A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA REPERCUSSÃO GERAL: Há ofensa aos princípios da ampla defesa, duplo grau de jurisdição e/ou recorribilidade?



RESUMO

O presente trabalho visa realizar um estudo sobre o instituto da repercussão geral, mais precisamente sobre a sua (in)constitucionalidade em face dos princípios constitucionais da ampla defesa, duplo grau de jurisdição e recorribilidade.
O tema proposto é de suma importância, pois, foi através deste instituto que o legislador encontrou um meio de diminuir a carga de processos levados ao Supremo Tribunal Federal.
Assim, diante do exposto, será realizado um estudo comparativo entre a legislação infraconstitucional e o texto constitucional, bem como, as posições doutrinárias divergentes, onde, confrontar-se-á repercussão geral como um novo requisito de admissibilidade em face dos princípios citados.

Palavras-chave: Recurso Extraordinário, Repercussão Geral, (In)Constitucionalidade, .


ABSTRACT

This paper presents a study on the institution's overall impact, specifically on its (un)constitutionality in the face of the constitutional principles of legal defense, two levels of jurisdiction and recorribility.
The theme is of paramount importance, because it was through this Office that the legislature found a way to lessen the load of cases brought to the Supreme Court.
Thus, in view of the above, a detailed comparative study of the infra-constitutional legislation and constitutional text, as well as the differing doctrinal positions, where it will face repercussions as a new general requirement of admissibility in light of the principles cited.

Key ? words: Extraordinary Appeal, General Effect, (Un)Constitutionality.


1. OS PRINCÍPIOS COMO DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DE ACORDO COM O INCISO IV DO § 4º DO ART. 60 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.

Os princípios são de fundamental importância para qualquer ramo do direito, pois, como veremos, são proposições elementares e fundamentais que servem de base a uma ordem de conhecimentos.

Tem-se que os princípios representam a base do ordenamento jurídico, uma vez que as normas jurídicas são editadas com fulcro nos ditames daqueles preceitos, então, podemos falar que os princípios são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas; são como núcleos de condensações nos quais confluem valores e bens constitucionais. (SILVA, 1998)

Assim sendo, convém salientar que os princípios são dogmas que visam nortear as normas e direcionam o operador do direito em sua árdua tarefa de interpretação das mesmas, já que, as normas têm como escopo a organização e a imposição de condutas para todos que se submetem ao ordenamento jurídico.

Com perfeita definição Mello (2000, p.68) diz:

Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.

Evidentemente, que muito mais grave que ferir uma norma é agatanhar a um princípio, pois estaria maculando a todo o sistema jurídico, haja vista que como dogmas norteadores, os princípios devem ser considerados como direitos e garantias individuais, seja garantindo a recorribilidade ou protegendo o cidadão contra arbitrariedades.

Assim, como as garantias constitucionais adentram no processo, lembrando que o processo é uma das formas de materialização da justiça, todas as mudanças ocorridas na legislação deverão estar sintonizados com as garantias constitucionais positivadas.

Deste modo, tem-se que os princípios devem ser considerados clausulas pétreas não podendo ser modificado nem através de emenda constitucional, conforme se extrai do inciso IV do § 4º do Art. 60 da Constituição Federal de 1988.

1.1. PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA COMO OBSTÁCULO À CELERIDADE PROCESSUAL.

O princípio da ampla defesa encontra-se exposto no inciso LV do art. 5º da Carta Magna, a qual expõe que "aos litigantes, em processo judicial e administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

Numa concepção primária, trata-se a ampla defesa de direito constitucional processual assegurado ao réu subjetivamente. Por esse postulado, a parte que figura no pólo passivo da relação processual exige do Estado-Juiz, a quem compete a prestação da tutela jurisdicional, o direito de ser ouvida, de apresentar suas razões e de contra-argumentar as alegações do demandante, a fim de elidir a pretensão deduzida em juízo (ALMEIDA, 2002, p 1).

