Ianna Talyta Campos Arruda[1]

Rômulo Alves Dias[2]

RESUMO

Apresenta os objetivos da nova Lei de Falências. Aborda a teleologia do legislador ao delimitar o escopo da Lei 11.101/2005. Apresenta as peculiaridades da empresa pública e da sociedade de economia mista como instrumentos de ação estatal. Mostra a transformação titubeante da incidência do instituto da falência sobre as empresas estatais perpassando pelo Decreto-Lei 7.661/45 (antiga Lei de Falências), pelo Decreto-Lei 200/67 (legislação sobre a organização da Administração Federal e Reforma Administrativa), pela Lei 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas) e pela Constituição de 1988 (equiparação do regime jurídico das empresas estatais com a dos seus pares privados).  Apresenta a inovação taxativa da Lei 11.101/2005 que veda sem exceções a possibilidade de falência para sociedades de economia mista e empresas públicas. Analisa as diferentes leituras sobre a compatibilidade constitucional (ou não) das sociedades de economia mista e empresas públicas falirem ou usufruírem dos meios de recuperação judicial. Aborda os critérios conflitantes adotados por diferentes doutrinadores, como os pautados em princípios administrativos, em interesses privados de credores, na natureza da atividade da empresa estatal e na livre concorrência. Apresenta uma sugestão para nova iniciativa parlamentar sobre o regime de falências.

PALAVRAS-CHAVE: Falência. Recuperação judicial e extrajudicial. Empresa pública. Sociedade de economia mista.

 1 INTRODUÇÃO

O atual regime falimentar se baseia em duas orientações: a) extirpar do mercado empresas que estão causando perturbação no normal equilíbrio da relação de confiança entre devedores e credores e b) dar uma oportunidade para os empresários de boa fé se reerguerem quando pressionados por algum infortúnio que fugiu à diligência média esperada (NEGRÃO, 2015). A primeira hipótese diz respeito a constante necessidade de purificar o mercado de abusos de empresários nocivos. A segunda atende, dentre outros pontos, ao estímulo à manutenção da atividade empresarial, à preservação de postos de trabalho e ao desenvolvimento das atividades econômicas.

Quis o legislador que a lei vigente sobre o tema (Lei 11.101/2005) não tivesse incidência para empresas públicas e sociedades de economia mista. Existe uma intensa discussão doutrinária quanto à constitucionalidade dessa restrição e sobre a legimidade de se permitir que empresas estatais tenham privilégio na concorrência com os demais competidores privados (ROCHA, 2012). Não é de difícil dedução aventar que os imunes à falência terão maior magnetismo para atrair investimentos de particulares, pois se induz que estes contarão com o amparo do Estado quando as receitas das empresas estatais não comportarem mais suas as despesas. Contudo, os princípios da supremacia do interesse público sobre interesses privados, da continuidade do serviço público e da infalibilidade do Estado parecem, em uma leitura oposta, justificar a opção do parlamentar infraconstitucional.

Os desafios porque passa o atual governo desperta interesse nesse tipo de discussão, tanto no tocante a análise de em que medida o Estado deve intervir diretamente no mercado, quanto em relação à (in)eficiência estatal ao pisar em terreno imanentemente de ação da iniciativa privada. Frise-se que esse contexto merece um olhar atento dos acadêmicos de Direito face o desenrolar do novelo legislativo e do entendimento jurisprudencial.

2 SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA E EMPRESAS PÚBLICAS E SUAS RESPECTIVAS CARATERÍSTICAS

Segundo Mazza (2014, p. 182), "dá-se o nome de empresas estatais às pessoas jurídicas de Direito Privado pertencentes à Administração Pública Indireta, a saber: empresas públicas e sociedades de economia mista". Mais detalhadamente, a sociedade de economia mista é uma pessoa jurídica com autorização prevista em lei e que, embora seja dotada de personalidade do Direito Privado, está submetida a regras especiais, por ser um instrumento de ação estatal. A maioria de suas ações pertencem à União ou à entidade de administração pública indireta e as demais aos acionistas de propriedades particulares (MELLO, 2002). Cabe frisar que a sociedade de economia mista é constituída obrigatoriamente sob a forma de sociedade anônima.

