INTRODUÇÃO

A abordagem proposta no presente trabalho consiste nos questionamentos acerca da constitucionalidade do Exame da Ordem e apontamentos do entendimento do Supremo Tribunal Federal – STF sobre o tema. Para tanto serão apreciados argumentos, posicionamentos, decisões de diversas estâncias, leis, Constituição Federal e doutrinas.

Os estudos norteadores do presente tema foram efetuado mediante pesquisa bibliográfica. Os dados disponíveis no site oficial do Supremo Tribunal Federal, disponível na rede mundial de computadores – Internet, foram fonte inevitável de consulta, haja vista as constantes atualizações e modificações no recurso extraordinário que analisou a constitucionalidade do Exame da Ordem.

Inicialmente o presente trabalho procederá uma análise básica do ensino jurídico brasileiro, expondo dados acerca das primeiras instituições de ensino Superior que trouxeram ao Brasil os cursos jurídicos, além de fazer uma breve explanação do atual contexto do ensino jurídico brasileiro, atentando a grande explosão na criação dos citados cursos.

O capítulo dois será reservado para uma explanação superficial da história do advogado brasileiro, constando ponderações acerca das criações das instituições organizadoras da classe, tais como Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e posteriormente Ordem dos Advogados Brasileiro – OAB.

Posteriormente serão feitas abordagens acerca do Exame da Ordem, exame este que consiste em uma prova aplicada pela Ordem dos Advogados do Brasil, onde visa atestar a qualificação do então bacharel, ou acadêmico do último ano de Direito, para o futuro exercício profissional da advocacia. E ainda, mais adiante um confrontamento entre as legislações que regulavam e regulam a classe dos advogados.

Passada a parte inicial, serão expostos nos capítulos subsequentes os questionamentos sobre a constitucionalidade ou não do Exame da Ordem, elencando de maneira clara cada posicionamento apresentado por grande parte da doutrina, e em seguida serão confrontados com a decisão do STF, em uma análise objetiva acerca do voto do relator do recurso.

Vale ressaltar, que o tema de enfoque é de grande valia aos estudantes de cursos superiores, em especial aos acadêmicos de Direito, uma vez que ao final será exposto o entendimento do STF acerca da validade legal na restrição a liberdade profissional.

Em linhas gerais o presente estudo reporta-se basicamente a grande parte da matéria que gira em torno da Constitucionalidade do Exame da Ordem, desde o surgimento do advogado bacharel no Brasil, até ao atual processo de seleção para tal profissão de grande relevância Constitucional.

 
 

1 ENSINO JURÍDICO NO BRASIL

 O Brasil no período colonial, era muito influenciado por Portugal, vez que trouxe seus preceitos familiares, patrimoniais e obrigacionais, seus valores e sua organização jurídica hierarquizada.

Na concepção de Genro (2009), o Ensino Jurídico brasileiro começou necessariamente pela Universidade de Direito de Coimbra, localizada em Portugal, pois praticamente toda a estrutura política e intelectual do Brasil, estudava nesta universidade.

Passado o momento colonial brasileiro e vindo sua independência em 1822, o Brasil adquiriu um pensamento novo, criando novas leis com pensamentos próprios, elaborando uma nova Constituição, e vindo a criar a Carta de Lei de 11 de agosto de 1827.

Por meio desta Carta de Lei, foram criados dois cursos de ciências jurídicas e sociais: o primeiro no Convento de São Francisco em São Paulo e o segundo em Olinda, no Mosteiro de São Bento, sendo que a Faculdade de Olinda, no ano de 1870, foi transferida para a cidade de Recife-PE, devendo se destacar que ambos encontraram inúmeros problemas para formar um acervo material, bem como encontrar um corpo docente e discente a altura da importância do curso criado. (GENRO, 2009).

Os dois cursos inicialmente atendiam as necessidades dos alunos e docentes, contudo o objetivo buscado era de certa forma as possibilidades políticas futuras do bacharelismo, deixando de lado o academicismo. Outras problemáticas encontradas, foram a elevada falta de respeito dos discentes, falta de habilidade autoritária dos docentes e também a falta de costume ao estudo e reflexão entre os acadêmicos.

A Universidade de São Paulo era conhecida por um modelo de ensino mais liberal da política, enquanto a escola de Pernambuco era mais adepta ao perfil doutrinador, analisando de forma mais sócio racial e neodarwinista o Direito.

Como argumenta Rodrigo Benedet Naspolini:

 De forma geral, podemos dizer que a escola de São Paulo tendia de forma mais ampla ao modelo liberal da política, enquanto a de Pernambuco – que em 1854, transferiu-se de Olinda para Recife – era adepta ao perfil doutrinador, analisando de forma mais sócio racial e neodarwinista o Direito. (NASPOLINI, online, 2008).

 Passados mais de cento e oitenta e quatro anos da criação das primeiras faculdades jurídicas no Brasil, verifica-se o crescimento avassalador dessas instituições atingindo atualmente o número de um mil e duzentos cursos, ultrapassando a totalidade mundial que é de aproximadamente um mil e cem cursos jurídicos.

No entanto, esse crescimento quantitativo atrapalhou de certa forma a evolução da qualidade dos referidos cursos, tanto é que até a presenta data ainda é aplicada a metodologia de ensino no estilo aula conferência.

Além desses fatores, também impediu o crescimento intelectual do curso, a falta de estímulo pela pesquisa e extensão. Rodrigues (1993) argumenta que “Há a necessidade de tomar-se consciência da indissociabilidade desses elementos. Sem a pesquisa não há novo conhecimento a transmitir. Sem extensão não há o cumprimento da função social do conhecimento produzido”.

Com relação ao crescimento desordenado dos cursos de direito, tem-se ainda como fator preponderante a omissão por parte dos órgãos públicos fiscalizadores por ocasião da criação e da manutenção desses cursos, acabando por facilitar que boa parte das instituições privadas, sem estrutura física, corpo docente sem qualificação etc, ofereçam grande número de vagas visando apenas aferição de lucro.

Por fim, segundo Ramos (2000) diante da criação dos primeiros cursos jurídicos no país, a formação de uma entidade que reunisse a classe era questão de tempo, o que veio a ocorrer no ano de 1843, com o surgimento do Instituto dos Advogados do Brasil, que fez parte de toda a história da Advocacia, temática alvo de abordagem no próximo capítulo.

 

2 HISTÓRIA DA ADVOCACIA NO BRASIL

 Diante da criação dos cursos jurídicos, passado alguns anos, segundo Ramos (2000) em 07 de agosto de 1843 foi fundado o IAB-Instituto dos Advogados Brasileiros, por meio da adesão do Aviso Imperial de 07 de agosto de 1843. No estatuto do IAB estava previsto que seu objetivo seria organizar a OAB-Ordem dos Advogados do Brasil e por isso foi considerado por muitos como um mediador para a criação da OAB.

Dispunham os Artigos 1º e 2º do Decreto nº 7.836 de 28 de setembro de 1880:

 Art. 1º - Haverá na capital do Império um Instituto com o título - Instituto dos Advogados brasileiros - do qual serão membros todos os bacharéis de direito que se matricularem dentro do prazo marcado no regimento interno, onde igualmente se determinarão o número e qualificação dos membros efetivos, honorários e supranumerários residentes na Corte e nas províncias.

Art. 2º - O fim do Instituto é organizar a Ordem dos Advogados, em proveito geral da ciência da jurisprudência.

 A formação básica do IAB eram advogados concluintes das primeiras turmas dos cursos jurídicos de São Paulo e Olinda, e os Advogados vindos da Europa, principalmente da Universidade de Coimbra.

O IAB foi criado com a função de organizar os advogados, profissionais que eram responsáveis por guiar o futuro do novo país. Os advogados de então militavam tanto nas causas ainda hoje imprescindíveis, como também na política e nas tarefas de criação de praticamente todas as leis que estavam aos poucos substituindo a antiga legislação portuguesa, à época, ainda em vigor.

Segundo Almeida (2011, online) “o IAB, no período imperial se tratava de um órgão governamental, consultado pelo Imperador e seus auxiliares diretos, como também pelos Tribunais, para auxiliar com seus pareceres, as mais importantes decisões judiciais.”

 

Com o passar dos anos, depois da revolução de 1930, instalado o Governo Provisório, é que foi aprovado em 18 de novembro de 1930 o Decreto n°19.408 que autorizou a criação da Ordem dos Advogados do Brasil, em uma época onde os advogados e juristas eram ativos nos objetivos de renovar e mudar a política do país, conforme explica Gisela Gondin Ramos:

Vêm a Revolução de 1930, e a instalação do Governo Provisório. E foi exatamente neste momento histórico tão delicado que o velho ideal de criação da Ordem dos Advogados do Brasil encontra sua melhor oportunidade, E, tal como em épocas passadas, não deixa que lhe escape das mãos o sonho de realização há tanto tempo almejado. (RAMOS, 2000, p.180).

E ainda:

Mas o milagre tem nome: Desembargador André de Faria Pereira. Foi graças a sua hábil e oportuna intervenção junto ao Ministro da Justiça do Governo Provisório, que se permitiu a inserção do art. 17 no texto do Decreto n 19.408, de 18 de novembro de 1930, declarando, finalmente criada a Ordem dos Advogados do Brasil (RAMOS, 2000, p.180).

Nesse mesmo decreto, estava previsto que a Ordem seria conduzida pelos estatutos votados pelo IAB e admitidos pelo governo, conforme previsto no artigo 17 do Decreto nº 7.836/1880, “Fica criada a Ordem dos Advogados Brasileiros, órgão de disciplina e seleção de advogados, que se regerá pelos estatutos que forem votados pelo Instituto dos Advogados Brasileiros, com a colaboração dos Institutos dos Estados, e aprovados pelo Governo”.

A Constituição Federal de 1.988, elevou a advocacia a um nível de preceito constitucional, conservando o seu exercício como uma atividade estritamente privada, como prestadora de serviços de interesse coletivo, confiando as suas ações múnus público, conforme o art. 133 que assim dispões: "o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei".

Contudo, já no ano de 1963, passados alguns anos da criação da Ordem dos Advogados do Brasil, mais precisamente em 27 de abril de 1963, foi então criada a Lei 4.215/63, que tratava do Estatuto dos Advogados do Brasil e onde surgiu a figura do Exame de Ordem; temática esta que será discorrida no próximo capítulo.


3 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ACERCA DO EXAME DE ORDEM


3.1 EXAME DE ORDEM NA LEI 4215/63

A Lei 4.215 de 27 de abril de 1963 dispunha sobre o Estatuto dos Advogados do Brasil e foi quem trouxe pela primeira vez, o Exame de Ordem para o Brasil, que até a criação desta, não era requisito para o ingresso do bacharel em direito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil.

Na referida lei, a Ordem dos Advogados do Brasil era composta por três espécies de membros, sendo os advogados, os provisionados e os estagiários, com inscrições diferenciadas.

Para que um advogado fosse inscrito nos quadros da OAB, fazia-se necessário que o candidato preenchesse uma série de requisitos, conforme determinado no Art. 48 da Lei 4215/63:

Art. 48. Para inscrição no quadro dos advogados é necessário:

I - capacidade civil;

II - diploma de bacharel ou doutor em Direito, formalizado de acordo com a lei (art. , 57);

III - certificado de comprovação do exercício e resultado do estágio, ou de habilitação no Exame de Ordem (arts. 18, inciso VIII, letras a e "'b" e 53) ;

IV - título de eleitor e quitação do serviço militar, se for brasileiro:

V - não exercer cargo função ou atividades incompatíveis com a advocacia, (arts. 82 a 86) ;

VI - não ter sido condenado por sentença transitada em julgado em processo criminal, salvo por crime que não importe em incapacidade moral;

VII - não ter conduta, incompatível com o exercício da profissão (art. 110, parágrafo único); Parágrafo único. Satisfazendo os requisitos deste artigo, o estrangeiro será admitido à inscrição nas mesmas condições estabelecidas para os brasileiros no seu país de origem, devendo exibir diploma reavaliado, quando não formado no Brasil.

Analisando o inciso III do Artigo 48, pode-se constatar que existiam duas forma para que o bacharel em direito pudesse ingressar na OAB, sendo, o certificado de comprovação do exercício e resultado do estágio, ou a habilitação no Exame de ordem.