Desta forma, fica garantido, às partes envolvidas no processo, o direito de produzirem toda e qualquer prova admitida em direito que as partes entendam necessárias para a formação da convicção do magistrado acerca do caso concreto, conforme expõe Montenegro Filho (2006, p. 62):

De qualquer sorte, devemos perceber que o princípio constitucional, aplicado ao processo civil, representa a garantia de que os envolvidos na lide (e não apenas as partes), com pretensão deduzida, podem se valer de todos os meios de prova (desde que não sejam ilícitas ou moralmente ilegítimas) para ratificar a existência do direito que sustentam, importando, ainda, na certeza de que o juiz deve dispensar tratamento isonômico às partes em litígio, não podendo deferir a produção de provas em favor de um dos litigantes e indeferir, sem qualquer fundamentação, em relação ao outro postulante.

Em suma, o princípio da ampla defesa revela a liberdade concebida ao indivíduo, enquanto parte em um processo, seja judicial ou administrativo, de, na defesa de seus interesses e de suas pretensões, alegar fatos, produzir provas através dos procedimentos e recursos previstos na legislação para convencer o magistrado sobre o seu direito, não levando em consideração a necessidade da celeridade processual dos dias atuais.

1.2. PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO ELEVANDO A ÚLTIMA DECISÃO COMO SOBERANA.

Em cada demanda, "existe a possibilidade de duas decisões válidas e completas no mesmo processo, emanadas por juízes diferentes, prevalecendo sempre à segunda em relação à primeira". (LASPRO, 1995, p.27)

Tal possibilidade existe em função do princípio do duplo grau de jurisdição, previsto no inciso LV do art. 5º, nos incisos II e III dos arts. 102 e 105, entre outros, todos da Carta Magna.

Pelo princípio do duplo grau de jurisdição, todo processo judicial poderá ser reapreciado por uma instância hierarquicamente superior à instância inicialmente apreciadora da lide, ou seja, "o duplo grau de jurisdição consiste na possibilidade de reexame, de reapreciação da sentença definitiva proferida em determinada causa, por outro órgão de jurisdição que não o prolator da decisão, normalmente de hierarquia superior". (SÁ, 1999, p.88)

Trata-se de princípio de ordem pública, uma vez que, por tal princípio, toda causa terá direito a um reexame por uma segunda instância, devendo, a revisão ser realizada por um julgador/órgão diferente do primeiro, sendo necessário que o segundo julgador/órgão seja de instância superior ao do julgamento original, ou seja, hierarquicamente superior ao outro.

Tal princípio demonstra-se de grande importância para o Direito, uma vez que todo ato decisório do juiz que possa prejudicar um direito ou um interesse da parte deve ser recorrível, como meio de evitar ou emendar os erros e falhas que são inerentes aos julgamentos humanos, bem como, em atenção ao sentimento de inconformismo contra julgamento único, que é natural em todo ser humano.

Diante do exposto conclui Lima (Josué, 2009, p.1) que o princípio do duplo grau de jurisdição visa assegurar "ao litigante vencido, total ou parcialmente, o direito de submeter à matéria decidida a uma nova apreciação jurisdicional, no mesmo processo, desde que atendidos determinados pressupostos específicos, previstos em lei".

1.3. PRINCÍPIO DA RECORRIBILIDADE COMO FORMA DE ACESSO AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

O princípio em da recorribilidade, tem uma intima ligação com o princípio do duplo grau de jurisdição, haja vista que a grande maioria dos recursos são julgados pelos órgãos em instância superior.

Podemos dizer, portanto, que o princípio da recorribilidade deve ser entendido como a possibilidade que parte prejudicada pela decisão do magistrado tem de combate-lá, devendo, via de regra, para dar maior segurança jurídica, a nova decisão ser prolatado por outro magistrado. Daí a ligação entre os princípios da recorribilidade e do duplo grau de jurisdição.

Assim, arremata Theodoro Júnior (2000, p.35):

Nada mais natural, uma vez que não basta assegurar o direito ao recurso, se outro órgão não se encarregasse da revisão do decisório impugnado. Daí que, para completar o princípio da recorribilidade existe o princípio da dualidade de instâncias ou do duplo grau de jurisdição.

Desta forma, de maneira mais sintética do que o princípio do duplo grau de jurisdição, podemos concluir que o princípio da recorribilidade tem a finalidade de evitar que o ato de um magistrado, venha prejudicar os direitos e garantias de algum litigante.

