A GARANTIA CONSTITUCIONAL E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE FRENTE AO INSTITUTO DA USUCAPIÃO ESPECIAL RURAL[1]

Ana Cecília Aguiar Ramos de Freitas[2]

Darla de Medeiros Gonçalves Gaspar[3]

Viviane Brito[4]

 

Sumário: Introdução; 1 A garantia constitucional do direito de propriedade; 2 Modos de aquisição da propriedade; 2.1 Da aquisição pela Transcrição do Título; 2.2 Da aquisição por Acessão; 2.3 Da aquisição por Usucapião; 3 O instituto da Usucapião e sua evolução histórica; 4 A Usucapião Especial Rural e a Função Social da Propriedade; Considerações Finais e Referências.

RESUMO

O presente trabalho tem como finalidade principal analisar a garantia constitucional e a função social da propriedade e sua relação com o instituto da Usucapião Especial Rural. Para isso, procura-se primeiramente verificar como a Constituição Federal prevê e garante o direito de propriedade e com isso, sua função social. Buscando base na legislação, na doutrina e na jurisprudência, procurar-se-á analisar os diversos meios de aquisição de propriedade imóvel, destacando o instituto da Usucapião. Posteriormente, pretende-se analisar especificamente a Usucapião Especial Rural e a função social da propriedade.

 

Palavras-chave: Propriedade imóvel. Usucapião.

 

Introdução

O presente trabalho tem por pretensão discorrer sobre os conceitos prévios envolvendo a garantia constitucional e a função social da propriedade e sua relação com o instituto da Usucapião, especificamente, a Usucapião Especial Rural. O direito a propriedade é previsto no Art. 5º da Constituição Federal e desempenha uma função social que foi evoluindo no decorrer da história. Previsto no Art. 1228 do Código Civil, o direito de propriedade confere ao proprietário “a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”.

Para Gonçalves (2007, p. 108), “A propriedade é o direito real mais completo”, uma vez que, como explica o autor, “O direito real consiste no poder jurídico, direto e imediato, do titular sobre a coisa, com exclusividade e contra todos. Tem como elementos essenciais, o sujeito ativo, a coisa e a relação ou poder do sujeito ativo sobre a coisa, chamado domínio”. Sabe-se que o poder de propriedade é inerente à própria natureza do homem. Desde os tempos mais remotos, o indivíduo procura ter para si o poder sobre a terra e utilizar-se dela como meio de sobrevivência. Esse é um direito que nem sempre esteve positivado, embora já fizesse parte dos anseios do indivíduo. Somente com a evolução das sociedades e a positivação das leis é que se passou a transcrever tal direito.

A Constituição Federal de 1988 garante o direito de propriedade ao cidadão, ressaltando sua função social. É importante destacar que a Constituição divide o termo propriedade, classificando-a conforme sua destinação. Dessa forma, observa-se que tal designação refere-se a um gênero.

Como toda legislação deve estar de acordo com a Constituição, busca-se no presente trabalho, como ponto de partida analisar o direito de propriedade como garantia constitucional. Somente após tal verificação, é que se passará para a análise do Código Civil, que é a legislação específica sobre o instituto a que se refere este trabalho.

1 A garantia constitucional do direito de propriedade

 

Inicialmente, é interessante trazer a definição do termo propriedade, para que se possa delinear seu conceito dentro da Constituição. De acordo com Acquaviva (2000, p. 1056),

A expressão enseja vários sentidos, tais como conveniente, qualidade de uma pessoa, coisa ou lugar ou, ainda, uso adequado das palavras na expressão de uma ideia, ou seja, falar com propriedade. No direito, todavia, é a aptidão de alguém de ter alguma coisa como sua, dela dispondo livremente, nos limites da lei. [...]. Cumpre notar que o conceito moderno de propriedade não se compadece da primitiva conceituação do direito romano (jue utendi, fruendi et abutendi), ou seja, admitia-se direito de abusar de um bem, ou seja, ir além da mera utilização deste. Predomina, hoje, o princípio da função social da propriedade, inscrito nas modernas Constituições, ao lado das quais partilha a nossa (art. 5º, XXII a XXX, em especial o inciso XXIII).

