A EUTANÁSIA COMO ESCOLHA¹

 

Bruna Andrade Vasconcelos²

Renata Vanetta Do Vale Tobias

Cleopas Isalas Santos³

Sumário: Introdução; 1. A eutanásia (ativa e passiva) no Brasil; 2. Eutanásia e Direito à vida; 3. Consentindo sobre a própria vida; 4. Intervenção do paternalismo; Conclusão; Referências.

RESUMO

A prática da eutanásia ocorre desde a Antiguidade e, até hoje, sofre limitações que encontram fundamentação jurídica, ética e religiosa. No Brasil, tentativas de legalização do assunto existiram, fazendo com que o interesse, não só pela normatização do procedimento, mas também pela atualização do ordenamento fossem questões destaque. Princípios fundamentais como direito à vida e a liberdade do individuo são levados em consideração tanto por aqueles que defendem a eutanásia, quanto pelos que são contra tal ato. Nosso país, por ser paternalista, condena aquele que procede em favor do não sofrimento de seu paciente penalmente.

PALAVRAS-CHAVE

 

Eutanásia; paternalismo estatal; direito à vida; direito à liberdade; legalização

 

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¹Título do paper elaborado para obtenção de nota na disciplina Direito Penal Especial

²Alunas do 4° período do curso de Direito, vespertino, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco

³Professor da disciplina de Direito Penal Especial

INTRODUÇÃO

Eutanásia é uma palavra derivada do grego, onde eu tem por significado boa e thanatos morte, assim sendo, boa morte. A prática da mesma ocorre desde a Antiguidade e era incorporada ao costume das populações, tomando-se exercício comum, e tal qual como hoje, havia opositores, como Hipócrates, que dizia: "não me deixarei induzir pelo pedido de ninguém, quem quer que ele seja, a dar de beber veneno ou a dar o meu conselho numa contingência dessas". Com a expansão religiosa, principalmente do cristianismo, a prática da eutanásia tornou-se menos freqüente. Hoje as discussões em tomo do assunto se pautam no mundo jurídico, ético e religioso.

Por terem nomenclaturas parecidas, se faz necessária a distinção entre a eutanásia, tema do presente artigo, ortotanásia e distanásia. A primeira caracteriza-se pela retirada da vida de outrem, através de pratica ativa ou passiva, por razões humanitárias. A ortotanásia também tem por objetivo deixar o paciente vir a óbito, porem de forma mais natural, não utilizando-se de excessos terapêuticos, ou seja, omite medidas que seriam tomadas para manter o paciente vivo, podendo ser considerado como eutanásia passiva. Já a ultima, distanásia ou morte difícil, caracteriza-se por ser o oposto das duas ultimas modalidades e, através de todas as terapias disponíveis, prolonga a vida do enfermo.

A igreja católica, apesar de ser contra a prática, traz um conceito de eutanásia na declaração lura et bona, como sendo uma ação ou omissão que provoca o resultado morte para fins de eliminar o sofrimento de outrem. Percebe-se, pela declaração, que há uma diferenciação conceitual entre eutanásia ativa e passiva, sendo a primeira uma ação médica positiva que acelera a morte do paciente e a segunda a omissão médica, ou seja, não se pratica o necessário para manter o paciente vivo.

1. A EUTANÁSIA (ATIVA E PASSIVA) NO BRASIL

 

 

Nenhuma das modalidades médicas citadas acima é reconhecida no nosso ordenamento jurídico, sendo as mesmas consideradas como crime pela legislação penal, aplicando-se o art. 121 para quem comete este ato, ou seja, condena-se o médico por homicídio simples ou qualificado.

Discussões e tentativas acerca da legalização da eutanásia são presentes no país, como percebemos em 1996 com o projeto de lei numero 125/96 feita pelo Senador Gilvam Borges e que tinha como título "autoriza a prática da morte sem dor nos casos específicos e dá outras providências", que nunca chegou a ser votado no Congresso Nacional. O projeto trazia como condições que o paciente requisitasse o procedimento e se caso estivesse impossibilitado de tal, a família estaria incumbida de dar a autorização, limitava a prática para quando fosse constatada a morte cerebral do enfermo e a junta médica seria composta por cinco profissionais. O próprio Senador, natural do Amapá, declarou que a lei não teria chances de ser aprovada. Porem, trata-se de um momento que serve de exemplo no sentido de mostrar ao Estado que nosso ordenamento deve ser atualizado, deve considerar as novas realidades e possibilidades.

O Conselho Federal de Medicina promulgou em 2006 a resolução 1.805/2006 que tratava da ortotanásia e em seus artigos era dito o seguinte:

Art 1° É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal.

§1° O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação.

§2° A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário.

§3° É assegurado ao doente ou ao seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica.

Art.2° O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito à alta hospitalar.