Saliente-se que para um dos litigantes se socorrer ao princípio da recorribilidade, é indispensável que exista um recurso previsto legalmente, para assim, levar ao processo a instância imediatamente superior, ate chegar ao Supremo Tribunal Federal.

2. A EC 45/2004 CRIANDO O INSTITUTO DA REPERCUSSÃO GERAL E SUAS PECULIARIDADES INSERIDAS ATRAVÉS DA LEI 11.418/2006 NA PROCESSUALÍSTICA CIVIL.

A emenda constitucional 45/2004, conhecida como a "reforma do judiciário", inseriu na CF/88 o instituto jurídico denominado de repercussão geral.

A repercussão geral é um instrumento processual que foi inserido com o intuito primordial de dar celeridade ao processo, visto que, o objetivo do mesmo é selecionar quais os recursos extraordinários que o STF irá analisar, e isso afetou diretamente o Recurso Extraordinário dirigido ao Pretório Excelsior ao engranzar o § 3º do Art. 102 da carta magna, expondo a necessidade de demonstração da repercussão geral.

Assim sendo, alem de preencher todos os intermináveis requisitos para a interposição do Recurso Extraordinário, após o referido advento, o advogado terá que demonstrar também a existência da repercussão geral, conforme se extrai do § 2º do Art. 543-A do Código de Processo Civil, com redação dada pela Lei 11.418/2006.

Porém, ao trazer as inovações exigidas na Emenda Constitucional 45/2004, a Lei 11.418/2006 tratou de considerar a existência, ou não, da repercussão geral como questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.

Verifica-se, portanto, que o legislador deixou ao crivo do Supremo Tribunal Federal a análise da repercussão geral de forma totalmente discricionária, não trazendo, sequer, casos exemplificativos da existência ou não desse novo instituto.

De mais a mais, fazendo uma interpretação do § 1º do Art. 543-A do Código de Processo Civil, verifica-se a exigência de duas condições para a existência da repercussão geral. A primeira que a causa tenha importância (relevância) econômica, política, social ou jurídica, e a segunda, o interesse do recurso tenha supereminência (transcendência) diante dos litigantes. (Marinoni e Mitidiero, 2007, p.33)

Não obstante, Miranda e Pizzol (2009, p.158) dizem que "a transcendência pode ser qualitativa ou quantitativa, importando, para a caracterização da primeira a questão debatida e, para a segunda, o numero de pessoas que possam ser atingidas pela decisão ou a natureza coletiva do direito tutelado".

Entretanto existe uma presunção legal da existência da repercussão geral. Nos §§ 3º e 4º do Art. 543-A, verifica-se que o legislador infraconstitucional tenta de certa forma facilitar o reconhecimento da repercussão geral, fazendo com que a decisão seja sempre colegiada e nunca monocrática.

Sinteticamente, analisando os Art. 543-B e o § 5º do Art. 543-A do Codex processual civilista, bem como, os Arts. 326 e 329 do Regimento Interno do STF, verificamos que na multiplicidade de recursos o tribunal a quo, selecionará alguns recursos e a decisão destes terá efeito imediato nos recursos sobrestados, concluindo que da decisão de inexistência de repercussão geral não cabe nenhum tipo de recurso.

Desta forma, e com o intuito primordial de dar celeridade às decisões do Supremo Tribunal Federal, foi criado o instituto da repercussão geral, e com essas breves digressões sobre os aspectos mais importantes do mesmo, será feita uma analise sobre a repercussão geral como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, ou a repercussão geral como uma afronta aos princípios constitucionais e consequentemente, aos direitos e garantias individuais.

3. A REPERCUSSÃO GERAL COMO REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL.

Com o advento da repercussão geral, duas correntes surgiram. Uma que a defende como mais um requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, e outra, apontando para a inconstitucionalidade dessas normas, haja vista que as mesmas iriam de encontro aos princípios constitucionais, cuja aplicação é protegida pela Carta Magna.

O juízo de admissibilidade recursal, pertence à teoria geral do processo, se aplica ao procedimento e visam basicamente, a análise para o conhecimento ou não do recurso. Tal procedimento antecede a qualquer outro ato realizado pelo magistrado quando da interposição do recurso, pois, só ocorrerão os atos seguintes se existirem os requisitos imprescindíveis para tornar legítimo o seu exercício.

Assim, o juízo de admissibilidade pode ter natureza jurídica declaratória, ou, natureza jurídica constitutiva negativa. Ocorre. quando do conhecimento ou não do recurso interposto. Caso preencha todos os requisitos terá natureza jurídica declaratória, já se não preencher tais requisitos sua natureza jurídica será constitutiva negativa.

Saliente-se, que os requisitos de admissibilidade se dividem em requisitos intrínsecos e extrínsecos. Os requisitos intrínsecos estão diretamente ligados a "própria existência do podes de recorrer", como o cabimento, legitimação e interesse recursal. Já os requisitos extrínsecos estão ligados "ao modo de exercício do direito de recorrer", como por exemplo, o preparo, tempestividade e regularidade formal.

Ocorre que com o advento da repercussão geral, a parte majoritária da doutrina, entende que a mesma deve ser considerada como um requisito de admissibilidade especifico do recurso extraordinário.

Vejamos o entendimento de Paiva (2007, p.1):

A solução então encontrada pelo legislador foi tornar mais difícil a subida de RE?s, o que se deu através da criação de um novo requisito específico de admissibilidade. Assim, tais recursos excepcionais agora só receberão juízo de admissibilidade positivo quando a matéria constitucional discutida apresentar-se altamente relevante para a sociedade e para a nação.

De mais a mais, doutrinadores como Fredie Didier Jr, Leonardo José Carneiro da Cunha, Luiz Orione Neto, entre outros, identificam-se com o entendimento supra.

Não obstante, Orione Neto (2009, p.470) faz uma interpretação um pouco diferente, porém chegando a mesma conclusão de que a repercussão geral estaria diretamente ligada ao juízo de admissibilidade realizado pelo magistrado, pois, segundo o doutrinador a "repercussão geral não é requisito de admissibilidade autônomo, mas pressuposto de cabimento do RE, este, sim, requisito intrínseco de admissibilidade".

Em sentido paralelo, Mancuso (2007, p.203) também expõe a repercussão geral não como um requisito de admissibilidade, mas sim uma deliberação preliminar, já que, "a deliberação preliminar é inconfundível com a admissibilidade propriamente dita [...], a qual é juízo preambular já dentro do procedimento do julgamento do recurso".

Ora, como dito anteriormente o juízo de admissibilidade antecede a qualquer outro ato realizado pelo magistrado quando da interposição do recurso, pois, só ocorrerão os atos seguintes se existirem os requisitos imprescindíveis para tornar legítimo o seu exercício.

Então, se a repercussão geral antecede até os atos de analise dos requisitos intrínsecos e extrínsecos já delineados, mostra-se irrefutavelmente, que a mesma nada mais é que sinônimo das expressões expostas pelos doutrinados, ou seja, deliberação preliminar ou pressuposto de cabimento, desta forma, isso não passa de mais um requisito de admissibilidade inserido pelo legislador.

Em suma, para a referida corrente doutrinaria, o Supremo Tribunal Federal não deve se manifestar em qualquer processo, mas tão somente naqueles em que a matéria seja de importância transindivudual, e por consequência obtendo uma prestação jurisdicional mais célere e eficaz.

4. A REPERCUSSÃO GERAL EM FACE DOS PRINCÍPIOS JURÍDICOS.

Como manifestado anteriormente, os princípios são dogmas norteadores das normas que direcionam o operador do direito em sua tarefa de interpretação e aplicação destas, já que, as normas têm como escopo a organização e a imposição de condutas aos submetidos a elas.

Por causa disso, é que existem os princípios jurídicos, que podemos considerá-los como uma meta-norma, e que dão sistematização, proteção e sentido a todo o ordenamento jurídico.

De mais a mais, os princípios, que são direitos individuais, não podem ser modificados nem através de emenda constitucional, conforme insculpido no inciso IV do § 4º do art. 60 da carta magna.

Não obstante, Rodrigues (2009, p.3) expõe:

Destarte, conclui-se que os direitos fundamentais são verdadeiros alicerces para qualquer atividade estatal e parâmetro para toda relação jurídica, seja ela entre particulares ou entre o poder público e o particular, devendo ser, portanto, resguardados. [...] Eis o pressuposto primeiro de qualquer Estado que se diz Democrático de Direito.

Saliente-se que um dos direito fundamentais insculpidos na constituição federal é o do livre acesso à justiça, que segundo Lenza (2008, p. 614) o acesso à justiça não pode ser analisado sob a óptica do simples acesso aos órgãos judiciais existentes. "Não se trata apenas de possibilitar o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa".

Assim sendo, a repercussão geral, criou um estorvo ao cidadão, pois, terminou por impedir que o acesso ao supremo órgão judicial brasileiro seja livremente utilizado por todos aqueles interessados, que tenham preenchidos os requisitos para a interposição do recurso extraordinário, como por exemplo, uma decisão em afronta a constituição federal. Provocando assim, uma tremenda injustiça.

Então, a norma viola a cláusula pétrea prevista no inciso IV do § 4º do art. 60 da Constituição Federal, onde expõe que não se pode abolir os direitos e garantias constitucionais.

Nesse sentido, parcela minoritária da doutrina defende a inconstitucionalidade da repercussão geral, em razão da violação aos princípios da recorribilidade, do duplo grau de jurisdição e da ampla defesa, pois, a exigência de repercussão geral impede o acesso, à parte interessada, às instâncias superiores.

De acordo com os ensinamentos de Lima (Márcio, 2007, p. 1):

O direito ao julgamento no STF, nas hipóteses do artigo 102 da Constituição Federal é um direito de cada cidadão preservado a luz do artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV da Constituição Federal, ou seja, a Constituição Federal em sua origem disse que qualquer matéria que se enquadrasse nas hipóteses do artigo 102 deveria ser analisada pelo Supremo Tribunal Federal. [...] Quero dizer que a Constituição Federal ao entrar em vigor em outubro de 1988 assegurou a todo e qualquer cidadão que o Supremo Tribunal Federal teria aquela competência prevista no artigo 102 da Constituição Federal, não podendo tal regra ser alterada para restringir o acesso à Corte Maior, na vigência da mesma ordem Constitucional, mesmo tendo em vista casos futuros.
Entendo que o artigo 102, parágrafo 3º da Constituição Federal é uma tentativa de "globalizar" o Ordenamento Jurídico, afastando o cidadão de obter uma tutela da Corte Suprema, sob o argumento de que no Supremo Tribunal deve reinar a "repercussão geral", sem a qual o recurso extraordinário não pode vingar. (LIMA, Márcio, 2007, p. 2)

Neste toar, verifica-se que o instituto da repercussão geral criou óbice ao perfeito e completo acesso ao judiciário, ao mesmo tempo que terminou por aniquilar direitos e garantias individuais, ao jogar parcialmente no lixo os princípios da ampla defesa, recorribilidade e duplo grau de jurisdição.

A idéia primordial de desafogar o Supremo Tribunal Federal é salutar, mas, não deve ser feita desta forma, haja vista que o problema é estrutural e não processual, devendo, portanto, solucionar o problema de sobrecarga da suprema corte através de uma reestruturação completa dos procedimentos internos de todos os tribunais pátrios.

Por fim, a briosa conclusão de Rodrigues (2009, p. 9):

O que se verifica é uma dupla afronta aos direitos fundamentais. Primeiro, diretamente, se restringe o acesso dos litigantes à justiça, direito este assegurado na Constituição Federal, na medida em que condiciona a admissibilidade do recurso extraordinário à verificação de um interesse geral da sociedade. Ou seja, cria-se uma distinção entre questões constitucionais mais ou menos importantes, de modo que os recursos que versarem sobre questões que não transcendam os interesses das partes serão desde logo inadmitidos, o que por si só já é um absurdo. Em segundo momento, a afronta a direito fundamental se dá obliquamente, já que, uma vez privados os litigantes do acesso à justiça por sua questão de direito não ser considerada de interesse geral, o mérito, ou seja, o seu direito subjetivo/particular, mesmo que preencha os demais requisitos de admissibilidade, restará prejudicado. Retira-se, portanto, o manto de proteção aos direitos fundamentais de todos os cidadãos.

