A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 489 §§ 1º E 2º DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL/2015

Karla Giuliane Gomes Gracia e Mozaniel Vaz da Silva

1 DESCRIÇÃO DO CASO

O Código de Processo Civil é do ano de 1973. Com o objetivo de trazer mais celeridade aos processos e atualizar o referido diploma a disposições mais recentes, iniciou-se um projeto de criação do Novo Código de Processo Civil, que traz em seu texto várias mudanças - algumas bem recepcionadas pela comunidade jurídica e outras muito discutidas. Um dispositivo que tem gerado muitas discussões é o artigo 489, especialmente os §§1º e 2º, que tratam da fundamentação das decisões judicias, algo que já era tratado no diploma anterior de forma breve, nos artigos 165 e 458 II.  

Além disso, a própria Constituição Federal, art. 93 IX, assegura que todas as decisões de julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário deverão ser fundamentadas. Contudo, cabe observar que a própria CF estabelece a duração razoável do processo, que é considerada norma constitucional de direito fundamental (art. 5º LXXVIII) - tendo em vista o grande volume de processos nas mãos dos juízes em todo o país, o que aparentemente entra em conflito com os requisitos dispostos no novo CPC para a fundamentação de decisões.

1.1 Problemática do Case

A problemática do case envolve a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do artigo 489 §§1º e 2º do Novo CPC. Chega-se a este problema, pelo fato de o dispositivo do referido diploma estabelecer novos requisitos para a decisão judicial, com fundamentação mais pormenorizada, o que tomaria mais tempo dos juízes, tendo em vista o grande número de demandas processuais e o direito fundamental pautado na Constituição Federal de economicidade processual e duração razoável do processo. Assim, questiona-se se este artigo do Novo CPC é constitucional ou inconstitucional. 

2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO

2.1 Descrição das Decisões Possíveis e Argumentos Capazes de Fundamentá-las

  1. O artigo 489, §§1º e 2º do Novo Código de Processo Civil é inconstitucional.

A discussão acerca da inconstitucionalidade do artigo 489 §§1º e 2º do NCPC foi levantada sobretudo pelos magistrados, que acreditam que tal dispositivo vai de encontro à Constituição Federal Brasileira. Tendo em vista a realidade com a qual se deparam no dia-a-dia, alguns defendem o veto a este dispositivo e apoiam a manifestação da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e Associação dos juízes Federais do Brasil (Ajufe). 

A ‘Anamatra’ por meio do seu site oficial emitiu nota pública explicitando os motivos pelos quais defende a inconstitucionalidade. O principal deles é o que está exposto na própria Constituição Federal no artigo 5º, LXXVIII, que diz respeito a duração razoável do processo. Com o fácil acesso ao judiciário e a grande demanda de processos, os magistrados estão preocupados com a sanção do dispositivo do NCPC e a necessidade de fundamentar minuciosamente as decisões, o que levaria a uma demora ainda maior nos processos, desrespeitando esta norma constitucional de direito fundamental. (GRINOVER; LUCON; TUCCI, 2015, p. [?])

Outro argumento, é o fato de a própria Constituição Federal, no artigo 93,  IX, estabelecer a necessidade de fundamentação - “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”. Assim, o Novo CPC traz uma restrição ao que já está exposto na Constituição - algo que o legislador não pode fazer. Nesse sentido, ainda é possível citar a separação dos Poderes, que são harmônicos, mas independentes. Por isso, não poderia o Legislativo interferir na esfera do Poder Judiciário, ditando como este deve fazer a interpretação constitucional, algo que em última instância cabe ao Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição. (SCHIMIDT, 2005). Além disso, o dispositivo constitucional “jamais encerrou norma jurídica de eficácia limitada ou contida, mas indubitável norma jurídica de eficácia plena, que agora perde plenitude por uma interpretação legislativa enviesada”. (SCHIMIDT, 2005, p. [?]). 

Pode-se falar ainda na teoria dos diálogos institucionais - instituições de diferentes poderes devem dialogar para a resolução de um conflito desde que não haja a interferência exarcebada de um sobre o outro, ou a preponderância de um sobre o outro. Assim, decidir de forma repressiva como o Judiciário deve interpretar normas Constitucionais, não fomenta os diálogos institucionais. (ARAÚJO, 2013)

Para João Ricardo, o novo código vai beneficiar apenas aqueles que buscam atrapalhar o andamento processual. "Este dispositivo no novo CPC cria elementos para criar incidentes processuais para obstaculizar o processo. O CPC que temos hoje é melhor que o apresentado", afirma. Segundo o juiz, a exigência de fundamentar todas as questões apresentadas não seria um problema se existisse, no próprio código, dispositivos para coibir a parte de argumentar fundamentos impertinentes, notoriamente, para tumultuar o processo. […] João Ricardo levanta ainda outra questão. Ao exigir que o juiz utilize os argumentos apresentados pelas partes, o novo CPC impede que o juiz decida usando uma fundamentação que não foi apresentada. "O CPC quer limitar isso?", questiona.  Para João Ricardo, se não for vetado, o novo CPC vai transformar o processo em uma busca pelo honorário em vez de uma busca de direito da parte. (ROVER, 2015, p. [?])

