Camilla Maria Alves Guerreiro

Sumário: Introdução; 1. Sobre o Direito na Sociedade; 1.1. O Estado e o Direito Administrativo; 2. Breves considerações sobre a Administração Pública; 3. A ética na administração pública e o princípio da moralidade administrativa; Considerações Finais; Referências.

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo traçar linhas gerais sobre o papel do direito administrativo dentro do estado atual, bem como a importância da administração pública para a estrutura da sociedade e a ética dentro da administração pública.

Palavras-chave: Administração Pública; Moralidade; Ética

INTRODUÇÃO

O Direito tem na sociedade atual o importante e privilegiado papel de resolver controvérsias e esta é uma função bastante complexa, haja vista a não diferente complexidade da sociedade em que estamos inseridas e as garantias constitucionais que nos são garantidas através do nosso atual modelo de Estado.

Assim, vamos nos próximos momentos desta análise estudar o papel do estado na relação direito versus sociedade, principalmente na modalidade administrativa deste.

O direito administrativo, objeto do atual trabalho, é "o conjunto das normas jurídicas de direito público que disciplinam as atividades necessárias à realização dos direitos fundamentais e a organização e o funcionamento das estruturas estatais e não estatais encarregadas de seu desempenho" (JUSTEN, 2006)

A boa-fé é para o Direito Pátrio o que, especificamente, é a ética para a Administração Pública, legitimando juridicamente a atuação do Estado através de seus servidores em busca do melhor funcionamento da máquina prestadora de serviços à população.

Vamos analisar nas próximas linhas a importância e funcionalidade da ética para a Administração Pública.

1. Sobre o Direito na Sociedade

A sociedade, em virtude de sua pluralidade de valores, é marcada pelo grande número de conflitos e por isso, demandou o surgimento de uma unidade soberana de poder, o Estado, e um sistema de normas para disciplinar as relações dentro da sociedade, o Direito.

O Direito, antes mesmo de jurídico é indiscutivelmente um sistema político, visto que deve sempre responder à demanda da população a que se aplica e por isso, trabalha paripasso com a atuação do Estado.

O Estado atual assume uma característica democrática e o ordenamento jurídico vigente traz princípios como a igualdade e a equidade em privilegiada posição, entretanto, a organização do Estado nem sempre foi como a atual e por isso, vamos nas próximas linhas analisar esta importante estrutura da sociedade a qual é imprescindível para a correta atuação do Direito na sociedade.

1.1 O Estado e o Direito Administrativo

Hodiernamente, parece evidente que todas as esferas da sociedade passem pela supervisão e também organização da entidade suprema que se faz no Estado em nossa sociedade, no entanto, nem sempre este quadro foi uma realidade. A acepção do Estado como órgão ápice da vida social surgiu após uma evolução histórica da concepção e importância deste.

Nos finais da Idade Média a soberania era organizada entre príncipes, sem centralização do poder na figura do Estado, encontrando-se por várias vezes frontalmente Estados diferentes, com as estruturas próprias e independentes umas das outras sob o domínio de um príncipe. O poder do príncipe deveria ter primazia sobre as competências estamentais.

O sistema feudal pós-medieval culminou com a organização de unidades de poder rigidamente organizadas dispondo de um só exercito, de uma hierarquia de funcionários e de uma ordem jurídica cada vez mais unificada. Vê-se então que, a partir de suas primeiras centralizações o
Estado converteu-se progressivamente no Leviatã de Hobbes em que assume a postura máxima da organização social subordinando todos os poderes, mesmo quando da existência de algo relativamente independente.
No período do Renascimento surgiram várias nomenclaturas para designar a figura soberana do Estado e no final do século XIX a palavra Estado ficou associada ao grupo de domínio dotado do poder supremo.

Vê-se então que a importância do Estado para a sociedade consiste a grosso modo em uma idéia penosamente conquistada contra a desunião, o que nasceu de uma necessidade política e portanto, sendo fruto de demanda social, não pode ser abandonada.

Por fim, tem-se no postulado de um poder estatal homogêneo a suposição de que somente ele pode cumprir adequadamente a função de proteção, prestação de serviços e ordem que se espera do poder político.