O estágio profissional supramencionado era exercido em escritório de advocacia existente há mais de cinco anos, ou ministrado pelas próprias instituições de Ensino Superior, devendo a sua conclusão ser aferida por um Advogado designado pela própria OAB, sendo que a duração do estágio deveria ser de no mínimo dois anos.

A segunda forma de ingressar como advogado da OAB, seria através do Exame de Ordem, que naquele momento tratava-se de provas de habilitação profissional, a ser disciplinada e regulada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. O certame era utilizado como alternativa para aqueles que não poderiam se submeter ao estágio profissional previsto na Lei 4.215/63, art. 48, III ou o estágio de prática forense e organização judiciária previsto na Lei nº 5.842/72.

Da mesma forma que os advogados, os provisionados deveriam preencher um série de requisitos para inscrever-se nos quadros da OAB, como prescreve o Artigo 51, da Lei 4.215/63:

Art. 51. Para inscrição no quadro de provisionados é necessário:

I - capacidade civil;

Il - provisão passada pelo Presidente do Conselho da Seção;

III - preencher os requisitos dos incisos IV a VII do art. 48.

Art. 52. Para obter a provisão, o candidato fará prova, perante o Presidente do Conselho Secional em que pretende exercer a profissão de habilitação em exame sobre as seguintes matérias:

I - organização e princípios constitucionais do Brasil;

II - organização Judiciária federal e local;

III - direito civil, comercial, criminal e de trabalho;

IV - processo civil e penal.

§ 1º O exame de provisionado será feito perante comissão composta de três advogados inscritos há mais de cinco anos, na forma, regulada no Regimento Interno da Seção (art. 27, inciso IV, letra h) ;

§ 2º As provisões serão dadas pelo prazo de quatro anos, para exercício em três comarcas no máximo, em cada uma das quais não advoguem mais de três profissionais podendo ser renovadas, a critério do Conselho Secional, se o provisionado houver exercido ininterruptamente a advocacia.

Os provisionados eram conhecidos como rábulas, onde nada mais eram que pessoas sem formação superior jurídica alguma, mas que possuíam um conhecimento dos procedimentos jurídicos/processuais e eram autorizados por lei a atuarem em defesa dos direitos dos cidadãos, tendo em vista que na época da vigência da Lei 4215/62 não se dispunha de grande quantidade de advogados, sendo necessária desta forma a existência desses provisionados para defender os interesses da sociedade.

E por fim, existia o estágio profissional, onde era exercido por acadêmicos de direito que buscavam sua qualificação para uma futura inscrição como advogado nos quadros da OAB, sem a necessidade de prestar o Exame de Ordem. O Art. 49 afirma que “Para inscrição do quadro de estagiários é necessário: I - capacidade civil; II - carta passada, pelo Presidente do Conselho da Seção; III - preencher os requisitos dos incisos IV a VI do art. 48.”

Como demonstrado, a aprovação no exame de ordem não era a única maneira de se tornar um Advogado, sendo possível fazer isto também através  do exercício do estágio profissional, podendo desta forma considerar o exame de ordem como uma maneira secundária de se ingressar nos quadros da OAB.

Diante da facilidade no ingresso nos quadros da OAB, a constatação da formação de bacharéis que não respeitavam o mínimo de conhecimento necessário para exercer a profissão de advogado e por fim, a celeridade com que surgiam novos cursos de direito, a OAB sentiu a necessidade de tomar uma medida que de certa forma combatesse a entrada de profissionais despreparados em seus quadros. Foi então no ano de 1994 criada a Lei 8.906/94 que veio substituir a lei 4.215/62, regulamentando o novo Estatuto da Advocacia, onde a aprovação no Exame de Ordem se tornou indispensável para a inscrição nos quadros da OAB.


3.2 EXAME DE ORDEM NA LEI 8906/94

A lei 8906/94 que trata do atual e vigente Estatuto da Advocacia, revogou a lei 4215/63, e com o advento dessa, permaneceram com direito de fazer parte dos quadros da OAB, apenas os advogados e estagiários do curso de Direito. A figura do provisionado foi extinta, não existindo mais qualquer forma de pessoas que não possuíssem formação jurídica superior, exercerem a defesa dos direitos dos cidadãos diante do judiciário.

Outra mudança considerável foi praticamente a extinção do estágio profissional, tendo em vista que essa figura não dava mais o direito a inscrição nos quadros da OAB sem a exigência do aferimento dos conhecimentos em futuro exame de ordem.

Não conferiu mais ao estágio profissional a obrigatoriedade, ficando apenas como uma forma de conferir conhecimentos ao estudante em final do curso que opte por exercê-lo, uma vez que com o estágio realizado ou não, o bacharel em direito terá, obrigatoriamente, de ser submetido ao exame de Ordem, circunstância que, praticamente, torna o estágio profissional de advocacia uma letra morta.

Com advento da lei 8906/94, o Exame de ordem veio de forma obrigatória, exigindo no inciso IV, do artigo 8º a aprovação em Exame de ordem, não dando mais a oportunidade do exercício do estágio profissional.

Art. 8º Para inscrição como advogado é necessário:

        I - capacidade civil;

       II - diploma ou certidão de graduação em direito, obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada;

        III - título de eleitor e quitação do serviço militar, se brasileiro;

        IV - aprovação em Exame de Ordem;

        V - não exercer atividade incompatível com a advocacia;

        VI - idoneidade moral;

        VII - prestar compromisso perante o conselho.

        § 1º O Exame da Ordem é regulamentado em provimento do Conselho Federal da OAB.

       § 2º O estrangeiro ou brasileiro, quando não graduado em direito no Brasil, deve fazer prova do título de graduação, obtido em instituição estrangeira, devidamente revalidado, além de atender aos demais requisitos previstos neste artigo.

        § 3º A inidoneidade moral, suscitada por qualquer pessoa, deve ser declarada mediante decisão que obtenha no mínimo dois terços dos votos de todos os membros do conselho competente, em procedimento que observe os termos do processo disciplinar.

       § 4º Não atende ao requisito de idoneidade moral aquele que tiver sido condenado por crime infamante, salvo reabilitação judicial.

Diferentemente do que se era disposto na lei 4.215/63, na qual o Exame de Ordem aparecia como segunda opção, a Lei 8.906/94 considera o exame como a única estrada a ser seguida pelo bacharel em direito para ingressar nos quadros da instituição, razão pela qual o certame é criticado por alguns doutrinadores e juristas. Carvalho (2011, p. 37) posicionou-se a respeito defendendo que, o exame de Ordem como a única forma de se ingressar nos quadros da OAB estaria “[...] evidenciando o deliberado propósito de fechar todas as portas para o ingresso do bacharel em direito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, fazendo com que o trânsito só circule pelo caminho único do exame de ordem”.

Segundo pesquisa feita na OAB (online, 2011) na data de 17/01/2010 foi aplicado o I Exame de Ordem de forma unificado, que englobou no certame todos os Estados do Brasil, anteriormente a esta data, até o ano de 2007, os exames eram aplicados individualmente por cada Seccional, sendo possível constatar uma disparidade de dificuldades das provas aplicadas.

Em 2007, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul não haviam aderido ao Exame unificado. O Rio Grande do Sul aderiu a partir de 2008. A seccional paulista aderiu em abril de 2009, e a seccional de Minas Gerais, a última a aderir o exame unificado, passou a aplicá-lo de forma única a partir de dezembro de 2010.

Sendo assim, com o advento da Lei 8906/94 foi atribuído ao Conselho Federal da OAB a função de regulamentação do Exame, que propiciou mudanças significativas na forma de aplicação e elaboração das provas, valendo-se do argumento de que as mudanças serviriam para preservar a qualidade do ensino jurídico e zelar pela qualidade dos profissionais que integram essa instituição de tanto prestígio e importância nacional.

Contudo, diante das últimas mudanças e com a unificação do Exame de Ordem, o Conselho Federal, abarcou em suas mãos todo o poder de controlar o fluxo de entrada de profissionais nos quadros da OAB, dificultando os certames de forma que chegam a dizer que existe a prática de reserva de mercado pelos profissionais já integrantes dessa organização, conforme exposto no parecer n.º 5664 do Subprocurador-Geral da República Rodrigo Janot Monteiro de Barros no recurso extraordinário 603.583/ RS:

Há quem diga que o exame de ordem não pode ser considerado como reserva de mercado, porque ele não estipula número de vagas. Porém, os altos índices de reprovação refletem não apenas a deficiência da formação acadêmica dos bacharéis, como também o grau de dificuldade da avaliação a que se submetem. Não há no Provimento nº 136/2009, do Conselho Federal da OAB, qualquer diretriz quanto ao grau de dificuldade das questões a serem aplicadas (principalmente na primeira etapa). Por isso que, mesmo se exigindo apenas 50% de acertos de 100 questões de múltipla escolha, ainda é a primeira etapa que concentra o maior o número de reprovações.

Reside nesta ampla discricionariedade, mais uma vez, a perigosa tendência de influências de interesses corporativos (reserva de mercado), dada a possibilidade de desvirtuamento do exame de ordem pela elevação do grau de exigência da prova a ponto de se limitar o número de aprovados a percentuais mínimos, o que hoje é uma realidade: restrição ao direito de escolha, de acesso.

Sendo assim, diante do apontamento de que o certame possui um caráter de reserva de mercado, uma vez que reprova-se a grande maioria de seus candidatos, o próximo tema a ser tratado serão algumas estatísticas dos últimos exames aplicados pela OAB.


3.3 DADOS ESTATÍSTICOS DO EXAME DE ORDEM

 

Atualmente, o Exame de Ordem está previsto na Lei 8906/94 e regulamentado pelo provimento de número 144/2011 do Conselho Federal da OAB, que por força do Artigo 8, parágrafo primeiro, tem atribuição para a regulamentação do certame. Art.8º §1 “O Exame de Ordem é regulamentado em provimento do Conselho Federal da OAB.”

A prova é composta por duas fases, sendo a primeira totalmente objetiva, contendo 80 questões, não sendo admitida qualquer forma de consulta a materiais didáticos. Os candidatos que alcançarem cinquenta por cento ou mais de acerto, serão submetidos a segunda fase.

A prova de segunda fase é formada por 4 questões subjetivas e 1 peça processual. Nessa etapa do certame os candidatos poderão escolher a área que desejam atuar, sendo elas, Direito Civil, Direito do Trabalho, Direito Penal, Direito Empresarial, Direito Constitucional, e Direito Administrativo, sendo que para se conseguir a aprovação no Exame, faz-se necessário o acerto de no mínimo 60% (sessenta por cento) dos pontos.

Segue abaixo as estatísticas dos Exames de Ordem a partir do ano de 2008:

 

Ano / Edição do Exame de Ordem

Quantidade de Inscritos

Quantidade de Aprovados

Porcentagem de Aprovação

2008.1

39.357

11.063

28,87%

2008.2

39.732

11.668

30,22%

2008.3

47.521

12.659

27,35%

2009.1

58.761

11.444

19,48%

2009.2

70.094

16.507

24.45%

2009.3

83.524

13.781

16,50%

2010.1

95.764

13.435

14,03%

2010.2

106.041

16.974

16,00%

2010.3

106.891

12.534

11,73%

2011.1

121.380

18.011

14,83%

Fonte:(http://www.portalexamedeordem.com.br/blog/2011/09/estatisticas-da-2%c2%aa-fase-do-iv-exame-de-ordem/)

 

Conforme esses dados estatísticos, verifica-se que o número de inscritos no certame sofre considerável aumento a cada ano e em consequência também aumenta o grau de dificuldade das provas, diminuindo de forma espantosa o percentual de aprovação.

Conforme argumenta Cavalcante (2011), presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, nos últimos vinte anos o Brasil manteve-se inerte diante da explosão na criação de faculdades de Direito enfatizando que “É inadmissível que a proliferação desordenada e irresponsável de autorizações por parte do MEC- Ministério da Educação tenha atingido um percentual de  612 % no período”. Observou também que em 1991 o país contava com apenas 165 faculdades de direito funcionando e nos dias nos dias de hoje conta com mais de 1200 cursos aprovados pelo MEC.

O grande problema da expansão é que alguns desses cursos não possuem sequer a mínima estrutura física e docente para manter um curso jurídico de qualidade, preocupando-se apenas com a quantidade de vagas que possui, almejando cada vez um maior lucro.

