A INFLUÊNCIA DE POLÍTICAS CRIMINAIS NA ELABORAÇÃO DA LEI DE DROGAS ? L 11.343/06: Renata Xenofonte* SUMÁRIO: Introdução; 1. Breve Análise Geral da Política Criminal Contra as Drogas; 1.2. Da Política Criminal Contra as Drogas no Brasil e suas Influências; 2. Principais Alterações Surgidas pela Lei N° 11.343/06 em Relação à Lei N° 6.368/76 e Lei N° 10.409/02; 3. Descriminalização ou Despenalização da Posse de Drogas para Consumo Pessoal?; 4. Tendências Político-Criminais em Relação às Drogas; 5. Considerações Finais; 6. Referências Bibliográficas. RESUMO Este trabalho tem por objeto promover breve análise da nova Lei de Drogas ? Lei 11.343/06, considerando a princípio os aspectos da política criminal de forma geral e a influência por ela sofrida quando de sua elaboração, pela política criminal adotada em alguns países, suas principais mudanças e sua tendência evolutiva. Palavras-chave: Nova Lei de Drogas. Descriminalização. Despenalização. Tendências Político-Criminais. ABSTRACT This paper aims to promote brief analysis of the new Law on Drugs ? Law 11.343/06, considering at first aspects of criminal policy in general and the influence it has suffered when in preparation, for the criminal policy adopted in some countries, its key changes and their evolutionary trend. Word-key: New Drug Law. Decriminalization. Criminal-Political Trends. INTRODUÇÃO Neste trabalho, buscamos traçar uma linha de progressão da política criminal brasileira existente partindo da compreensão da política criminal adotada em alguns países que a nosso ver influenciaram sobremaneira a adoção de determinadas posturas na luta pelo combate às drogas, considerada nos dias de hoje como um mal que aflige a humanidade em função dos agravantes e complicadores que permeiam diretamente o universo de usuário, usuário-dependente ? especialmente os jovens, e traficante, bem como seus familiares e "quase" indiretamente, infelizmente não tão distante quanto se gostaria, do cidadão comum que se vê exposto a toda sorte de mazelas ali geradas. Os dados são alarmantes: No mundo todo, cerca de 200 milhões de pessoas - quase de 5% da população entre 15 e 64 anos - usam drogas ilícitas pelo menos uma vez por ano. Cerca de metade dos usuários usa drogas regularmente; isto é, pelo menos uma vez por mês. A droga mais consumida no mundo é a cannabis (maconha e haxixe). Cerca de 4% da população mundial entre 15-64 anos usa cannabis enquanto 1% usa estimulantes do grupo anfetamínico, cocaína e opiáceos. O uso de heroína é um grave problema em grande parte do planeta: 75% dos países enfrentam problemas com o consumo da droga. Ao final, nos baseando na visão de estudiosos do assunto, apontamos o que pode ser identificado por uma tendência evolutiva, um rumo, o caminho a que nos levam tais "evoluções" do dispositivo em estudo. 1. BREVE ANÁLISE GERAL DA POLÍTICA CRIMINAL CONTRA AS DROGAS No entendimento de Zaffaroni "A Política Criminal é a ciência ou a arte de selecionar os bens jurídicos que devem ser tutelados penalmente e os caminhos para tal tutela, o que implica a crítica dos valores e caminhos já eleitos" , nesse sentido e de acordo com a política criminal adotada pelos governantes é de fácil perceber o que se toma por prioridade. Falar em política criminal é falar em formas de proteção adotadas contra a crescente criminalidade que brota no seio da sociedade em decorrência de graves problemas sociais como fome, indigência, saúde, desemprego, entre outros, o que diretamente representa um obstáculo a tão almejada paz social, que por sua vez é o ponto em que a sociedade, influenciada pela mídia, a opinião pública pressiona as autoridades quando da ocorrência de crimes comovedores ou do aumento da incidência destes, cobrando uma atitude capaz de solucionar ou ao menos reduzir os espantosos índices da criminalidade bem como a punição dos culpados. "Em resposta" aos anseios da sociedade as autoridades editam leis, normalmente mais severas, formulam técnicas e regras visando à diminuição e o controle de atividades ilegais dentro da sociedade. O que não guarda relação direta com a raiz do problema, mas isso é outra discussão. Podemos elencar as principais políticas criminais que tanto exercem influência sobre as drogas: a) A primeira é o modelo norte-americano de tolerância zero; b) a segunda é o modelo liberal; c) o terceiro modelo seria o europeu de redução de danos. Luciana Boiteux aponta que os norte-americanos defendem de forma extremada, o uso de sua estratégia punitiva/repressiva nos fóruns internacionais baseada em seu modelo proibitivo, violador de direitos garantistas, que diz respeito à aplicação