A “INFERIORIDADE” DAS SOCIEDADES PRÉ-COLOMBIANAS COMO UM DISCURSO FALACIOSO*

 

 

Anna Letícia Santos Alves de Berredo Martins**

 

 

SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Contexto histórico das civilizações pré-colombianas;2.1 Acivilização asteca;2.2 Acivilização maia;2.3 Acivilização inca; 3 Aspectos jurídicos e políticos da conquista; 4 O discurso falacioso que legitima a conquista espanhola; 5 As transformações nas vidas dos nativos após a chegada dos espanhóis; 6 Conclusão.

RESUMO

 

Aborda-se o panorama histórico em que estavam imersos europeus e ameríndios, destacando-se entre estes incas, astecas e maias. Apresenta-se as razões políticas e jurídicas da conquista. Contrapõem-se os argumentos oficiais e os sentimentos reais dos espanhóis que “legitimaram” a conquista da América. Faz-se uma reflexão sobre a vida dos nativos após a chegada dos colonizadores, mencionando-se as perdas que a humanidade sofreu provocados por um equívoco irreparável dos europeus.

 

Palavras-chaves: Ameríndios. Espanhóis. Legitimação. Intolerância.

1 INTRODUÇÃO

 

Este artigo tem como objetivo identificar as causas econômicas, políticas, jurídicas, religiosas e sociais que “fundamentaram” a conquista da América Espanhola, e principalmente mostrar a injusta, devastadora e inexplicável ação dos colonizadores em terras americanas, que utilizaram em seu discurso oficial motivos aparentemente nobres, como a pregação de uma nova fé – que a princípio se daria pacificamente, como desejava seu profeta –, mas estes sentimentos encobriam toda a crueldade movida pela cobiça européia. Então, para mostrar a falácia da justificativa espanhola e a relação discriminatória que os europeus tinham com os nativos, mostraremos também a falta de sensibilidade e a ignorância em relação à organização cultural do “outro”, isto é, do não-europeu, para isso os povos ameríndios serão representados aqui por três grandes civilizações: inca, maia e asteca.

Dessa forma, tentaremos falar sucintamente dos problemas e das transformações que surgiram com a “descoberta” do Novo Mundo, destacando as diferenças clamorosas entre nativos e conquistadores e a posição que cada um tomava a respeito do outro. Assim, pretendemos que o leitor reflita sob um outro ponto de vista, menos triunfante e mais vergonhoso do que a versão que aprendemos na escola, em que europeus são vistos como heróis, merecedores de nomes de avenidas e construções públicas, enquanto que indígenas são vistos apenas como objetos de estudo de sociólogos e antropólogos, sem que sejam feitas efetivas ações de integração social dos descendentes dos primeiros donos da terra.

2 CONTEXTO HISTÓRICO DAS CIVILIZAÇÕES PRÉ-COLOMBIANAS

Durante a Baixa Idade Média, existiam dois caminhos para chegar ao centro do comércio mundial, as Índias: ir por terra, pagando tributos aos senhores feudais e correndo riscos de assaltos durante o percurso, ou navegando pelo mar Mediterrâneo, pagando altíssimos impostos aos comerciantes italianos que monopolizavam a região. Então, a Coroa espanhola enfadada dessas cobranças viu-se obrigada a descobrir uma nova rota para chegar ao oriente, foi assim que o navegador genovês Cristóvão Colombo apresentou aos espanhóis um novo projeto que se baseava na forma redonda da Terra, na época, muitos acreditavam que o mundo possuía forma plana. Seguindo essa teoria os navegadores espanhóis chegariam às Índias dando uma volta em torno do globo, partindo do leste para o oeste. 

Colombo não conseguiu ampliar o comércio com o oriente, mas, apesar de nunca ter sabido o que realmente aconteceu, ele foi o responsável por um novo período na História, isso porque em 12 de outubro de 1492 ficou marcado oficialmente o primeiro contato entre europeus e nativos do Novo Mundo. Nesta data desembarcou na ilha de Guanaani[1] uma civilização cheia de avanços tecnológicos e de diferenças comportamentais, representada por três caravelas e comandada pelo navegador genovês.