Outro ponto importante a ser analisado é a questão do aumento na taxa de reprovação. A OAB sustenta que este aumento se deve ao fato de que os cursos aprovados pelo MEC, são em grande parte de baixa qualidade.

Já por parte de quem é submetido ao certame, no caso os bacharéis em direito, estes argumentam que o Exame de Ordem se torna cada vez mais complexo, chegando a compará-lo com concursos da magistratura e Ministério Público, alegando que não poderia ser cobrado dos recém formadas, quase sem experiência prática, conhecimento a nível tão elevado. Alguns chegam a dizer que a OAB usa o exame como uma forma de reserva de mercado por partes dos que já a integram, alegando que o exame chega a ser de certa forma inconstitucional e ilegal, por diversos argumentos que serão expostos no capítulo seguinte.


4 A INCONSTITUCIONALIDADE DO EXAME DE ORDEM

A inconstitucionalidade do Exame da OAB é defendida por muitos, sendo que recentemente tramitou no Supremo Tribunal Federal (STF) o Recurso Extraordinário de número 603.583–6/210, onde os pedidos feitos pelo recorrente, englobam praticamente todos os questionamentos feitos pelos opositores a existência do Exame, quais sejam:

 

a)          o § 1º, do art. 8º, da Lei 8.906/94 não poderia atribuir ao Conselho Federal da OAB a regulamentação, por provimento, do exame de ordem, por ser da competência privativa do Presidente da República o exercício do poder regulamentar (CF, art. 84, IV);

b)         a exigência de aprovação no exame de ordem para a inscrição do bacharel como advogado atentaria contra o direito fundamental ao livre exercício profissional (CF, art. 5º, XIII), pois a qualificação do bacharel para o exercício da advocacia é aferida pelas instituições de ensino superior reconhecidas pelo MEC (Lei nº 9.394/96, art. 43) e não pela OAB;

c)         a exigência do inciso IV, do art. 8º, da Lei 8.906/94 contraria, a um só tempo, os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade, bem como o direito à vida e ao trabalho daqueles que obtiveram o diploma de bacharel em direito;

d)         a avaliação da qualidade do ensino jurídico compete ao Poder Público (CF, art. 209, II) e não à OAB, que deteria, tão-somente, a competência fiscalizatória do exercício profissional do advogado;

e)          o currículo acadêmico de formação de um profissional do direito é aquele definido pelas instituições de ensino superior (CF, art. 207), e não pelo Conselho Federal da OAB, e

f)           a proliferação e deficiência do ensino jurídico no Brasil não teriam o efeito de conferir à OAB o exercício arbitrário de competência que atenta contra direitos fundamentais, pois o exame de ordem estaria sendo utilizado como verdadeira “reserva de mercado.”

Diante de todas as determinações evidenciadas, faz- se pertinente alargar a discussão de cada alegação supramencionada, bem como de outras questões pertinentes, o que será abordado a seguir.


 

4.1 Da competência atribuída ao Conselho Federal da OAB  para a regulamentação do exame de ordem

Um dos questionamentos usados pelos críticos do Exame de Ordem consiste no poder atribuído pelo § 1º, do artigo 8º, da lei 8.906/94 ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, onde diz que:

 

Art. 8o Para inscrição como advogado é necessário:

[...]

IV – aprovação em Exame de Ordem;

[...]

§ 1o O Exame de Ordem é regulamentado em provimento do Conselho Federal da OAB.

 

O grande problema é que a Lei 8.906/94 não determinou nenhum rumo a ser seguido pelo OAB na confecção do certame, deixando uma enorme dúvida do que, afinal, é o Exame de Ordem. Na análise da legislação em tela, fica apenas claro que, será uma prova em que o bacharel de direito se submete, junto a OAB e que sem a sua aprovação fica vetado a inscrição em seus quadros, impossibilitando o exercício regular da advocacia.

Assim é que surge a primeira e intransponível dúvida:

É possível o Poder Legislativo delegar ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil a regulamentação do exame de Ordem, sem que a lei nada tenha trazido, absolutamente nada, a respeito de seu formato e contornos?  Não há outra resposta a negativa, de forma bem enfática e sonora: não, não é possível, nunca foi, nem nunca será. (CARVALHO, 2011, p. 49).

 

Carvalho (2011, p.49) ainda argumenta que:

 

Não cabia, nem cabe, em hipótese alguma, ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, fazê-lo, ainda que a norma ordinária lhe autorizasse, por que semelhante autorização não sana o problema da lacuna da lei, em circunstância alguma. O defeito, que a norma traz, não se conserta senão com outra norma, e, no caso, nenhuma lei, até agora, depois da Lei 8.906/94, procurou corrigir a omissão apontada a respeito do exame de Ordem, que continua, até agora, sem nenhuma orientação oriunda do Poder Legislativo.

 

Assim pode-se dizer que, de certa forma, o Exame não foi criado por lei, mas sim por um Provimento oriundo do Conselho Federal da OAB. Alguns críticos dizem que a OAB com a exigência do certame, estaria criando nada menos que uma qualificação profissional para o exercício da profissão da advocacia, contudo apenas a Lei tem o poder estabelecer as qualificações necessárias para o exercício de determinada profissão, conforme previsto no Artigo 5º, XIII da Constituição Federal “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.

Por fim, outro ponto questionado é a falta de competência do Conselho Federal da OAB para regulamentar leis, uma vez que tal atribuição é privativa do Presidente da República, bastando observar o Artigo 84, inciso IV da Constituição Federal do Brasil: “Art. 84 - Compete privativamente ao Presidente da República: IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução.”

4.2 O Exame de Ordem atenta contra o direito fundamental ao livre exercício profissional (CF, art. 5º, XIII)

Um dos princípios presentes na Constituição Brasileira de 1988 é o do Livre Exercício Profissional, disposto no Artigo 5º inciso XIII, qual seja: “Artigo 5º [...] XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais (grifo nosso) que a lei estabelecer.”

Pois bem, nesse princípio constitucional fica claro a ideia do legislador em dar liberdade aos trabalhadores brasileiros exercer a profissão que desejar, havendo no entanto necessidade de se atentar ao significado da expressão “qualificação profissional”. Tal expressão, não é apresentada de forma isolada na Carta Magna, presente também mais adiante, mas com uma expressão sinônima no Artigo 205 da Constituição Federal: “Art.205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (grifo nosso).”

Conforme expõe Carvalho (2011, p. 85)

As expressões são sinônimas, por que os dispositivos se interligam e se combinam, um, ao proclamar o livre exercício da profissão- daí qualificação profissional, se opera, de maneira que o último se constitui no complemento do primeiro e o primeiro reclama a presença do último. Apesar de distantes no Texto Maior, um, no inc. XIII do art. 5 º, o outro, no art. 205, a ligação entre os dois dispositivos é extremamente profunda.

Sendo assim, resolvida está a questão da expressão qualificação profissional e/ou qualificação para o trabalho, com o apontamento dentro do próprio texto constitucional da preocupação do constituinte na criação dos referidos artigos.

Diante dos esclarecimentos é que surgem diversos questionamentos  acerca de quem seria o responsável de qualificar o bacharel em direito para o efetivo exercício da Advocacia. Seria o Exame de Ordem o meio competente para qualificar profissionalmente o bacharel em Direito para exercer a advocacia?

Carvalho (2011) respondeu basicamente afirmando que, entender que a aprovação no Exame de Ordem qualificaria o bacharel em direito ao exercício da advocacia, seria um desrespeito a uma série de normas e princípios de âmbito constitucional em sentido absolutamente contrário a tal entendimento. Ele afirma que a qualificação profissional seria adquirida por conta dos ensinamentos obtidos no curso superior realizado pelo bacharel, suficientes para torna-lo apto para a profissão escolhida.

Pois bem, diante desse posicionamento, fica claro o entendimento do autor que a qualificação profissional seria obtida pelos ensinamentos absorvidos no decorrer do curso de direito, e ao término, com a aquisição do diploma de uma Instituição de Ensino Superior – IES devidamente reconhecida pelo MEC, sendo que diante desse contexto Carvalho (2011) concluiu afirmando que o Exame de Ordem, seria incompetente para atestar o rótulo da qualificação profissional ao bacharel em direito apenas com a aprovação em uma prova, aplicada em duas tardes.

A ligação do término do curso superior à qualificação profissional é plausível, uma vez que o formado em medicina está apto ao exercício profissional como médico; o formado em engenharia civil, está preparado para exercer o cargo de Engenheiro Civil; e por conseguinte, o formado em direito está qualificado para o exercício de qualquer função que exija conhecimentos jurídicos, como por exemplo, o ministério público, a magistratura, a procuradoria nas diversas esferas públicas, a consultoria jurídica privada, a arbitragem, e também a advocacia. Ficando claro que a desqualificação profissional, seria no sentido de que um formado nas ciências jurídicas ficaria impossibilitado de exercer a função de médico, e assim sucessivamente. (CARVALHO, 2011).

Outro ponto interessante discutido na doutrina, é que no Artigo 5º da Constituição Federal – CF em seu inciso XIII, na parte final diz que “[...] atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (grifo nosso)”. Sendo que no caso atualmente abordado a Lei que perfeitamente se encaixa é a Lei 9.394/96, onde institui as diretrizes e bases da educação nacional.

Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguinte princípios:

(...)

XI – vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.” (...)

Art.43. A educação superior tem por finalidade:

(...)

II- formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, após para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua;

(...)

V- suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração.

(...)

Art. 48. Os diplomas de cursos superiores reconhecidos, quando registrados, terão validade nacional como prova de formação recebida por seu titular.” (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996).

 A redação usada na Lei supramencionada, é tão clara e objetiva, que se chega a conclusão que ter um diploma conquistado por meio de longos anos de estudo em uma IES devidamente reconhecida e aprovada pelo MEC, atribui ao bacharel a qualificação profissional na seara cursada, dando o direito de desempenhar o trabalho, na prática da profissão escolhida. Deste modo, o diploma, por si só, espelha a qualificação recebida pelo portador e como consequência sua aptidão para o exercício da profissão abraçada.

“Em suma, a qualificação profissional, segundo a lei, a teor do inc. XIII do art. 5º, da Carta Magna, é conferida pelo estudo em várias etapas, até a conclusão do curso superior, no caso, de bacharel em direito, se fazendo representar pelo respectivo diploma.” (CARVALHO 2011, p. 91).

Por fim, em uma análise da Lei 9.394/96, fica claro que em vários artigos, buscou-se manter ligação entre o estudo como um forma para se chegar ao trabalho qualificado, contudo, na Lei 8.906/94 ,que estabelece o Estatuto da Advocacia, em nenhum momento atribui a OAB o poder de qualificar o bacharel em direito por meio da aprovação no Exame de Ordem. Desta forma, Carvalho (2011) concluiu basicamente que entre a Lei 9.394/96 onde cria um elo do estudo com a qualificação profissional, ditando todas as diretrizes do ensino brasileiro e a Lei 8.906/94, que é destinada apenas para a regulamentação da classe dos advogados, é plausível que predomine as disposições da Lei 9.394/96, que estão em consonância com os princípios aninhados no Artigo 205 da Constituição Federal.


4.3 Desrespeito aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade, bem como o direito à vida e ao trabalho.

 

A Constituição Brasileira de 1988, buscou abarcar em seu texto diversos princípios que devem ser respeitados por todas as normas infraconstitucionais, sendo que a lei que não observa esses princípios, deve ser retirada do ordenamento jurídico, por ser uma lei inconstitucional.

No Recurso Extraordinário de número 603.583–6/210 julgado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal, dentre outras, o autor alegou o desrespeito aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade e do direito a vida e ao trabalho, conforme será exposto a seguir.

 

4.3.1 Princípio da dignidade da pessoa humana

A Constituição Federal de 1988, já em seu Artigo 1°, mas precisamente no inciso III, dispôs que “Art. 1° A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III- A dignidade da pessoa humana” (BRASIL, 1988).

Nery Junior (2006, p.118) afirmou que:

Uma ciência que não presta para prover a sociedade de tudo que é necessário para permitir o desenvolvimento integral do homem, permitindo-lhe atingir seus anseios mais secretos, não se pode dizer Ciência do Direito. Os antigos já diziam que todo direito é constituído hominum causa (fr.2 D.1.5). Comprometer-se com a dignidade do ser humano é comprometer-se com sua Vida e com sua liberdade (Rosa Nery, Noções, pp. 95/102). Não há outra maneira de tratar o tema sem meditar sobre essa preliminar lógica. É o princípio fundamental do direito. É o primeiro. O mais importante.