dos princípios constitucionais visando assegurar os direitos fundamentais de todos os cidadãos, inclusive dos que infringiram a lei, impondo um ideal de abstinência de um produto que tem farta comercialização, não aceitando qualquer tipo de conduta referente às drogas com caráter nitidamente repressivo e proibicionista, incentivando uma maior atuação do Estado no combate ao uso, tráfico e produção não autorizada de drogas, propagando o pânico e apontando como solução para uma eventual desarmonia social o aumento de pena e intervenção ampliada do Direito Penal, o que torna impossível ao Direito Penal, de forma isolada, concretizar a política criminal adotada a fim de modificar essa realidade, ponto em que se questiona o fracasso desse sistema, mas que não impede a geração de negócios de bilhões de dólares com as prisões. Esta é uma corrente ideológica surgida pelo Movimento da Lei e de Ordem que atribuem à penalização do ser humano como único e eficaz instrumento de ressocialização do indivíduo na sociedade. Esclarece Luiz Flávio Gomes que na visão norte-americana as drogas são um problema dos militares em particular e da polícia, que se resolve com o encarceramento em massa dos envolvidos com as drogas, e ressalta que programas como o "diga não às drogas" que tem sua eficácia questionável. Já o modelo liberal radical, como o próprio nome já o conceitua, defende a liberação total das drogas e sua descriminalização. O terceiro modelo é talvez o mais importante, refere-se à redução de danos. Como explica a professora Luciana a política de redução de danos é adotada por alguns países da Europa, em contraposição ao modelo norte-americano, como a Holanda onde houve a despenalização da posse, cultivo e do pequeno comércio de algumas substâncias como a cannabis. Tal modelo adota uma política de controle educacional tratando os usuários ou dependentes como cidadãos e não como criminosos, delegando ao Estado a função de controle das drogas para melhorar a saúde pública. Aqui o que se busca é controlar ou minimizar efeitos e conseqüências do consumo das substâncias ilícitas sem que tal consumo seja interrompido, diz respeito a uma questão de saúde pública, objetivando a promoção da inclusão social dos usuários, sua ressocialização, bem como a prevenção e o combate de drogas, que no entendimento de Luiz Flávio seria, a redução de danos causados a usuários e a terceiros, o enfoque correto para o problema que "propugna pela descriminalização gradual das drogas assim como por uma política de controle ("regulamentação") e educacional; droga é problema de saúde pública" , considerando o autor que "droga é problema de saúde privada e pública" . Para este modelo, a saída seria criar ambientes para que as pessoas pudessem usar suas drogas, haveria um fornecimento de seringas e etc., tudo com a finalidade de reduzir danos a terceiros e descriminalizar, de forma gradual, a utilização das drogas através da educação sobre os males das mesmas. Esta política criminal já reflete a corrente de pensamento de intelectuais que integram a Nova Criminologia que prega uma intervenção penal mínima na liberdade individual do ser humano. Trata-se de questão que não pode ser vista somente como caso de polícia, não é assunto que se encerra, que se resolve apenas no âmbito do direito penal, antes extrapola para outras áreas, ou seja, é fundamental que brotem alternativas, que se pense na solução desta questão tanto dentro quanto fora do direito penal, como nas áreas da saúde, da sociologia e da psicologia. 1.2. DA POLÍTICA CRIMINAL CONTRA AS DROGAS NO BRASIL E SUAS INFLUÊNCIAS Versando sobre a política criminal contra as drogas no Brasil encontramos características distintas e até mesmo conflitantes entre si, uma vez que comporta duas tendências político-criminais, como abordaremos a diante em suas principais mudanças. É dispensado tratamento diverso e diametralmente oposto aos pólos da relação usuário X traficante, onde encontramos a política de redução de danos e a política proibitiva, evidenciando neste ponto a influência européia e norte-americana respectivamente. Seguindo o modelo norte-americano, o legislador brasileiro adota contra o traficante de drogas duras medidas a fim de coibir o tráfico, com penas agravadas, inafiançabilidade do delito, sem a concessão de sursis, bem como da graça, do indulto, da anistia e da liberdade provisória, sem falar da conversão da pena em restritiva de direitos, o que fará com que os foram encarcerados por tráfico permaneçam aprisionados por um tempo maior ainda. O que representa um fator agravante para o nosso já colapsado sistema