Desta forma, não pode a Suprema Corte, esquivar-se de realizar sua essencial função delineada na Carta Magna e consequentemente, no combate das injustiças que porventura tenham ocorrido no tramite dos processos, haja vista que o recurso extraordinário está legalmente previsto e não pode ser tolhido dos litigantes tal garantia.

5. CONCLUSÃO: A BUSCA PELA CELERIDADE PROCESSUAL NÃO PODE DIFICULTAR O EXERCÍCIO DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS.

O advento da repercussão geral, como operacionalizado no contexto desta pesquisa, trouxe consequências ao cotidiano dos operadores do direito, pois, com esse novo requisito o acesso ao órgão supremo da jurisdição brasileira tornou-se mais complicado e, consequentemente, repercutindo fortemente aos litigantes dos processos em geral.

Diante disso, tal tema é de suma importância para os estudiosos da processualística civil brasileira uma vez que o surgimento da repercussão geral objetivando o célere julgamento do processo pode terminar por afrontar direitos e garantias individuais.

Desta forma, não pode simplesmente ser dito que a repercussão geral é um novo requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, ou mesmo como foi utilizado por Mancuso, uma deliberação preliminar, ou como Orione Neto, um pressuposto de cabimento.

Caso assim fosse, o poder de julgamento estaria totalmente jogado nas mãos dos magistrados de uma forma completamente subjetiva, fazendo com que os mesmos, ao seu bel prazer, deliberassem sobre a existência ou não da repercussão geral, sem a observância de critérios que possam ser avaliados e questionados posteriormente.

Sendo assim, na análise da constitucionalidade da repercussão geral, sendo a mesma um requisito de admissibilidade recursal ou da inconstitucionalidade da mesma em face dos direitos e garantias individuais, deve ser analisada com muito cuidado, pois, não pode o legislador derivado simplesmente "esquecer" dos limites impostos pelo legislador constituinte.

Assim sendo, verificamos que a repercussão geral vai de encontro aos direito fundamentais, pois, primeiramente é sabido que o legislador derivado tem seu poder constituinte limitado, portanto, seus atos devem se limitar aos poderes conferidos pelo legislador constituinte originário, não podendo nunca legislar alguma matéria que afrontem os princípios basilares da Carta Magna.

Então, já que, a ampla defesa que é a condição dada à parte de levar ao processo todos os fatos e argumentos que o mesmo entenda como essenciais para a obtenção de uma decisão favorável ao seu interesse. O princípio do duplo grau de jurisdição decorre do fato de todo processo judicial ter a possibilidade de ser reapreciado por uma instância hierarquicamente superior. Por fim, o princípio da recorribilidade que é a possibilidade que parte prejudicada pela decisão do magistrado tem de combate-lá, devendo, via de regra, a nova decisão ser prolatado por outro magistrado.

Mostra-se que a repercussão geral, vai de encontro com todos os princípios supra, pois, termina por não deixar os litigantes se socorrerem ao STF, não tendo a possibilidade de levar ao conhecimento da corte suprema todos os fatos e argumentos que entendam essencial para obter êxito, nem tampouco, dando a constitucional possibilidade de interposição do Recurso Extraordinário, previsto na Carta Magna.

Assim, a Carta Magna assegurou diversas garantias constitucionais, objetivando dar maior efetividade aos direitos fundamentais, permitindo a participação do Poder Judiciário sempre que houver lesão ou ameaça de lesão a direitos.

Diante do exposto, conclui-se pela inconstitucionalidade da repercussão geral, pois, a mesma termina por ir de encontro com os direitos funamentais insculpidos no texto maior, devendo portanto, para a correta existência desse instituto, ocorra uma nova constituinte, retirando o protecionismo, certas vezes até exacerbado, presente na atual Constituição Federal Brasileira, pois, na busca pela celeridade processual constante na Carta Magna não podemos despedaçar os princípios norteadores de todo sistema jurídico, nem tampouco, os direitos e garantias individuais.

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Autor do Artigo: Pedro Fernando Borba Vaz Guimarães
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