Sendo assim, o princípio da dignidade da pessoa humana é um guia para a identificação material dos direito fundamentais, sendo que este apenas está sendo respeitado quando estiver resguardado ao homem todos os restantes dos direitos fundamentais.

Diante disso, alguns autores defendem que o Exame de Ordem desrespeita esse princípio, uma vez que ele estaria impedindo o exercício profissional da advocacia, aos bacharéis que cursaram Instituições de Ensino Superior devidamente reconhecidas e aprovadas pelo Ministério da Educação.

O Exame de Ordem atenta contra o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, ao impedir o exercício da advocacia e o direito de trabalhar, aos bacharéis qualificados pelas instituições de ensino fiscalizadas pelo Estado, ferindo assim o disposto nos incisos III e IV do art. 1° da Constituição Federal, que consagram como fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. (LIMA, online, 2006).

 

E ainda:

Ao impossibilitar o exercício da advocacia e o direito de trabalhar aos bacharéis qualificados pelas IES fiscalizadas pelo Estado, ferindo assim o disposto nos incisos III e IV do art. 1° da Constituição Federal, que consagram como fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o exame de Ordem fere o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. (AMORIM, online, 2011).

 

4.3.2 Princípio da igualdade

 

Segundo Moraes (2006, p. 31) a Constituição Federal de 1988, adotou este princípio para garantir a todos os cidadãos o direito de tratamento idêntico por Lei, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais.

Diante desse contexto que surgem alguns questionamentos acerca do desrespeito por parte do Exame de Ordem a Carta Magna de 1988.

Acredita-se que o fato de qualquer bacharel no Brasil, poder exercer sua profissão com a simples conclusão de curso de bacharela, exceto nos cursos de direito e recentemente contábeis, acaba por colocar o bacharel em direito em desigualdade com o restante dos cursos.

O Exame da OAB estaria então, segundo parte da doutrina, ferindo também tal principio constitucional, uma vez que estaria tratando de forma diferenciada a profissão de advogado, das demais profissões adquiridas com a qualificação acadêmica.

O Exame de Ordem atenta contra o princípio constitucional da igualdade, porque qualquer bacharel, no Brasil – exceto, naturalmente, o bacharel em Direito -, pode exercer a sua profissão (médicos, engenheiros, administradores, etc.), bastando para isso solicitar a inscrição no conselho correspondente. O bacharel em Direito é o único que está sujeito a um Exame de Ordem (LIMA, online, 2006).

 E ainda:

Mais não é o advogado o mais importante profissional do país, nem o fato de ser a única profissão especificamente mencionada no Texto Magno, outorga ao exame de Ordem um cunho superior, que a faça menosprezar a norma constitucional e ordinária e por sobre ela passar seu trator( CARVALHO, 2011, p. 105).


4.3.4 Princípio do direito a vida

 

O Direito a vida é o mais fundamental de todos os direitos previsto na CF de 1988, uma vez que é pré-requisito para a vivência dos restantes dos direitos.

Segundo Moraes (2006, p. 31) “A Constituição Federal proclama, portanto, o direito a vida, cabendo ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de se ter a vida digna quanto à subsistência.”

Sendo assim, o fato de o certame, impossibilitar o exercício da advocacia do bacharel em direito que cursou durante 05(cinco) anos o curso de Direito, é entendida por alguns doutrinadores que fere o então princípio constitucional do direito à vida.

O Exame de Ordem atenta, finalmente, contra o princípio constitucional do direito à vida, porque esse direito não se refere, apenas, à possibilidade de continuar vivo, mas também à necessidade de prover a própria subsistência, através do exercício de sua profissão, para a qual o bacharel se qualificou, durante cinco anos, em um curso superior, autorizado, fiscalizado e avaliado pelo Estado. Assim, o Exame de Ordem, ao atentar contra a liberdade de exercício profissional, atenta, também, contra o próprio direito à vida, do bacharel em Direito (LIMA, online, 2006).

4.4 a avaliação da qualidade do ensino jurídico compete ao Poder Público (CF, art. 209, II) e não à OAB

 

Nos dias atuais, o Brasil possui cerca de mais de 1200 cursos de Direito, sendo que grande parte desses cursos, não possuem um ensino jurídico de qualidade. Diante dessa falta de qualidade a OAB sustenta que o Exame de Ordem se faz ainda mais necessário no panorama atual, uma vez que por se tratar de uma instituição organizados de uma classe, qual seja a de advogado, tem por obrigação zelar pela qualidade de seus profissionais.

A lei 8.906/04 que rege o estatuto da advocacia, em seu Artigo 44, elenca as finalidades instituídas por lei da OAB, quais sejam:

“Art.44. A Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, serviço público, dotado de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade:

I – Defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela

rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas;

II – promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil.”

Acontece que, segundo Carvalho (2011, p. 63) a supramencionada lei não elencou dentre os poderes conferidos a OAB, o de aferir conhecimentos de bacharéis em direito, uma vez que tal competência é única e exclusivamente, do Ministério da Educação.

Art. 209 - O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:

I - cumprimento das normas gerais da educação nacional;

II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.

O artigo 209, em seu inciso II, é claro ao citar que compete ao poder público a responsabilidade pela avaliação de qualidade das instituições de ensino, sem que o órgão do poder público que goza dessa competência seria o MEC e não a OAB, ficando dessa forma, impossibilitada de aplicar o Exame de Ordem com este argumento.

Por fim, diante da expansão do ensino jurídico brasileiro, e o alto índice de reprovação no certame, argumenta-se muito que a OAB estaria, fazendo através do Exame de Ordem, uma forma de reserva de mercado.

Tal pensamento foi exposto no parecer n.º 5664 do Subprocurador-Geral da República Rodrigo Janot Monteiro de Barros no recurso extraordinário 603.583/ RS:

Há quem diga que o exame de ordem não pode ser considerado como reserva de mercado, porque ele não estipula número de vagas. Porém, os altos índices de reprovação refletem não apenas a deficiência da formação acadêmica dos bacharéis, como também o grau de dificuldade da avaliação a que se submetem. Não há no Provimento nº 136/2009, do Conselho Federal da OAB, qualquer diretriz quanto ao grau de dificuldade das questões a serem aplicadas (principalmente na primeira etapa). Por isso que, mesmo se exigindo apenas 50% de acertos de 100 questões de múltipla escolha, ainda é a primeira etapa que concentra o maior o número de reprovações.

Reside nesta ampla discricionariedade, mais uma vez, a perigosa tendência de influências de interesses corporativos (reserva de mercado), dada a possibilidade de desvirtuamento do exame de ordem pela elevação do grau de exigência da prova a ponto de se limitar o número de aprovados a percentuais mínimos, o que hoje é uma realidade: restrição ao direito de escolha, de acesso.

A questão da reserva de mercado é muito discutida no meio acadêmico, jurídico e doutrinário, justamente pela dificuldade muitas das vezes encontrada pelos bacharéis e acadêmicos do último ano de curso, em conseguir a aprovação no certame, contudo tal assunto é polêmico e extremamente difícil de ser comprovado.

4.5 Da liberdade de acesso a profissões liberais e dos princípios da essencialidade ou indispensabilidade do advogado para a administração da Justiça (CF, arts. 5º, XIII e 133)

O advogado é de extrema importância para a administração da Justiça, sendo considerado como um dos pilares do poder judiciário, pois está intrinsicamente atrelado à organização do judiciário, intermediando a relação da parte com o Juiz, na constante busca da tutela jurisdicional para que seja equitativa para os envolvidos no caso concreto.

A importância do advogado foi recepcionada pela Carta Magna brasileira de 1988, em seu Artigo 133, onde expôs que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”

Segundo José Afonso da Silva:

A advocacia não é apenas um pressuposto da formação do Poder Judiciário. É também necessária ao seu funcionamento. 'O advogado é indispensável à administração da justiça', diz a Constituição (art. 133), que aqui consagra um princípio basilar do funcionamento do Poder Judiciário, cuja inércia requer um elemento técnico propulsor. O antigo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 4.215/63, art. 68), já o consignava. Nada mais natural, portanto, que a Constituição o consagrasse e prestigiasse, reconhecendo no exercício de seu mister a prestação de um serviço público.[1]

Nos artigos 1º e 2º, § 1º Lei nº 8.906/94, atribuiu também ao advogado o exercício privativo do “jus postulandi”, dando a este profissional o poder único e exclusivo de postular as demandas em juízo, salvo alguns casos previstos em lei.

 Sendo assim, diante de tais considerações, fica atestada a essencialidade e indispensabilidade do advogado, ficando clara a importância da exigência da devida qualificação, para o exercício profissional, que conforme já abordado anteriormente, parte da doutrina entende que esta é atestada pelo poder público através do diploma de bacharel em Direito.

Diante desse contexto, no parecer n.º 5664 do Subprocurador-Geral da República Rodrigo Janot Monteiro de Barros no recurso extraordinário 603.583/ RS expos que:

Sob esse prisma, há de se reconhecer que a exigência de especial qualificação profissional daquele que pretende se inscrever nos quadros da OAB para o exercício da advocacia, deverá incidir não como forma de limitar o acesso à profissão, mas, sim, como um encargo atribuído ao Poder Público  de assegurar os meios necessários à obtenção dessa especial qualificação. Ao Poder Público cabe garantir aos que cursam e aos que irão cursar a graduação em Direito a formação profissional adequada para corretamente provocar o Poder Judiciário, auxiliando-o na correta prestação jurisdicional.

Ocorre que a Constituição de 1988 deu ao advogado, juntamente com os membros do Ministério Público e da Defensoria Pública, a importante função de essencial a justiça, e ainda nos termos do art. 2º, § 1º, da Lei 8.906/94, no seu ministério privado, presta serviço público e exerce função social.

Diante dessa função social e serviço público prestado pelo advogado, apesar de ser um profissional privado autônomo, alguns defensores  do exame de ordem acreditam que por existir a necessidade de concurso público para se ingressar nos cargos no Ministério Público e Defensoria Pública, o Exame de Ordem seria uma espécie de concurso público para o ingresso na função pública exercida pelo Advogado.

Se, de um lado, o constituinte reconheceu a missão pública da advocacia, dando-lhe no mundo jurídico a maior das dimensões, ao lhe conferir a estatura constitucional por meio de preceito inscrito, colocando-a em foro de igualdade com a Magistratura e a Promotoria, de outro lado, e na mesma medida da atuação e responsabilidade atribuídas, impôs requisitos, ainda que implícitos, para que alguém a possa exercer.

É certo que a Constituição, porque não cuida de profissões, mas de funções públicas, não poderia descer a pormenores, de forma explícita, a ponto de tratar dos pressupostos para o exercício da advocacia.

Porém, não é menos certo que a interpretação sistemática do texto constitucional, conjugada com a análise da estrutura orgânica do poder nele adotada, leva à inarredável conclusão de que, afora a formação jurídica como condição essencial, o Exame de Ordem é requisito constitucional para o exercício da advocacia.

Exame de Ordem que deve ser havido como espécie do gênero concurso público, com a especial diferença de que não há uma limitação de vagas a serem preenchidas, logrando aprovação todos aqueles que demonstrarem aptidão. No mais, o procedimento cumpre ser rigorosamente idêntico: publicidade do edital, inscrição aberta a todos que preencherem determinados pré-requisitos; programa previamente divulgado; prova elaborada segundo o programa e aplicada em condições idênticas a todos os candidatos; correção imparcial; publicação dos resultados; possibilidade de recursos e etc.

Destarte, percebe-se que o sistema constitucional brasileiro, a par de haver inserido na Lei Maior as funções essenciais à administração da Justiça, adotou, de outro lado, mecanismo de aferição de aptidão daqueles que pretendam exercê-la: o concurso público, nele compreendido o exame de ordem.[2]

A ideia de que o exame de ordem funcionaria como uma espécie de concurso público, foi criticada por Barros (2011), afirmando que é antagônica a figura da profissão de advogado, com o texto constitucional referente a concurso público, dizendo ainda que “não contém a Constituição mandamento explícito ou implícito de que uma profissão liberal, exercida em caráter privado, por mais relevante que seja, esteja sujeita a regime de ingresso por qualquer espécie de concurso público.” Barros (2011, p.40)

Sendo assim, exaurido grande parte dos argumentos usados pelos críticos ao Exame de Ordem a respeito de sua inconstitucionalidade, passa-se agora a expor o entendimento da corrente que defende a constitucionalidade do Exame de Ordem.