Como dito acima, a Constituição Federal de 1988 veio contribuir de forma contundente acerca do direito de propriedade. Como afirma Silva (2012, p. 270),

O regime jurídico da propriedade tem seu fundamento na Constituição. Esta garante o direito de propriedade, desde que este atenda sua função social. [...]. A própria Constituição dá consequência a isso quando autoriza a desapropriação, com pagamento mediante título, de propriedade que não cumpra sua função social (arts. 182, §4º, e 184). Existem outras normas constitucionais que interferem com a propriedade mediante provisões especiais (arts. 5º, XXIV a XXX, 170, II e III, 176, 177 e 178, 182, 183, 184, 185, 186, 191 e 222).

Esse conjunto de normas constitucionais sobre a propriedade denota que o legislador se preocupou em garantir na lei máxima, referências à propriedade, seja urbana, rural, pública ou privada. Isso pressupõe a relevância social da propriedade, destacando que esta se constitui um direito e garantia do cidadão.

Como bem explica Monteiro (2000, p. 78), “Com efeito, a exata concepção é a de que a propriedade é inerente à própria natureza humana; ela representa condição de existência e de liberdade de todo homem”. É importante destacar que existem vários tipos de propriedade, dentre elas, a propriedade pública, a privada, a urbana, a rural, industrial, agrícola, etc. Nas palavras de Silva (2012, p. 274),

A Constituição consagra a tese, que se desenvolveu especialmente na doutrina italiana, segundo a qual a propriedade não constitui uma instituição única, mas várias instituições diferenciadas, em correlação com os diversos tipos de bens e de titulares, de onde ser cabível falar não em propriedade, mas em propriedades. Agora, ela foi explícita e precisa. Garante o direito de propriedade em geral (art. 5º, XXII; garantia de um conteúdo mínimo essencial), mas distingue claramente a propriedade urbana (art. 182, § 2º) e a propriedade rural (art. 5º, XXVI, e especialmente, arts. 184, 185 e 186), com seus regimes jurídicos próprios, sem falar nas regras especiais para outras manifestações da propriedade. [...]. Em verdade, uma coisa é a propriedade pública, outra a propriedade social e outra a privada; uma coisa é a propriedade agrícola, outra a industrial; uma, a propriedade rural, outra a urbana; uma, a propriedade de bens de consumo, outra a propriedade/capital. [...]. Cada qual desses tipos pode estar sujeito, e por regra estará, a uma disciplina particular, especialmente porque, em relação a eles, o princípio da função social atua diversamente, tendo em vista a destinação do bem objeto da propriedade.

Assim, como exposto acima, a Constituição separa os tipos de propriedade e destina a elas, a função social de acordo com a destinação da propriedade. Por esse motivo, não se pode falar de propriedade em termos constitucionais, como um conceito único. O termo propriedade seria um gênero que a Constituição classifica conforme sua função social.

Entretanto, busca-se analisar neste trabalho a função social da propriedade em geral e especificamente frente ao instituto da usucapião especial rural, que se constitui uma das modalidades da usucapião como meio de aquisição da propriedade. O Art. 191 da Constituição Federal relaciona-se diretamente sobre o instituto da Usucapião: “Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade”.

2 Modos de aquisição da propriedade

A divisão da propriedade em móvel e imóvel é afirmada por certos autores como relativamente nova, tendo sua origem no Direito Romano. No entanto, afirma Washington de Barros Monteiro (p. 97, 2000) que a existência dessa classificação é comprovada desde a Lei das XII Tábuas.

No período do Direito Medieval e do Código Napoleônico, atribuiu-se à propriedade imóvel como de maior valor do que a móvel, pois aquela era considerada como indicação de poder e causa de riqueza nacional, respectivamente. Porém, entende Washington (p. 98, 2000) que sob a ótica econômica, é improvável essa sobreposição de importância, já que a propriedade móvel, vantajosamente se presta à livre circulação de valores. De todo modo, Washington (p. 97, 200) cita Sumner Maine, em que o mesmo dispõe que, essa é uma “classificação natural dos bens, a única que corresponde a diferença essencial proveniente da própria natureza”.

Atualmente, a doutrina faz uma classificação própria de aquisição da propriedade imóvel, que pode ser quanto à origem e quanto ao objeto. Na primeira forma de aquisição se inclui a originária e a derivada, sendo que a primeira segundo Maria Helena Diniz (p. 843, 2010) é quando o indivíduo faz seu o bem sem que este lhe tenha sido transferido por alguém, ocorre quando não há relação jurídica entre proprietários anteriores e o atual. E a derivada acontece quando ocorrer a transferência de propriedade, aprofunda Diniz (p. 843, 2010) que por atos causa mortis ou inter vivos, se dá no direito hereditário e no negócio jurídico seguido de registro do título de transferência na circunscrição imobiliária competente. Nesse segundo caso, há, portanto, relação entre o domínio anterior e o atual.

Quanto ao objeto, se subdivide em por título universal e por título singular. A aquisição universal é quando o objeto da aquisição for uma universalidade de bens ou de direitos. A do tipo singular advém quando o objeto da aquisição for uma coisa especificada.

De acordo com Gonçalves (2007, p. 122), o Código Civil apresenta uma abordagem direta dessa aquisição “no capítulo intitulado ‘Da aquisição da propriedade imóvel’, em que limita a expressar como tal, a usucapião, o registro do título e a cessão, como assim dispõe os artigos 1.238 a 1.259 do referido código”. Todavia, é também considerado como aquisição da já citada propriedade, a pelo direito hereditário, este, porém, é disposto não no Direito das Coisas, é regulado pelo Direito das Sucessões e assim sendo não será abordado neste trabalho.

2.1 Da aquisição pela Transcrição do Título

     A aquisição de propriedade imóvel por transcrição do título não é regulamentada de forma exaustiva, além de disposta nos Artigos 1.245 ao 1.247 do Código Civil, também está preceituada no art. 1.227 do CC e na Lei de Registros Públicos (nº 6.015/73) no Título V, Cap. VII. Em relação à sua tutela pelo Código Civil, dois artigos devem ser lidos em conjunto, o primeiro é o art. 1.227, o qual dispõe que “os direitos reais sobre imóveis constituídos ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis, salvo os casos expressos neste Código” e o segundo é o 1.0245:

Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

§1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono de imóvel.

§2° Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel.

Da leitura de ambos os preceitos legislativos, observa-se que para aquisição da propriedade imóvel, não basta simples acordo de vontades entre adquirente e transmitente (MONTEIRO, p. 99, 2000), já que esses negócios jurídicos não são hábeis para transferir o domínio do bem imóvel (DINIZ, P. 2010). Além desse requisito, outro se faz necessário, tal qual seja com o registro translativo, no Cartório de Registro de Imóveis, e que, portanto, enquanto não se efetuar tal, o alienante continua ser havido como dono do imóvel.

O registro dá proteção especial à propriedade imobiliária, por fornecer meios probatórios fidedignos da situação do imóvel, por conta da titularidade e dos ônus reais que o marcam, pela perspectiva da publicidade, torna os dados registrados conhecidos de terceiros, após ter sido o imóvel registrado (DINIZ, p. 867, 2010). Extrai-se que o registro implica aquisição, alteração ou extinção de direitos reais sobre os imóveis, portanto, tem eficácia constitutiva.  

O Cartório Imobiliário conferirá direitos reais, a partir da data em que se fizer o assentamento do imóvel, transferindo a propriedade do alienante para o adquirente (DINIZ, p. 868, 2010). Tal preceito é aprofundado com o art. 1.246 do CC, que dispõe que “o registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro, e esse o prenotarem no protocolo”.

Um princípio implícito que versa sobre aquisição de registro está disposto no art. 1.247 do CC, o qual dispõe que “se o teor do registro não exprimir a verdade, poderá o interessado reclamar que se retifique ou anule. Parágrafo único. Cancelado o registro, poderá o proprietário reivindicar o imóvel, independentemente da boa-fé ou do título do terceiro adquirente”, é o princípio da força probante ou fé pública. Segundo este princípio em consonância com o artigo referido, até prova em contrário, toda informação presente no registro, é considerada como verdadeira, no entanto, o registro tem presunção relativa de veracidade, pois eles admitem retificação, anulação e cancelamento. No que diz respeito a ratificação, Maria Helena Diniz (p. 871, 2010) pondera que:

O prejudicado poderá reclamar sua ratificação por meio de processo próprio para corrigir o registro que não corresponde à realidade fática ou jurídica, em razão de fatos que neles foram lançados inexatamente em relação à identidade do titular ou do objeto, assim, o interessado poderá pleitear a prestação corregedora, sem que haja substituição de um registro por outro, ou o cancelamento deste.

O registro de imóvel pode ser anulado de duas formas, pela indireta acontecerá se pretender atingir o título com reflexos nele fundado, de forma direta, poderá o interessado alegar inobservância de requisitos legais (DINIZ, p. 871-872, 2010). Seja qual for a forma utilizada, após provocação do interessado, o magistrado se posicionará, declarando-a

O cancelamento cessa a produção de efeitos do registro, portanto não é suficiente para tal ato a mera anulação do mesmo. Ele é efetuado mediante averbação, assinada pelo oficial, seu substituto legal ou escrevente autorizado, que declarará o seu motivo determinante e o título em razão do qual foi feito (DINIZ, p. 872, 2010).

No que tange a tutela do registro do título pela Lei de Registros Públicos, seis são os princípios implícitos presentes nela. O primeiro é o da publicidade, que advém do art. 17 da referida lei e assim preceitua “qualquer pessoa pode requerer certidão do registro sem informar ao oficial ou ao funcionário o motivo ou interesse do pedido”, ou seja, o teor do registro tem caráter público. O segundo princípio é o da legalidade, baseado no art. 198 da lei 6.015/73:

Havendo exigência a ser satisfeita, o oficial indicá-la-á por escrito. Não se conformando o apresentante com a exigência do oficial, ou não a podendo satisfazer, será o título, a seu requerimento e com a declaração de dúvida, remetido ao juízo competente para dirimi-la, obedecendo-se ao seguinte:

I-No Protocolo anotará o oficial, à margem da prenotação, a ocorrência da dúvida;

II-Após certificar, no título, a prenotação e a suscitação da dúvida, rubricará o oficial todas as suas folhas;

III-Em seguida, oficial dará ciência dos termos da dúvida ao apresentante, fornecendo-lhe cópia da suscitação e notificando-o para impugná-la, perante o juízo competente, no prazo de 15 (quinze dias)

IV-Certificado o cumprimento do disposto no item anterior, remeter-se-ão ao juízo competente, mediante carga, as razões da dúvida, acompanhadas do título.

Analisando o referido artigo, afirma-se que quando o interessado se dirige ao cartório para efetuar o registro, o oficial irá fazer uma análise do ponto de vista legal da documentação apresentada. Se houver alguma divergência entre o que o oficial do cartório está exigindo e o que o interessante está pleiteando, essa documentação pode ser encaminhada para o juiz, para que o mesmo se manifeste a respeito.

Segundo o princípio da territorialidade, o registro translativo da propriedade tem que ser feito na circunscrição onde o imóvel estiver situado, assim, se tiver mais de um cartório na localidade, é necessário saber em qual cartório está registrado (art. 169, Lei 6.015/73). O nome que consta no título deve coincidir com o nome que consta no cartório como aquele que é proprietário, é o que dispõe o princípio da continuidade, que tem como base o art. 195, da Lei de Registro de Imóveis. Acerca do princípio da prioridade, dispõe o art. 191 que:

Prevalecerão, para efeito de prioridade de registro, quando apresentados no mesmo dia, os títulos prenotados no protocolo sob número de ordem mais baixo, protelando-se os registros dos apresentados posteriormente, pelo prazo correspondente a, pelo menos 1 (um) dia útil.

Segundo o referido princípio, portanto aquele que primeiro se dirige ao cartório para efetuar o registro é o que tem preferência.  O princípio da prioridade, como ensina Narciso Orlandi Nero, tem por finalidade evitar conflitos entre títulos contraditórios, ou seja, aqueles que têm por objeto direitos reais sobre o mesmo imóvel que não podem coexistir, visto que a força da eficácia do título dependerá da ordem de seu ingresso no registro imobiliário (DINIZ, p. 870, 2010).

 

2.2 Da aquisição por Acessão

Acessão como aquisição de propriedade imóvel tem o sentido de acréscimo de propriedade e mais especificamente por meio de forças externas. Para Monteiro (p. 106, 2000), é modo originário de adquirir a propriedade, em virtude do qual ao proprietário fica pertencendo tudo quanto se une ou adere ao seu bem.

Há duas modalidades desse modo de aquisição, acessão natural e artificial, a primeira ocorre quando da união ou incorporação da coisa acessória à principal sem intervenção humana e a segunda, quando dessa incorporação resultar de trabalho do homem, processando-se de móvel a imóvel (DINIZ, p. 873, 2010). As formas de acessão se dividem em cinco, quais sejam pela formação de ilhas, por aluvião, por avulsão, por abandono de álveo, por construção de obras ou plantações (art. 535, CC).

Segundo Maria Helena Diniz (p. 874, 2010) a formação de ilhas ocorre em correntes comuns ou particulares, em razão de movimentos sísmicos, de depósito paulatino de areia, cascalho ou fragmentos de terra, trazidos pela própria corrente, ou de rebaixamento de água, deixando descoberto e a seco uma parte do fundo ou do leito. Pertencerão aos proprietários ribeirinhos as ilhas formadas, mediante a observação das regras impostas no art. 1.249 do CC:

I - as que se formarem no meio do rio consideram-se acréscimos sobrevindos aos terrenos ribeirinhos fronteiros de ambas as margens, na proporção de suas testadas, até a linha que dividir o álveo em duas partes iguais;

II - as que se formarem entre a referida linha e uma das margens consideram-se acréscimos aos terrenos ribeirinhos fronteiros desse mesmo lado;

III - as que se formarem pelo desdobramento de um novo braço do rio continuam a pertencer aos proprietários dos terrenos à custa dos quais se constituíram.

Para uma melhor definição de aluvião, Washington de Barros Monteiro (p. 109, 2000) cita Justiniano, que dispõe que seria o acrescentamento insensível que o rio anexa tão vagarosamente às margens, que seria impossível, num dado momento, apreciar a quantidade acrescida. Há duas formas de aluvião, a própria e a imprópria, a primeira ocorrerá quando o acréscimo se formar pelos depósitos ou aterros naturais que descobrem parte do álveo, a segunda acontecerá quando se o acréscimo se formar em virtude do afastamento das águas que descobrem parte do álveo (DINIZ, p. 875, 2010).

O repentino deslocamento de uma porção de terra por força natural violenta, desprendendo-se de um prédio para se juntar a outro, é o que Maria Helena (p. 876, 2010) define como avulsão. Explica Monteiro (p. 111, 2010) que, quando por força natural violenta, se verifica tal fenômeno, assiste ao dono do prédio desfalcado o direito de reclamar restituição da parte desmembrada, desde que reconhecível, mas não pode pedir indenização.

Segundo o conceito do Código das Águas, em seu art. 9º, constitui álveo “a superfície que as águas cobrem sem transbordar para o solo natural e ordinariamente enxuto”, se esse álveo vier a ser abandonado permanentemente, o mesmo pertencerá aos proprietários ribeirinhos de ambas as margens. Sendo que a divisão será feita tendo por base a linha mediana do álveo abandonado, pertencendo a cada um na extensão de sua testada, por uma linha perpendicular da margem, nos pontos extremos, à linha mediana do álveo (DINIZ, p. 877, 2010).

Sobre a cessão de propriedade móvel por construções de obras ou plantações, explica Monteiro (p. 114, 2000) que o princípio geral é o de que toda construção, ou plantação, existente em um terreno, se presume feita pelo proprietário e à sua custa, até que o contrário se prove, essa presunção é denominada juris tantum. Duas são as consequências predominantes da plantação ou construção em solo próprio com material alheio, se o dono do solo, agindo de boa fé, adquire a propriedade da construção e da plantação, deverá indenizar o proprietário da matéria prima, pagando o valor do material e da semente utilizados, no entanto, se age de má fé, deverá aquele pagar não só a indenização correspondente ao valor deles como também as perdas e danos que tenha causado ao proprietário da matéria prima por ele utilizada na construção ou plantação (DINIZ, p. 879, 2010).

 

2.3 Da aquisição por Usucapião    

A previsão legal no Código Civil sobre esse tema inicia com o artigo 1.260, o qual dispõe que “aquele que possuir coisa móvel como sua contínua e incontestadamente durante três anos, com justo título e boa fé, adquirir-lhe-á a propriedade”. Assim, a usucapião é modo de aquisição da propriedade através de posse mansa, pacífica e contínua por um determinado tempo fixado em lei.

A usucapião possui três espécies, a ordinária, a extraordinária e a especial, sendo que a ultima será apresentada no tópico seguinte. A primeira espécie está prevista no art. 1.242 do CC e assim determina que “adquire a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa fé, o possuir por dez anos”. Esse justo título vai ser o documento, uma escritura pública, particular ou carta de arrematação, e assim sendo, um título que estivesse correto estaria apto a transferir a propriedade, no entanto, diante da possibilidade deste possuir um vício ignorado, desconhecido por quem o possui, é que há a presunção da boa fé.

A extraordinária está prevista no art. 1.238 do CC, o qual preceitua que “aquele que, por quinze anos, sem interrupções, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa fé, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis”.

Há uma discussão na doutrina quanto à natureza jurídica da sentença, sendo ela declaratória ou constitutiva. Se for declaratória, implica dizer que esse possuidor já tem o direito, a sentença é apenas o instrumento para que o mesmo leve no registro e passe a transmissão de propriedade. Se for constitutiva, o direito só vai existir com a sentença. Em razão da súmula 237 do STF que diz que a usucapião pode ser alegada em defesa, é o que reforça o entendimento de que a natureza da sentença é declaratória.

 

3 O instituto da Usucapião e sua evolução histórica

 

Acerca da garantia constitucional, o direito civil vem especificamente legislar acerca da propriedade. Sabe-se que grande parte dos institutos do Direito moderno surgiu em tempos remotos, evoluindo paralelamente ao pensamento das sociedades e com o tempo, foi-se estabelecendo, saindo da oralidade e se perpetuando através de leis escritas que foram passadas para gerações seguintes e serviram de base para muitas concepções atuais de direito. De acordo com Venosa (2007, p. 141), “O conceito e a compreensão, até atingir a concepção moderna de propriedade privada, sofreram inúmeras influências no curso da história dos vários povos, desde a antiguidade. A história da propriedade é decorrência direta da organização política”.

De acordo com Gonçalves (2007, p. 115),

No direito romano, a propriedade tinha caráter individualista. Na Idade Média passou por uma fase peculiar com a dualidade de sujeitos (o dono e o que explorava economicamente o imóvel, pagando ao primeiro pelo seu uso). Após a Revolução Francesa, assumiu feição marcadamente individualista. No século passado, no entanto, foi acentuado o seu caráter social, contribuindo para essa situação as encíclicas papais. A atual Constituição Federal dispõe que a propriedade atenderá a sua função social (art. 5º, XXIII). Também determina que a ordem econômica observará a função da propriedade, impondo freios à atividade empresarial (art. 170, III).

No que se refere ao instituto da usucapião como uma das diversas formas de aquisição dos bens imóveis, esclarece Gonçalves (2007, p. 123) que, “A usucapião é também chamada de prescrição aquisitiva, [...]. Regulada no direito das coisas, é modo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos reais suscetíveis de exercício continuado pela posse prolongada no tempo, acompanhada de certos requisitos exigidos pela lei”.

De acordo com as palavras de Monteiro (2000, p. 117),

Regulado pela Lei das XII Tábuas, o usucapião estendia-se não só aos bens móveis com também aos imóveis, sendo a princípio de um ano o prazo para os primeiros e de dois anos para os segundos. Posteriormente, esse prazo foi elevado para dez anos entre presentes e vinte entre ausentes. A aquisição por seu intermédio abrangia igualmente não só as res mancipi como as nec mancipi. Sucessivas leis, entretanto, restringiram-lhe o campo de aplicação. [...]. De início, só podia ser invocado pelo cidadão romano, mas depois estendeu-se o benefício em favor do peregrino. Foi JUSTINIANO quem refundiu inteiramente o instituto, destacando sua dupla face, aquisitiva e extintiva, sendo a primeira modo de adquirir a propriedade pela posse prolongada, e a segunda, meio pelo qual alguém se libera de uma obrigação pelo decurso do tempo.

Assim, pode-se entender que tal instituto apesar de ter sofrido algumas alterações, sua essência permanece a mesma, ou seja, constitui o direito à propriedade em decorrência de determinado período de tempo, a partir de uma posse mansa e pacífica, sem reclamação do dono. Esse é um entendimento que foi apenas aproveitado pelo direito brasileiro, mas que se encontra nas bases históricas do direito.

Dessa forma, percebe-se que o Estado procurou desde a antiguidade, atribuir ao cidadão o direito à propriedade como um direito próprio da natureza humana. Algo que torna a posse, nesse caso, tão relevante quanto a propriedade, por força da decorrência do tempo e de outros requisitos. Segundo Venosa (2007, p. 183), “Estabeleceram-se então os seguintes requisitos para o usucapião, mantidos na lei e na doutrina modernas: res habilis (coisa hábil), iusta causa (justa causa), bona fides (boa-fé), possessio (posse) e tempus (tempo)”.

Percebe-se que não é apenas o tempo, como justifica Venosa (2007, p. 183), mas principalmente “o sentido social e axiológico das coisas” que possibilita que a posse continuada venha a gerar a propriedade. “Premia-se aquele que se utiliza utilmente do bem, em detrimento daquele que deixa escoar o tempo, sem dele utilizar-se ou não se insurgindo que outro o faça, como se dono fosse”. (VENOSA, p. 183-184).

4 A Usucapião Especial Rural e a Função Social da Propriedade

A usucapião especial rural é também denominada de Rural ou Prolabore, ela ocorre quando preenchidos todos os requisitos taxativos do art. 1.239 do CC, quais sejam cinco anos de posse com animus domini, sem oposição, sem interrupção, posse exercida em zona rural e em área não superior a cinquenta hectares, o usucapiente ser proprietário de outro imóvel urbano rural e além de morar, tem que torná-la produtiva.

Segundo o Enunciado n. 32 do Conselho da Justiça Federal aprovado na IV Jornada de Direito Civil “observado o teto constitucional, a fixação da área máxima para fins de usucapião especial rural levará em consideração o módulo rural e a atividade agrária regionalizada”.

Maria Helena Diniz (p. 1.228, 2010) ao retratar a função social da propriedade, utiliza um conceito de Francisco Eduardo Loureiro, “é um poder-dever do proprietário de dar ao objeto da propriedade determinado destino, de vinculá-lo a certo objetivo de interesse coletivo”. Assim sendo, relacionando à usucapião especial rural, o seu uso deve ser efetivamente compatível com a destinação social do bem, e sendo um imóvel rural, nele dever-se-á exercer atividade agrícola, pecuária, agropecuária, agroindustrial ou extrativa, mas também que sua utilização respeite o meio ambiente, as relações de trabalho, o bem estar social e a utilidade da exploração (DINIZ, p. 1228, 2010).

Dentre as espécies de usucapião, a função social da propriedade incide com muito relevo na especial rural porque o solo possui significância importância para a sociedade, já que é dele que há fornecimento de alimentos aos animais. O implica dizer que seu mau uso pode levar a escassez de alimentos, gerando fome a todos. O direito de propriedade deve, ao ser exercido, conjugar os interesses do proprietário, da sociedade e do Estado, afastando o individualismo e o uso abusivo do domínio, assim sendo, dever-se-á preservar, observando-se normas especiais, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico, o patrimônio histórico e artístico e evitar quaisquer tipos de poluição (DINIZ, p. 849, 2010).

 

Considerações Finais

 

Tendo em vista o amplo caráter garantidor da Constituição Brasileira de 1988 acerca dos direitos fundamentais, dentre eles a função social da propriedade, destaca-se como modo de aquisição a Usucapião e especificamente a Especial Rural. Num país de tantas desigualdades, com um território imenso, uma disparidade socioeconômica gritante, como a Usucapião vem ajudar a garantir a previsão constitucional.

De acordo com o exposto, o presente trabalho buscou explicitar uma investigação mais detalhada de como o instituto da usucapião especial rural estabelece a função social da propriedade, garantida pela Constituição Federal.

Pode-se perceber que a Usucapião é um instituto que faz parte da própria história da evolução social do indivíduo e está presente no ordenamento jurídico antes mesmo que este fosse positivado. A propriedade, por fazer parte da natureza humana, foi também uma preocupação do Estado em favorecer ao indivíduo o poder de ser dono.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário jurídico brasileiro Acquaviva. – 11. ed. ampl. , rev. e atual. – São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2000.

DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 15. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Coisas. 8. Ed. rev. – São Paulo: Saraiva, 2007.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito das Coisas – 36 ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2000.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 35ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Malheiros Editores, 2012.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 7. Ed. – São Paulo: Atlas, 2007.



[1] Paper apresentado à Disciplina de Direitos Reais, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Aluna do 5º Período, do Curso de Direito (Vespertino), da UNDB.

[3] Aluna do 5º Período, do Curso de Direito (Vespertino), da UNDB.

[4] Professora Especialista, orientadora.