A IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA NA ENTIDADE ANAPARENTAL: UMA ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

 

DIAS, Anny Caroline Moraes¹

DIAS, Wanderson David Moraes²

 

¹ Graduanda em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros – graduada em Licenciatura em História pela Universidade Estadual de Montes Claros

² Graduando em Direito nas Faculdades Santo Agostinho. Graduado em Licenciatura em Pedagogia pela Universidade Estadual de Montes Claros.

 

 

 

 

Introdução: O presente trabalho destinou-se a compreender a impenhorabilidade do bem de família, a partir de uma análise da CRFB/88 e de decisões dos tribunais no que se diz respeito à entidade familiar anaparental, tendo em vista que esta é considerada, por alguns doutrinadores, como relação meramente parental. Métodos: Para o desenvolvimento foram utilizados como técnica a pesquisa bibliográfica e para abordagem o método dedutível. Objetivos: Analisar a impenhorabilidade de bem de família monoparental, frente ao conceito de família estabelecido na CRFB/88 e identificar a defesa dos doutrinadores acerca do tema e pontuar as decisões dos tribunais aos casos concretos. Resultados: Tendo em vista que a família anaparental é a relação que apesar de possuir vínculo de parentesco, não possui vínculo de ascendência e descendência, como irmãos que moram junto, esta entidade familiar é resguardada pela CRFB/88, posto que todas as entidades familiares devem ser tratadas de forma igual, tendo portanto o direito a ter o seu bem de família protegido, considerado o que estabelece a Lei 8009/90 e a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.  Assim, o bem de família legal beneficia todos os integrantes das entidades familiares, incluindo todas as entidades seja ela explícitas na CRFB/88, como também as  implicitamente. Conclusão: Diante da CRFB/88 a ampliação da concepção de família a incluir nesta outros tipos de família, diversos da entidade familiar tradicional, matrimonializada, tornou-se imperiosa, visto que a pluralidade de formas de família e sua liberdade de constituição tornaram-se realidade crescente, e nesse sentido em análise as decisões judiciais observou-se que as fundamentações das decisões preponderam a relação de igualdade e liberdade entre as formas de família e deste modo deve haver a tutela da moradia, através do bem de família legal, a todos os que dela necessitem.

 

Palavras-chave: Direito de família. Bem de família. Entidade de família anaparental.

 

 

1 INTRODUÇÃO

 

A família é a estrutura fundamental da sociedade tendo liberdade para a sua formação, por outro lado, para a manutenção da dignidade da pessoa humana a legislação brasileira também preocupou-se em tutelar a moradia da família. Assim, a proteção à moradia da família tem o objetivo de evitar que esta entidade, ao sofrer situação de inadimplência, fique desabrigada.

O instituto denominado bem de família destina-se, pois, a tutelar a moradia da família quando um de seus proprietários for inadimplente, fazendo com que a sua moradia não responda pela dívida, desde que preencha certas condições legais.

Porém, como a Constituição não insere o conceito de todas as entidades familiares, busca portanto compreender se o instituto do bem de família tutela também as famílias anaparentais.

Os objetivos do atual trabalho é o de analisar a impenhorabilidade de bem de família anaparental diante das decisões dos tribunais brasileiros.

Assim, como hipótese acreditasse que é possível que a família anaparental tenha o direito à impenhorabilidade do seu bem de família, considerado o que estabelece a Lei 8009/90 e a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Para a efetiva pesquisa o trabalho apresenta quanto a família e a entidade de família anaparental, o estudo do conceito e legislação do bem de família e por fim a análise das jurisprudências.

 

2 A IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA NA ENTIDADE ANAPARENTAL: UMA ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

 

 

2.1  A Família e a Legislação Brasileira

A família, em seu conceito histórico, no Brasil, pode ser visto através das leis que regeram o país. E, segundo Lôbo (2010) o Código Civil de 1916 (CC/16), tinha intensa ligação com a origem e evolução histórica da família patriarcal e do homem livre proprietário.

Neste sentido, Chaves (2004, p.376) ressalta que

No início do século XX, quando entrou em vigor o Código Civil em 1916, havia uma preocupação em consolidar o casamento como única forma de constituição de uma família, não se admitindo mais sequer o casamento religioso, e houve então um brutal rigor contra o concubinato e todas as uniões livres, de forma tal que até os filhos gerados nestas condições recebiam qualificação depreciativa (eram chamados legalmente de filhos naturais ou, se um dos pais fosse casado, seria espúrio, isto é adulterino).

O certo é que, a família hodierna tem a igualdade, liberdade, afetividade e a solidariedade como fundamento (Lôbo, 2010).

De maneira que:

Se o nosso conceito genérico de família é de um núcleo existencial integrado por pessoas unidas por um vínculo socioafetivo, teleologicamente vocacionada a permitir a realização e/ou a reprodução, já permitia o desenvolvimento do afeto e da busca da completude existencial (GAGLIANO; PAMPLONA, 2011, p. 53).

Estas mudanças de mentalidade também trouxeram necessidades de que o legislador brasileiro ingressasse às normas do direito brasileiro aquilo que ansiava a população.

                   O art. 226 da CRFB/88 estabeleceu o reconhecimento e a proteção da família, seja ela fundada pelo casamento ou pela união de fato. Acrescido do reconhecimento da União Estável e da família monoparental.

                  Neste sentido, a lei dispõe:

Art. 226,§ 3°. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4°. Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (BRASIL, 1998).

Diante dos novos fundamentos da família conceito de família não se restringe a apenas pais e filhos dentro de um matrimônio. Hoje são vistos e protegidos diversos tipos de entidades familiares.

2.2  Família Anaparental

A CRFB/88 define de forma explícita três tipos de família: a família formada através do casamento (art. 226, §§ 1° e 2º), a união estável entre homem e mulher (art.226, § 3°) e a unidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226, §4°).

Todavia, é possível verificar na sociedade diversos arranjos de formação de família que não se encontram explícitos no dispositivo constitucional.

Os tipos de entidades familiares explicitados nos parágrafos do art. 226 da Constituição são meramente exemplificativos, sem embargo de serem os mais comuns, por isso mesmo merecendo referência expressa. As demais entidades familiares são tipos implícitos incluídos no âmbito de abrangência do conceito amplo e indeterminado de família indicado no caput. Como todo conceito indeterminado, depende de concretização dos tipos, na experiência da vida, conduzindo à tipicidade aberta, dotada de ductilidade e adaptabilidade (LÔBO, 2002).

    

Dentro das entidades familiares também estão as modalidades existentes denominadas de família parental, que é aquela que há vínculo de descendência biológica ou não, e da família anaparental que, por sua vez é a relação que apesar de possuir vínculo de parentesco, não possui vínculo de ascendência e descendência, como irmãos que moram juntos (DIAS, 2010).

Assim, de acordo com Barros (2003) “ana” é prefixo de origem grega indicativo de “falta”, “privação”, como em “anarquia”, termo que significa falta de governo, no caso falta de pais, mãe ou pai (BARROS, 2003).

Segundo Dias (2010, p.48):

A convivência entre parentes ou entre pessoas, ainda que não parentes dentro de uma estruturação com identidade de propósito, impõe o reconhecimento da existência de entidade familiar batizada com o nome de família parental ou anaparental.

A esta instituição na qual os vínculos biológicos não preponderam em detrimento ao vínculo de afetividade, é que se descortina, na atualidade, um novo horizonte impulsionado por valores humanizadores e civilizatórios sustentados na CRFB/88.

 

2.3 Bem de Família: Evolução histórica da tutela ao bem de família

 

A moradia é um dos direitos sociais elencados na CRFB/88 em seu artigo 6º ao prever que “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL, 1988).

O instituto bem de família tem como fulcro à preservação do bem, a moradia, impedindo que recaia sobre ela a responsabilidade de devedor. Gagliano e Pamplona Filho (2011, p.389) acentuam que:

Podemos compreender o bem de família como o bem jurídico cuja titularidade se protege em benefício do devedor, por si ou como integrante de um núcleo existencial, visando a preservação do mínimo patrimonial para uma vida digna. A proteção tem em primeiro plano, o direito constitucional à moradia, tutelando, nessa linha, também à própria família.

O bem de família, originou-se Estados Unidos da América (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2011).

Nesta linha de pensamento, Gonçalves (2009, p.527) expõe detalhadamente que:

A sua origem remonta ao início do século XIX, quando o Estado do Texas, em consequência da grave crise econômica que assolou os Estados Unidos da América do Norte, promulgou uma lei (homesteadact) em 1839, permitindo que ficasse isenta de penhora a pequena propriedade, sob a condição de sua destinação à residência do devedor. Surgiu, assim, o instituto do homestead, que se integrou na legislação de quase todos os Estados norte-americanos e passou para o direito de outros países.

No Brasil, por sua vez, o instituto bem de família foi disposto no CCB/16, nele os chefes de família podiam destinar um bem imóvel para ficar isento de execução por dívidas, ou seja o bem de família legal. Porém diante de crises econômicas da década de 80 foi aprovada a Lei 8.009 de 1990. Esta Lei colocou todo bem imóvel ocupado por uma família protegido contra a penhora, estabelecendo, além do bem de família voluntário, o bem de família legal (LÔBO, 2010).

Deste modo, no ordenamento jurídico brasileiro, há duas classificações do bem de família, o bem de família voluntário aquela que a família pode escolher o bem a ser tutelado e o bem de família legal, imposto por lei. A Lei 8.009/90 dispõe sobre o bem de família obrigatório, também denominado legal e o vigente Código Civil de 2002, nos artigos 1.711 a 1.722, regula o bem de família voluntário, também denominado de facultativo (LEMOS, 2012).

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2.2  Espécies de Bem de Família

 

O bem de família, na legislação brasileira, se classifica em duas espécies. O voluntário ou facultativo disposto pelo CCB/02. E o legal, também denominado de obrigatório, incluso na legislação brasileira através da Lei 8.009/90.

O bem de família voluntário é aquele que deriva da vontade do proprietário devendo, para tanto, ser formalizado em registro público (LISBOA, 2008). Nesse sentido escreve Dias (2010, p. 588) que para “o emprego do bem de família voluntário é necessário o atendimento a uma série de requisitos”.

Assim, como figura de exigência do bem de família voluntário é “[...] que se institui mediante ato de vontade e depende do registro imobiliário para a sua validade perante terceiros previsto, ainda hoje, igualmente, no art. 1.711 do Código Civil” (CREDIE, 2004, p. 7).

Encontra-se disposto nos arts. 260 e 261 da Lei n. 6.015/73 que dispõe sobre os Registros Públicos o procedimento para a instituição do bem de família voluntário:

Art. 260. A instituição do bem de família far-se-á por escritura pública, declarando o instituidor que determinado prédio se destina a domicílio de sua família e ficará isento de execução por dívida.

Art. 261. Para a inscrição do bem de família, o instituidor apresentará ao oficial do registro a escritura pública de instituição, para que mande publicá-la na imprensa local e, à falta, na capital do Estado ou do território (BRASIL, 1973).

Assim, o bem de família voluntário é instituído por ato de vontade que deve ser exteriorizado através da escritura pública, mediante publicação em imprensa local, onde o instituidor declarará qual o bem que queira proteger (FARIAS; ROSENLVALD, 2008). 

Gonçalves (2009, p.152) salienta que no CCB/02,

O art. 1.711 do novel diploma permite aos cônjuges ou à entidade familiar a constituição do bem de família, mediante escritura pública ou testamento, não podendo seu valor ultrapassar um terço do patrimônio líquido do instituidor existente ao tempo da instituição.

Nesse sentido, o CCB/02 define que a vontade pode ser exteriorizada pelo casal ou pela entidade familiar, incluindo assim aquelas referidas na CRFB/88 (LÔBO, 2010).

Todavia, ao contrário do bem de família legal, no voluntário o bem objeto da tutela pode ser escolhido pelo instituidor, desde que preencha ao critério da limitação no valor estipulado em lei, que será o de até um terço do patrimônio líquido do instituidor existente ao tempo da instituição (DINIZ, 2011).

A espécie bem de família legal ou obrigatória, disposta na Lei 8.009/90, diferentemente da voluntária, “não depende da manifestação do instituidor e não está condicionada a qualquer formalidade. Resulta do simples fato de o devedor residir em um imóvel, o que por força de lei, o torna impenhorável” (DIAS, 2010, p.588).

Nesse viés, a impenhorabilidade do bem de família legal é imediata, uma vez que a lei estabelece a situação que abrange a proteção. Visa-se proteger tanto bens imóveis, quanto bens móveis que guarnecem a residência (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2011).

A Lei 8009/90 expõe no seu art.1° que:

Art. 1° O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas em lei.

Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarneçam a casa, desde que quitados (BRASIL, 1990).

Percebe-se assim, que a impenhorabilidade no bem de família legal recai sobre todo o bem, independe do percentual que ele represente sobre o imóvel. E, da mesma maneira que o voluntário, também estará protegido os bens móveis que lhes guarnecem.

 

2.4 Bem de família legal Lei 8.009/90

A Lei nº 8.009, publicada em 29 de março de 1990, ampliou o conceito de bem de família tendo em vista que anteriormente se dava apenas por vontade do instituidor. Com esta lei, acresceu a modalidade legal, também denominada de obrigatória (FARIAS; ROSENLVALD, 2008).

A vigente legislação não revogou o bem de família voluntário. O que ocorreu foi ampliação do bem de família, gerando assim duas modalidades: a voluntária e a legal (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2011).

Esta, a legal, é fruto da conversão da Medida Provisória n. 143/90 que previa proteção ao bem de família independente da vontade de seu titular (FARIAS; ROSENLVALD, 2008).

O bem de família voluntário, que visa apenas à proteção da moradia da família, tem significado diferente do legal, que se volta a tutelar a base econômica mínima da entidade familiar (LÔBO, 2010).

Assim, a finalidade do bem de família legal é resguardar à família a sua moradia, dando-lhe a garantia do domicílio como direito social resguardado pela CRFB/88.

Para fazer jus a esta tutela, o imóvel deve ser da propriedade da família, devendo ser destinado à sua moradia, podendo ser rural ou urbano (DINIZ, 2011).

Assim, o já citado artigo primeiro da Lei nº 8.009/90 define que a residência, tanto do casal como de qualquer outra entidade familiar, não poderá responder por dívidas contraídas pelo seu proprietário, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

Dessa maneira, o imóvel deve ser próprio, não incluindo a simples posse da família. Não obstante, não é necessário ser de domínio exclusivo (LÔBO, 2010).

Assim, é resguardado não somente o imóvel que a família reside, mas também inclui nelas os móveis que guarnecem a casa, as plantações, as benfeitorias e equipamentos, desde que adquiridos antes da dívida (DIAS, 2007).

Deste modo, a impenhorabilidade abrange as acessões da propriedade, não sendo apenas o bem principal, mas todo o seu acessório (LÔBO, 2010).

Nesse sentido, dispõe o parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 8.009/90:

Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados (BRASIL, 1990).

A jurisprudência pátria estende a interpretação desta lei considerando impenhorável a bens necessários à dignidade humana, de modo a adequar a vida humana na contemporaneidade aos novos contornos e exigências sociais, como por exemplo, móveis como freezer, computador, micro-ondas e outros (FARIAS; ROSENVALD, 2008).

Diante dessas garantias, os móveis da família que vive em bem alugado também são considerados como bens de família:

Também é admitida a impenhorabilidade exclusivamente dos bens móveis, no caso do devedor que resida em imóvel alugado. Todos os bens móveis do locatário e dos demais integrantes da entidade familiar, salvo os legalmente excluídos, que estejam no imóvel alugado, não podem ser penhorados (LÔBO, 2010, p.398).

Todavia, os veículos de transportes, obras de artes e adornos suntuosos não são resguardados pela impenhorabilidade do bem de família (FARIAS; ROSENVALD, 2008).

Ademais, o bem de família que se encontra alugado também pode ser resguardado pela impenhorabilidade, uma vez que, mesmo estando alugado no todo ou em parte, o retorno dos aluguéis constitui renda para a manutenção da própria família (LÔBO, 2010).

Nesse sentido, explica Fachin (2006, p. 147) que:

A jurisprudência tem admitido que embora a pessoa não resida no imóvel, se for o único de sua propriedade, não lhe é retirado a proteção legal da impenhorabilidade, sob o fundamento de que não lhe são afastadas suas características essenciais. Assim sendo, se o executado tiver um único imóvel e alugar a terceiro para com a renda pagar o aluguel em outro local com a finalidade de habitação, entende a doutrina e a jurisprudência que faz jus à impenhorabilidade.

Assim, quando a família tiver mais de um bem, a impenhorabilidade recairá sobre aquele que a família resida, mesmo sendo esse bem o de maior valor. Contudo, se a família reside em dois ou mais de seus imóveis, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor (LÔBO, 2010).

Deste modo, descreve Lôbo (2010, p.401) que:

Se a entidade familiar ou o solteiro tiver mais de um imóvel, apenas um pode ser considerado bem de família legal e desde que seja efetivamente inutilizado por ela como sua moradia permanente, independente de ser o mais ou menos valioso [...]. Assim também regulou a Lei n. 8.009/90 contra a penhora de outro imóvel, afirmando tratar-se de residência de família.

Deste modo, o bem de família pode ser alegado para resguardar dívidas adquiridas por qualquer um de seus membros, no que tange a dívidas comerciais, fiscais e civis. Todavia, a cobrança feita com relação a créditos trabalhistas ou previdenciária para as pessoas que trabalham na própria casa, dentre outras hipóteses que se encontram taxativamente prevista na Lei n. 8.009/90 em seu artigo 3º, como segue, obstam tal alegação:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias. II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; III - pelo credor de pensão alimentícia; IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens; VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação (BRASIL, 1990).

Além do bem de família legal não ter impenhorabilidade absoluta em relação a determinados débitos, ele também não resguarda o insolvente de dívidas adquiridas anterior à compra do bem, como dispõe o artigo 4º da Lei n.8.009/90 “não se beneficiará do disposto nesta lei aquele que, sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da moradia antiga” (BRASIL, 1990).

Nesta hipótese, a má-fé se dá como meio de fraudar os credores. O credor, por sua vez, poderá requerer ao juiz que determine a anulação dos negócios e que transfira a impenhorabilidade ao bem anterior, de menor valor (DINIZ, 2011).

O bem de família legal beneficia a todos os integrantes das entidades familiares que habitem o imóvel, e não apenas ao seu titular, proprietário do imóvel. A Lei se refere ao casal ou entidade familiar, incluindo assim todas aquelas explícitas na CRFB/88, como também todas aquelas implicitamente tuteladas (GONÇALVES, 2009).

Assim, o bem de família visa proteger a moradia da família de maneira involuntária e irrenunciável, nesse viés a lei trata que os beneficiários desta lei são as entidades familiares, assim, busca-se aqui compreender como os juízes analisam o bem de família para com a entidade familiar monoparental.

2.5 A jurisprudência e seu entendimento referente à impenhorabilidade do bem de família anaparental

Tendo em vista que a família anaparental é aquela que não possui um ente ascendente ou descendente, é estabelecida entre irmãos, primos e outros, e diante da Lei de n.8.009/90 em que concede a proteção do bem de família a casais e entidades familiares, interpreta-se esta de maneira ampla, incluindo a família monoparental (AZEVEDO, 2002).

Sendo assim, procura-se compreender e analisar como os tribunais brasileiros tem decidido com relação a proteção do bem de família legal às famílias anaparentais. Reconhecendo a impenhorabilidade do bem de família, o TRT, no julgamento da 8ª Turma, Processo n.º: 20050594090, prolatada pelo magistrado Rovirso Aparecido Boldo, que assim assentou:

           

EXECUÇÃO – EMBARGOS DE TERCEIRO – LEI 8009/90 – IMPENHOLRABILIDADE MORADIA DA FAMÍLIA – irmãos solteiros que residem no imóvel comum constituem uma entidade familiar e por isso o apartamento onde moram goza da proteção de impenhorabilidade, prevista na Lei 8009/90, não podendo ser penhorado na execução de dívida assumida por um deles. Recurso conhecido e provido. STJ REsp 57606/MG, 4° T., rel. Min. Fontes de Alencar, j.11.04.1995, DJ 15.05.1995 (Execução – bem de família – imóvel que serve  de moradia as embargantes, irmãs e solteiras, entende-se a impenhorabilidade de que trata a Lei 8.009/90, não tendo como precedente o argumento de que a família, no sentido que lhe empresta a Lei 8.009/90, pressupõe a existência de um conjunto de pessoas, presas pelo vínculo de consangüinidade e sob o guante de uma chefia, representada por um dos pais, porque isso é restringir e, ate mesmo, negar eficácia à norma legal, na medida em que impossível seria a impenhorabilidade, se tais pais viessem a falecer, deixando filhos solteiros)  (BRASIL, 2008)

É relevante citar a decisão do STJ, que defende não só a família anaparental, mas qualquer entidade familiar, fundamentando-se na função social da moradia. Assim, por ocasião do julgamento do Resp 182.223/SP em 07/04/2003, entende que:

EXTENSÃO PROTETIVA DA REGRA PREVISTA NA LEI Nº 8.009/90: STJ – A Lei nº 8.009/90. O art. 1º precisa ser interpretado consoante o sentido social do texto. Estabelece limitação à regra draconiana de o patrimônio do devedor responder por suas obrigações patrimoniais. O incentivo à casa própria busca proteger as pessoas, garantindo-lhes o lugar para morar. Família, no contexto, significa instituição social de pessoas que se agrupam, normalmente por laços de casamento, união estável, ou descendência. Não se olvida ainda os ascendentes. Seja o parentesco civil, ou natural. Compreende ainda a família substitutiva. Nessa linha, conservada a teleologia da norma, o solteiro deve receber o mesmo tratamento. Também o celibatário é digno dessa proteção. E mais. Também o viúvo, ainda que seus descendentes hajam constituído outras famílias, e como, normalmente acontece, passam a residir em outras casas. ‘ Data venia’, a Lei nº 8.009/90 não está dirigida a número de pessoas. Ao contrário – à pessoa. Solteira, casada, viúva, desquitada, divorciada, pouco importa o sentido social da norma busca garantir um teto para cada pessoa. Só essa finalidade, data venia põe sobre a mesa a exata extensão da lei. Caso contrário, sacrificar-se-à a interpretação teleológica literal (BRASIL, 2003) .

A fundamentação desta decisão é concernente ao que é descrito pela doutrina, no que diz respeito a bem de família ser uma proteção à moradia das pessoas, ganhando um significado de proteção social, o que justifica a extensão do sentido de entidade familiar.

Tal entendimento é sustentado pelos tribunais, uma vez que o rol explícito da CRFB não é taxativo (AZEVEDO, 2002). 

Neste julgado por sua vez, observa-se a preocupação de não restringir as múltiplas formas de entidade familiar, incluindo as que são representadas pelo pai, como a família monoparental e não apenas esta, mas até mesmo as que não são representadas por estes.

A moradia, por ser uma efetivação do direito social, deve ser resguardada até mesmo para o único morador da casa (LÔBO, 2010).

Assim, a ampliação da concepção de família pelo ordenamento brasileiro a incluir nesta outros tipos de família, diversos da entidade familiar tradicional, matrimonializada, tornou-se imperiosa visto que, com a pluralidade de formas de família e sua liberdade de constituição, tornou-se realidade crescente que haja família constituída por pais ou mães solteiras e sua prole, dentre uma variedade de arranjos.

 

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da análise sobre a família anaparental e a possibilidade de ter a tutela do bem de família legal, foi perceptível que a CRFB/88, reconhece no seu artigo 226, a liberdade e a igualdade na formação das famílias.

Assim, a família anaparental diante do direito de igualdade entre todas estas entidades, tem o mesmo direito a ter o seu bem de família protegido, considerado o que estabelece a Lei 8009/90 e a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Assim, pela aceitação da legislação brasileira de outras formas de família, diversos da entidade familiar tradicional, a família anaparental recebe amparo da legislação, especialmente no que permite ao bem de família, em concretização à tutela a moradia, permitindo condições dignas de vida em salvaguarda das situações de penúria.

Deste modo, diante da análise das decisões judiciais observa-se que há uma efetivação concreta nas fundamentações preponderam a relação de igualdade e liberdade entre as formas de família e pela tutela da moradia, através do bem de família legal, como meio de benefício e proteção a todos os que dela necessitem.

 

 

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Álvaro Villaça. Bem de família. 4. ed. ver. ampl. São Paulo: Revistas dos Tribunais. 2002.

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BRASIL. LEI Nº 3.071, DE 1º DE JANEIRO DE 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L3071.htm. Acesso em: 29/10/2012.

BRASIL. LEI Nº 6.015, DE 31 DE DEZEMBRO DE 1973. Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6015.htm. Acesso em: 29/10/2012.

BRASIL. LEI 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 29/10/2012.

BRASIL. LEI No 5.869, DE 11 DE JANEIRO DE 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm Acesso em: 29/10/2012.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htmEm cache Acesso em: 29/10/2012.

BRASIL. Lei n. 8009, de 29 de março de 1990. Conversão da Medida Provisória nº 143, de 1990, Dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8009.htm Acesso em:29/10/2012.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ementa: Lei 8009/90. Impenhorabilidade.moradia da família. Irmãos solteiros. os irmãos solteiros que residem no imovel comum constituem uma entidade familiar e por isso o apartamento onde moram goza da proteção de impenhorabilidade, prevista na lei 8009/90. REsp 159851 SP 1997/0092092-5 Relator:

CHAVES, Sergio Fernando de Vasconcellos. A família e a união estável no novo Código Civil e na Constituição Federal. In: coord. WELTER, Belmiro Pedro; MADALENO, Rolf Hanssen. Porto Alegre: Livraria do advogado editora, 2004.

CREDIE, Ricardo Arcoverde. Bem de família: teoria e prática. 2. ed. São Paulo: Saraiva,2004.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

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