5 A CONSTITUCIONALIDADE DO EXAME DE ORDEM

A constitucionalidade do certame é constantemente questionada por ações judiciais propostas por bacharéis, existindo, no entanto, boa parte da Doutrina, composta basicamente por Advogados e alguns juristas, que defendem veemente a existência do Exame.

Recentemente com o parecer n.º 5664 do Subprocurador-Geral da República Rodrigo Janot Monteiro de Barros no recurso extraordinário 603.583/ RS, onde este foi favorável ao reconhecimento da inconstitucionalidade do certame, é que surgiram maiores questionamentos acerca do tema.

Diante dos questionamentos da inconstitucionalidade comentados no capítulo anterior, os defensores do Exame da Ordem vem se posicionando em relação ao tema, conforme será abordado a seguir.

 

5.1 DA COMPETÊNCIA ATRIBUÍDA AO CONSELHO FEDERAL DA OAB PARA A REGULAMENTAÇÃO DO EXAME DE ORDEM

O argumento utilizado pelos críticos que defendem o fim da prova, com  respeito a atribuição do Conselho Federal regulamentar o Exame de Ordem, é basicamente que a Lei 8906/94, ao impor a aprovação do exame de ordem como requisito para a inscrição nos quadros da OAB, sem definição das diretrizes desse certame, estaria violando o princípio da legalidade, por criar nada menos que uma qualificação profissional para o exercício da profissão da advocacia, contudo apenas a Lei tem o poder de estabelecer as qualificações necessários para o exercício de determinada profissão, bem como de que uma lei não poderia delegar competência para “legislar” ao Conselho Federal da OAB.

Tal ponto, foi muito bem explanado e defendida a constitucionalidade no parecer n.º 5664 do Subprocurador-Geral da República Rodrigo Janot Monteiro de Barros no recurso extraordinário 603.583/ RS onde afirmou que:

A expressão contida na parte final do inciso XIII, do art. 5º da CF (atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer) consubstancia verdadeira reserva de lei em sentido formal e material. A Lei nº 8.906/94, ao impor a aprovação no exame de ordem como requisito para inscrição como advogado atendeu o princípio da reserva de lei. Ao delegar ao Conselho Federal da OAB a deliberação sobre as regras aplicáveis ao exame de ordem, não infringiu princípio da legalidade, pois ao provimento compete a definição das normas e diretrizes a serem observadas na sua aplicação (reserva de norma). Assim, o disposto no § 1º, do art. 8º, da Lei nº 8.906/94, não viola a reserva de lei contida na parte final do art. 5º, XIII, da CF e tampouco o princípio da legalidade genérica (CF, art. 5º, II).

 

Nesse mesmo sentido os representantes da OAB do Distrito Federal afirmaram que:

Concorda-se, portanto, que o Exame não foi criado por meio de um provimento da Ordem. O seu fundamento de validade é o Estatuto da OAB. O que se remeteu aos provimento do Conselho Federal foram disposições de logística acerca da realização da prova, não havendo ingresso indevido no poder regulamentar constitucionalmente endereçado ao Executivo (Neto, Matos e Leal, 2011, p.04).

Em uma análise aos posicionamentos do Subprocurador-Geral da República e da OAB/DF, fica claro a ideia dos autores que a Lei 8.906/94, ao atribuir em seu §1º, competência ao Conselho Federal da OAB para regulamentar normas e diretrizes na aplicação do certame, estaria usando do poder de “reserva de norma” atribuído pelo poder legislativo, no momento da criação do Estatuto da Advocacia.

Outra questão que foi rebatida por alguns juristas é que, o fato da lei delegar ao Conselho Federal a competência para regulamentação do certame, não violaria a competência privativa do presidente da república prevista no Art. 84, IV da CF, uma vez que a delegação limitou-se apenas na confecção dos critérios técnicos de avaliação a serem usados no certame. Assim tem entendido Barros (2011, p. 07) ao afirmar que:

A delegação, por outro lado, também não atenta ou invade a competência privativa atribuída ao Presidente da República para expedir decretos e regulamentos para a fiel execução das leis (CF, art. 84, IV): a delegação conferida pela Lei nº 8.904/96 limitou-se ao disciplinamento dos critérios técnicos de avaliação a serem adotados no exame de ordem e dentro da competência atribuída pelos arts. 54, V, e 78 do mesmo diploma.

Portanto, a conclusão que a OAB/DF expôs sobre o tema, é que o Exame não é criado por um provimento, como alega parte da doutrina, mas sim por uma lei que atribuiu ao Conselho Federal tal competência, valendo-se do poder de reserva de norma, estando devidamente em acordo com a Constituição Federal nesse parâmetro.

 5.2 O Exame de Ordem atenta contra o direito fundamental ao livre exercício profissional (CF, Art. 5º, XIII)

 O argumento usado para o reconhecimento da inconstitucionalidade do certame, nesse tópico, é basicamente que o exercício profissional é livre quando atendidas as qualificações profissionais exigidas por lei, onde os autores fundamentam, que tal qualificação para o exercício da advocacia seria através do diploma de direito, e não com a aprovação no Exame de Ordem.

O artigo 5º inciso XIII diz que “Artigo 5º [...] XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”, na leitura do referido artigo, faz-se necessário uma breve explanação do que consistiria a qualificação profissional, no ponto de vista de alguns doutrinadores.

Sobre esse dispositivo constitucional, Tavares (2008, p. 588) manifestou que “trata-se de norma constitucional de eficácia contida, pois prevê a possibilidade de lei regulamentadora restritiva, vale frisar, que estabelecerá as qualificações e requisitos necessários para exercer determinadas profissões”.

E ainda:

As qualificações profissionais a que se refere o texto constitucional não dizem respeito apenas à habilitação presumida pelo diploma, mas ao cumprimento de exigências formais, estabelecidas e fundadas em leis, pelas autarquias fiscalizadoras do exercício da profissão, como, v.g., a inscrição nos quadros da OAB para a advocacia. (CARVALHO, Kildare 2010, p. 821)

O entendimento da expressão “qualificações profissionais”, explicada por Kildare Gonçalves Carvalho se encaixa perfeitamente com o posicionamento da corrente que acredita e defende a constitucionalidade do Exame de Ordem, uma vez que esse diz que a expressão vai além do simples diploma de conclusão de curso superior, sendo necessário ainda respeitar as qualificações/exigências contidas na lei, onde no presente caso, seria o cumprimento de todas as exigências previstas no Art. 8 da lei 8906/94, para só então poder requerer a inscrição nos quadros da OAB.

Barroso (2011) foi quem melhor explanou acerca do tema, afirmando que a liberdade profissional constante no Art. 5º, XIII, veio para garantir ao cidadão o direito de escolher livremente a profissão que deseja vir a exercer, e quando for necessário, buscar a formação corresponde. Contudo, para que possa exercer efetivamente a profissão dependerá do atendimento às qualificações e condições exigidas por lei, sendo que estas devem ser razoáveis e não podem veicular critérios subjetivos ou políticos.

O mesmo autor, afirma ainda que o legislador por ocasião da imposição de restrições e qualificações necessárias para o exercício de certa profissão, deverá considerar um série de elementos, tais como, a natureza da profissão, a sua repercussão sobre terceiros e a gravidade dessa repercussão, e em chegada uma conclusão atribuir o que achar necessário. Ocorre que, em certos casos surgirá conflito entre os interesses de terceiros e a liberdade profissional, o que é muito bem explicado por Luis Roberto Barroso:

Note-se que os interesses dos terceiros podem ter a mesma hierarquia normativa da liberdade profissional, de modo que seria artificial cogitar aqui de uma preferência abstrata em favor da liberdade de profissão ou de uma espécie de presunção de invalidade das eventuais qualificações e condições previstas pelo legislador. É a própria Constituição, ademais, em seu art. 5º, XIII, parte final, e em seu art. 22, XVI, que autoriza expressamente o legislador a exigir qualificações e impor condições para o exercício de profissões. Tais qualificações e condições, por natural, devem atender ao princípio da razoabilidade/proporcionalidade, mas, como regra, as opções legislativas devem ser preservadas a menos que seja possível identificar uma causa real de invalidade. (BARROSO, 2011, p. 14)

A conclusão chegada pelo autor, é que em havendo o conflito dessas normas, devem ser observadas se as qualificações e condições impostas, estão de acordo com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, caso positivo, essas imposições devem ser preservadas.

Esse é o entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal – STF:

DE EXERCÍCIO PROFISSIONAL (ART. 5º, INCISO XIII, DA CONSTITUIÇÃO). IDENTIFICAÇÃO DAS RESTRIÇÕES E CONFORMAÇÕES LEGAIS CONSTITUCIONALMENTE PERMITIDAS. RESERVA LEGAL QUALIFICADA. PROPORCIONALIDADE. A Constituição de 1988, ao assegurar a liberdade profissional (art. 5º, XIII), segue um modelo de reserva legal qualificada presente nas Constituições anteriores, as quais prescreviam à lei a definição das "condições de capacidade" como condicionantes para o exercício profissional. No âmbito do modelo de reserva legal qualificada presente na formulação do art. 5º, XIII, da Constituição de 1988, paira uma imanente questão constitucional quanto à razoabilidade e proporcionalidade das leis restritivas, especificamente, das leis que disciplinam as qualificações profissionais como condicionantes do livre exercício das profissões. (...)”. No mesmo sentido, v. STF, julgamento em 1º ago. 2011, RE 414.426/SC, Rel.ª Min.ª Ellen Gracie.

Diante de tal posicionamento, para que se possa respeitar os princípios supramencionados, a medida que venha a restringir liberdade profissional através de condições e qualificações, deverá ser adequada, necessária e proporcional, é o que argumenta Luis Roberto Barroso (2011, online):

Nesses termos, a medida deverá ser, em primeiro lugar, adequada à proteção de algum interesse público, no que se inclui a proteção aos direitos de terceiros. Por conta desse primeiro requisito, afasta-se a possibilidade de restrição nas hipóteses em que o exercício inadequado da profissão seja potencialmente inofensivo. Em segundo lugar, a medida deverá ser necessária, sendo considerada inválida nos casos em que seja possível identificar, objetivamente, a existência de uma alternativa igualmente adequada e manifestamente menos restritiva. Por fim, em terceiro lugar, a medida deverá ser proporcional, de modo que o benefício alcançado seja relevante a ponto de justificar a restrição produzida. Em qualquer caso, a restrição não poderá afetar o núcleo essencial do direito fundamental em questão.

Pois bem, o Art. 8, IV da Lei n 8.906/94 coloca como pré-requisito para o bacharel em Direito fazer sua inscrição nos quadros da OAB, dentre outros, a aprovação no Exame de Ordem, e como alegado por parte da doutrina, tal medida é fundamentada na parte final do art. 5, XIII e no art. 22, XVI, da CF, pois autorizam o legislador a criar leis que regulem as qualificações profissionais.

Seguindo essa linha de raciocínio, a supracitada jurisprudência do STF afirma que as restrições as liberdades profissionais, serão válidas, desde que respeitem os princípios da razoabilidade/proporcionalidade, e consequentemente seus três subprincípios da adequação, necessidade e proporcionalidade, sendo assim, para que se possa ter validade a restrição criada pela Exame de Ordem, tem-se que atestar sua compatibilidade a estes preceitos, o que segundo Barroso (2011) no presente caso, a compatibilidade é de fácil constatação, como se passa a demonstrar.

5.2.1 Atendimento ao subprincípio da adequação

Em se tratando de Exame de Ordem, segundo Barroso (2011, p.15), existem duas questões a serem dirimidas a respeito do critério da adequação: “(i) se é justificada, em linha de princípio, a imposição de requisitos ou exigências na hipótese, tendo em vista os eventuais riscos associados ao exercício inadequado da advocacia; e (ii) se o exame de ordem seria uma medida apta a assegurar a qualificação profissional do advogado.”