O Direito Administrativo vem então, nesta seara, manifestar-se como um maneira legítima de operacionalizar as atividades do Estado, no sentido prestacional e assistencialista deste, através de uma legislação específica, inclusive constitucional em sua maioria, organização específica (a Administração Pública) e corpo funcional determinado (os funcionários públicos).

Historicamente é possível extrairmos algumas informações bastante elucidativas sobre o Direito Administrativo, em específico, para compreender-se a sua importância dentro do cenário político e jurídico atual e a imediatidade dos seus reflexos no cotidiano social.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro comenta em seu livro que tal qual aconteceu na Europa continental, o Direito administrativo no Brasil não nasceu autonomamente. Há registros que documentam a existência de total e plena concentração de poderes nas mãos dos donatários das capitanias durante o período monárquico e assim, a estes eram outorgados poderes pelo rei português, os quais abrangiam a esfera administrativa, legislativa e judiciária de toda a região. (DI PIETRO, 1998)

Desta forma, somente com o Império iniciou-se uma centralização de poderes, de maneira a inspirar uma organização diretiva dos poderes, representativamente presente nas figuras do Poder Executivo, Poder Legislativo, Poder judiciário e Poder Moderador.

Neste período já se podia observar a existência de uma Administração Pública, entretanto, predominantemente regida pelo direito privado e apenas aplicada pelo Conselho de Estado.

O Direito Administrativo com a feição que assume na atualidade começou a ser traçado vagarosamente nas universidades e através dos doutrinadores, ilustrando com enorme adequação a importância da produção científica jurídica para a evolução e realismo desta ciência dentro das relações sociais às quais se dispõe tutelar.

A partir da Constituição de 1934 o Direito Administrativo evoluiu bastante e assim a atuação do Estado atingiu definitivamente os ramos social e econômico da sociedade e a feição liberal desta Constituição influenciou em muito este quadro.

No que tange à origem do Direito Administrativo no Brasil faz-se ainda importante destacar que o Direito Administrativo brasileiro sofreu grande influencia do Direito francês e italiano.

Especificamente tratando do objeto do Direito Administrativo, remete-se novamente aos ensinamentos da memorável Maria Sylvia Zanella Di Pietro, quando a mesma enuncia que este objeto ao longo dos anos vem sofrendo alterações, ocasionando o surgimento de modalidades de Direito administrativo tais como o descritivo, modelo este adotado pelo sistema europeu-continental, preocupando-se em delimitar o estatuto dos órgãos públicos administrativos do Estado e das coletividades locais.
Vamos analisar então a Administração Pública como sendo o objeto do Direito Administrativo na forma de atos.

2. Breves considerações sobre a Administração Pública

A concepção atual de Administração Pública nos permite entender que esta consiste em uma atividade híbrida composta por atos gerenciais, diretivos, que buscam planejar, dirigir e comandar atos em prol da realização de um objetivo direcionado à responder as necessidades da sociedade ? atividade legislativa.

Por outro ângulo, enxerga-se na Administração Pública, de igual maneira, uma atividade subordinada de executar, tal qual entende Maria Sylvia Di Pietro. (DI PIETRO, 1998)

Independentemente do viés predominante na Administração Pública ? legislativo ou executivo ? as atitudes decorrentes da Administração Pública vinculam-se estreitamente com as determinações legais sendo admitido à esta apenas o que estiver expressamente autorizado por lei.

Ao contrario do que acontece com a relação entre a legislação e as pessoas físicas, em que tudo o que não for proibido por lei, lhe é permitido, na Administração Pública, tudo o que não for autorizado por lei, lhe é proibido de executar, ou mesmo legislar.

É importante, entretanto, esclarecer que ainda que exista a indiscutível vinculação legal entre os atos da Administração Pública e o texto de Lei, a Administração Pública também comporta grande quantidade de atos discricionários, e nestes faz-se indispensável a concretização dos princípios que orientam a esfera administrativa do Estado, principalmente princípios como o da Moralidade Administrativa ? o qual analisa-se com maior atenção nas próximas linhas ? o Princípio da Eficiência e o da Motivação.