Desta forma, é pedido o veto presidencial ao dispositivo 489 §§1º e 2º do Projeto de Lei nº 13.105/2015 - uma forma de controle constitucional prévio, visto que é anterior ao marco (promulgação e publicação de uma lei). Trata-se ainda de um controle exercido pelo Poder Executivo, por meio do Presidente da República. A inconstitucionalidade apresentada é direta, já que há uma afronta direta a Constituição Federal. Consequentemente, como a inconstitucionalidade afeta o plano de validade da norma, o dispositivo impugnado passa a ser inválido. (BARROSO, 2007)

  1. O artigo 489, §§1º e 2º do Novo Código de Processo Civil é constitucional.

Inicialmente, não se pode afirmar que há uma afronta ao artigo 93 IX da Constituição Federal, na verdade, há uma reafirmação do que está ali exposto - algo que serve como uma garantia de direitos fundamentais e não o esvaziamento destes. Sendo, desta forma, a decisão fundamentada uma garantia constitucional e algo que faz parte do processo democrático brasileiro. Afinal, como poderia a parte ter o seu pedido em juízo negado, sem que esta decisão seja minuciosamente fundamentada, como determina a própria Constituição? Desta forma, como afirmam Sousa e Delfino (2015), com este pedido de veto, as associações de magistrados acabam por atacar a própria Constituição, ao invés de defendê-la como justificam. 

Outro ponto em questão é a duração razoável do processo - isso não quer dizer que o processo deve acontecer necessariamente em um curto período de tempo, mas a sua duração deve ser a necessária para resolver de forma adequada ao conflito ora levantado, respeitando aos princípios constitucionais. Assim, o alto número de demandas judicias não é justificativa para deixar de avaliar e justificar minuciosamente cada decisão. (SOUSA; DELFINO, 2015). Outro ponto, levantado por Lenio Streck (2015, p. [?]), é a questão do livre consentimento do juiz, que não pode se confundir com a falta de fundamentação nas decisões judicias. Segundo o referido jurista, “uma democracia se faz aplicando o direito e não a convicção pessoal de um conjunto de juízes ou tribunais”. Portanto, para Streck, grande defensor da constitucionalidade do dispositivo 489 do CPC, o fim do livre consentimento do juiz pode ser considerado um grande avanço. 

Segundo o advogado Ulisses Cesar Martins de Sousa, “extirpar tal regra do novo CPC significa deixar tudo como está, ou seja, permitir a proliferação das decisões judiciais genéricas, que somente servem para melhorar as estatísticas do Poder Judiciário”. (VASCONCELLOS; ROVER, 2015, p. [?]). Marcus Vinícius Furtado Coêlho, presidente do Conselho Federal da OAB também diz que “quando a decisão é fundamentada, possibilita que o cidadão tenha o direito à defesa efetiva, ao recurso adequado. Essa fundamentação há de ser específica para o caso, não pode ser genérica ou baseada em citação de dispositivo de normas”. (VASCONCELLOS; ROVER, 2015, p. [?]). Estes são alguns poucos exemplos de depoimentos de pessoas, em sua maioria advogados, que defendem a constitucionalidade do artigo 489 do CPC. Com estes argumentos apresentados, chega-se a conclusão que se o dispositivo em questão é constitucional, não há de se falar em veto por parte de presidente da república. Caso o dispositivo seja vetado, o próprio veto será considerado inconstitucional. (SOUSA; DELFINO, 2015). 

2.2 Descrição dos critérios e valores

O case perpassa pelos princípios da duração razoável do processo e a necessidade de fundamentação da decisão judicial. Além disso, foram analisados argumentos pela constitucionalidade ou inconstitucionalidade do artigo 489 do Novo Código de Processo Civil. 

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Luis Cláudio Martins de. Supremacia ou diálogos judiciais? O desenvolvimento de uma jurisdição constitucional verdadeiramente democrática a partir da leitura institucional. Revista da AGU. Ano XII nº 38 - Brasília-DF, out./dez. 2013

BARROSO, Luis Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro.  2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

GRINOVER, Ada Pellegrini; LUCON, Paulo Henrique dos Santos; TUCCI, José Rogério Cruz e. Em defesa das inovações introduzidas pelo Novo CPC. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-mar-14/defesa-inovacoes-introduzidas-cpc>. Acesso em: 3 de outubro de 2015. 

ROVER, Tadeu. Objetivo da magistratura é a celeridade, não reduzir o trabalho, diz AMB. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-mar-04/magistratura-celeridade-nao-reduzir-trabalho-amb>. Acesso em: 3 de outubro de 2015. 

SCHMIDT, Paulo Luiz. Anamatra reage a críticas sobre vetos propostos ao Novo Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.anamatra.org.br/index.php/noticias/anamatra-reage-a-criticas-sobre-vetos-propostos-ao-novo-codigo-de-processo-civil>. Acesso em: 3 de outubro de 2015. 

SOUSA, Diego Crevelin de; DELFINO, Lúcio. As associações de magistrados e o veto do NCPC no tocante ao contraditório e ao dever de fundamentação – O que está em Jogo?. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/as-associacoes-de-magistrados-e-o-veto-do-ncpc-no-tocante-ao-contraditorio-e-ao-dever-de-fundamentacao-o-que-esta-em-jogo-diego-crevelin-de-sousa-e-lucio-delfino/>. Acesso em: 3 de outubro de 2015. 

STRECK, Lenio. Dilema de dois juízes diante do fim do Livre Convencimento do NCPC. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-mar-19/senso-incomum-dilema-dois-juizes-diante-fim-livre-convencimento-ncpc>. Acesso em 3 de outubro de 2015. 

Vade Mecum universitário RT/ [Equipe RT]. - 5. Ed. revista, ampliada e atualizada. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. 

VASCONCELLOS, Marcos de; ROVER, Tadeu. Juízes pedem veto a artigo que traz regras para fundamentação de decisões. Disponível: <http://www.conjur.com.br/2015-mar-04/juizes-pedem-veto-artigo-cpc-exige-fundamentacao>. Acesso em: 3 de outubro de 2015.