Quanto ao primeiro ponto, por se tratar de o advogado ser indispensável a administração da justiça, conforme prega o Artigo 5 XIII da CF e Art. 133 da CF, e estar constantemente buscando defender direitos dos seus clientes, o exercício deficiente da advocacia poderá ocasionar prejuízos graves e irreparáveis a coletividade, é o que demonstra entendimento do STF:

V. STF, DJE 12 Nov. 2009, RE 511.961/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes: “Como parece fica claro a partir das abordagens citadas, a doutrina constitucional entende que as qualificações profissionais de que trata o art. 5, inciso XIII, da Constituição, somente podem ser exigidas pela lei, daquelas profissões que, de alguma maneira, podem trazer perigo de dano à coletividade ou prejuízos direitos a direitos de terceiros, sem culpa das vítimas, tais como a medicina e demais profissões ligadas à área da saúde, a engenharia, a advocacia e a magistratura, entre outras várias.”

Ainda no primeiro ponto, deve-se dar destaque ao Artigo 1 da Lei 8906/94 que diz  “Art. 1 São atividades privativas de advocacia: I – a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos Juizados Especiais”, conforme demostra o artigo, o poder de postulação em juízo é competência exclusiva do advogado, salvo casos expressos em lei, o que atesta sua total importância, e em caso de exercida de forma negligente,  afetará o acesso ao judiciário.

Já no segundo ponto, com relação a aptidão do Exame de Ordem para o controle da qualificação profissional, Barroso (2011) sustenta que a aplicação de uma prova serve de forma adequada para apurar a qualificação profissional, de forma que a criação dessa etapa prévia ao exercício profissional, apresenta uma série de vantagens em relação ao controle exclusivamente repressivo, que é usado por diversos conselhos profissionais, que acabam por gerar até mesmo medidas de exclusão da habilitação para o exercício da atividade.

Afirma o autor ainda, que o exame de admissão permite desde logo, que sejam atestadas as capacidades básicas do examinando, criando assim uma barreira inicial na proteção dos futuros usuários do serviço, e levando em consideração a importância e essencialidade da profissão do advogado, isso é totalmente plausível. (BARROSO, 2011)

Luis Roberto Barroso finaliza seu posicionamento dizendo:

Nesses termos, o exame de ordem constitui medida claramente adequada para garantir a qualificação do profissional e proteger os direitos de terceiros45. Trata-se de mecanismo apto a realizar o objetivo pretendido pelo art. 5º, XIII, sem prejuízo da existência de opiniões respeitáveis acerca da conveniência de se adotarem instrumentos diversos para a obtenção do mesmo resultado. A crítica sempre é possível no ambiente democrático, o que é diferente de se afirmar que o Poder Judiciário deve fazer valer as suas próprias opções políticas em detrimento das escolhas razoáveis efetuadas pelo legislador. (BARROSO, 2011, p.18).

5.2.2 Atendimento ao subprincípio da necessidade

O objetivo da discussão deste subprincípio, é tão somente verificar formas alternativas igualmente eficazes ao Exame de Ordem, porém menos restritivas com relação a liberdade profissional.

Os críticos ao exame, sustentam que este seria uma medida desnecessária, uma vez que a OAB deveria exercer a fiscalização repressiva dos profissionais, medida que alguns entendem suficiente para defender direito de terceiros, bem como sustentam que o Exame é um recurso usado para atenuar e adiar as soluções que giram em torno dos problemas no ensino jurídico brasileiro, estando assim os bacharéis reprimidos por uma cobrança desnecessária, tendo em vista que a aquisição do diploma é suficiente para atestar a aptidão do profissional.

Barroso (2011) fez questão de analisar esses pontos de forma separada, afirmando basicamente que em se tratando da alegação da desnecessidade do certame, em face da alternativa da aplicação da fiscalização repressiva, tal argumento padece de inconsistência e incoerência, vejamos:

O primeiro argumento – de que o exame de ordem seria desnecessário em face da possibilidade de fiscalização repressiva – padece de uma inconsistência e de uma incoerência. A inconsistência decorre do fato de que inexiste superposição, e muito menos conflito, entre essas duas formas de controle. Enquanto a atuação repressiva incide sobre profissionais que hajam incorrido em falta e busca evitar a produção de novos danos, iniciativas como o exame de ordem destinam-se a minimizar a própria ocorrência de prejuízos que, como já referido, podem ser graves e irreversíveis. Ademais, o controle repressivo não está vinculado apenas à qualidade técnica da atuação do profissional, mas, sobretudo, aos aspectos éticos dessa atuação. (BARROSO 2011, p.20)

Sendo desta forma concluído pelo autor, que nos casos das atividades que envolvam riscos, como no exercício da advocacia, é plausível a busca pela criação de uma avaliação inicial de segurança, o que não vem a prejudicar futuramente uma ação de caráter punitivo.

Faz colocação no sentido de que os conselhos profissionais, ao agirem de forma repressiva aplicam sanções punitivas a seus integrantes, que vão de advertência até exclusão permanente de seus quadros, sendo que nos casos de exclusão as consequência a liberdade profissional são muito mais danosas que a aplicação do certame. De tal modo Barroso (2011, p. 20) explana que “o exame de ordem afeta a liberdade de profissão de forma muito menos intensa, na medida em que não impede o exercício da profissão em caráter definitivo. O bacharel que não seja aprovado pode repetir o exame quantas vezes desejar, dispondo de pelo menos três oportunidades anuais para tanto.”

Resta ainda analisar o argumento de que o Exame seria um recurso usado para atenuar e adiar as soluções que giram em torno dos problemas no ensino jurídico brasileiro. Os críticos ao certame que comungam desse pensamento, defendem a incompetência do exame para exercer esta finalidade, afirmando que a medida cabível seria a melhora da fiscalização na criação de cursos de Direito e fiscalização na qualidade dos já existentes.

Barroso (2011, p. 23) expôs que:

Como é fácil perceber, trata-se de argumento político, e não jurídico, que traduz um juízo de valor acerca do ensino superior e dos controles que sobre ele incidem. Ainda que tal juízo seja pertinente, ele não teria o condão de tornar inconstitucional determinada medida concreta destinada a assegurar que os direitos de terceiros sejam protegidos contra a atuação de profissionais despreparados.

Sendo assim, o autor concluiu que padece de fundamento legal, a declaração de inconstitucionalidade do Exame de Ordem, uma vez que a baixa qualidade do ensino jurídico, tratar-se apenas de um argumento político, sem qualquer embasamento legal, e caso busque estabelecer uma elo entre a baixa qualidade do ensino jurídico e o Exame de Ordem, certamente essa ligação seria no sentido de defender a existência do certame, tendo em vista a grande periculosidade do exercício negligente da profissão do advogado.

5.3 Do alegado desrespeito aos princípios constitucionais da Dignidade da Pessoa Humana, da Igualdade e do Direito à Vida

A doutrina que sustenta o fim do Exame de Ordem acredita que o desrespeito a estes três supracitados princípios, em linhas gerais, consiste basicamente no fato dos bacharéis em direito concluintes de cursos jurídicos aprovados pelo MEC, já estarem aptos ao exercício profissional da advocacia, sendo o Exame de Ordem incompetente para restringir o exercício profissional, bem como que o fato de apenas Direito e Contabilidade possuir exame de aptidão profissional, estaria tratando de forma desigual tais bacharéis.

Acontece que os defensores do certame, são claros em dizer que o Exame de Ordem, não “proíbe” o exercício profissional da advocacia, através da prova exige-se apenas um mínimo de aptidão, sendo que são estabelecidos critérios de avaliação de caráter estritamente objetivos, não criando diferenciação de sexo, de raça, de classe social, de riqueza, de crenças, etc., não deixando margem para discricionariedade do examinador.

Tendo isso por certo, podemos definir que a OAB e o seu Estatuto permitem o exercício da advocacia, somente requerem aptidão mínima. Como bem observado, aptidão mínima e não uma avaliação insuperável. Ou seja, é o bacharel em direito que não se permite aprovar-se, vez que não se encaixa as necessidades mínimas para o exercício da advocacia. Isso acontece porque, a todos que se formam em direito permite-se o exercício da advocacia, desde que aprovado no exame. Contudo, sem a devida dedicação é impossível o mesmo. (DITÃO, 2011, online)

 

Outrossim, os candidatos que por ventura venham a reprovar no certame, lhe são concedidas infinitas oportunidades e chances de virem a alcançar a aprovação no exame, sempre exigindo dos mesmos, que alcancem uma nota razoável para atestar a “mínima aptidão” para o exercício profissional.

Outro ponto rebatido pela doutrina consiste na questão da desigualdade com os demais cursos que não possuem a prova. Acontece que a advocacia é a única profissão que ganhou atenção especial e diferenciada na Carta Magna de 1988, onde atribuiu ser o advogado indispensável à administração da justiça, e assegurando-lhe inviolabilidade por seus atos e manifestações, conferiu à advocacia o status de múnus publico (art. 133, CF).

Sendo assim, Ramos (2011, online) afirmou que:

[...] em se tratando de distinção feita já na própria Carta, inviável se torna falar em ofensa ao princípio da isonomia. E mesmo que assim não fosse de qualquer modo não se poderia falar em violação ao postulado que, como dito antes, veda a arbitrariedade e o estabelecimento de qualquer distinção desarrazoada, mas não desautoriza o reconhecimento ou o estabelecimento de distinções segundo critérios de valor objetivos e constitucionalmente relevantes, como é o caso da advocacia.

5.4 DA ALEgAÇÃO QUE A avaliação da qualidade do ensino jurídico compete ao Poder Público (CF, art. 209, II) e não à OAB

O Brasil vem passando por um momento de expansão do ensino superior já há algum tempo, onde na atualidade possui mais de 1200 cursos de Direito. A grande expansão do ensino jurídico é duramente criticada pela OAB, que afirma a falta de qualidade da maior parte desses cursos.

Uma das justificativas para a existência do Exame de Ordem, está no panorama atual do ensino Jurídico, justificativa esta muito criticada pela doutrina, como já fora anteriormente abordado.

Acontece que o exercício profissional da advocacia, exerce uma função de extrema importância na sociedade, sendo que até no próprio texto constitucional foi recepcionada como uma profissão indispensável para a administração da justiça.

Diante dessa importância é que a OAB defende a necessidade de existir um meio para avaliar o bacharel, antes do exercício da advocacia, evitando o ingresso de profissionais despreparados no mercado de trabalho que venham a colocar em risco a coletividade, sendo que a OAB por ser uma instituição organizadora de uma classe, tem por obrigação zelar pela qualidade de seus profissionais.

Sendo assim, a questão defendida pela OAB, não seria sua competência em exercer a fiscalização do ensino jurídico, competência que sem dúvida é do poder público através do MEC, mas sim atestar a qualificação mínima para o exercício da advocacia, considerando a importância do advogado e a periculosidade do exercício indevido dessa profissão.

Colocando um ponto final nos questionamentos acerca da eventual inconstitucionalidade do Exame de Ordem, no dia 28/10/2011 o recurso extraordinário de número 603.583, alvo de fundamentação da presente dissertação, foi julgado no plenário do STF, conforme será analisado no capítulo seguinte.

6 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDRAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 603.583

 

O Supremo Tribunal Federal – STF no dia 28/10/2011, julgou o recurso extraordinário número 603.583, de autoria do bacharel em direito João Antônio Volante, onde operou como relator do recurso o Ministro Marco Aurélio. O voto do relator no sentido da total constitucionalidade do Exame de Ordem, debando tópico a tópico dos questionamentos propostos pelo autor do recurso, sendo seu posicionamento acompanhado por todos os ministros, julgado de forma unânime pela constitucionalidade do certame.

Diante dessa decisão, faz-se necessário entender os argumentos usados pelo nobre Ministro em seu voto, no sentido de declarar a constitucionalidade o Exame de Ordem, o que se passa a fazer a seguir.

 

6.1 ENSINO JURÍDICO BRASILEIRO

O Ministro Marco Aurélio (2011) inicialmente fez ponderações acerca do atual quadro do ensino jurídico brasileiro, frisando o grande aumento da quantidade de cursos jurídicos no pais, e demonstrando a discrepância do número de bacharéis em direito, que chega a quase 4 milhões, com as demais áreas de necessidade experimentadas pela sociedade brasileira, tais como médicos, engenheiros e demais profissionais.

Segundo Marco Aurélio (2011, p. 04):

O crescimento exponencial dos bacharéis revela patologia denominada bacharelismo, assentado na crença de que o diploma de Direito dará um atestado de “pedigree social” ao respectivo portador, quem sabe fruto da percepção, talvez verdadeira em épocas passadas, de que os referidos profissionais são os protagonistas da ordem política brasileira.

