A HARMONIZAÇÃO DO CONCEITO “CASO FORTUITO EXTERNO” COM O SISTEMA DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA PARA A IDENTIFICAÇÃO DE CAUSA EXCLUDENTE EM ACIDENTE DE CONSUMO[1]

 

 

Jéssica Cristina Pereira B. Pinheiro

Francivaldo Oliveira Marques[2]

 

Roberto Almeida[3]

 

Sumário: Introdução; 1 Responsabilidade subjetiva do CC X  Responsabilidade objetiva do CDC; 1.1 Pressupostos da responsabilidade objetiva;  2 As excludentes de responsabilidade; 3 Discussão jurídica sobre A possibilidade de não responsabilização do fornecedor nas hipóteses previstas pelo CC: caso fortuito e força maior; 3.1 Teoria do caso fortuito externo; 4 A harmonização do conceito caso fortuito externo com o sistema do código de defesa do consumidor;  Conclusão.

RESUMO

 

Este paper visa analisar, de modo geral, a possibilidade de aplicação dos conceitos civilistas caso fortuito e força maior diante da omissão do legislador na previsão das excludentes de responsabilidade por acidente de consumo. Para tanto, faz-se uma exposição acerca da responsabilidade objetiva adotada pelo CDC, em contraposição à subjetiva, de modo a verificar a necessidade de harmonização dos conceitos no sistema de proteção ao direito do consumidor. De modo específico, demonstra-se a ampla utilização do conceito caso fortuito externo, como tendência jurisprudencial devido a necessária distinção entre o interno e externo para fins de responsabilização do fornecedor ou não. Por fim, identifica-se a imprescindível harmonização do conceito com base na teoria do diálogo das fontes.

Palavras-Chave: Caso fortuito. Força Maior. Caso fortuito externo. Responsabilidade. Excludente de responsabilidade.

 

 

INTRODUÇÃO

 

Diferente do que expressa a legislação civilista, o CDC não traz previsão legislativa sobre a excludente de responsabilidade, em caso fortuito ou força maior, situação que abre margem para que doutrinadores defendam a teoria do risco integral nas relações consumeristas. Contudo, o fato de não está enumerado no CDC como excludente de responsabilidade, estas, não são desconsiderados pela outra parte da doutrina.

Destarte, o presente trabalho consistirá em analisar a possibilidade de aplicação, em casos concretos, dos conceitos civilistas caso fortuito externo diante da omissão do legislador na previsão das excludentes de responsabilidade por fato do produto e do serviço, art. 12, §3º e 14, §3º do CDC. Por conseguinte, verifica-se a necessária diferença entre caso fortuito interno e externo, e analisa-se a necessidade da harmonização desse conceito no Direito do Consumidor para a verificação de existência do nexo de causalidade, uma vez que, não existindo, não há o que se falar em responsabilidade do fornecedor nas relações de consumo.

Para tanto, será necessário também conhecer as diferenças entre a responsabilidade subjetiva adotada pelo CC e responsabilidade objetiva que norteia as relações de consumo. Além de verificar os pressupostos para aplicação da responsabilidade objetiva, bem como as a analise das excludentes de responsabilidade expressa no CDC. Por fim, destina-se um capítulo final para descrever de que forma poderá ocorrer a harmonização dos conceitos civilistas com a disposição normativa consumerista. 

 

1 RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO CC X RESPONSABILIDAE OBJETIV DO CDC

Em nosso ordenamento jurídico a previsão normativa sobre a responsabilidade por dano causado a outrem está prevista no Código Civil em seu art. 927 o qual expressa: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Segundo STOCO (2007, p. 114) “a noção da responsabilidade pode ser haurida da própria origem da palavra, que vem do latim respondere, responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar alguém pelos seus atos danosos”. Objetiva-se desta forma impedir que vitimas de atos ilícitos fiquem com prejuízos, buscando por meio da via judicial o devido ressarcimento material ou moral.

A responsabilidade que trata o Código Civil no caput do artigo 927 é a subjetiva. Responsabilidade esta utilizada como regra, a qual predomina nas relações civilistas, uma vez que para que haja o reparo do dano é necessário comprovar a culpa decorrente de uma conduta contraria ao direito[4]. Diferença basilar nas relações de consumo, isto porque, aqui independe de culpa, havendo somente a comprovada relação entre o dano sofrido e a pessoa que dispôs o produto no mercado, esta fica obrigada a reparar o dano. É a chamada responsabilidade objetiva.

 A previsão desta também pode ser encontrada no Código Civil, no referido artigo citado em seu paragrafo único o qual traz: “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos, especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem." À exemplos de casos específicos em lei, de que trata o paragrafo único do art. 927 do CC, encontramos o Código de Defesa do Consumidor. O legislador se preocupou em garantir a possibilidade de responsabilizar o agente, somente por este ser o precursor do risco sobre o produto ou serviço. Desta forma, a responsabilidade objetiva é fundamentada na teoria do risco enquanto a subjetiva é fundamentada na teoria da culpa.

Quanto às duas teorias BITTAR (2005, p. 30) salienta que “na teoria da culpa (ou "teoria subjetiva"), cabe perfazer-se a perquirição da subjetividade do causador, a fim de demonstrar-se, em concreto, se quis o resultado (dolo), ou se atuou com imprudência, imperícia ou negligência (culpa em sentido estrito).” Já na teoria do risco, NUNES (2000, p. 157) por sua vez expõe que não se busca a culpa pelo fato. Aquele que explora atividade econômica deve arcar com os danos causados por essa exploração, ainda que não tenha havido culpa para que ocorresse o prejuízo. O objetivo da aplicação da teoria do risco no CDC seria “restabelecer o equilíbrio e a igualdade nas relações de consumo”[5], uma vez que o consumidor necessitaria da proteção Estatal já que é considerada a parte mais fraca nessa relação com o fornecedor.

CAVALIERI (2008, p. 467) salienta que “a responsabilidade decore do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços.” Todavia, para que o fornecedor seja responsabilizado é necessário “a existência de um defeito no produto e um nexo causal entre este defeito e o dano sofrido pelo consumidor, e não só entre o dano e o produto”[6]. Logo, a responsabilidade objetiva para ser aplicada depende da existência destes pressupostos, é o que trataremos no capitulo seguinte.

1.1  PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA

 

Para que haja o direito de ser indenização, será necessária a presença dos pressupostos da responsabilidade objetiva. A culpa é pressuposto fundamental na responsabilidade subjetiva, todavia ela desaparece na objetiva, isso por que nas relações consumeristas “todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou independente de ter ou não agido com culpa. Resolve-se o problema na relação de nexo de causalidade, dispensável qualquer juízo de valor sobre a culpa”[7]. Inexistindo a culpa, ou independente dela, é fundamental relacionar o fornecedor ao dano causado ao consumidor. Para tanto a obrigatoriedade da analise dos seguintes pressupostos:

I - Conduta do agente:

Entendido como o ato humano que viola um direito subjetivo de outrem. Para DINIZ (2005, p. 43) é ação voluntária, elemento constitutivo da responsabilidade, podendo ser comissivo ou omissivo, licito ou ilícito que cause dano, gerando o dever de reparação.  Nesse sentido GAGLIANO (2005, p. 31) salienta que “o núcleo fundamental, portanto, da conduta humana é a voluntariedade, que resulta exatamente da liberdade de escolha do agente imputável, com discernimento necessário para ter consciência daquilo que faz”.

Vale ressaltar, que diferente do que ocorre na responsabilidade subjetiva, onde o ato praticado pelo agente deve ser necessariamente ilícito, na responsabilidade objetiva a obrigação pode vim de ato que não contrarie norma jurídica, como expõe DINIZ (2005, p 42) “a obrigação de indenizar dano causado a outrem pode advir de determinação legal, sem que a pessoa obrigada a repará-lo tenha cometido qualquer ato ilícito”.

II - Existência de dano:

A existência de dano pode ser patrimonial ou moral. Para STOCO (2007, p. 128) o dano seria elemento essencial, indispensável à responsabilização do agente, seja de se tratar em responsabilidade objetiva ou subjetiva. No mesmo entendimento preleciona CAVALIERI (2005, p. 41) que:

“O dano é, sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano. Na responsabilidade objetiva, qualquer que seja a modalidade do risco que lhe sirva de fundamento – risco profissional, risco-proveito, risco criado etc. -, o dano constitui o seu elemento preponderante. Tanto é assim que, sem dano, não haverá o que reparar, ainda que a conduta tenha sido culposa ou até dolosa”. (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2008, p. 41)

III - Nexo de causalidade:

 É a ligação do dano sofrido com o comportamento do agente, relação causa e efeito. Para explicar o nexo de causalidade foram criadas varias teorias, entre elas a teoria da causalidade direta ou imediata, onde a causa seria determinada pelo ultimo fato ligado ao resultado danoso. Há também a teoria da equivalência das condições, onde a causa é considerada pelo resultado de qualquer circunstancia que motivou a mesma.  GONÇALVES (2002, p. 524) afirma que “das várias teorias sobre o nexo causal, o nosso Código adotou, indiscutivelmente, a do dano direto e imediato, como está expresso no art. 403”. Em meio a discursões sobre qual teoria teria sido adotada pelo nosso ordenamento, Stoco expressa que:

“Independente da teoria que se adote, como a questão só se apresenta ao juiz, caberá a este, na análise do caso concreto, sopesar as provas, interpretá-las como conjunto e estabelecer se houve violação do direito alheio, cujo resultado seja danoso, e se existe um nexo causal entre esse comportamento do agente e o dano verificado”. (STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7 ed. São Paulo Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 152)

2 AS EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE

 

O artigo 12, § 3 do CDC, traz as excludentes de responsabilidade por parte do fornecedor. Este poderá  produzir prova, no intuito de se escusar da responsabilidade do dano causado por determinado fato do produto ou serviço. Todavia não há de se falar em responsabilização do fornecedor, se não houver a presença de um defeito no produto ou na prestação de serviço. O CDC dispõe em seu art. 12, § 1 que “o produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera”. Conceito semelhante para defeito no serviço[8]. Entende Rocha que:

“A responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do produto, embora objetiva, não equivale à responsabilidade fundada sobre o simples nexo causal entre o uso do produto e o dano, devendo, ao contrário, entre esses dois elementos interpor-se um “defeito” do produto. Evita-se, com isso, transformar o fornecedor num simples assegurador do produto”. (ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Responsabilidade Civil do fornecedor pelo fato do produto no Direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 105)

Com o objetivo de assegurar ao fornecedor que este não será responsabilizado quando não der causa ao dano, quando não existir o nexo causal, o CDC expõe as seguintes excludentes de responsabilidade em relação ao produto:

“Art 12, § 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:  I - que não colocou o produto no mercado; II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”.

Analisando cada uma destas possibilidades, temos:

I - que não colocou o produto no mercado;

O fato de ter produzido o produto, não necessariamente o obriga a responder pelo mesmo, se este causar algum dano ao consumidor. Isto por que, o fato de tê-lo produzido, não significa que este o tenha colocação para o consumo. A distribuição por parte do fornecedor deve ser de forma voluntária e consciente. Pode ocorrer diversas situações onde o produto tenha ido parar nas mãos do consumidor sem a anuência do fornecedor.

Diante de tais hipóteses não há como o nexo de causalidade associar o dano ao fornecedor. Logo, este não será obrigado a reparar o prejuízo sofrido pelo consumidor. Destarte, fica evidente a necessidade do consumidor  conhecer a origem e distribuição do mesmo, para se assegurar de que será ressarcido em caso de prejuízos sofrido em decorrência do defeito do produto.

II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;

O fornecedor nesta situação não nega sua responsabilidade quanto a distribuição do produto, todavia deverá comprovar que o defeito alegado pelo consumidor não existe. Não existindo defeito, não haverá indenização por dano causado de outra forma. DENARI, (2005, 192) advoga que “o defeito do produto ou serviço é um dos pressupostos da responsabilidade por danos nas relações de consumo. Se o produto não ostentar vício de qualidade ocorre ruptura da relação causal que determina o dano, ficando afastada a responsabilidade do fornecedor”.

III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Aqui a origem do dano decorre unicamente da forma como o consumidor utiliza o produto. Mas uma vez o fornecedor, devido a inversão do ônus da prova, deverá comprovar que o produto esta em perfeitas condições e que o dano ocorreu de culpa exclusiva do consumidor. BENJAMIN (2009, p. 130) expõe que “se o comportamento do consumidor é o único causador do acidente de consumo, não há como se falar em nexo de causalidade entre a atividade do fabricante, do produtor, do construtor ou do importador e o fato danoso”. O que poderia ensejar na divisão de responsabilidade entre o fornecedor e o consumidor, uma vez que este teria sua parcela de responsabilidade pelo produto está no mercado com um defeito, não sendo este o motivo do dano, o CDC colocou como uma hipótese de excludente. MARQUES (2007, p. 227) acrescenta:

“O CDC prevê a exoneração na hipótese do inciso III do § 3° do artigo 12, de culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, hipótese que no sistema da Directiva européia ficaria submetida a apreciação do juízo de valor do judiciário, mas que no sistema do CDC exonera os fornecedores, pois mesmo existindo no caso um defeito no produto, não haveria nexo causal entre o defeito e o evento danoso (culpa da vítima).” (MARQUES, Cláudia Lima et. al. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. rev. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 227)

As excludentes quanto aos serviços prestados são semelhantes as do produto[9], a exceção é quando a colocação do produto no mercado. Arroladas as referidas excludentes, discute-se se este rol seria taxativo. NERY (1992, p. 56) apud TEIXEIRA (2011)[10] expressa que “apenas e tão somente as circunstâncias mencionadas no CDC em numerus clausus como causas excludentes do dever de indenizar é que efetivamente podem ser invocadas pelo fornecedor a fim de eximi-lo desse dever”. A alegação seria a utilização que o legislador fez do termo “só”. Isso caracterizaria a taxatividade desde rol. No entanto STOCO (2007, p. 53) entende que “ evidentemente, o nexo causal não se rompe apenas nas hipóteses elencadas no referido §3º do art. 12 do CDC, podendo-se acrescentar outras, não obstante a utilização da palavra “só” naquela norma”.

Admitindo a existência de outras excludentes é que se faz necessário o exame pormenorizado das hipóteses previstas no Código Civil de caso fortuito e força maior em relação ao Código de Defesa do Consumidor. Foco que será dado no próximo tópico.

 

3 DISCUSSÃO JURÍDICA SOBRE A POSSIBILIDADE DE NÃO RESPONSABILIZAÇÃO DO FORNECEDOR NAS HIPÓTESES PREVISTAS PELO CC: CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR

 

O CDC dispõe taxativamente sobre as situações que ensejam exclusão de responsabilidade pelo fato do produto ou serviço. O art. 12 §3º menciona as seguintes hipóteses em relação ao fato do produto: quando o fornecedor não colocou o produto no mercado, ou se colocou o defeito é inexistente, ou quando o acidente de consumo foi em decorrência de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. No que diz respeito à responsabilidade do fornecedor quanto ao serviço prestado, o art. 14 §3º estabelece que a exclusão de responsabilidade seja válida quando provar que o defeito é inexistente ou que a culpa pelo ocorrido foi exclusivamente do consumidor ou de terceiro.

Estas hipóteses seguem a lógica que compreende o sistema de responsabilidade objetiva, adotado pelo CDC. Ou seja, são situações em que uma vez existentes, não configuram nexo de causalidade entre a manifestação do fornecedor na relação de consumo e o dano sofrido pelo consumidor. Por isso, não existem motivos para a responsabilização do fornecedor em tais hipóteses. Contudo, há outras hipóteses que uma vez existentes também não acarretam a responsabilização do fornecedor no acidente de consumo por seguir a lógica do sistema, são o caso fortuito e força maior.

O caso fortuito e força maior estão previstos no CC, art. 393 “o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito e força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado”. O parágrafo único do referido art. demonstra a situação em que se verifica a incidência: quando os efeitos não são possíveis de evitar ou impedir. O caso fortuito, como evento imprevisível, e a força maior, como evento previsível, mas inevitável, são excludentes da responsabilidade civil, pois são elementos que obstam o nexo de causalidade, e, portanto, não se considera o direito de indenizar. 

Sendo assim, depreende-se que quando os efeitos do acidente do consumo são dessa natureza também não se verifica o nexo de causalidade com o dano suportado pelo consumidor, e, por conseguinte, o fornecedor não deve ser responsabilizado. A maioria dos autores identificam essa possibilidade de exclusão da responsabilidade do fornecedor no fato do produto ou serviço, embora não expressa no Código do Consumidor, mas tão somente no Código Civil.

Há uma discussão sobre o tema, sendo que não é pacífica na doutrina essa possibilidade. MIRAGEM (2012, p. 452) demonstra que alguns autores não consideram válida essa possibilidade uma vez que o legislador enumerou taxativamente as hipóteses de exclusão no CDC, e que, portanto, seria inviável a interpretação extensiva. Além disso, o autor NELSON NERY JÚNIOR (1992, p.56) que defende essa corrente alega que “esse sistema é semelhante ao já existente no Brasil para o dano causado ao meio ambiente que não admite o caso fortuito e a força maior como causas de exclusão da responsabilidade civil”. Essa não consideração das hipóteses dos conceitos civilistas é também observada no direito europeu (Diretiva 85/377/CEE) que não os identificam como causa de exclusão da responsabilidade. 

O argumento principal da corrente minoritária que defende a impossibilidade de considerar o caso fortuito e força maior é a utilização da interpretação exegética do CDC, e a necessidade de verificar a vontade do legislador. NUNES (2000, p. 169), por exemplo, alega que o legislador utiliza o advérbio “só” para estabelecer as hipóteses de exclusão da responsabilidade do fornecedor, nos art, 12 §3º e 14 §3º do CDC, e, portanto, não deixou dúvidas sobre a restrição da norma. Considera-se também que o intérprete do direito não deve utilizar interpretação extensiva para normas restritivas, no caso as disposições do CDC sobre o tema, porque é ilógico; além da adoção da teoria do risco, que inviabiliza a exclusão da responsabilidade quando verificado o caso fortuito ou força maior, há dever de indenizar.  

Por outro lado, alguns autores se posicionam sobre a perfeita possibilidade de considerar como excludente de responsabilidade os conceitos civilistas. Ada Pelegrini Grinover e outros autores afirmam que “a doutrina mais especializada já advertiu que esses conhecimentos ditados por forças físicas da natureza ou que, de qualquer forma, escapam ao controle do homem podem ocorrer antes como depois da introdução do produto no mercado de consumo” (GRINOVER, 2007, p. 199). Mas para a identificação da excludente é necessário que o caso fortuito ou força maior se manifeste depois da introdução do produto no mercado, pois somente assim há quebra do nexo de causalidade com o dano. Sendo assim, o consumidor não pode alegar defeito. 

Antes mesmo da edição da lei de proteção, a majorada doutrina já se posicionava pela possibilidade do caso fortuito e força maior, pois a previsão dos conceitos de caso fortuito e força maior já eram estabelecidos pelo Código Civil de 1916, sendo o Código do Consumidor vigente foi promulgado na década de 90, como destaca o autor João Almeida:

(...) mesmo antes da edição da lei de proteção, já se posicionava a doutrina. Não teria sentido, por exemplo, responsabilizar-se o fornecedor de um eletrodoméstico se um raio faz explodir o aparelho, e, em consequência, causa incêndio e danos aos moradores: inexistiria o nexo de causalidade a ligar eventual defeito do aparelho ao evento danoso. (ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 6º Ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 94)

De acordo com HERMAN BENJAMIN (2000, p. 67), a regra geral do ordenamento jurídico brasileiro é que o caso fortuito e força maior, por estar identificado na teoria geral da responsabilidade civil, excluem a responsabilidade. E que se o CDC não prevê essas hipóteses com causas de exclusão, também não os desconsidera. O autor faz uma relevante discussão em torno da interpretação literal da disposição normativa do CDC – principal argumento da corrente que defende a impossibilidade de utilizar os termos no sistema de proteção ao direito do consumidor – tendo em vista que não elencar é diferente de negar. Nesse sentido, defende também Miragem que “ao lado das hipóteses expressamente previstas no CDC, encontram-se, igualmente as circunstâncias, que por força da teoria geral da responsabilidade civil, também são aptas à exclusão”. MIRAGEM (2012, p. 451).

Alega-se ainda, que não considerar os conceitos civilistas como situações para exclusão da responsabilidade, é um risco que se corre, pois as consequências disso são decisões injustas, que geram insegurança jurídica. Nestes termos, sustenta Sílvio Venosa, que a impossibilidade “é uma visão extremista, geradora da admissão da chamada teoria do risco integral, o que pode levar a situações injustas, eis que fatos imprevisíveis são causas de obstação do nexo causal”. VENOSA (2005, p. 228). Assim, é mais sensato considerar tais hipóteses como causas excludentes do que defender uma visão extremista e incompatível com a teoria geral de responsabilidade civil.

As jurisprudências atuais também tem demonstrado entendimento sobre a viabilidade da excludente de responsabilidade quando verificado caso fortuito ou força maior no caso concreto. Um dos casos concretos pode ser identificado como exemplo para essa hipótese, o julgamento do Resp. 330523/SP (em anexo), que consiste no afastamento da responsabilidade do manobrista credenciado de carro cujo autor constatou que estava danificado decorrente de chuva de granizo.

A justificativa do voto do ministro Carlos Direito considera que o estacionamento contratado não está vinculado à guarda do veículo em área coberta, por isso não é possível a simples presunção. A alegação do autor estaria correta se o contrato feito estivesse vinculado à área coberta, mas no caso não se identificou isso. Sendo assim, houve a violação aos artigos 1.058 e 1.277 do Código Civil, porque a chuva de granizo configura força maior, que exclui a responsabilidade.

Desta forma, ainda que não elencado essa situação no art. 14, §3, admite a jurisprudência que o CDC tem o condão de afastar a responsabilidade do fornecedor do serviço prestado, o estacionamento do carro. O argumento cerne no julgamento do caso é que a não disposição pelo legislador do código de defesa do consumidor do caso fortuito e força maior não significa que não podem ser verificadas em caso concreto, conforme alega o ministro relator do recurso:

“Como assentado em precedente da Corte, o fato de o art. 14 §3º do Código de Defesa do Consumidor não se referir ao caso fortuito e à força maior, ao arrolar as causas de isenção de responsabilidade do fornecedor de serviços, não significa que, no sistema por ele instituído, não possam ser invocadas” (STJ, Resp. 330523/SP, DJ 10/12/2001, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito).

Embora esse o julgamento fora realizado no ano de 2001, e portanto, antes da promulgação do novo Código Civil, não descaracteriza o entendimento sobre a viabilidade dessa hipótese tendo em vista a disposição sobre caso fortuito e força maior é a mesma tanto no antigo código, quanto no vigente. Dispõe o art. 1058 do antigo Código Civil que “o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado”. O parágrafo único do artigo determina que o caso fortuito ou de força maior é verificado no fato necessário cujos efeitos não era possível evitar ou impedir. Portanto, é o mesmo conceito de inevitabilidade previsto no art. 393 do novo Código Civil.

Em relação ao posicionamento sobre a viabilidade de utilização dos termos civilistas para considerar a não responsabilização, é importante a afirmação de que nem sempre esses conceitos civilistas possibilitarão a exoneração da responsabilidade do fornecedor. A distinção é necessária nesse debate, tendo em vista que, a doutrina e jurisprudências fazem menção de uma subclassificação do caso fortuito e da força maior: interno e externo.

Nesse sentido, o interno refere-se à situação que decorre diretamente do processo de produção ou prestação de serviços, e, portanto, não excluem a responsabilidade do fornecedor. Por isso, é fato imprevisível, inevitável, e acrescenta GARCIA (2010, p. 123), “relacionando-se com os riscos da atividade desenvolvida pelo fornecedor”. Um exemplo possível dessa situação é o roubo do talonário de cheques durante o transporte por empresa contratada pelo próprio banco.

 Já o caso fortuito externo, são as situações que ao contrário, impedem a responsabilização do fornecedor. É também fato imprevisível, inevitável, porém não ligado à organização do negócio. No mais, neste trabalho, aprofunda-se sobre a teoria do caso fortuito externo, devido à ampla utilização deste conceito para o afastamento da responsabilidade do fornecedor e existência de casos jurisprudenciais cujo entendimento é consolidado nesse sentido.

3.1 Teoria do caso fortuito externo

A análise do dispositivo do Código Civil que se refere ao caso fortuito, e também força maior, não é suficiente para a identificação do caso fortuito externo ou teoria do caso fortuito externo, como a doutrina assim denomina. Por sua vez, este conceito foi criado a partir dos casos concretos, em que se percebeu a necessidade de consolidar o entendimento para aplicar a hipótese de exclusão da responsabilidade civil objetiva nas rela, de modo a evitar decisões injustas. A justificativa perpassa também pela verificação de que nem todos os casos em que se identifica o caso fortuito, como fato imprevisível e inevitável, deve haver o afastamento da responsabilidade do fornecedor, ou seja, quando está ligado à organização que é o caso fortuito interno.

De acordo com essa teoria, para incidir o caso fortuito externo no caso concreto não basta que o fato seja imprevisível ou inevitável, mas deve ser externo à organização. Este entendimento foi consolidado jurisprudencialmente, sobretudo pelo STJ, que em reiterados julgamentos vêm adotando essa possibilidade em consonância com a responsabilidade objetiva. Em relação, por exemplo, ao contrato de transporte, que segundo GARCIA (2010, p. 124), é verificado as maiores discussões sobre caso fortuito interno e externo, os danos desconexos ao transporte não tem relação com o que é desenvolvido pela empresa. E assim, exclui a responsabilidade do transportador uma vez que incide a teoria do caso fortuito externo, como na jurisprudência a seguir:

“CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. EMPRESA DE ÔNIBUS. APEDREJAMENTO. PASSAGEIRA. FERIMENTO. CASO FORTUITO. CONFIGURAÇÃO. SOCORRO MÉDICO. PRESTADO. RESPONSABILIDADE. INEXISTÊNCIA. FATO EXTERNO. RECURSO NÃO CONHECIDO. I. Tendo o arremesso da pedra sido ocasionado por terceira pessoa, que se encontrava inclusive fora do coletivo, não há que se falar em responsabilidade da transportadora, ainda mais por haver esta prestado o correto socorro e atendimento à passageira. Precedentes do STJ.  II. Recurso especial não conhecido” (REsp 919823/RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior. DJe 29/03/2010).

Em especial acórdão, observa-se que no caso o apedrejamento sofrido pelo autor da ação através de um terceiro constitui excludente de responsabilidade do prestador de serviço porque não faz parte das atividades desenvolvidas pelo mesmo, ou seja, é um fato externo. Não obstante, há de se considerar que o nessa hipótese específica, o caso fortuito externo é equiparado o fato “exclusivamente de terceiro”, que é disposto no art. 14§3º, II do CDC: “o fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”.

Todavia, nem todos os casos há essa equiparação, tendo em vista diversas situações da ocorrência do caso fortuito externo sem necessariamente a participação de um terceiro, ou com a aproximação conceitual do caso fortuito externo com força maior, como o autor OTÁVIO JR. (2012, p. 14) tem considerado. O julgamento da apelação cível do TRF2, AC nº 393221/RJ identifica essa ressalva, em que o pedido de indenização foi negado, pelo fato da correspondência não entregue pelo ECT, por se tratar de caso fortuito externo. Alega o desembargador federal que é possível a incidência de caso fortuito externo, mesmo se tratando de prestadora de serviço público, de acordo com que vêm decidindo o STJ e o STF sobre a questão:

“ A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos-ECT, na qualidade de prestadora de serviço público, submete-se à regra da responsabilidade objetiva estabelecida no artigo 37 , § 6o. da Constituição Federal.  -A Suprema Corte tem estabelecido os seguintes requisitos , para a configuração da mesma, a saber: a) o dano; b) ação administrativa; c) e o respectivo nexo causal; esclarecendo que a mesma pode ser excluída, total, ou parcialmente, por culpa da vítima (STF, RE 178806, DJ 30/6/95), bem como pelo caso fortuito , ou força maior (STF, RE 109615, DJ 2/8/96), ou por fato de terceiros ou da natureza. (...) Assim sendo, entendo que diante do epigrafado, não resta configurado a existência de nexo etiológico entre o dano experimentado pelo autor, e a conduta imputada à Ré, eis que tal encomenda remetida através do serviço SEDEX da ré, não chegou ao destinatário por conta de caso fortuito externo ocorrido durante o transporte, o que inautoriza o acolhimento do recurso, restando prejudicada as demais imprecações.(STJ, REsp 44500, DJ 9/9/02).” (AC 393221/RJ, Rel. desem. Poul Erik Dyrlund. DJU 31/08/2009). (Grifo nosso).

Tanto os tribunais superiores quanto os inferiores tem admitido a teoria do caso fortuito externo. O entendimento foi tão aceito jurisprudencialmente, em relação a diferenciação entre caso fortuito interno e externo como determinante na ausência ou não da responsabilidade do fornecedor, que foi editada recentemente a Súmula 479 do STJ, em que as “instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”. Não há ainda entendimento consolidado em súmula sobre o caso fortuito externo, mas depreende-se desta súmula a relevância do posicionamento, e nada obsta a criação de súmulas nesse sentido uma vez que há reiteradas jurisprudências.

É importante destacar que como toda teoria possui conceito definido e elementos próprios, ou conhecimento descritivo, a teoria do caso fortuito externo é balizada por características advindas do Código Civil, e também por outra que lhe é peculiar. Dessa forma, CORRÊA (2013, p. 11) define a teoria a partir dos seus principais elementos caracterizadores, dividindo-os em: requisitos decorrentes do Código Civil, a irresistibilidade e imprevisibilidade; e o requisito essencial à figura do caso fortuito externo, a “force qui vient d’un haut”, ou seja, a falta de conexidade racional entre o fato prejudicial e o meio, o organismo ou a empresa.

A irressistibilidade é definida como algo eventual cuja consequência seria a impossibilidade de execução de uma obrigação. Quanto a imprevisibilidade, há uma ressalva da doutrina quanto a carga de subjetividade na definição dessa característica, por isso entende-se que é considerada quando imprevisível, com inevitabilidade das consequências danosas ou até mesmo quando previsível mas com a inevitabilidade das consequências danosas. Já “a force qui vient d’un haut”, é um termo utilizado pela doutrina francesa, a qual considera como imprescindível para a definição do caso fortuito externo. Dessa forma, somente um fato externo poderia ser capaz de romper a ligação do nexo causal entre o fato e o dano, e, por conseguinte, excluir a responsabilidade do fornecedor ou prestador de serviços.

 

4 A HARMONIZAÇÃO DO CONCEITO CASO FORTUITO EXTERNO COM O SISTEMA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

 

O CDC não enumera como excludente de responsabilidade pelo fato do produto ou serviço, nos art. 12 §3º e 14§3º, os fatos advindos do caso fortuito e força maior. Todavia, sendo considerada amplamente utilizada a teoria do caso fortuito externo nas jurisprudências, como disposto anteriormente, deverá ser integralizada ao sistema de defesa do consumidor. O fato do legislador não ter mencionado não significa que não pode ser utilizada, tendo em vista a necessária harmonização dos conceitos civilistas com o CDC.

Sob essa perspectiva, a teoria do diálogo das fontes é uma contribuição relevante para admitir a possibilidade de não responsabilização do fornecedor nas hipóteses previstas pelo CC, inclusive do caso fortuito externo, que é de criação jurisprudencial e tem como ponto de partida o conceito civilista. Muitas vezes o operador do direito se vê nessa situação do dever de julgar, mas os comandos normativos conduziriam a decisões injustas. Nesse contexto, as outras fontes do direito ajudam na busca da decisão adequada, sendo a teoria do diálogo das fontes um suporte.

A autora Cláudia Lima Marques foi a responsável por trazer a Teoria do Diálogo das Fontes para o Brasil, uma vez que foi idealizada por Erik Jaime, jurista alemão. Esta teoria é proposta com o intuito de repensar o direito do consumidor não como um fim em si mesmo mas também sob a ótica de outras fontes, como um sistema integrado de modo a proporcionar um diálogo. São possíveis três diálogos entre o CDC e o CC, extraídos da obra “Diálogos entre o Código de Defesa do Consumidor e o novo Código Civil: do diálogo das fontes no combate às cláusulas abusivas”, da referida autora:

“1) na aplicação simultânea das duas leis, uma lei pode servir de base conceitual para a outra (diálogo sistemático de coerência). (...) 2) na aplicação coordenada das duas leis, uma lei pode complementar a aplicação da outra, a depender de seu campo de aplicação no caso concreto (diálogo sistemático de complementariedade e subsidiariedade em antinomias aparentes ou reais). (...) 3) há o diálogo das influências recíprocas sistemáticas, como no caso de uma possível redefinição do campo de aplicação de uma lei. É a influência do sistema especial no geral e do geral no especial, um diálogo de double sens (diálogo de coordenação e adaptação sistemática)”. (MARQUES, Cláudia Lima. Diálogos entre o Código de Defesa do Consumidor e o novo Código Civil: do diálogo das fontes no combate às cláusulas abusivas. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: RT, p. 42).

Depreende-se, portanto, que a relação existente entre o CDC e o Código Civil quanto a possibilidade de aplicação dos conceitos civilistas quanto a exclusão da responsabilidade pelo fato do produto ou serviço, deve ser de complementaridade conceitual, pois esta é verificada quando há antinomias aparentes ou reais. Sendo a segunda hipótese de diálogo, Bruno Miragem identifica que o Código Civil constitui base conceitual do CDC “na qualidade de norma central do direito privado”, cujas definições determinam o significado da termologia adotada em outras normas ou microssistemas, como é o caso do direito do consumidor”. MIRAGEM (2012, p. 60).

A teoria do diálogo das fontes é utilizada em várias decisões jurisprudenciais em que se observa a necessidade de complementação conceitual do CC para o CDC no caso concreto. Um exemplo disso, é a Apelação nº 991.08.042441-6/SP, cujo resultado foi o afastamento do o prazo prescricional previsto no CDC, para se aplicar as normas do Direito Civil, por serem mais favoráveis ao consumidor, diante das peculiaridades do caso concreto:

“(...) Não incide o prazo prescricional qüinqüenal do Código de Defesa do Consumidor, pois, de acordo com o Des. Windor Santos, nas Apelações n° 7.309.933-3 e 7.206.571-9, aplica-se a Teoria do Diálogo das Fontes: "Também não é caso de prescrição ou decadência pelas regras do Código de Defesa do Consumidor, uma  vez que a jurisprudência praticamente unânime aplica à matéria as  normas do Direito Civil, por serem mais favoráveis ao consumidor efetuando o chamado diálogo das fontes”. (BRASIL. TJ/SP. Apelação nº. 991.08.042441-6, São Paulo, 27 de julho de 2010).

Portanto, a utilização teoria do diálogo das fontes repercute como possibilidade de harmonização entre o conceito civilista de caso fortuito externo de e as hipóteses de exclusão da responsabilidade do fornecedor em relação ao acidente de consumo, elencadas pelo CDC. Não se trata de uma mera tendência, mas de uma construção racional que evidencia a completude do ordenamento jurídico de modo coerente evitando, assim, decisões injustas. Cabe ao aplicador do direito possibilitar a harmonização, o diálogo entre as fontes, quando assim exigir o caso concreto.

CONCLUSÃO

A criação jurisprudencial do conceito “caso fortuito externo” está consoante ao sistema de responsabilidade objetiva, adotado pelo CDC, possibilitando mais uma causa de exclusão da responsabilidade do fornecedor ou prestador de serviços diante do acidente de consumo. A justificativa, para tanto, é considerável na medida em que o operador do direito não obtém de imediato uma solução adequada ao caso concreto, quando verificado a incidência do caso fortuito externo, diante da interpretação exegética do CDC.

Sendo assim, quando verificado as características na situação em análise, como a imprevisibilidade, a irresistibilidade ou inevitabilidade, e a falta de conexidade racional entre o fato prejudicial e o meio, o organismo ou a empresa, há de considerar um diálogo entre as fontes do direito. Porque se não existe nexo de causalidade entre o fato e o dano, não há de desconsiderar o afastamento da responsabilidade do fornecedor ou prestador de serviço. O caso fortuito externo é assim conceituado, como fato imprevisível, inevitável, mas estranho ao negócio desenvolvido pela empresa, diferentemente do caso fortuito interno.

Portanto, os argumentos da corrente doutrinária não são consideráveis na medida em que a teoria do caso fortuito externo constitui um caminho coerente, lógico, de acordo com a sistemática adotada pelo CDC de responsabilidade objetiva. Nada obsta, por isso, a não aceitação da teoria no caso concreto com base no argumento legalista, tradicional e simplório de que o legislador não elencou nos arts. 12, §3º e 14, §3º do CDC. Tendo em vista a necessária relação estabelecida entre o CDC e o CC de complementariedade conceitual, como proposta da autora Cláudia Lima Marques, com a finalidade de obter decisões judiciais justas sobre essa temática, conclui-se a imprescindível harmonização do conceito caso fortuito externo com o código consumerista.

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[1] 2º Cheque de Paper, apresentado à disciplina de Direito do Consumidor.

[2] Discentes do 6º período do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB

[3] Prof. Especialista, orientador.

[4] MARQUES, Cláudia Lima et. al. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. rev. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 259.

[5] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2008, p. 456.

[6] MARQUES, Cláudia Lima et. al. Op. Cit. 2006, p. 261.

[7] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. Cit. 2008, p. 137.

[8] Art. 14, §1- O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

[9] CDC, Art. 14, § 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

[10] TEIXEIRA, Volney Santos. Breves considerações a respeito da responsabilidade civil no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. Disponível em : <http://www.egov.ufsc.br>. Acesso em 20 de abril de 2013.