A empresa pública, por sua vez, tem um capital que é exclusivamente pertencente a entes públicos e é criada para a prestação de serviços públicos ou alguma outra atividade econômica, podendo ser organizada sob a forma de qualquer modalidade admitida em direito, conforme reza o art. 5° inc II do Decreto-Lei 200/67 (BUENO, [?]). Noutras palavras, a empresa pública não fica adstrita a operar como sociedade anônima.

A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 37, inciso XIX, prevê que somente por lei específica uma sociedade de economia mista ou empresa pública podem ser criadas. Como a intervenção direta por meio do desenvolvimento de atividade econômica em sentido estrito deve ter caráter excepcional para o Estado, o artigo 173 caput da Carta Magna prescreve que "a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei". Assim, a criação de empresas estatais (empresas públicas e sociedade de economia mista) com o intuito de disputar diretamente espaço no mercado inerente da iniciativa privada é cerceado por mandamentos constitucionais em razão da falta de tipicidade em relação às funções inerentes ao Estado.

 

3 A NOVEL LEGISLAÇÃO SOBRE O REGIME FALIMENTAR

 

Na vigência do Decreto-Lei nº 7.661/45 a concordata era concedida pelo Estado e com isso o magistrado passou a ter poderes excessivos e os credores, por sua vez, não tinham quase nenhum poder. Em caso de falência a empresa perdia toda a sua reputação (GUIMARÃES, 2015). No Brasil, até 2005, a falência era tratada por esse decreto.

Ocorre que tal legislação se tornou incompatível com a realidade brasileira, pois o país estava crescendo, a economia havia se estabilizado e o então presidente, Luis Inácio Lula da Silva, sancionou a Lei 11.101/05, conhecida atualmente como Lei de Falências (GUIMARÃES, 2015). O surgimento dessa lei foi um passo importante no tratamento dado aos credores e às empresas.

A nova lei prima pela negociação, preserva o interesse dos credores, a empresa como fonte geradora de lucro, o emprego dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que visa proteger o consumidor final quando trata da viabilidade da empresa, essa é a diretriz da lei, todos os procedimentos abarcados pela nova lei objetivam colocar em patamar de igualdade os interesses das partes, a fim de que não haja privilégios a uns e prejuízos a outros [...] (GUIMARÃES, 2015, p.[?]).

 

Segundo Guimarães (2015), a Lei 11.101/05 em seu artigo 47 prevê que a recuperação judicial objetiva a superação da crise econômico-financeira do devedor, a fim de que ele possa se restabelecer, que os empregos não sejam perdidos, que os credores sejam atendidos e, por fim, que a economia de alguma forma não seja prejudicada.

Apesar de a lei ser conhecida como Lei de Falências, na verdade ela busca evitar tal situação, por isso, atualmente, com o desenrolar das jurisprudências e estudos doutrinários ela também é conhecida como Lei de Recuperação de Empresas e Falência. Essa lei se distancia das concordatas no sentido de que aqui submete créditos quirografários, trabalhistas e os de garantia real, diferentemente das concordatas que eram restritas aos créditos quirografários (GUIMARÃES, 2015). A Lei 11.101/05 enfrentou resistência que aos poucos foi se amenizando, contudo, é sabido que ainda há muito que ser mudado.

É importante salientar que o Decreto-Lei 7.661/45, antiga Lei de Falências, não fazia menção de forma expressa à falência das sociedades de economia mista e empresas públicas, contudo, a atual Lei de Falências, lei 11.101/2005, em seu artigo 2º inciso I, explicita a sua não aplicação às sociedades de economia mista e às empresas públicas (ZAGO, 2010). Devido a isso, atualmente os doutrinadores e magistrados não precisam se debruçar horas a fio para chegar à conclusão sobre a possibilidade meramente positivista de falência da sociedade de economia mista e da empresa pública, pois a própria lei já traz de forma ostensiva a vedação dessa alternativa.

Entretanto, a pena do legislador de 2005 serviu apenas para acirrar ainda mais a controvérsia doutrinária sobre a possibilidade ou não das empresas públicas e as sociedades de economia mista se enquadrarem no regime falimentar típico das empresas privadas. A despeito das diversas correntes não descuidarem de se apoiar em mandamentos constitucionais e em princípios administrativos, a convergência de entendimentos é ainda um objetivo distante de ser alcançado. E isso, como explanado na próxima seção, torna o debate sobre o assunto assaz interessante.

 

4 DISCUSSÕES SOBRE A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2° INC. I DA LEI 11.101/05

 

Muitas controvérsias surgiram após o surgimento da Lei 11.101/05. Por exemplo, alguns doutrinadores entendem que seu art. 2º, inciso I, é inconstitucional no que tange a declarar a impossibilidade de falência de empresa pública e sociedade de economia mista (COELHO, 2005). Repise-se o alerta que pugna que “o artigo 173 da CF/88 tem por finalidade que as estatais logrem disputar o mercado em que atuem, sem nenhuma vantagem sobre quaisquer outras empresas privadas” (ZAGO, 2010, p[?]). Como isso será possível se essas empresas já têm a vantagem de não falirem?

Alguns doutrinadores entendem que de partida as empresas públicas e as sociedades de economia mista já saem em vantagem, pois passam mais confiança por não abrirem falência. Porém, em entendimento contrário, outra corrente entende que as sociedades de economia mista e as empresas públicas se dedicam a prestar serviços públicos, visando interesses coletivos definidos por lei e necessários ao imperativo da segurança nacional e também interesses mercantis. Assim, a falência não seria decretada às empresas públicas e sociedades de economia mista por serem regidas por normas do Direito Público (COELHO, 2005). Um contraponto a esse raciocíonio é admitir que as empresas estatais verdadeiramente incorporam um ente híbrido que ora se valem do Direito Público, ora do Direito Privado.

 A bem da verdade, a discussão doutrinária é mais densa e cheia de nuances do que parece. Em Rocha (2012) se percebe que, em relação as empresas estatais, enquanto alguns estudiosos navegaram pela matiz de possibilidades e firmaram o entendimento de pugnar a proibição da letra da norma hodierna de falência, outros albergam sua aplicação parcial e ainda há também aqueles que rechaçam por completo a aplicação do dispositivo em comento sob a alegação do seu confronto com o intento do constituinte.

É notório que as construções legislativas passam por transformações catapultadas pelo impulso do mutante contexto fático. Portanto, a tentativa de reconstrução do evoluir teleológico das normas certamente é um caminho para defender uma ou outra tese. Partindo desse raciocínio, por óbvio uma análise do Decreto-Lei nº 7.661/45 permite ver que não havia tratamento para a falência de empresas estatais, já que a inovação legislativa sobre a organização da Administração Federal que instituiu as figuras da empresa pública e da sociedade de economia mista é superveniente (Decreto-Lei 200/67). Frise-se que a norma posterior também não disciplinou a questão.

 

Aliás, a primeira norma legal acerca da falência das estatais foi redigida no art. 242 da Lei de Sociedades Anônimas e dispunha que estavam excluídas da falência as sociedades de economia mista, que estariam, todavia, submetidas à penhora e execução, restando ainda o Poder Público controlador responsável subsidiário pelas obrigações da entidade estatal [...] (ROCHA, 2012, p. 11).

 

Apesar de silente quanto às empresas públicas, art. 242 da Lei 6.404/1976 ou Lei de Sociedades Anônimas (LSA) trouxe um alento para os credores quanto às sociedades de economia mista. A despeito da impossibilidade de falência, a penhora dos bens e a subsidiariedade do Poder Público eram um importante lastro de confiança de que as dívidas das sociedades anônimas seriam quitadas. Isso não quer dizer que o referido artigo não fosse alvo de críticas quanto à natureza desses bens, pois, se públicos, como então poderiam ser penhorados? Ademais, havia sempre a questão mal resolvida da desleal vantagem frente a empresas privadas que não contam com o artifício do amparo estatal para a salvaguarda de obrigações.

No caminhar legislativo, a CF/88 manteve novos ingredientes para a fervura do caldo discursivo quando equiparou o regime jurídico das empresas estatais aos das empresas privadas no contexto de exploração de atividade econômica no sentido estrito.

 

Art. 173 Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

§ 1° A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:

...........................................................................................................................

II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; (BRASIL, 1988, art. 173).

 

Alguns doutrinadores suscitaram um conflito entre o novo mandamento constitucional e o art. 242 da LSA, pois a sujeição ao regime jurídico das empresas privadas não permitiria a blindagem à falência. Segundo Rocha (2012, p. 12) "o questionamento pelos estudiosos levou, inclusive, à edição do art. 10 da Lei n° 10.303, de 31 de outubro de 2001, que revogou o art. 242 da LSA, o único comando legal que versava acerca da impossibilidade de falência de sociedade de economia mista".

Nesse ponto, a execução concursal parecia indiscutivelmente um caminho possível para tratar empresas estatais insolventes. Bom, pelos menos quanto àquelas que não atuavam na prestação de serviços públicos. No intuito de findar quaisquer controvérsias, o parlamentar infraconstitucional cravou, à princípio sem margem para dúvidas, que o escopo da Lei 11.101/2005 não alcança as empresas públicas e as sociedades de economia mista. Entretanto, o andar titubeante do legislador só atiçou mais ainda os embates entre os estudiosos.  

Para Verçosa (2005), o art. 2° inc I da atual Lei de Falências é inconstitucional, pois afronta o art. 173 § 1° inc II da Lei Maior. A sociedade de economia mista e a empresa pública estão regidas predominantemente pelas normas de direito privado e isso inclui portanto a possibilidade do uso do instituto da falência. O renomado autor ressalva que o mesmo não ocorre com o instituto da recuperação judicial/extrajudicial, pois haveria uma afronta aos princípios administrativos da moralidade e da eficiência. Ora, se a empresa estatal não foi apta a se viabilizar na disputa mercadológica com empresas privadas, seria incompatível a utilização de instrumentos de recuperação que penalizassem ainda mais os credores, como, por exemplo, alternativas que dilatam prazo ou abatem parcialmente as dívidas. Isso seria colocar nos ombros de terceiros a ineficiência do Estado que ainda de forma imoral deixou a empresa estatal à própria sorte de sua insolvência.

Uma outra vertente da doutrina entende que se a criação de uma empresa estatal ou uma sociedade de economia mista requer uma autorização legislativa, não pode haver formalidade diferente para sua dissolução. A lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro corrobora de forma elucidativa com esse entendimento ao afirmar que a emenda constitucional 32/2000

 

[...] alterou o artigo 61, § 1°, alínea e, exigindo lei de iniciativa do Presidente da República para a criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública. Se a exigência é feita para órgãos (que não têm personalidade jurídica própria), com muito mais razão se justifica em relação aos entes da administração indireta, que são pessoas jurídicas distintas da pessoa política que as instituiu (DI PIETRO, 2012, p. 505).

 

Argumenta-se também contra a aplicabilidade da falência às empresas estatais a concepção de que os princípios administrativos da infalibilidade do Estado e do interesse público não podem arrefecer perante o atendimento do interesse econômico de particulares (ROCHA, 2012). Fazzio Júnior (2011) ratifica ao afirmar que o art. 173 da CF não menciona o regime falimentar. Logo, as empresas públicas e as sociedades de economia mista não ficam jungidas aos ditames desse regime sui generis. O autor vai além afirmando que a natureza privada dessas empresas estatais não macula o capital público que de fato gere esses entes. Além disso, é dificultoso vislumbrar ser factível que um administrador judicial, terceiro alheio à administração pública, fique responsável pelos bens públicos da massa falida com o intuito de servir a interesses de credores privados.

A discussão prossegue. Para Carvalho (2015, p [?]),

 

"o entendimento mais razoável seria o de que o art. 2°, I da lei 11.101/05 deve sofrer interpretação conforme a Constituição Federal. Nesse sentido, passa-se a entender que a legislação, ao afastar a incidência do regime falimentar para as empresas estatais, quis definir somente que tal regime não se aplica às empresas estatais que atuem na prestação de serviços públicos."

 

Os defensores dessa linha entendem que a distinção entre empresas estatais fornecedoras de serviço público e aquelas que de fato exploram atividade econômica em sentido estrito é relevante para verificar a incidência ou não do regime falimentar. As estatais que excepcionalmente exploram atividade econômica tal qual as empresas privadas não podem se escusar do toque da Lei de Falências. A subsidiariedade estatal quanto ao inadimplemento de obrigações só continuaria a existir para as prestadoras de serviços públicos.

Não menos interessante é o parecer de Ribeiro (2006). O estudioso defende que o ponto chave para incidência do art. 173 § 1° inc II da norma falimentar (incluindo a recuperação judicial ou extrajudicial) é a presença ou não de monopólio nas atividades desempenhadas pela empresa estatal. Esse raciocínio se vivifica por meio da interpretação sem redução de texto e conforme a Constituição que o STF deu para o preceito em comento no julgamento do recurso extraordinário 172.816. O Supremo decidiu a aplicabilidade do dispositivo constitucional para empresas públicas e sociedades de economia mista apenas quando estivesse presente atividade imersa no conceito de livre concorrência.

Ora, se não há concorrência no mercado, descabida é a falência, pois impossível a configuração de competitividade desigual. Inócua nesse caso será a discussão sobre a natureza da atividade desempenhada (prestação de serviço público ou exploração de atividade econômica em sentido estrito). No contexto do monopólio, a falência de empresa prestadora de serviços não haverá de ferir o princípio da continuidade dos serviços públicos porque nas palavras de Rocha (2012, p. 71) "os bens afetados à prestação do serviço público reverteriam ao Poder Público controlador, que se encarregaria de dar continuidade ao serviço". No mais,  Rocha (2012) afirma que não há qualquer empecilho legal para dissolução da empresa estatal por meio de decisão judicial, mormente porque há o amparo infraconstitucional da Lei 11.101/2005.

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O espectro das posições doutrinárias a respeito da constitucionalidade do art. 2° inc I da Lei 11.101/2005 é amplo e repleto de gradações. Diversas leituras, ainda que pautadas no texto constitucional, não conduzem a um ponto pacificado de interpretação.

Realmente é difícil sustentar que não haja uma colisão entre a norma falimentar com a equiparação feita pela Carta Magna entre sociedades de economia mista e empresas públicas em relação ao regime das empresas privadas quando presente a intervenção direta do Estado na exploração de atividade econômica estrita. Entretanto, o raciocínio é dificultoso porque a ponderação do nível de inconstitucionalidade perpassa por pontos que orbitam em torno da natureza da atividade prestada (serviço público ou atividade econômica estrita), do caráter privado das empresas estatais, do capital público envolvido, do atendimento à boa fé dos credores que injetaram recursos em um projeto patrocinado pelo Estado e dos princípios da administração pública (supremacia do interesse público, moralidade, eficiência, infalibilidade do Estado e continuidade dos serviços públicos).

A despeito das boas fundamentações apresentadas pelas diferentes correntes, não parece razoável a adesão a nenhum dos extremos. A letra da norma falimentar vigente ignora a concorrência desleal e a doutrina que a defende não consegue afastar de maneira satisfatória a latente inconstitucionalidade com o art. 173 § °1 inc II da CF/88. Por outro lado, aderir de forma irrestrita a possibilidade das empresas estatais se sujeitarem a Lei 11.101/2005 parece não se coadunar com a continuidade na prestação de serviços públicos.

Uma das teses intermediárias tende a se amoldar melhor à complexidade fática do tema e porventura sirvirá no futuro de inspiração para outra inovação legislativa, máxime se acolhida pela jurisprudência. Repise-se que o STF já abrigou o entendimento da aplicação da Lei de Falências quando presente a livre concorrência. Uma revisita a esta proposição para contemplar a efetiva perquirição sobre a consistência da linha doutrinária que defende a avaliação do critério da natureza da atividade (prestação de serviços públicos ou exploração de atividade econômica estrita) parece ser um bom caminho a ser considerado.

REFERÊNCIAS

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. Acesso em: 01 nov. 2015.

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CARVALHO, Mateus. Se aplica a Lei de Falências às empresas públicas? 15 jun. 2015. Disponível em: . Acesso em: 01 out. 2015.

COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova Lei de Falência e de Recuperação de Empresas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Manual de direito comercial. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2011.

GUIMARÃES, Yuri da Silva. Recuperação judicial de empresas (lei 11.101/05). 2015. Disponível em: . Acesso em: 01 de out. 2015.

MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 179-180.

NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. 3. v. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

RIBEIRO, Renato Ventura. O regime da insolvência das empresas estatais. In: CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de; ARAGÃO, Leandro Santos de (coord.). Direito societário e a nova Lei de Falências e recuperação de empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2006.

ROCHA, Caio Prado. Análise da aplicabilidade dos institutos da falência e da recuperação judicial às empresas públicas e sociedades de economia mista. 2012. Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2015.

VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Das pessoas sujeitas e não sujeitas aos regimes de recuperação de empresas e ao de falência. In: PAIVA, Luiz Fernando Valente de (coord.) Direito falimentar e a nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2005.

ZAGO, Felipe do Canto. A falência das empresas públicas e das sociedades de economia mista. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2720, 12 dez. 2010. Disponível em: . Acesso em: 7 set. 2015.

[1] autora

[2] autor