O relator do recurso apesar de concordar com a relevância da análise desses dados, que diga-se de passagem, são alarmantes, afirmou que tais dados não podem ser decisivos para o julgamento da causa, uma vez que o Tribunal Constitucional deve julgar sob o ângulo do Direito, atento as realidades sociais, porém não deixando de prevalecer o pragmatismo sobre as razões propriamente jurídicas. (AURÉLIO, 2011).

Uma frase usada pelo Ministro, que ficou muito marcada em seu voto foi “Vende-se o sonho e entrega-se o pesadelo: após cinco anos de faculdade, o bacharel se vê incapaz de ser aprovado no exame de conhecimentos mínimos da Ordem [...]” (AURÉLIO, 2011, p. 04), fazendo referência a baixa qualidade do ensino jurídico e a facilidade em se abrir cursos jurídicos sob a ideologia de “quanto mais, melhor”, o que vem a prejudicar o acadêmico de direito, que ingressou na faculdade com o sonho do futuro exercício profissional na atividade jurídica, e que com o título do bacharelado, sequer consegue ser aprovado no Exame de Ordem, onde tem como exigência, o mínimo de conhecimento necessário a prática da referida profissão.

Por fim, frisou que a reflexão acerca da realidade do ensino jurídico brasileiro não cabe somente ao STF, sendo necessária uma análise da sociedade brasileira. Feita essas considerações passou-se a explanar acerca do mérito do recurso. (AURÉLIO, 2011).

6.2 DA ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO À LIBERDADE DE PROFISSÃO E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O Estado com o objetivo de resguardar a liberdade profissional tem a obrigação de colocar a disposição dos cidadãos, em condições de igualdade de acesso, os meios para que a profissão almejada seja alcançada. Possui como dever colocar a disposição formação escolar, preparação técnica e demais conhecimentos que se fazem necessários para o exercício da profissão eleita pelo indivíduo, e quando se tratar de profissão lícita, surge o dever estatal, diante do princípio da Liberdade Profissional, em não opor exigências arrazoáveis ou desproporcionais ao exercício profissional. (AURÉLIO, 2011).

O Ministro Marco Aurélio (2011) afirmou basicamente que o constituinte originário na criação da Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, XIII [3], limitou as restrições a liberdade de ofício às exigências de qualificação profissional. O nobre ministro assevera a importância dessa restrição criada, uma vez que existem profissões que vão além da dimensão subjetiva, e ostentam importância que supera os interesses do próprio indivíduo, onde em alguns casos, o desempenho profissional gera riscos tanto individuais quanto coletivos.

Nos casos quando são gerados riscos individuais - exemplo dos mergulhadores, dos profissionais que lidam com a rede elétrica, dos transportadores de cargas perigosas, etc.-, o legislador para tentar compensar os malefícios que são causados a saúde individual de tais trabalhadores, atribui vantagens pecuniárias, como adicional de insalubridade e periculosidade, ou ainda o benefício do adiantamento da aposentadoria. Vantagens estas que não ferem o princípio da isonomia com as demais profissões, pois são uma forma de compensar às perdas físicas e psicológicas que tais profissional venham a sofrer. (AURÉLIO, 2011)  

Já quando os riscos gerados pelo o exercício profissional, são suportados pela coletividade, o ministro relator ensina que:

Quando, por outro lado, o risco é suportado pela coletividade, então cabe limitar o acesso à profissão e o respectivo exercício, exatamente em função do interesse coletivo. Daí a cláusula constante da parte final do inciso XIII do artigo 5 da Carta Federal, de ressalva das qualificações legais exigidas pela lei. Ela é a salvaguarda de que as profissões que representam riscos à coletividade serão limitadas, serão exercidas somente por aqueles indivíduos conhecedores da técnica. (AURÉLIO, 2011, p. 07).

Observa-se que o entendimento do relator, é no sentido de que as profissões que geram riscos a coletividade, faz-se necessária restrições ao livre exercício do ofício através de limitações legais, para evitar a ocorrência de graves danos a coletividade.

Diante desse contexto, afirmou “a esta altura, posso adiantar o entendimento de que o exame de suficiência é compatível com o prejuízo de proporcionalidade e não alcançou o núcleo essencial da garantia constitucional da liberdade de ofício.” (AURÉLIO, 2011, p. 08)

Analisado a necessidade da restrição profissional diante do risco gerado a coletividade, o relator passou a discutir a validade do Exame de Ordem como aferidor de qualificação profissional. O nobre Ministro afirmou que qualificar não seria apenas submeter-se a sessões de ensinos teóricos e técnicos de um certo ramo do conhecimento, mas também ser submetido a testes relativamente à ciência adquirida.

O argumento do recorrente não se sustenta: se o exame da Ordem “não qualifica”, também não teriam o mesmo efeito as provas aplicadas pelas próprias universidades, as quais são condições essenciais à obtenção do bacharelado. Também elas seriam inconstitucionais? A resposta é desenganadamente negativa. O exame da Ordem serve perfeitamente ao propósito de avaliar se estão presentes as condições mínimas para o exercício escorreito da advocacia, almejando-se sempre oferecer à coletividade profissionais razoavelmente capacitados. (AURÉLIO, 2011, p. 09)

Sendo assim, o Ministro Marco Aurélio consignou ser sim o exame da Ordem capaz de atestar o conhecimento jurídico, afirmando ainda ser um mecanismo congruente com fim a que se destina, ou seja,  proteger a coletividade dos riscos que podem ser ocasionados com a má operação do Direito.

O autor do recurso afirma ser mais conveniente o combate aos maus profissionais, por meio de uma fiscalização posterior à ocorrência do fato danoso, contudo Aurélio (2011) rechaça tal argumento ensinando que a melhor forma de se combater o mau profissional, principalmente nas profissões que gerem um potencial risco a coletividade, seria através do escrutínio prévio, pois evitaria o ato danoso antes mesmo que de sua ocorrência.

Por fim, tratando-se da necessidade da restrição profissional, o Ministro relator afirmou a necessidade de se fazer um análise de proporcionalidade entre a importância da realização do exame diante do fim objetivado e a intensidade da restrição do direito fundamental. Para analisar essa proporcionalidade foram feitas as seguintes perguntas:

É dizer: o perigo de dano decorrente da prática da advocacia sem o exame de conhecimento serve a justificar a restrição ao direito fundamental e geral à liberdade do exercício profissional? Os benefícios proveniente da medida restritiva são superiores à ofensa à garantia do inciso XIII do artigo 5 da Carta? (AURÉLIO, 2011, p. 11).

A resposta usada pelo ministro foi absolutamente positiva, elencando um conjunto de razões. Inicialmente fundamentou dizendo que a atividade interventiva estatal limitando uma determinada profissão ou o seu exercício, é justificada pela possibilidade de perigo que poderá ser gerado a coletividade no decorrer do exercício do ofício, frisando que quanto maior for constatado o perigo, maior será o espaço de conformação deferido ao Poder Público. Diante dessas perguntas, o ministro relator também fez algumas ponderações acerca da importância da profissão do advogado, conforme exposto adiante. (AURÉLIO, 2011)

6.2.1 A importância do Advogado e o potencial risco de dano a coletividade

O advogado exerce uma função central e fundamental na manutenção do Estado Democrático de Direito. O Código de Processo Civil vigente, em seu Artigo 2º [4] estampa o princípio da inércia que deverá ser exercido pelo juiz, atribuindo assim uma função importantíssima para o advogado na aplicação e defesa da ordem jurídica, cabendo a este a função de impulsionar o controle da constitucionalidade e legalidade dos atos efetuados pelos juízos e tribunais do país. (AURÉLIO, 2011).

O constituinte por ocasião da criação da Constituição de 1988, foi claro e preciso ao proclamar no Artigo 133 da Carta Magna, que o advogado é indispensável a administração da justiça, sendo que justiça enquadra-se como bem de primeira necessidade do cidadão, devendo a injustiça ser encarada como um mal a ser combatido. (AURÉLIO, 2011).

Diante disso Aurélio (2011, p. 14) afirma que “é requisito essencial ao Estado Democrático de Direito o fortalecimento da advocacia, e a declaração de inconstitucionalidade do exame da Ordem teria precisamente o efeito oposto.”

Portanto, o fato das atribuições dadas aos advogados, tanto pela Carta Magna, quanto pelo legislação infraconstitucional, demonstra sua total importância no âmbito jurídico e por consequência, importância a sociedade, pois é atribuição quase que exclusiva[5] deste profissional a capacidade postulatória em juízo, estando constantemente buscando defender seus clientes de possíveis injustiças, sendo que atribuída por um mau profissional certamente causará graves prejuízos.

Enfim, diante dessas ponderações o Nobre Ministro Relator Marco Aurélio concluiu afirmando que:

Chego à conclusão de que o inciso IV do artigo 8º da Lei nº 8.906/94 é compatível com o princípio da proporcionalidade, porquanto fundado no interesse público consubstanciado na proteção da sociedade contra o exercício de profissão capaz de gerar graves danos à coletividade. (AURÉLIO, 2011, p. 17).

6.3 DA ALEGADA RESERVA DE MERCADO

O recorrente argumenta que o fato de existir um baixo índice de aprovação no certame, seria uma espécie de reserva de mercado exercida pela OAB, no entanto Aurélio (2011) afirmou que a redução do percentual de aprovados é resultado do crescimento de bacharéis em Direito que reiteradamente e sem êxito, submetem-se a cada nova prova.

O supracitado Ministro do STF enfatiza a validade do certame, uma vez que é aplicado através de um teste de conhecimentos impessoal e objetivo, observando até mesmo os princípios que regem os concursos públicos, apesar de o exame não ser considerado como tal. As questões confeccionadas e aplicadas na prova, englobam apenas matérias de conhecimentos que são aferidos no decorrer da graduação do Bacharelado em Direito. (AURÉLIO, 2011)

Diante do exposto, Aurélio (2011) foi enfático em concluir que o contexto da aplicação do certame, afasta qualquer subjetivismo, impossibilitando dessa forma a alegada reserva de mercado.

Por fim, o Ministro Relator fez uma observação muito importante a OAB, afirmando que “seria saudável, sem dúvida, haver membros de outras instituições públicas na comissão examinadora, mas a ausência desse componente não torna, só por si, inconstitucional a exigência do teste.” (AURÉLIO, 2011, p. 16).

A colocação feita pelo Ministro é de suma importância que seja observada pela OAB, uma vez que com a presença de outras instituições públicas, como a Promotoria de Justiça e Defensoria Pública, aumentaria a credibilidade e transparência do exame da Ordem.

6.4 DA COMPREENSÃO ADEQUADA DOS DISTINTOS E COMPLEMENTARES PAPÉIS EXERCIDOS PELAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR E AUTARQUIAS PROFISSIONAIS.

A parte autora do recurso extraordinário argumenta que a Constituição Federal nos artigos 205 e 209, inciso II, e nos artigos 43, inciso II, e 48 da Lei nº 9.394/96, estabelece que o ensino superior teria como seu principal objetivo qualificar os profissionais, e estando o curso regularmente reconhecido pelo poder público, por meio do credenciamento do MEC, não caberia a OAB atestar por meio de uma simples prova a desqualificação profissional do bacharel em Direito.

O Ministro relator Aurélio (2011) rebate esse argumento, afirmando que não se deve confundir os papéis das instituições de ensino superior com o das organizações de classe, uma vez que exercem papeis complementares, mas inconfundíveis na essência. As primeiras são atribuídas as funções de ministrar o conteúdo necessário para a educação profissional do indivíduo e ao fim atribuir o grau respectivo, correspondente ao curso ministrado. As segundas está incumbido o poder de polícia das profissões respectivas, tendo como responsabilidade limitar e controlar, com fundamento em lei, o exercício profissional, considerando o interesse público.