Fundamentando a falta de poder normativo do Conselho Federal de Medicina e a indisponibilidade do direito à vida, o Ministério Público Federal do Distrito Federal, em 2007, propôs uma ação civil publica com o pedido de liminar para que a resolução fosse revogada. Em Dezembro do mesmo ano, a 14a Vara da Justiça Federal do Distrito Federal suspendeu a resolução, decisão esta tomada pelo juiz Roberto Luís Luchi Demo.

Em São Paulo foi aprovada a lei 10.241/99, de autoria do médico e deputado Roberto Gouveia, que autorizava o procedimento da ortotanásia em seu território, porem a mesma foi revogada rapidamente. No inciso XXIII encontrávamos o texto que tratava do direito dos pacientes, que se encontravam tanto em hospitais públicos quanto privados, de escolher dar fim a própria vida. Mario Covas na época disse que aprovava tal lei não só como governador, mas como paciente e que era desafio de médicos e legisladores garantir a despedida digna da vida, pois era um direito de todo cidadão.

2.EUTANÁSIA E DIREITO A VIDA

A vida consiste em um bem inviolável cujo valor é incomensurável em todos os pontos de vista, é digna de ser vivida. Porem, esta dignidade é subjetivada a partir do momento em que cada indivíduo sabe e decide o que é melhor para si. Da mesma forma em que o Estado garante o direito à vida, ele garante o da dignidade da mesma, que não é respeitada nos casos em que a eutanásia seria conveniente. Porém, é necessário ponderar sobre o que realmente é melhor, tanto para o individuo, quanto para a sociedade, afinal, como fala Siqueira-Batista e Schramm, o procedimento sendo autorizado traria conseqüências tais como, desconfiança na relação médico-paciente, do ato ser praticado por motivos torpes por parte da família ou de haver uma pressão psicológica em torno do paciente no sentido de que o mesmo seria um estorvo para seus entes e o perigo de haver desrespeito a vida humana, trazendo como exemplo a questão nazista.

O principal argumento para aprovar a eutanásia é o da autonomia. Kant dizia que a liberdade prática é a independência da vontade de toda lei que não seja a moral, pelo livre arbítrio o individuo pode escolher como viver.

Porém, a autonomia irrestrita dos indivíduos traz alguns problemas, afinal, para tal, é necessário que haja uma compreensão plena da realidade, fato que é dificultado devido ao difícil acesso dos brasileiros à boa educação necessária para o exercício correto da cidadania e para a escolha das melhores alternativas para sua própria existência, como mostra os autores citados acima.

Um consenso sobre a eutanásia é complicado de se conseguir, afinal, assegurando-se o direito de uma vida digna dos indivíduos nos deparamos com o problema da liberdade exacerbada. Se não é dada esta chance aos enfermos, há contrariedade em relação ao mesmo direito. Religiosamente este consenso também é inibido, apesar de que na religião católica, adotada pela maioria da população brasileira, a ortotanásia ou eutanásia passiva é aceitável, já que a Declaração sobre o assunto da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, foi, não só aprovada pelo Papa João Paulo II como também adotada por ele quando renunciou aos tratamentos que vinha sendo submetido, aceitando somente medicamentos que aliviassem sua dor.

Com a legalização da eutanásia em países como Holanda e Bélgica, é provável que outros países, com o tempo, adotem a medida em seus ordenamentos como possível, elencando os requisitos para tal prática, assim como fizeram os países citados.

4. CONSENTINDO SOBRE A VIDA

 

Existem inúmeras divergências quando se trata de consentimento sobre a própria vida, exclusivamente ao se relacionar à eutanásia. Por ser uma forma de abreviar a vida, a eutanásia pode chegar a ser considerada crime, haja vista que predomina a incerteza de recuperação do paciente. Analisando o lado do paciente com tamanho sofrimento, há quem seja a favor de interferir este processo. Porém quando se relaciona à dúvida sobre a estabilidade da saúde novamente, encontra-se opiniões contrárias, sendo estas, o principal motivo pra criminalização da prática de eutanásia.

Considerando a hipótese de o paciente ter autonomia própria, tem que se relevar a idade e maturidade juntamente com capacidade discernir sobre tais assuntos. O consentimento do paciente nesta forma, geralmente tem que ser prévio e determinado, o qual por via da situação muitas vezes não acontece.

Em muitas situações, no entanto, as pessoas são incapazes de consentir num ato médico ou uma experimentação no homem. Pensemos nas crianças, no feto, no deficiente mental, na pessoa comatosa, na pessoas idosa confusa (IDEM, Ibidem, p 89)

É necessário atentar para o fato que independente da autonomia de consentir do paciente, sempre haverá limites para o médico, o qual poderá responder penalmente por seus atos. Porém de acordo com o art. 23 do Código Penal, não há crime quando em estrito cumprimento de dever legar ou exercício regular do direito. Mas é necessário que esta exclusão do crime, esteja sempre ligada à vontade de escolha do paciente, caso contrário poderá ser criminalizado.

Art. 23, CP: Não há crime quando o agente pratica o fato: I- em estado de necessidade; II- em legítima defesa; III- em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular do direito.

Para que um consentimento seja considerado válido é necessário da manifestação de vontade, tendo-se total conhecimento de sua escolha. Principalmente terá que se ter a capacidade para consentir, e que esta decisão possa ser relacionada com a atuação médica. Portanto, a incapacidade do paciente levará à invalidade do consentimento.

Ao analisar a idade para permissão do consentimento há muitas discussões sobre o assunto, tanto no âmbito nacional, quanto no internacional. Tratando de intervenções em menores, aceita-se necessariamente apenas para beneficiá-lo , não estando assim de acordo, a autorização só poderá advir de seu responsável ou de uma autoridade, pessoa ou entidade estabelecida em lei.

5. INTERVENÇÃO DO PATERNALISMO

O paternalismo remete a interferir na liberdade de escolhas do indivíduos, com o intuito de proteger as pessoas de suas próprias decisões. É possível considerar que o paternalismo no Brasil realmente exerça sua função, neste caso percebe-se que o código médico foi criado exclusivamente para salvar vidas, no qual o profissional da saúde terá que fazer tudo que tiver ao seu alcance e da tecnologia em favor de seus pacientes. Interferências médicas na liberdade de escolha do paciente é puro paternalismo, como observa-se na eutanásia, que não é simplesmente aceita, uma vez que é a vida do ser humano posta em risco, ou mesmo chegando a seu fim. O objetivo do código médico ou das leis, sempre será a proteção dos indivíduos.

Há o paternalismo presumivelmente censurável, o qual se caracteriza por tratar as pessoas como se mais novas fossem e forçadas a agir para o bem próprio, ou pra o bem de outrem, sem que interesse sua própria vontade a respeito do assunto. Já o paternalismo presumivelmente não censurável objetiva a defesa de pessoas desamparadas que optaram por escolha de risco, de forma rígida como se fosse proteção familiar.

O paternalismo que proíbe a eutanásia é aquele considerado como indireto, onde são normas aplicadas tanto na escolha de uma das partes por decidir pela eutanásia, quanto na ação do médico, independente do consentimento. A lei paternalista interfere na liberdade do paciente para seu próprio bem.

CONCLUSÃO

A eutanásia sempre foi objeto de relevantes divergências e discussões quanto ao procedimento penal, moral, social e até mesmo religioso. Precisou-se portanto analisar de maneira profunda as possibilidades de realização deste ato. Considerando principalmente o sofrimento do paciente que está vivendo necessariamente por meio de aparelhos, onde se iniciou o processo de autorizar que o indivíduo possa consentir sobre seu estado.

Compreendendo o direito à vida como o maior bem do ser humano, o paternalismo atua de formar necessária estabelecendo limites aos indivíduos, objetivando a proteção dos mesmos. Diante da interferência do paternalismo, a conscientização na liberdade da escolha também foi afetada, onde vários requisitos são importantes para a efetivação do consentimento. A partir deste estudo é possível perceber que o paciente possui o direito à liberdade e conscientização, porém existe uma limitação garantida pelo paternalismo preventivamente, uma vez que priva a exposição de seus indivíduos.

REFERÊNCIAS

A        eutanásia           no         direito          brasileiro.          Disponível        em:           <

http://www.webartigos.com/artigos/a-eutanasia-no-direito-brasileiro/1783/ >. Acesso em: 30 de Novembro de 2011.

ANGHER, Anne Joyce (Org.).Vade Mecum: acadêmico de direito. 12. ed. São Paulo: Rideel, 2011.

ESTELLITA, Heloisa. Paternalismo, Moralismo e Direito Penal: Alguns crimes suspeitos em nosso direito positivo. Revista Brasileira de Filosofia. Vol. LVI. pag. 333­341.

FRISCH, Wolfgang. Consentimento e Consentimento prsumido nas intervenções médico-cirúrgicas. Revista Portuguesa de Ciência Criminal. Ano 14. Jan. 2004. Pag. 67-148.

HERINGER, Astrid; PERIM, Sabrina Fontoura. A eutanásia no Brasil. Disponível em: <ht-tp://srvapp2s.urisan.tche.beseer/index.php/direito_e ustica/article/viewFile/191/128 >. Acesso em: 25 de Novembro de 2011.

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O contexto filosófico do iluminismo e a centralidade da autonomia na filosofia

prática                  de                   kant.                 Disponível                   em:
http://www.pucrs.briedipucrs/online/autonomia/autonomia/2.4.html >. Acesso em: 30 de Novembro de 2011.