De um lado, europeus com seu domínio da escrita, suas roupas, seu modo de falar, seus modernos meios marítimos, seus anseios pelo controle da economia mundial, sua subordinação a um rei e a uma Igreja que muito faziam para a perpetuação de seu poder e domínio, mas poucos faziam por uma população tão devota a eles e que passava por muitas dificuldades (guerras, fome, doenças). De outro, uma população em que seus membros usavam poucas roupas ou nenhuma (a depender da tribo), sem objetos que representassem um grande avanço tecnológico, povos que se baseavam na subsistência, na solidariedade e na coletividade (apesar da hierarquia existente entre seus membros), desconhecedores da existência da propriedade privada, pessoas que desconheciam o deus católico e praticavam o politeísmo, estágio em que os europeus já haviam passado há muitos séculos, durante a Antigüidade, talvez essas duas últimas características sejam os maiores “erros” dos ameríndios, foram essas “desorganizações” vistas pelos europeus que classificaram os nativos como bárbaros.

A população de Guanaani possuía uma organização mais simples, logo, não foi objeto de muitos estudos, entretanto, alguns povos do Novo Mundo construíram verdadeiros impérios nos séculos que antecederam a chegada dos europeus, entre eles: maias, incas e astecas.

2.1 A civilização Maia

Localizada na Península de Yucatán, em determinada época “atingiu um nível de requinte e sofisticação jamais atingido por nenhuma outra civilização pré-colombiana” (KOSHIBA, PEREIRA; 1992; p.3), nesse período, chegaram a controlar as rotas comerciais da Mesoamérica. Algum tempo depois, foram dominados pelos toltecas que se fixaram na cidade de Chichén Itzá, e seu espírito guerreiro acabou influenciando a arte maia. Mais tarde este povo, os Cocon de Mayapan e os Xius de Uxmal uniram-se dando origem à forte Confederação Maia. Entretanto, após quase duzentos anos, a união se desfez e as três cidades entraram em guerra. Poressa razão quando os espanhóis chegaram a essa região, em 1519, os maias já haviam perdido o esplendor e no fim do século XVII pereceram de vez à conquista espanhola.[2]

A sociedade maia desconhecia o trabalho com metal e a atividade agrícola era rudimentar, apesar das avançadas técnicas de irrigação, baseava-se nas plantações de milho, feijão e tubérculos, como elas tinham um determinado período para serem realizadas, a mão-de-obra disponível era ocupada nos outros meses com construções de obras públicas (por exemplo, suas famosas pirâmides). O título de civilização pré-colombiana mais requintada é facilmente confirmado quando são vistas as avançadas técnicas arquitetônicas ou as técnicas têxteis de fiações e de uso de tintas. A escrita era baseada em hieróglifos, também era um dos dois únicos povos que conheciam o uso do número zero, possuíam um sistema de numeração avançado, e possuíam calendário mais avançado que o Gregoriano e com a exatidão de 365 dias, sem anos bissextos.

2.2 A civilização Inca

 

Os incas estabeleceram-se nas Cordilheiras dos Andes, destarte sofreram grandes influências de povos que anteriormente habitavam essa região, como o Chavín e o Chimu. Com o soberano Pachacuti (1438-1471), começou a expansão inca e em menos de cem anos construíram o mais vasto império pré-colombiano, que era interligado por um extenso sistema viário de 16 mil quilômetros. Enfraquecidos por disputas internas, em 1532, rendeu-se à colonização espanhola.

Inicialmente, a terra era propriedade de todos, mas com o desenvolvimento da sociedade a desigualdade surgiu e a terra tornou-se propriedade eminente do Estado. O imperador não podia cobrar impostos, mas exigia a corvéia (trabalho gratuito prestado ao imperador em alguns períodos do ano), para regular os homens disponíveis ao trabalho, o Estado desenvolveu uma burocracia e um sistema de contabilidade bastante avançado, o quipo. Possuíam um engenhoso sistema de irrigação baseado em diques, canais e aquedutos. Ouro, prata e pedras preciosas eram abundantes, mas os incas não os tratavam como preciosidades, apenas como matéria-prima qualquer para a ornamentação dos seus templos e enfeites para seu imperador.

2.3 A civilização Asteca

Os astecas habitavam o vale do México e, em 1325, fundaram sua capital, Tenochtitlán, hoje Cidade do México. O império começou a ser destruído em 1519, com a chegada dos espanhóis comandados por Fernão Cortez. Era uma sociedade que valorizava a guerra e o trabalho, apesar da oposição entre estas duas coisas, para eles, elas eram complementares e assim deram origem à exploração do homem pelo homem. Isso porque ela só existia quando os astecas venciam um outro povo, junto com a exploração veio o direito de tomarem posse dos bens dos vencidos, dessa forma a população dividia-se em ricos e pobres.[3] Mas, embora houvesse desigualdades, o imperador, em certo período do ano, distribuía roupas, alimentos e tecidos aos trabalhadores e, em caso de calamidade, sempre os socorria.

A sociedade asteca era composta pela aristocracia guerreira, religiosos e trabalhadores, que faziam parte da classe pobre, e pelos tlacotli, prisioneiros de guerra ou trabalhadores condenados que pertenciam ao senhor, mas não era um escravo propriamente dito, pois raramente perpetuava nesta condição. Aliás, a mobilidade social era uma das características marcantes desta sociedade, isso é explicado pela existência da propriedade comunal, que atribuía ao trabalhador uma espécie de contrapeso em relação à importância dos guerreiros.

As crianças, independente da classe a qual seus pais pertenciam, eram educadas para serem guerreiros, os que se destacassem nas guerras poderiam ingressar na carreira militar, os que não conseguiam eram obrigados a voltar para o trabalho. Só os guerreiros poderiam ascender a uma atividade administrativa, já os trabalhadores, socialmente inferiores, estavam sujeitos ao pagamento de tributos e à corvéia. Este povo era essencialmente militarizado, mas a guerra também tinha uma razão religiosa, era usada para satisfazer as vontades dos deuses, pois esse povo acreditava que a qualquer momento o mundo poderia ser destruído e para evitar a catástrofe faziam sacrifícios humanos, pois a preservação do mundo dependia do derramamento do sangue ou “água preciosa” e a guerra era o principal meio de obtenção de pessoas para o sacrifício, assim a guerra, além de trazer a anexação de territórios e tributação aos vencidos, tinha caráter sagrado por satisfazer as divindades astecas.

3 ASPECTOS JURÍDICOS E POLÍTICOS DA CONQUISTA

 

Assim que foi oficializada a descoberta de novas terras a Espanha tratou de apropriar-se delas, pois para o governo seria interessante a aquisição de outros territórios de modo que pudesse consolidar-se politicamente e crescer economicamente. Por ter sido dominada durante muito tempo pelos mouros e ter conseguido expulsá-los apenas no fim do século XV, a Espanha ainda estava politicamente desestruturada no momento da descoberta, além disso, a economia espanhola passava por dificuldades, já que suas principais relações comerciais eram feitas no oriente e para chegar até o outro lado do mundo era necessário pagar altos tributos aos senhores feudais ou às cidades italianas, dependendo da rota que seguiam. Então, a posse de um território com condições ambientais tão diferentes das conhecidas pelo Velho Mundo, poderia beneficiar novos negócios e um fortalecimento do Estado espanhol.

Juridicamente, a Igreja foi a primeira a legalizar a conquista da América. Através da Bula Inter Coetera, o papa Alexandre VI concedeu aos espanhóis o direito de colonizar, dominar e explorar as novas terras, esse documento foi substituído depois de dois anos pelo Tratado de Tordesilhas, que dividiria o continente entre Portugal e Espanha, entretanto, continuou gerando muita polêmica entre as demais nações européias, e foi razão da famosa e irônica frase do rei francês Francisco I: “Gostaria de ver a cláusula do Testamento de Adão que dividiu a Terra entre Portugal e Espanha.” Mais tarde, as legitimações eram feitas através de Capitulações, isto é, contrato entre a Coroa Espanhola e o responsável pelas expedições, estes documentos possuíam três cláusulas principais: autorização formal para a expedição, os direitos e deveres do expedicionário para com o governo e as condições de rescisão do contrato[4].

A descoberta da América deu um caráter de “achado não é roubado”, isso porque, como já dissemos, os nativos estavam num estágio de evolução entre animais e humanos, ou seja, os europeus, então nada mais justo do que o juiz oficial das questões internacionais (a Igreja) concedesse a posse da terra “sem dono” e distante de quaisquer “civilizações” a quem primeiro descobrisse.

4 O DISCURSO FALACIOSO QUE ‘LEGITIMA’ A CONQUISTA ESPANHOLA

 

A “descoberta” da América originou uma era em que os europeus enriqueceriam com a matéria-prima abundante e diversificada do novo continente e assim dominariam o resto do mundo, pois até então a Europa era vista apenas como periferia do Oriente. Entretanto, a Conquista não teve apenas glórias, pelo contrário, muito sangue foi derramado e muitas humilhações ocorreram para que acontecesse o “progresso” europeu.

A exploração das novas terras deveu-se em muito à inexistência da propriedade privada, esta era a prova cabal da desorganização política, econômica e social, em que estavam imersos os ameríndios e, seu modo de vida simples, baseado na coletividade, fez com que os espanhóis subjugassem esses indivíduos e os transformassem em seus escravos, ignorando qualquer atividade que os ameríndios desenvolvessem antes de 1492. Desse modo os nativos foram vistos como bárbaros e, segundo a visão eurocêntrica[5], precisariam urgentemente da civilização que seria conseguida com a cruz e a espada.

O politeísmo e os rituais praticados pelos índios, como o sacrifício humano feito em algumas tribos como oferta aos deuses, eram os símbolos das relações entre os indígenas e o demônio, logo, era preciso trazer a Igreja até o Novo Mundo, pois a religião católica era a única capaz de salvar àquelas almas “contaminadas”. Entretanto, a conversão não era tão pacífica, pois muitos nativos se opunham e estes eram violentamente reprimidos pela chamada guerra justa, “houve, portanto, muito mais uma dominação da religião do conquistador sobre o dominado do que uma passagem a um momento superior de consciência religiosa” (SILVA FILHO, 2007, p.235), lembrando que a catequese não era para ser imposta, deveria apenas ser transmitida, aliás, a violência sofrida pelos índios fez com que muitos padres se opusessem aos colonizadores, entre eles o frei Bartolomé de Las Casas.

A guerra justa era feita com uma violência irracional[6] e de forma totalmente desrespeitosa. Las Casas, em um trecho de seu livro, revela a agonia sofrida pelos índios: “choram seus deuses dia e noite, pensando que eram melhores que nosso Deus, pois que é por causa dele que suportam tantos males, enquanto que os seus lhes davam tantos bens e ninguém os atormentava como atormentam os cristãos.” (1996, p.137). Entretanto, nem sempre havia um motivo para o uso desleal da força. Muitas vezes, os massacres eram feitos por puro prazer, como aconteceu em Cuba, quando os “civilizados” espanhóis resolveram testar a afiação de suas espadas em homens, mulheres, velhos, crianças e bebês.[7]

Apesar do discurso religioso, a ambição material foi, certamente, a principal motivação da Conquista espanhola. Em Paraíso destruído, obra de Las Casas, são feitas muitas menções a comandantes espanhóis que chegavam às tribos, faziam-se amigos dos nativos, ganhavam presentes, pois os povos que não conheciam a ira européia tratavam seus convidados com respeito e admiração (inclusive o conquistador Hernán Cortez era visto por maias e astecas como o deus Quetzalcoatl, cujo retorno havia sido profetizado), mas nem sempre se davam por satisfeitos com os agrados, muitas vezes essas “visitas” terminavam em várias mortes.

A civilização dos bárbaros, a disseminação do catolicismo e a possibilidade de um progresso europeu foi durante muitos anos o discurso oficial da legitimação da conquista da América, porém, esses pontos não passaram de eufemismos quando se analisa criticamente o que aconteceu. Pode-se dizer que esse discurso encobria a intolerância e o desrespeito pelas tradições nativas, ignorando a possibilidade do outro ser apenas diferente, e não inferior, a prepotência dos europeus que acreditavam que sua verdade religiosa deveria, por bem ou por mal, ser a verdade de todos os outros, e também uma ambição voraz por poder, dinheiro e luxo, tudo isso agravado por uma crueldade tão grande quanto a dos soldados romanos que chicotearam e crucificaram o seu mártir.

 

 

5 AS TRANSFORMAÇÕES NAS VIDAS DOS NATIVOS APÓS A CHEGADA DOS ESPANHÓIS

 

A Antropologia chama de “estranhamento” o choque causado pelo primeiro encontro de duas culturas tão diferentes. Mas esse “estranhamento” teve conseqüências posteriores ao primeiro contato entre europeus e ameríndios; a tecnologia primitiva, as tradições politeístas e a sociedade baseada no comunismo era a prova da inferioridade dos nativos, dando direito aos espanhóis de explorá-los e de “purificá-los”, pois levavam uma vida pecaminosa, assim transformaram o “ser” do “outro” em “ser” de “si mesmo”[8]. Na Antropologia existe também o conceito de “alteridade”, ou seja, a diversidade de culturas, mas os europeus nunca viram o outro como diferente e sim como inferior, de forma que os nativos continuaram sendo subjugados. O escritor Octavio Paz define bem o pensamento europeu: “nenhuma sociedade nem época alguma denominou-se a si mesma moderna – salvo a nossa... O Ocidente identificou-se com o tempo e não há outra modernidade senão a do Ocidente. Restam apenas bárbaros, infiéis, gentios, imundos; ou melhor os novos pagãos...” (In: KOSHIBA, 1992, s. p.)

Nenhum dos povos que viviam com harmonia e respeito foi poupado. Muitos foram extintos, os que restaram perderam a maior parte da população, Silva Filho fala que antes da conquista havia cerca de 25 milhões de pessoas no México, em 1600 restava apenas um milhão (2007, p. 229). Mulheres foram violentadas, homens foram queimados vivos, muitos foram mortos por golpes de espada ou armas de fogo, aconteceram estrangulamentos e muitos perderam a vida na forca. Além destes massacres, muitos nativos morreram por doenças transmitidas pelos espanhóis, isso porque os nativos tinham baixa imunidade em relação às doenças já conhecidas pelos europeus. Outra razão para a diminuição populacional foi a estagnação da taxa de natalidade, como os homens trabalhavam nas minas e as mulheres no campo eles viam-se muito pouco durante o ano e quando se viam o cansaço não os deixava pensar na perpetuação de sua tribo, quando acontecia alguma gravidez, as crianças não viviam muito devido aos trabalhos exaustivos e à fome que suas mães sofriam, assim não havia leite para nutrir seus bebês. Tratou-se de um genocídio sem precedentes.

Nos séculos XVIII e XIX, o movimento romântico deu uma nova interpretação à sociedade indígena: para a literatura, eles não seriam mais bárbaros, agora as diversidades culturais não seriam mais consideradas inferiores nem superiores, eram apenas diferenças. O Romantismo contribuiu para a independência das colônias espanholas e para a abolição da escravatura, entretanto, mesmo com esse novo ponto de vista recheado de um senso antropológico primitivo, os descendentes dos povos pré-colombianos continuaram marginalizados, sem condições de retomar a vida que tinham antes dos espanhóis, pois o paraíso foi ocupado pelos senhores europeus.

Hoje, os descendentes de maias, astecas e incas não possuem mais o esplendor obtido no passado, vivem de modo simples e sem muitos recursos, estão jogados a boa vontade dos governantes de seus países e mesmo que esta seja muito grande nada mais voltará a ser como antes, nada apagará os sofrimentos causados pelos espanhóis.

6 CONCLUSÃO

 

Do exposto, mostra-se o quão infundadas foram as justificativas da conquista da América, aparentemente baseada na fé e na civilização dos “bárbaros”, como disse Las Casas: “nenhum cristão pode lícita e honestamente confirmar e defender a autoridades que se diz apostólica nem a dominação de um rei cristão com guerras injustas cobrindo montanhas e campos de sangue inocente, com infâmia e blasfêmia para Jesus Cristo e a fé.” (1996, p. 129). Como povos com capacidade para criar um sistema viário de 16 mil quilômetros, obras arquitetônicas magníficas, um sistema de contabilidade tão avançado, um calendário com a exatidão que o maia possuía, e uma sociedade tão bem estruturada como a asteca podem ser considerados ignorantes?

Talvez se os europeus tivessem, no século XVI, a compreensão de que “aquilo que tomávamos como natural em nós mesmos é, de fato, cultural” (LAPLANTINE, 1998, p. 21) e que o diferente não é inferior, esses povos continuariam existindo e o mundo saberia mais sobre as técnicas tão avançadas que desenvolveram, hoje, sabemos que aculturar os nativos não foi a melhor escolha.

Pelo Juspositivismo a conquista foi legítima, já que tudo foi legalizado e feito com o aval da Coroa Espanhola, mas ninguém com bom senso pode dizer que o progresso vale tantas vidas sacrificadas e tantos desrespeitos, entretanto, ficam duas lições para as gerações posteriores à esse genocídio: a sua verdade jamais poderá ser imposta ao outro e as diferenças entre os povos não existem para que um se sobreponha ao outro, mas para que somem e contribuam para a humanidade.

THE “INFERIORITY” OF THE PRÉ-COLOMBIANS SOCITIES AS A MISLEADING SPEECH

 

ABSTRACT

 

The historical view where the Europeans and Amerindians were immersed is approached, emphasizing among these Incas, Aztecs and Mayans. It presents the legal and political reasons of the conquest. The official arguments and the real feelings of the Spaniard are opposed who “had legitimized” the conquest ofAmerica. it is made a reflection about the life of the natives after the arrival of the colonizers. Finally, it is mentioned the loses that the humanity suffered provoked for an irreparable mistake from the Europeans.

Key-words: Amerindians. Europeans. Legitimation. Intolerance.

 

 

REFERÊNCIAS

KOSHIBA, Luiz; PEREIRA, Denize Manzi Frayse. Américas: uma introdução histórica. 2. ed. 11. reimp. São Paulo: Atual, 1992.

 LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. São Paulo: Brasiliense, 1998.

 LAS CASAS, Bartolomé de. O paraíso destruído: brevíssima relação da destruição das Índias. 6. ed. Porto Alegre: L&PM,1996.

 PIRES, Sérgio Luiz Fernandes. O aspecto jurídico da conquista da América pelos espanhóis e a inconformidade de Bartolomé de Las Casas. In: WOLKMER, Antonio Carlos (org.). Direito e justiça na América indígena: da conquista à colonização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.

 SILVA FILHO, José Carlos Moreira da. Da “invasão” da América aos sistemas penais de hoje: o discurso da “inferioridade” latino-americana. In: WOLKMER, Antonio Carlos (org.). Fundamentos da História do Direito. 4.ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

                                                        



* Artigo elaborado para obtenção de nota na disciplina de História do Direito.

** Aluna do 2º período do curso de Direito.

[1] Hoje San Salvador, nas Bahamas.

[2] Cf. KOSHIBA, Luiz; PEREIRA, Denise Manzi Frayze. Américas: uma introdução histórica. 2. ed. 11. reimp. São Paulo: Atual, 1992. p. 7-8

[3] Cf. KOSHIBA, Luiz; PEREIRA, Denise Manzi Frayze. Op. cit. p. 9

[4]  Cf. PIRES, Sérgio Luiz Fernandes. O aspecto jurídico da conquista da América pelos espanhóis e a inconformidade de Bartolomé de Las Casas. In: WOLKMER, Antonio Carlos (org.). Direito e justiça na América indígena: da conquista à colonização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.

[5] É a visão histórica unilateral dos europeus sobre outros povos, dessa forma os europeus intitulavam-se civilizados diante de bárbaros selvagens, no caso os ameríndios.

[6] Cf. SILVA FILHO, José Carlos Moreira da. Da “invasão” da América aos sistemas penais de hoje: o discurso da “inferioridade” latino-americana. In: WOLKMER, Antonio Carlos. Fundamentos da História do Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p 232.

[7] Cf. SILVA FILHO, José Carlos Moreira da. Op. cit., p. 229-230.

[8] Cf. SILVA FILHO, José Carlos Moreira da. Op. cit., p. 223.