O que deve ser observado pelas organizações de classe, é que só poderão exercer essa limitação ao acesso profissional, caso previsto em lei. Sendo assim o Estatuto da Advocacia (lei 8906/94) atribui a OAB o poder de exercer a responsabilidade exclusiva pra representar a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em todo o território brasileiro. (AURÉLIO, 2011)

Por fim, o nobre ministro concluiu no sentido da constitucionalidade “[...]do exame de suficiência para o acesso à advocacia, assim como da prerrogativa conferida à Ordem dos Advogados do Brasil de aplica-lo, promovendo, em caráter privativo, a seleção dos advogados da República Federativa do Brasil.” (AURÉLIO, 2011, p. 20)

6.5 DA SUPOSTA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

A questão suscitada pelo recorrente gira basicamente sobre o seguinte questionamento: “poderia o legislador atribuir à Ordem a prerrogativa de disciplinar a realização do exame para ingresso na advocacia de maneira tão sucinta?” (AURÉLIO, 2011, p. 21)

A maneira “sucinta” invocada pelo recorrente, é no sentido de que no artigo 8º, §1º, da Lei nº 8.906/95[6], estabelece que o exame da Ordem será regulamentado por provimento do Conselho Federal da OAB, sendo que a lei não atribui qualquer diretriz de como deverá ser aplicada a prova.

A resposta proferida por Aurélio (2011) foi enfática em afirmar que não se deve interpretar o supramencionado artigo de forma solitária no ordenamento jurídico. Há que se levar em consideração toda a sistemática do ordenamento jurídico, pois fica evidente que a OAB na aplicação da prova, não pode discrepar daquelas disciplinas que são enquadradas nas diretrizes curriculares do curso de Direito definidas pelo MEC.

Feita essa consideração o nobre Ministro, asseverou que a delegação feita a OAB para ditar as diretrizes da prova, não poderia ser considerada como uma genuína delegação de poderes legislativos, para tanto citou a diferenciação entre lei e regulamento de execução:

A distinção fundamental, hoje aceita pela generalidade dos autores, está em que a lei inova a ordem jurídico-formal, seja modificando normas preexistentes, seja regulamentado matéria ainda não regulada normativamente. Ao passo que o regulamento não contém, originariamente, novidade modificativa da ordem jurídico-formal; limita-se a precisar, pormenorizar, o conteúdo da lei. É, pois, norma jurídica subordinada. (DA SILVA, apud AURÉLIO, 2011, p.22)

Diante da diferenciação entre lei e regulamente, ensinada por José Afonso da Silva e levando-se em consideração que nas leis regedoras da matéria, está explicito tanto o requisito de inscrição, quanto o conteúdo que será abordado no certame, quais sejam respectivamente, a aprovação em exame de conhecimentos e matérias elencadas nas diretrizes curriculares mínimas do curso de bacharelado em direito, é facilmente encaixado o provimento criado pelo Conselho Federal da OAB como um regulamente e não uma lei, não violando a competência do Presidente da República prevista no Artigo 84, inciso IV da CF[7], estando dessa forma válida a delegação criada no Estatuto da Advocacia. (AURÉLIO, 2011).

Segundo o Nobre Ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio:

O provimento da entidade não será capaz de criar obrigação nova, mas simplesmente de dar concretude àquela já prevista em caráter abstrato. É o que se passa, de maneira análoga, com os concursos públicos, nos quais cabe à Administração definir, por meio do edital, como será realizado. Salta aos olhos a inexistência de inconstitucionalidade nessa prática. (AURÉLIO, 2011, p. 22).

Discorrendo ainda sobre a questão versada no Artigo 84, inciso IV, da CF, Aurélio (2011), ensina que a Carta Magna não impede que a lei atribua a entidades da Administração Pública ou privada, o poder de criar atos gerais ou abstratos que discorram sobre aspectos gerais que lhe concernem, uma vez que tais regulamentos ficam subordinados ao Presidente da República, que poderá exercer o poder de revisão destes. Acontece que tal explicação, não seria cabível a OAB, por ser uma entidade que não fica inteiramente submetida ao mecanismo de controle presidencial.

A atribuição dada ao Conselho Federal da OAB pelo §1º do Artigo 8º da Lei nº 8.906/94, deve ser entendida num contexto geral da reorganização das funções públicas. Atualmente aquela ideia de que o Chefe do Executivo deve figurar no topo da pirâmide, já não corresponde perfeitamente à imagem organizacional do Estado. O decreto-Lei nº 200/67[8] é um dos representantes do rompimento desse esquema, por que disciplina as entidades autárquicas tradicionais, que atuam de forma autônoma, sendo sujeitas unicamente às previsões de lei. (AURÉLIO, 2011).

O Ministro relator do recurso, entende que a OAB diante das funções exercidas, não poderia ficar submissa à regulamentação do chefe do executivo ou a qualquer órgão público, não só em se tratando de exame de Ordem, como também no tocante à inteira interpretação da disciplina do Estatuto da Advocacia, conforme é verificado no Artigo 78 da Lei 8.906/94:

Art. 78. Cabe ao Conselho Federal da OAB, por deliberação de dois terços, pelo menos, das delegações, editar o Regulamento Geral deste Estatuto, no prazo de seis meses, contados da publicação desta Lei.

No tocante ao tema da não vinculação da OAB ao chefe do Executivo, Aurélio (2011) citou uma passagem do voto do Ministro Eros Grau proferido na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.026/DF, quando sua Excelência assentou:

Essa não-vinculação é formal e materialmente necessária. A OAB ocupa-se de atividades atinentes aos advogados, que exercem função constitucionalmente privilegiada na medida em que são indispensáveis à administração da Justiça, nos termos do que dispõe o artigo 133 da Constituição do Brasil. Entidade cuja finalidade é afeita a atribuições, interesses e seleção de advogados não poderia vincular-se ou subordinar-se a qualquer órgão público.

Diante do exposto, fica evidente o entendimento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que o fato da OAB exercer função constitucionalmente privilegiada,  demanda e justifica o regime especial previsto pela Lei nº 8.906/94. (AURÉLIO, 2011).

Exauridos os questionamentos, o ministro Marco Aurélio finalizou mais essa questão da seguinte forma:

Por essas razões, sob o ângulo ora examinado, tenho como constitucional o §1º do artigo 8º da Lei nº 8.906/94, seja por que não corresponde a autêntica delegação legislativa, a ponto de violar a parte final do inciso XIII do artigo 5º da Lei Maior, seja porque não representa usurpação da competência do Presidente da República versada no artigo 84, inciso IV, da Constituição Federal. A pretensão de exaurimento da matéria na lei não encontra respaldo no texto constitucional e tampouco parece medida de prudência.

Ante tais fundamentos, conheço do extraordinário e o desprovejo. (AURÉLIO, 2011, p.27)

O voto do ministro relator Marco Aurélio no recurso extraordinário número 603.583,  foi acompanhado por todos os outros ministros, declarando dessa forma a Constitucionalidade do Exame de Ordem, pondo fim nos questionamentos e discussões sobre a eventual validade do certame.

 
 
CONCLUSÃO

 

A análise do tema acerca da Constitucionalidade do Exame de Ordem, proposta como tema base neste trabalho aflorou um estudo, que por vezes, necessitou de fundamentos que vão além da Constituição Federal. Contudo, por meio da abrangência dispensada no decorrer das pesquisas bibliográficas e decisões dos tribunais superiores, foi possível estabelecer a importância da existência do certame.

Pode-se observar que a existência do exame de classe vai além da simples necessidade de uma prova que ateste os conhecimentos mínimos do bacharel em direito para o exercício profissional da advocacia. Tal prova está amarrada a diversos fatores, tais como a qualidade do ensino jurídico brasileiro - que diga-se de passagem está passando por um momento conturbado – como também no risco que gera a sociedade o exercício do profissional despreparado.

O fato da Constituição Federal de 1988 recepcionar a profissão do advogado de forma especial, dando-lhe o caráter de indispensável a administração da justiça, demonstra a atenção que os legisladores devem ter ao tratar do tema.

No do contexto social, a conclusão com o presente estudo é no sentido de que a existência do Exame da Ordem é de suma importância para a manutenção do prestígio recepcionado no ordenamento jurídico brasileiro para a profissão do Advogado, uma vez que com a quantidade elevada de cursos jurídicos chegando a um número maior do que no restante do mundo inteiro e sendo em sua maioria de péssima qualidade, faz necessário a existência de um filtro prévio que ateste a real capacidade dos futuros profissionais da advocacia, buscando evitar ao máximo o dano a sociedade brasileira.

Outrossim, no contexto constitucional e legal, deve-se fazer uma análise minuciosa acerca do tema, tendo em vista que ao interpretar uma única lei se pode chegar a diversos entendimentos.

O Exame da Ordem atualmente é regulamentado pela lei 8.906/94, que trata acerca do Estatuto da Advocacia, acontece que a referida lei é alvo de diversas críticas quando confrontada com dispositivos Constitucionais. Ocorre que quando se tratam de contradições que envolvam a Constituição Federal, a responsabilidade para pacificar o assunto é do Supremo Tribunal Federal.

Diante disso, o Supremo Tribunal Federal foi firme ao proferir decisão no sentido de declarar a Constitucionalidade do Exame de Ordem de forma unânime, decisão acertada, uma vez que explicou e dirimiu todos os questionamentos envolvendo o tema.

Dos argumentos apresentados pelo STF, o que mais chamou atenção, foi o da necessidade de profissionais qualificados quando se tratar de profissões que geram riscos a coletividade, ficando claro que não pode a sociedade ser submetida a riscos constantes, em detrimento ao principio constitucional da “liberdade profissional”.

A necessidade de bons profissionais deve ser sempre valorizada em qualquer área profissional, contudo, como bem explicou o STF, quando se tratar de profissões que vão além dos riscos individuais, devem ser tomadas algumas cautelas antes que venham acarretar prejuízos a sociedade.

Com esse ensinamento do STF, abriu margem para que diversas outras entidades organizadoras de classes profissionais busquem aderir ao Exame de seleção prévio ao exercício profissional, a fim de evitar erros esdrúxulos que profissionais devidamente atestados previamente por uma Exame de classe bem elaborado, não cometeria. Atualmente é notória os constantes prejuízos causados por profissionais despreparados, prejuízos muitos da vezes irreparáveis, como são observados em erros médicos que chegam a causar falecimento da vítima.

Acontece que o simples exame prévio de seleção por si só, não é capaz de erradicar erros profissionais, contudo é evidente sua capacidade em diminuir consideravelmente tais acontecimentos.

Pois bem, é de suma importância que o exame de seleção prévia usado pela OAB, mais conhecido como Exame de Ordem, seja observado e copiado pelas organizações de categorias profissionais que geram riscos a coletividade, a fim de que busquem sempre presar em seus quadros, profissionais de boa qualidade.

Segundo recente entendimento do STF, o livre exercício profissional só poderá ser restringido através de lei e estando tal restrição de acordo com princípios da proporcionalidade e adequação, devendo servir de forma eficaz para objetivo desejado, qual seja, a melhora dos profissionais a fim de evitar risco a coletividade. Ao decretar constitucional o Exame de Ordem, o STF atestou sua eficácia, dirimindo qualquer questionamento sobre a validade da prova.

Diante disso, a conclusão com o presente trabalho é no sentido da constitucionalidade do Exame da Ordem, por todos os fundamentos apresentados pelo Supremo Tribunal Federal, em especial, ao do risco de dano a coletividade, quando exercida a profissão de advogado por profissional despreparado.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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[1] Apud. BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 250. Tomo IV (arts. 127 a 135).

[2] ANTUNES NETO, Vitorino Francisco. A constitucionalidade do exame de ordem. In: ROSAS, Roberto (coord.) Exame de Ordem:  Doutrina, Jurisprudência e casos concretos de exame de ordem. Brasília: Brasília Jurídica, 1999, p. 83.

[3] Artigo 5º, CF/88, inciso XIII “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”

[4] Art. 2º, Código de Processo Civil/73 “Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos forma legais.”

[5] Art. 1º da lei 8906/94 “São atividades privativas de advocacia: I – a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos Juizados Especiais”  

Observação: Por maioria de votos, o STF julgou parcialmente procedente a ADIN nº 1.127-8, para declarar a inconstitucionalidade da expressão “qualquer” contida neste inciso.

[6] Art. 8º da Lei 8.906/94 “Para inscrição como advogado é necessário:[...] § 1º O Exame da Ordem é regulamentado em provimento do Conselho Federal da OAB.”

[7] Art. 84 da Constituição Federal de 1988 Compete privativamente ao Presidente da República: [...] IV – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução”

[8] DECRETO-LEI Nº 200, DE 25 DE FEVEREIRO DE 1967 Dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências.