Primeiramente, a fim de compreender o tema em pauta, é necessário considerar que a prova, no âmbito jurídico, de acordo com Fernando Capez, compreende o “conjunto de atos praticados pelas partes e pelo juiz destinados a levar ao magistrado a convicção acerca da existência ou inexistência de determinado fato. Trata-se, portanto, de todo e qualquer meio moral e legalmente permitido empregado pelo homem com a finalidade de comprovar uma alegação”. Uma vez conceituada a prova e prosseguindo-se com este raciocínio, basta esclarecer a ilicitude em questão: as provas ilícitas consistem aquelas produzidas a partir de meio contrário às normas de direito material e constitucional ou normas de direito processual.

O princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas destaca-se entre os inúmeros princípios que regem a produção de provas no Processo Penal. Isso, porque, apesar de disposto, expressamente, no artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal Brasileira de 1988, existem alguns questionamentos acerca da flexibilização do princípio. As teorias da razoabilidade e da proporcionalidade, por exemplo, se chocam com Constituição Federal à medida que, segundo ambas, a prova ilícita é admitida em situações excepcionais – casos em que se busca a verdade real -, desde que o agente que a produziu seja responsabilizado criminalmente por ela.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.

Além do artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal de 1988; o artigo 157, da Lei Federal 11.690/2008 não deixa dúvidas quanto à inadmissibilidade das provas ilícitas.

Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.

§1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.

§2o Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.

§ 3o Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.

No entanto, apesar da Constituição Federal e do Código de Processo Penal trazerem expressamente a inadmissibilidade de provas ilegais, este tipo de prova é considerado admissível em se tratando de situações nas quais serão utilizadas em favor do réu. Dessa forma, segundo o Promotor de Justiça Norberto Avena, a “doutrina e a jurisprudência majoritárias, há longo tempo, têm considerado possível a utilização das provas ilícitas em favor do réu quando se tratar da única forma de absolvê-lo ou, então, de comprovar um fato importante à sua defesa”.

Assim, percebe-se a existência de duas correntes, ou posicionamentos, no que se refere à aceitação, ou não, da prova ilícita no processo penal. Segundo o sistema que considera inadmissível, esse tipo de prova não pode ser juntada aos autos do processo e, se juntada, será considerada ineficaz e deverá ser desentranhada de imediato. Por outro lado, se considerada admissível a prova ilícita, esta não é retirada do processo, no entanto, será declarada nula ao final do processo, pelo juiz, o que acarretará responsabilidade penal ao agente produtor da prova. No que se refere ao direito brasileiro vigente, o sistema da inadmissibilidade das provas ilícitas vigora com exclusividade.

Segundo o Senhor Ministro Celso de Mello, “ninguém pode ser denunciado ou condenado com fundamento em provas ilícitas, eis que a atividade persecutória do Poder Publico, também nesse domínio, está necessariamente subordinada à estrita observância de parâmetros de caráter ético-jurídico cuja transgressão só pode importar, no contexto emergente de nosso sistema normativo, na absoluta ineficácia dos meios probatórios produzidos pelo Estado”.

Para a jurista ítalo-brasileira Ada Pellegrini Grinover, “a prova obtida por meios ilícitos deve ser repudiada – e repudiada sempre – pelos Juízes e Tribunais por mais relevantes que sejam os fatos por ela apurados, uma vez que se subsume ela ao conceito de inconstitucionalidade”. Isso significa que, no processo penal, a vedação das provas ilícitas atua na regularização da atividade estatal persecutória, à medida que inibe e desestimula as práticas probatórias ilegais pelo responsável por sua produção; tem também função pedagógica uma vez que tutela específicos valores reconhecidos pela ordem jurídica.

Com relação aos direitos individuais, a vedação das provas ilícitas destinam-se à proteção do direito à intimidade, à privacidade, à imagem – artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal -, à inviolabilidade do domicílio – artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal -, normalmente, os princípios mais atingidos ao logo de diligências investigatórias.

Assim, a norma assecuratória da inadmissibilidade no processo penal das provas obtidas com violação de direito tem a finalidade de tutelar direitos e garantias individuais, bem como a qualidade do material probatório a ser proposto e valorado no mesmo processo.

Alguns meios de provas são questionados quanto à sua admissão, ou inadmissão se ilícitos, quando atingem os direitos à intimidade ou à privacidade do acusado, ou mesmo de terceiros. Discorrer-se-á, no decorrer do artigo, sobre três dele, a saber: gravações ambientais, interceptações telefônicas e de dados e sigilo bancário.

Quando alguém mantém determinada comunicação com outrem, o conteúdo dessa conversa não diz respeito a terceiro – não partícipe – e, exatamente por isso, não é permitida sua reprodução utilizando-se de qualquer meio.

As gravações ambientais – assim chamadas por serem realizadas no meio ambiente -, por exemplo, são clandestinas e, portanto, ilegais, quando desconhecidas por um ou por todos os interlocutores, porque, visivelmente, violam os referidos direitos à intimidade e à privacidade dos partícipes da comunicação. No entanto, caso o responsável pela gravação seja partícipe, a ilicitude somente se configura no ato de publicar – ou seja, revelar a terceiro(s) – o conteúdo da comunicação; a simples gravação sem o conhecimento do interlocutor não pode ser considerada violação de direito. Além disso, existem outras situações em que não há de se falar em ilicitude: quando for autorizada a gravação ambiental. Neste caso, se os interlocutores tiverem consciência da gravação ou houver ordem judicial, a violação de direito não ocorrerá.

Da mesma forma, constitui-se outra exceção à ilicitude na gravação caso seja comprovada “justa causa”, isto é “situação de relevância jurídica”; “motivação que possa validamente ser reconhecida pelo Direito como causa de justificação da conduta tipificada penalmente”. “Justa causa poderá ocorrer, assim, quando a revelação do conteúdo se destinar a provar fato cuja existência seja relevante para a defesa de direito daquele que promoveu a gravação.” (Eugênio Pacelli de Oliveira).

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal segue a mesma trilha de Eugênio Pacelli:

“[...] é lícita a prova consistente no teor de gravação de conversa telefônica realizada por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro, se não há causa legal específica de sigilo nem de reserva da conversação, sobretudo quando se predestine a fazer prova, em juízo ou inquérito, a favor de quem a gravou.”.

Ademais, “a Suprema Corte reconheceu a ‘repercussão geral’ da questão, afirmando a validade da gravação clandestina nas hipóteses em que o interlocutor esteja a defender interesse juridicamente relevante e legítimo, em como em casos em que não haja reserva de sigilo na comunicação.” (Eugênio Pacelli).

No caso de haver confissão de determinado crime em gravação de comunicação, sem a consciência de um dos interlocutores, fala-se na inadmissão da prova no processo vez que é irrefutável a violação do direito ao silêncio – reconhecido a todos que estejam, ou venham a ser, submetidos a processo penal. Percebe-se, pois, que, também nesse caso, a prova não detém valor algum; esta somente é valorada quando realizada perante o juiz no curso da ação penal.

Com relação às provas obtidas por meio de interceptações telefônicas e de dados, quando não autorizadas judicialmente, serão inadmissíveis no processo, uma vez que são previstas como crime, na Lei Federal nº 9.296/96. No entanto, a quebra de sigilo será admitida em caso de haver autorização judicial fundamentada. Segundo o art. 1º da referida Lei, as interceptações deverão ser precedidas de ordem judicial do juiz competente, devidamente fundamentada – nos termos do art. 5º.

Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.

Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática.

 

Art. 5° A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova.

O último meio de prova a ser analisado consiste àquela adquirida a partir da quebra do sigilo bancário. Este tipo de prova apenas requer alguns requisitos a fim de que seja admitida no processo, a saber: indispensabilidade da medida, do sigilo quanto ao procedimento e da finalidade pública reservada à providência. É necessário, pois, somente sopesar a necessidade de flexibilizar os direitos à privacidade e à intimidade e o risco que a imposição de tais direitos como absolutos e incontestáveis poderá causar a outros princípios constitucionais.

No caso da quebra do sigilo bancário, nem mesmo é exigência constitucional que o faça a partir de ordem judicial; a Lei Complementar nº 105/01 atribui a outras autoridades do Poder Público a flexibilização dos referidos princípios constitucionais.

Art. 6° As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.

Segundo Eugênio Pacelli, “José Adércio Leite Sampaio, autor do estudo mais completo e aprofundado sobre o direito à intimidade e à privacidade, informa que, no mundo inteiro, há uma tendência a se permitir a quebra de sigilo bancário por autoridades administrativas sempre que necessário às investigações criminais, financeiras ou fiscais, e desde que não estejam disponíveis meios menos gravosos.”.

Apesar de expresso em Lei e contrário ao estudo de José Adércio Leite Sampaio, o Supremo Tribunal Federal decidiu ser necessária a autorização judicial para as providências previstas na mesma Lei.

Voltando-se à análise da inadmissibilidade de provas ilícitas no processo penal e saindo-se do mérito de meios de provas específicos, com relação à qualidade da prova, reconhecer a ilicitude do meio de obtenção da prova já impede o aproveitamento de métodos cuja idoneidade probatória seja previamente questionada e levam à nulidade dos mesmos. A norma do artigo 572, parágrafo 1º, do Código de Processo Penal, trata da consequência trazida pela nulidade de provas ilegais que, imediatamente, serão desentranhadas do processo.

Art. 573.  Os atos, cuja nulidade não tiver sido sanada, na forma dos artigos anteriores, serão renovados ou retificados.

§ 1o A nulidade de um ato, uma vez declarada, causará a dos atos que dele diretamente dependam ou sejam conseqüência.

§ 2o O juiz que pronunciar a nulidade declarará os atos a que ela se estende.

Com o intuito de explicar a norma acima descrita, Tourinho Filho exemplifica: “vedar que se possa trazer ao processo a própria ‘degravação’ das conversas telefônicas, mas admitir que as conversas nela colhidas possam ser aproveitadas pela autoridade, que agiu ilicitamente, para chegar a outras provas, que sem tais informações não colheria, evidentemente, é estimular, e não reprimir a atividade ilícita da escuta e da gravação clandestina e conversas privadas”.

Analisando-se por outro ângulo, a vedação das provas obtidas ilicitamente também repercute no ramo da igualdade processual; isso, porque, há de se falar em um equilíbrio entre as forças relacionadas à atividade instrutória da defesa quando se impede a produção de provas, por meio irregular, pelos agentes do Estado.

Além disso, a vedação da prova não pode ocorrer somente em relação ao meio utilizado para produzi-la, mas também, no que se refere aos resultados obtidos a partir da utilização de determinado meio. Portanto, ainda que não haja vedação expressa quanto ao meio utilizado para a produção de provas, é necessária análise acerca do resultado da prova: se consistem, ou não, violação de direitos.