penal, com acúmulo de processos nas varas criminais, cadeias superlotadas representando grande dispêndio aos cofres públicos. Se opondo a esta medida, nosso legislador usa a política da redução de danos, que já vem sendo discutida no País desde a década de 80 , para lidar com o usuário, seja ele dependente ou não, onde não poderão ser por isso presos, recebendo exclusivamente penas ?alternativas?. Para alguns doutrinadores essa conduta demonstra um caminhar para a despenalização, para uma política de uso controlado a exemplo do álcool, que não deixará de ser ?caso de polícia?, mas o será bem mais de saúde pública, uma vez que o uso de drogas tem reflexo direto no aumento de contaminação de doenças como AIDS - Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, Hepatite, em virtude do compartilhamento de agulhas e seringas. 2. PRINCIPAIS ALTERAÇÕES SURGIDAS PELA LEI Nº 11.343/06 EM RELAÇÃO À LEI Nº 6.368/76 E LEI Nº 10.409/02 Antes de adentrarmos na análise minuciosa da Nova Lei de Drogas sancionada em 2006 (Lei N°. 11.343), convém que façamos um resgate das leis anteriores a esta para que possamos, da melhor forma, estabelecer as diferenças substanciais e as alterações jurídicas importantes que ocorreram no âmbito legislativo no que concerne a forma de tratamento de alguns aspectos relevantes no que se diz respeito ao tratamento, prevenção e repressão de usuários e traficantes de drogas. Em 1976 foi sancionada a Lei N° 6.368 que versava sobre as medidas de prevenção e repressão ao tráfico ilícito e uso indevido de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica. De antemão, qualquer leitor desavisado, ou antes mesmo de verificar a lei em seu texto na totalidade, podemos perceber, claro como a luz meridiana, que o legislador não distinguia o traficante de substâncias ilícitas assim como o simples usuário visto como dependente químico. Nesta mesma seara, encontramos a Lei N°. 10.409 de 2002 que dispunha da mesma lógica legislativa da Lei de 1976. Esta Lei de 2002 apenas revogou parcialmente a de 1976 contendo em seus dispositivos legais o Capítulo III "Dos crimes e das penas" constando dos artigos 12 aos 19 em seus incisos e parágrafos. E para que possamos identificar as mudanças que ocorreram na nova Lei de 2006, devemos, a priori, estudar as principais disposições das leis anteriores que sofreram a citada transformações. Vejamos. A primeira mudança que a Lei N°. 11.343/06 acarretou com relação as suas antecessoras está justamente na finalidade que cada lei objetivava com relação aos usuários e traficantes de drogas. Como bem ressaltamos a Lei de 1976 e a de 2002 abordavam matéria que regulava a repressão tanto de usuários quanto de traficantes de substâncias ilícitas. Basta vermos sua ementa. Logo, a nova Lei de 2006, em seu texto ementário, instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad) prescrevendo medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social dos usuários e dependentes de drogas, e estabelecendo normas para a repressão à produção não autorizada e tráfico ilícito de drogas, permanecendo sua total censura e repulsa por aqueles que traficam drogas. Percebe-se com isso que o legislador, o Poder Público como um todo, está mais preocupado com o usuário e o dependente de drogas. Deixa claramente em seu texto que aos usuários e dependentes serão separadas as medidas de reintegração social valorizando a pessoa humana, conforme trataremos mais adiante. Assim, avançando na leitura das mencionadas leis podemos referenciar uma segunda inovação que seria o tratamento desigual ofertado ao usuário e dependente de drogas em relação ao que trafica ou que produz a droga indevidamente. Notemos como se deu esta alteração. A Lei de 1976 trazia em seu artigo 16 a repressão ao mero usuário ou dependente de drogas estando submetidos à detenção. Com enorme convicção, podemos certamente defender que esta foi a principal alteração (leia-se melhoramento) que a nova Lei de Drogas trouxe em seu bojo em relação às outras leis. Basta observarmos o seu artigo 28 que clareia bem esta idéia de não mais repressão dura ao mero usuário ou dependente de drogas, como faziam as leis anteriores, em consonância com o respeito à liberdade e a dignidade da pessoa humana, onde a prevenção torna-se prioridade das políticas públicas e não mais a ampliação dos "braços" do Direito Penal repressor. Há esta mudança. O usuário não é mais visto como criminoso e sim como um simples cidadão que reclama por assistência preventiva e educativa e não repressiva. Desta forma, percebemos que não cabe mais a prisão para o simples cidadão que guarda ou utiliza a droga para consumo próprio. Conforme o renomado jurista Luis Flávio Gomes preleciona "Prevenção é prioridade. [...]. Educação antes de tudo. [...]. Devemos adotar em relação às drogas, uma política educativa responsável. Para as drogas, o melhor caminho, dentre outros, é o da educação, não o da prisão". Já em relação à produção não autorizada e o tráfico ilícito de drogas, permanece a intenção do legislador de outrora que seria a total censura e desprezo por tal ato que gera um grande repúdio social. Notemos: a lei anterior em seu art. 12 já censurava por completo tais atos conferindo à conduta do tráfico e produção ilegal da substância a prisão, e a nova Lei de 2006, não muito distante desta realidade, apenas serviu para ratificar esta posição repressiva, só que trouxe uma singela e significativa alteração instrumentalizada em seu art. 33 . Logo, a citada alteração sinaliza para a posição do legislador em relação à produção e ao tráfico de drogas, ou seja, ainda mantém-se a figura criminalizante da conduta, só que tratada de forma mais severa pela nova lei. Aumentou, como se verifica na leitura dos aludidos artigos, a pena mínima que variou de forma crescente, de 3 (três) para 5 (cinco) anos de reclusão para o agente que cometer uma de suas condutas tipificadas no citado diploma legal. Como mais uma inovação substancial que a nova Lei de Drogas trouxe em relação às leis anteriores, podemos referenciar a questão da plantação de substâncias entorpecentes (drogas). A Lei de 1976 trazia em seu art. 12, §1º, inciso I, que incorreria na mesma pena de reclusão o agente que cultivar, semear ou fizer colheita de plantas que gerem dependência, independente de qualquer quantidade da substância. Já a Lei de 2006, trouxe em seu art. 28, §1º que incorrerá nas mesmas medidas alternativas o agente que, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância que gere dependência. Significa dizer que o objetivo do legislador em 2006 foi "separar" o usuário que semeia, planta ou cultiva substâncias para consumo próprio não restando configurado um ato típico do tráfico ilícito de drogas, desde que em pequena quantidade. Portanto, podemos concluir que a nova lei de drogas sancionada e vigente em 2006 acaba atenuando a conduta do mero usuário e do dependente químico retirando a pena de reclusão e inserindo medidas alternativas com o objetivo de ressocializar os mesmos através da educação e serviços comunitários. Uma tentativa de retirar o usuário e o dependente do meio social do tráfico de drogas, que se vira para o legislador como uma faceta degradante da sociedade, não igualando mais o dependente ou o usuário como criminosos. De qualquer sorte, o beneficiado é o usuário ou o dependente de drogas que passa a ser tratado como um doente, como realmente é, e não mais como um criminoso. Assim, abolidas as penas de liberdade, busca-se, de logo, medidas educativas para os comportamentos de dependências ou toxicomanias. Já a nova lei de drogas não foi benevolente com os traficantes ou com aqueles que produzem as drogas de forma ilegal. Em via oposta a isso, a nova Lei aumentou seu cerco repressivo para estes agentes criminosos ressaltando sua postura de tolerância zero para tais condutas. Logo podemos concluir que as políticas criminais adotadas em nosso país em relação às drogas, refletidas em sua legislação, que na Nova Lei de Drogas, o legislador adota duas políticas criminais na elaboração de sua lei anti-drogas. Como bem sabido, as leis anteriores previam penas de reclusão tanto para os usuários ou dependentes quanto para aqueles que produziam ou traficavam ilegalmente. Por isso, adotavam a política da tolerância zero e enorme aparato penal em repressão e instalação do estado de medo com enorme influência dos EUA. Para melhor esclarecer essas duas posturas do legislador frente às drogas, Luiz Flávio Gomes sintetiza de forma brilhante esta idéia: A nova Lei, nitidamente, abarca as duas tendências. A proibicionista dirige-se contra a produção não autorizada e o tráfico de drogas, enquanto que a prevencionista é aplicada para o usuário e para o dependente. A Lei, ademais, está atenta às políticas de atenção e de reinserção social do usuário e do dependente. 3. DESCRIMINALIZAÇÃO OU DESPENALIZAÇÃO DA POSSE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL? Neste tópico, nos reservamos à exposição da divergência doutrinária em relação ao usuário e/ou dependente de drogas e a apresentar algumas ponderações pertinentes quanto à inovação dada pela nova lei de drogas de 2006. A discussão doutrinária gira em torno do art. 28 da Lei N°. 11.343/06 que apenas impõe medidas alternativas e educativas para as pessoas que forem "pegas" usando (consumo pessoal apenas) drogas, diferente das leis anteriores que determinavam a prisão para os usuários e dependentes, conforme visto nos tópicos anteriores. E o que se diverge é o seguinte: o legislador, ao retirar a possibilidade de prisão e inovar ao impor medidas sócio-educativas, descriminalizou ou despenalizou a posse de drogas para consumo pessoal? Há diversos posicionamentos. Analisemos sucintamente cada um deles. A primeira posição de descriminalização é defendida e liderada por Luiz Flávio Gomes que diz haver uma "descriminalização formal", ou seja, o fato de consumir drogas deixa de ser crime, mas ainda continua dentro do direito penal. O autor afirma que deixou de ser crime porque a conduta não requer mais como medida punitiva a pena de reclusão ou detenção ou nem pode ser considerada uma contravenção penal porque a mesma impõe como pena a prisão simples com multa, nos termos do art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal . Para o renomado autor "A conduta descrita no art. 28, para nós, continua sendo ilícita (uma infração, aliás, uma infração penal sui generis)" . Significa dizer que a conduta tipificada no art. 28 da nova Lei não se enquadra na figura de crime e nem de contravenção, por isso o autor denomina uma infração sui generis, porque não perdeu o aspecto de infração penal em virtude da conduta está elencada topograficamente no capítulo III "Dos Crimes e das Penas" da nova Lei de 2006. Em outras palavras: a nova Lei de Drogas, no art. 28, descriminalizou formalmente a conduta da posse de droga para consumo pessoal. Retirou-lhe a etiqueta de "crime" porque de modo algum permite a pena de prisão. O usuário já não pode ser chamado de "criminoso". Ele é autor de um ilícito, ou seja, a posse de droga não foi legalizada, mas não pode mais receber a pecha de "criminoso". Já a segunda posição, entendida majoritariamente, defende que o que houve não foi uma descriminalização como defende Luiz Flávio Gomes, e sim uma despenalização. Precisamos então saber o significado da palavra despenalizar. Despenalizar, para Luiz Flávio Gomes "Significa suavizar a resposta penal, evitando-se ou mitigando-se o uso da pena de prisão, mas mantendo-se intacto o caráter ilícito do fato. [...]. O caminho natural decorrente da despenalização consiste na adoção de penas alternativas para infração". Esta é a posição defendida pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal (RE 430.105-9), que acredita que como a conduta ainda está tipificada no art. 28 de uma lei penal especial, portanto, não há que se falar em descriminalização e sim despenalização onde o usuário e depende de drogas não sofrerão mais sanção penal prisional e sim medidas alternativas de inclusão social e controle educacional. Acreditamos, ser esta a mais acertada posição, pois efetivamente defende a dignidade da pessoa humana e passa a ser, para o Estado, um princípio e um objetivo a ser respeitado e alcançado, respectivamente, pelo Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre as Drogas, nos termos do art. 4º da Lei N° 11.343/06. Só para efeitos de informação, devemos citar uma terceira corrente doutrinária defendida por Alice Bianchini , que teoriza acerca do art. 28 da nova lei de drogas ao afirmar que esta conduta tipificada neste dispositivo sinaliza para uma infração do direito judicial sancionador tendo ocorrido um abolitio criminis, ou seja, o usuário e o dependente de drogas não cometem mais crime, pois esta conduta foi retirada do direito penal. Independentemente de posicionamento doutrinário, o que vale mesmo é que, efetivamente, seja respeitado o cidadão e que o problema das drogas seja encarado pelo Estado como resultado de uma saúde pública que se encontra em estado caótico. 4. TENDÊNCIAS POLÍTICO-CRIMINAIS EM RELAÇÃO ÀS DROGAS Depois da abordagem sobre a diferenciação das leis anteriores com a nova Lei de Drogas, em relação à posição adotada sob a ótica do usuário e do dependente e suas demais inovações, bem como da breve análise sobre a discussão existente entre a descriminalização ou despenalização da posse de drogas, cabe, neste momento, de modo despretensioso buscar assinalar as tendências de tais políticas criminais relacionadas com as drogas abraçadas pelo nosso Direito Penal. Em uma das poucas situações de lucidez, o legislador, no que se refere ao usuário e dependente de drogas, deixa de assumir uma postura intolerante e repressiva passando a adotar a política de redução de danos com a inserção de política educacional e adoção de medidas alternativas para usuários e dependentes, como se observou no art. 28 da nova lei de 2006. Segundo o renomado jurista Luís Flávio Gomes "A legislação penal brasileira, tradicionalmente, sempre tratou o simples usuário de droga como criminoso. [...] Por influência dos EUA, entretanto, o assunto sempre foi levado para o âmbito do direito penal" . E com a nova lei de drogas, retira-se qualquer possibilidade da pena privativa de liberdade e de encaminhamento à autoridade policial , antes havendo a possibilidade da prisão em flagrante nas leis anteriores. Já em relação aos agentes que produzem ou que traficam drogas fica claro perceber em que política criminal o legislador se apoiou. Adotou a política de tolerância zero aumentou o aparelho repressor do Estado para as condutas tidas como mais perigosas à sociedade. Para entendermos isso, basta verificarmos que a nova lei, em seu art. 33 como já citado, aumentou a pena mínima de 3 (três) para 5 (cinco) anos, aumentando seu juízo de reprovabilidade e censura para as pessoas que cometem tais crimes. Um ponto se clareia para nós. Que o legislador está mais preocupado com o ser humano como cidadão detentor de direitos e garantias individuais que precisam ser efetivados e a primazia da dignidade da pessoa humana, enxergando que o uso de drogas e a própria dependência química das mesmas dependem, para a sua extinção, de políticas públicas mais inclusivas e que as drogas nada mais são que problema de saúde pública, isto é, dever do Estado conservar a sua incolumidade. Por fim, conforme expõe Luciana, deve-se defender: ... um modelo alternativo mais humano e racional que é o da legalização controlada, que inclui a legalização de todo o processo, do comércio à posse de drogas, que ficaria sujeito à fiscalização pelo Estado, da mesma maneira que hoje se adota para as drogas lícitas (álcool e tabaco), muito embora se saiba das dificuldades práticas de implementação de uma proposta como essa, bem como da necessidade de uma modificação das convenções internacionais sobre o tema. Tal modelo deve incluir necessariamente a proibição de propaganda, o controle de qualidade dos produtos e o maciço investimento em prevenção e em estratégias de redução de danos. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do exposto, podemos levantar algumas considerações acerca do tema proposto a ser trabalhado. Primeiramente, podemos considerar, de forma precisa e segura, que o Brasil, em se tratando de adoção de políticas criminais em relação ao tratamento de drogas, ainda possui um forte apego à política norte-americana da tolerância ao achar que toda mazela social em nosso país se resolve com a ampliação dos "braços - tentáculos" do direito penal. Assistimos essa realidade claramente nas discussões acerca da redução da maioridade penal, discussão esta que surgiu em virtude da aparição de reincidência de casos e fatos criminosos que envolvem menores de 18 anos. Certamente, transferem a problemática e a solução para o mesmo Direito Penal. O aparelho repressivo é o fator gerador do problema social e, ao mesmo tempo, o solucionador do mesmo problema. Que isto é um contra-senso, sem sombra de dúvidas. Mas, com a Lei N.º11.343/06, mais precisamente o art. 28 que trata o usuário e o dependente de drogas, que foi tratado pelo legislador de forma inteligente e balizada em princípios e garantias constitucionais. Acabam vislumbrando o usuário e o dependente de drogas como fruto de uma saúde pública esfacelada e decadente, cabendo ao Estado, reintegrá-lo socialmente através de políticas públicas educativas, retirando a pena de prisão por considerar, talvez, a descrença na perda de sua eficácia no programa ressocializador. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOITEUX, Luciana. A Nova Lei Antidrogas e o aumento da pena do delito de tráfico de entorpecentes. Disponível em : . Acesso em: 25 out 2008. Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC). Prevenção ao Abuso de Drogas. Disponível em: . Acesso em: 31 out 2008. GOMES, Luiz Flávio. Luiz Flávio Gomes coordenação. Lei de Drogas comentada artigo por artigo: Lei 11.343/2006. ? 2. ed. rev., atual. e ampl. ? São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. __________________. Nova Lei de Tóxicos: Usuário Livre. Disponível em: . Acesso em: 28 out 2008. LÔBO, Irene. Governo regulamenta política de redução de danos para usuários de drogas. Disponível em: . Acesso em: 28 out 2008. ROSA, Rodrigo Silveira da. O novo entendimento dado aos usuários de drogas ilícitas: doente ou delinqüente? Disponível em: . Acesso em: 17 out 2008. ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. 4ª ed.