada na prática e na produção de conhecimento jurídico e elucidar quais as especificidades do campo da psicologia jurídica como uma das disciplinas auxiliadoras da aplicação do direito. Tal análise se justifica em virtude da imperatividade de uma abordagem multidisciplinar no atual Direito, reconhecida a sua complexidade no trato de temas conflituosos e a interdisciplinaridade dos campos da ciência para o exame e solução dos casos, de onde emerge a figura do psicólogo jurídico.

 

 

Palavras-Chave: Psicologia Jurídica; Ciências Sociais; Interdisciplinaridade; Ciências Humanas; Direito.

 

INTRODUÇÃO

 

Com a evolução da sociedade emerge uma necessidade de regulamentação de normas de convívio social. O direito, como uma ciência que visa a aplicação da Justiça, surge, de igual maneira, dessa necessidade de regular o convívio entre os homens. A psicologia jurídica nasce com o objetivo de auxiliar o direito da análise das relações interpessoais e, consequentemente, uma melhor aplicação da Lei ao caso concreto.

 Os estudos da Psicologia Jurídica abarcam uma consideração básica, a moral, podendo ser definida como o conjunto de preceitos e modelos subjetivos informados socialmente que admitem ao indivíduo distinguir o ‘bem’ do ‘mal’. A moralidade seria deste modo o lado ‘abstrato’ da conduta individual e, por sua vez, é amparada pelo sistema axiológico mais amplo da sociedade. Seu campo de estudo por excelência é a Ética, um dos campos específicos da Filosofia.

A ética e a moral são assuntos muito tratados também no campo jurídico, em que se busca a obtenção de justiça com aplicação de normas de conduta por parte de toda a sociedade no sentido de cada um gozar do seu direito sem interferir no direito do outro.

 

O PROCESSO DE ACEITAÇÃO DA PSICOLOGIA PELO DIREITO

 

Em virtude de serem, ambas as disciplinas, pertencentes a esferas de estudos diferentes, de modo que é uma é ciência humana e outra ciência social, não foi fácil o processo de aceitação da psicologia pelo direito.

 

Segundo Fernanda Otoni de Barros-Brisset (2011, p. 20):

 

“De fato, a passagem da psicanálise pela cena jurídica informa que sua entrada se faz fora da forma estabelecida: presença de um elemento estranho, entrada clandestina. Como então alojar ali um analista? Esta pergunta foi o modo como consegui traduzir a minha própria estranheza, esse desalojamento na porta de entrada. Pareceu-me, desde o início, que a matéria da experiência analítica estava mais ligada a esta outra coisa não formalizável, a essa irregularidade fora da lei, impossível de se inscrever nos códigos e que essa conversa entre a psicanálise e o Direito estaria destinada a tratar deste impossível.”

 

 

Fazendo uma análise histórica encontramos dados de que desde 1792, nos Estados Unidos, pareceres psicológicos eram requeridos nos tribunais, ao passo que na Europa a prática passou a ser mais utilizada na Itália em 1876 e na Alemanha em 1955.

 

Segundo Altoé (1999):

 

“As primeiras aproximações da Psicologia com o Direito aconteceram no fim do século XIX, gerando o que foi nomeado ‘Psicologia do Testemunho’. Essa tinha como escopo verificar a fidedignidade e a veracidade dos relatos dos indivíduos arrolados num processo judicial. Tal etapa inicial foi bastante marcada pelo paradigma positivista que grassava nas humanidades, paradigma esse que privilegiava os métodos utilizados pelas ciências naturais. Nesse contexto, Mira y Lopez escreveu o Manual de Psicologia Jurídica em 1945. Todavia, fortes transformações no campo ocorreram a partir da década de 1980, sendo que o psicólogo jurídico deixou de ser apenas um perito encarregado de investigações de cunho técnico e passou a atuar em outras esferas judiciais, humanizando a área.”

 

Por décadas as instituições jurídicas sustentaram a tese de que a participação dos especialistas em questões psíquicas poderia auxiliar na restauração da sua função reguladora. Dar lugar, nos autos de fatos aos quais não se dá importância e que são de suma relevância para o deslinde da demanda.

Observa-se que houve uma evolução da participação da psicologia na atividade jurídica, de modo que essa interação reflete significativamente na boa aplicação do direito. Conforme entendimento de Marcel de Almeida Freitas (2012):

“a Psicologia Jurídica toma a figura de uma psicologia aplicada ao melhor exercício do Direito. Sob esse propósito, o trabalho conjugado de juristas, assistentes sociais, magistrados e psicólogos vem sendo executado, mormente, nas seguintes frentes: análise dos testemunhos; exames de evidências delitivas; análise do grau de veracidade das confissões; compreensão psicossocial do delito (desvendar as motivações para o mesmo); orientação psíquica e moral do infrator; análise das melhores medidas profiláticas do ponto de vista sócio-cultural e psicológico aos diversos perfis de delinquência; atuação preventiva a fim de evitar a reincidência; apoio e tratamento psicólogo das vítimas de delitos.”

 

Nas palavras de Fernanda Otoni de Barros-Brisset (2011, p. 35):

 “Os especialistas chamados à cena jurídica, com Foucault já sabemos, teriam duas funções específicas. A primeira é a de tentar salvar o pai. A entrada do saber “psi” teria uma função de obturar o vazio do saber instaurado quando aparece nos casos jurídicos alguma coisa estranha, “sem sentido” e fora da lei. Medir, avaliar, descrever, examinar e nomear o que se apresenta como irregularidade, por meio da patologia do mal.

Os fazedores de laudos entram com seu saber oferecendo um substituto ao objeto que não cede aos poderes do formalismo. Uma tentativa de restaurar o furo das ficções jurídicas, formalizando o informalizável, por meio das ficções psicológicas.

É a função pericial.”

 

Prosseguindo o pensamento da autora:

“Lacan confirma a posição freudiana, afirmando que cabe somente ao Estado estabelecer a punição ao ato criminoso. Esse ato de regulação é função do Direito e nós sabemos acolher na clínica seus efeitos e lhe conferir toda importância, contudo ‘a psicanálise tem limites  que  são exatamente aqueles em que começa a ação policial, em cujo campo ela deve se recusar a entrar.’” (2011, p.36)

 

Importante ressaltar que a psicanálise não se dispõe ao lado do Direito para eximi-lo de sua função reguladora, estabelecendo a marca de um sujeito sem responsabilidade. Em contrapartida, cabe ao Direito cumprir sua função, e o analista se apresenta para seguir o sujeito na constituição de suas soluções.

No entendimento de Dayse Cesar Franco Bernardi (2011, p. 56):

“Observando o percurso do denominado psicólogo judiciário, nos Tribunais de Justiça brasileiros, pude identificar avanços e recuos. Avanços, por exemplo, com a crescente realização de concursos públicos e a criação de cargos para psicólogos em diversos tribunais do país. E recuos, quando esses profissionais são deixados à míngua, trabalhando com uma demanda muito grande de casos, sem nenhum  tipo de  capacitação  continuada  e, muitas vezes, sem ter do próprio órgão empregador o devido respeito. Considero necessária e urgente uma reflexão aprofundada sobre os efeitos do nosso  trabalho nas questões e nos problemas com que  lidamos no cotidiano profissional: o quanto nosso trabalho não é ingênuo, o quanto está inserido em um poder de controle social e o quanto nosso conhecimento pode servir tanto para transformação da realidade quanto para a manutenção do status quo.”

 

Conforme Leila Maria Torraca de Brito (2011, p. 41):

“Nessa discussão a respeito de quem é esse psicólogo que atua na interface com a Justiça, ouvi em alguns encontros críticas no sentido de que essa denominação, Psicologia  Jurídica,  remeteria  a  um  especialismo  havendo  proposta  de que  se utilizasse,  por  exemplo,  a  terminologia  Psicologia no  Judiciário. Essa  é uma questão que me  trouxe  certa dúvida, quer dizer,  será que essa designação, “Psicologia no Judiciário”, poderia englobar todos aqueles profissionais que atuam nessa área? Porque nós sabemos que muitos profissionais desenvolvem esse trabalho na interface com a Justiça, mas não estão necessariamente lotados no Judiciário. Só para citar um exemplo, é possível lembrar que os que executam medidas  socioeducativas estão lotados no Executivo.”

 

Observa-se, dessa forma, as inúmeras dificuldades enfrentadas pelo profissional da psicologia para ver a sua importância sendo devidamente reconhecida. Vejamos qual o papel do psicólogo jurídico.

Pelo ensinamento de Marcel de Almeida Freitas (2012):

“Os dois âmbitos de atuação mais importantes da Psicologia Jurídica são: estudo e intervenção no comportamento dos algozes e estudo e intervenção no comportamento da vítima. No primeiro caso inclui-se a investigação, o tratamento e a prevenção dos comportamentos considerados legalmente desviantes; abarca a abordagem bio-psico-social sobre a origem das condutas anti-sociais e como poderiam ser modificadas pelas instituições competentes. Teorias sobre a personalidade criminosa são bastante utilizadas nesses estudos e acompanhamentos.”

 

Mais um importante papel a ser exercido pelo psicólogo jurídico é a atuação junto a vítimas dos delitos, ajudando no restabelecimento psíquico e na tentativa de diminuir as chances de restarem seqüelas ou trauma em virtude da violência sofrida.

Há ainda o amparo e proteção a crianças no caso de disputas sobre a tutela ou nos casos de mulheres vítimas de violência doméstica.

Outro respeitável papel exercido pelo profissional é, segundo Romero (2001):

“Mais raro, entretanto não inexistente, é o psicólogo jurídico que orienta advogados e promotoria sobre técnicas persuasivas e argumentativas para melhor defender sua clientela, capacitando-os na oratória, na retórica, na condução de interrogatório e no controle das emoções. Nos assuntos que envolvem conciliação, a Psicologia Jurídica pode auxiliar bastante dotando os profissionais da jurisprudência de técnicas, estratégias e procedimentos que facilitam a negociação e a interação entre as partes.”

 

Os psicólogos que atuam nas varas de família, por exemplo, trabalham com casais que passam por processo de rompimentos, muitas vezes doloroso para ambas as partes e para as crianças envolvidas.

 

Nas palavras de Dayse Cesar Franco Bernardi (2011, p. 63):

“Penso que o trabalho articulado com as políticas sociais é uma premissa obrigatória para a garantia dos direitos fundamentais de crianças e jovens, tanto nas Varas da Infância, quanto nas Varas de Família. 

Sabemos que  relações de parentalidade e  conjugalidade  se  inscrevem em todos os espaços. Porém, a oportunidade de conhecer como elas se manifestam ocorre de diferentes formas e em ritos jurídicos próprios a cada uma das duas esferas:  infância e  família. Tal enquadre exige do profissional, escolher os métodos de abordagem mais compatíveis com a especificidade da área, mas que lhe permitam ouvir verdadeiramente todos os envolvidos no caso em questão.”

 

Fernanda Otoni de Barros conclui em seu texto que, (2011, p. 40):

“Esta bússola eu a trago comigo: a teoria que interessa à psicanálise é a teoria da

prática – se temos alguma coisa a ensinar é só isso – lá onde não sei, ea experiência sangra, lá onde testemunhamos o que nossa escuta acolhe do que se apresenta como inarticulável pela teoria, pela norma, pelo discurso, é essa a única teoria que nos interessa aqui também, na psicanálise como passageira clandestina do Direito. Se existe uma moral lacaniana, é que não se caminha sem o sujeito e, portanto, a orientação da caminhada é aquela que se tece caso a caso, que não é universal, mas que orienta cria  laço,  um  trabalho  interessado,  entusiasmado,  sem  a  pretensão  de descobrir uma grande ou pequena revelação.  Não é evidente, mas acontece!”

 

Reforçando o entendimento de Leila Maria Torraca de Brito (2011, p. 51):

“Para finalizar, pergunto se não estaria na hora de dar um giro, pensando essa atuação, nesse campo de interface com a Justiça. Não cada eixo seguindo um rumo, mas se percebendo  justamente  como as armadilhas para o nosso trabalho vêm sendo construídas de forma semelhante e como precisamos, sempre, interrogar sobre cada trabalho que  vem  sendo  proposto.  Falando  em  giros,  em  armadilhas,  se  pode pensar em olhares que são necessários para essa construção do trabalho de psicólogos que atuam na interface com a Justiça. E aí recordo de uma música cantada por Marina Lima, O farol da ilha, da qual apresento um pequeno trecho, em que se aborda um pouquinho essa questão, ou seja, outras armadilhas, que exigem justamente outros olhares. Considero que é um pouco isso, esse olhar cuidadoso, integrado, entre os quatro eixos, que se deve ter como categoria profissional, procurando nos desvencilhar dessas outras armadilhas que vêm sendo construídas

para os psicólogos nessa interface com a Justiça.”

 

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vimos, com esse estudo, que muito se discute sobre a participação do psicólogo nas decisões judiciais, uma vez que ainda existem obstáculos que são impostos até mesmo pelos juristas em aceitar que um profissional de outra área interfira no seu trabalho. Contudo, vale dizer que atualmente é de inegável importância esse trabalho conjunto da psicologia com o direito, duas ciências que lidam com relações entre pessoas.

 

Os profissionais da área da psicologia jurídica estão segundo Alves (2002):

“oportunizando uma visão jurídica mais avançada e reconstrutiva da própria legislação família, na medida em que desvendam a psique humana, objeto maior do desate jurisdicional, e em juízo de família, não se resolvem litígios; resolvem-se pessoas. Logo, a psicologia deve oferecer condições para que as pessoas sejam escutadas enquanto sujeitos humanos inseridos numa cultura, e que a partir dessa escuta possam redimensionar suas demandas e até mesmo avaliar se carecem mesmo de intervenção jurídica ou de outro tipo.”

 

Verifica-se que o papel exercido pelo psicólogo jurídico não se limita a colher informação sobre as partes de um processo, mas também de elaborar pareceres com sua visão técnica sobre determinado comportamento, suas causas e consequências com o objetivo principal de dar uma maior eficácia à norma jurídica e primando pelo bom direito.

Ato contínuo, o que se deve fazer para que as duas disciplinas, Direito e Psicologia trabalhem juntas com mais eficiência é que cada uma entenda a importância da atividade exercida pela outra e que juntos, podemos muito mais.

 

REFERÊNCIA

 

ALVES, JONES FIGUEREDO. Psicologia aplicada ao Direito de Família. In: Jus Navigandi. Teresina, n. 55, março de 2002. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/2740/psicologia-aplicada-ao-direito-de-familia. Acessado em 22 de junho de 2012.

 

BERNARDI, Dayse Cesar Franco. BRISSET, Fernanda Otoni de Barros. BRITO, Leila Maria Torraca de. Psicologia em interface com a justiça e os direitos humanos.  Conselho Federal de Psicologia. - Brasília: CFP, 2011.

 

FREITAS, Marcel de Almeida. Psicologia Jurídica e Psicologia Forense: Aproximações e Distinções. Disponível em: http://www.psikeba.com.ar/articulos2/MAF_psicologia_juridica_psicologia_forense.htm. Acessado em 25 de junho de 2012.