A lei representa a vontade e a Administração Pública, em seus atos, representa a concretização desta.

Em sentido subjetivo, formal ou orgânico, Administração Pública significa a designação dada aos entes que exercem as atividades administrativas, sejam eles pessoas jurídicas, órgãos ou agentes públicos.
Em sentido objetivo, entretanto, a Administração Pública designa a natureza da atividade exercida pelos entes referidos na hipótese acima, sendo nesta apreensão Administração Pública é a função administrativa exercida pelo poder Executivo.

No que tangencia a Administração Pública faz-se válido delinear os limites do entendimento sobre Legislação, Jurisdição e Administração.
Entende-se por legislação o ato primário de produção jurídica, sendo portanto mediante a Lei que o Estado regula as relações sociais posicionando-se acima e/ou à margem destas.

Por Jurisdição, entende-se a produção subsidiária de atos jurídicos emanados da supramencionada produção legislativa primária. A Jurisdição e o Estado desfrutam de uma relação mútua de complementação de tarefas, posto que aquela desempenha atos legitimados por este e este realiza algumas de suas pretensões através da dinâmica de funcionamento daquela.

Há ainda, a Administração a qual consiste na
emanação de atos de produção jurídica complementares, em aplicação concreta do ato de produção jurídica primário e abstrato contido na lei; nessa função o órgão estatal atua como parte das relações a que os atos se referem, tal como ocorre nas relações de direito privado. A diferença está em que, quando se trata de Administração Pública, o órgão estatal tem o poder de influir, mediante decisões unilaterais, na esfera de interesse de terceiros, o que não ocorre com o particular. Daí a posição de superioridade da Administração na relação de que é parte. (DI PIETRO, 1998)

Desta forma, tendo sido elucidados estes conceitos-elementos da Administração Pública, percebe-se que esta é um elemento legítimo de atuação do Estado no sentido de operacionalizar medidas necessárias, de diversas maneiras, à sociedade, as quais necessitam da direção de tais atividades em uma única pessoa ? física ou jurídica, como no caso que ocorre com o Estado ? inclusive para viabilizar um controle de contra-prestações e ainda, um canal de expressão no que se refere às necessidades e demandas sociais. Assim, a Administração Pública é a gestão de interesses públicos, concretizada através dos serviços públicos prestados por servidores públicos e órgãos públicos.

Conforme imediatamente acima mencionado, a Administração Pública também é realizada por entes, funcionários públicos, o que implica dizer que pessoas físicas executam tarefas determinadas por lei e planejadas por órgãos públicos responsáveis pela execução de determinados serviços.
Desta forma, tem-se o que se conhece por Administração Pública em sentido subjetivo, ou seja, pessoas que exercem função administrativa delegada.

Nas atividades dos funcionários públicos atuantes na administração repousa a engrenagem da máquina estatal prestadora de serviços e, por mais que exista um limite legal de atuação dos mesmos, no que tange o exercício de suas atividades, ainda assim, há a possibilidade de estes funcionários fazerem escolhas as quais determinarão o fluxo a seguir pela Administração. A Ética na Administração Pública, materializada no Princípio da moralidade administrativa é um elemento necessário para que o referido fluxo siga em sentido benéfico à sociedade e assim, responda aos seus anseios e necessidades com o mínimo de desperdício por parte do Estado.

Conforme enuncia o Advogado Telmo Vasconcelos a este respeito "o princípio da moralidade, com o advento da Carta Constitucional de 1988, foi alçado, pela vez primeira em nosso direito positivo a princípio constitucional, nos termos do artigo 37, caput, o qual estabelece diretrizes à Administração Pública." (VASCONCELOS, 2009)

Este elemento presente no Magno Texto Constitucional representa a necessidade, observada nas anteriores administrações, de impor mínimos parâmetros de moralidade à Administração Pública, evitando degenerações da referida atividade.

"A moralidade administrativa é princípio informador de toda a ação administrativa, sendo defeso ao administrador o agir dissociado dos conceitos comuns, ordinários, válidos atualmente e desde sempre, respeitadas as diferenças históricas, do que seja honesto, brioso, justo." (VASCONCELOS, 2009)

No próximo tópico analisa-se a ética na Administração Pública.

3. A Ética na Administração Pública e o Princípio da moralidade Administrativa

Antes de qualquer outra explanação, faz-se mister afirmar que a Ética na Administração Pública é vista como indispensável em virtude dos desastrosos resultados causados à mesma quando da sua inexistência, e não somente pelos seus aspectos benéficos.

Entretanto, a preocupação com a ética na Administração Pública não é exclusividade dos tempos recentes, pois a Constituição, em seu texto, enumera inúmeros princípios e dispositivos orientadores da conduta do servidor público neste sentido e são estes:

? princípio da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência;

? licitação pública, como regra para aquisição de bens e serviços;

? probidade administrativa, cujos atos a ela contrários são punidos com a suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade de bens e o ressarcimento ao erário.

Neste diapasão observa-se a plena constatação do constituinte quanto ao caráter indispensável da ética no corpo da Administração Pública, haja vista os próprios registros históricos documentarem os prejuízos trazidos à sociedade pela total improbidade administrativa de alguns servidores.

Tal improbidade a qual tratava com naturalidade, por exemplo, os subornos enviados aos servidores públicos para driblar a Receita Federal no que concerne à questão Tributária, em virtude da alta carga de impostos do país, prejudicando assim, inúmeros contribuintes e beneficiários desta carga.

Desta forma, atualmente, em virtude da expressa regulamentação legal quanto à obrigatoriedade da conduta ética na Administração Pública, o cidadão pode mover ação popular contra o ato administrativo anti-ético que, de alguma forma, comprometa o patrimônio público.

Com o objetivo de aumentar o rendimento dos órgãos que exercem o controle dos comportamentos éticos, foi determinado por lei alguns os instrumentos para a atuação destes órgãos, tais como auditorias, inspeções e fiscalizações, as quais são realizadas pelos órgãos de controle interno e externo, apresentando inclusive relatórios que informem elementos dos quais seja permitida a avaliação da gestão dos administradores ( legalidade, legitimidade e economicidade).

Há ainda o processo administrativo disciplinar, que apuram desvios de conduta pessoal através de inquéritos promovidos pelas comissões de sindicância, ou ainda, pelo Ministério Público Federal, nos casos de inquérito civil público.

Nos casos em que há a comprovação há a ação ordinária de ressarcimento de danos, promovida pela União e suas autarquias e fundações; e a ação civil pública de ressarcimento de danos, promovida pelo Ministério Público Federal.

Além destes já mencionados mecanismos de controle da Ética na Administração Pública, há outros tantos com o mesmo fim, positivados no ordenamento jurídico Pátrio.

Conforme enuncia Telmo da Silva Vasconcelos ao desenvolver o pensamento do mestre Hely Lopes Meireles
o agente administrativo, como ser humano dotado da capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o honesto do desonesto.

E, ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto. Por considerações de direito e de moral, o ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também à lei ética da própria instituição, porque nem tudo que é legal é honesto, conforme já proclamavam os romanos ? non omne quod licet honestum est. A moral comum, remata Hauriou, é imposta ao homem para sua conduta externa; a moral administrativa é imposta ao agente público para a sua conduta interna, segundo as exigências da instituição a que serve, e a finalidade de sua ação: o bem comum. (VASCONCELOS, 2009)

Entretanto, tais dispositivos acima enumerados e analisados não possuem grande efetividade, servindo bem mais como meros enunciados sugestivos que,em verdade, dispositivos com força legal.
Por fim, resta ratificar que os prejuízos trazidos pela falta de conduta ética na Administração Pública são de per si suficientes para a efetividade de todos os dispositivos acima enumerados, destinados à regulamentação da ética na Administração Pública.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De sorte do que anteriormente fora exposto, observa-se a importância do Estado para a sociedade como uma figura hierarquicamente superior e plenamente legitimada pelo povo, para a prestação de serviços indispensáveis à organização social e também para a execução de demandas sociais.

Deste entendimento, evolui-se para a compreensão da Administração Pública como a maneira de operacionalizar a conduta contínua do Estado, quando tangencia-se o aspecto da prestação de serviços à população através de atos executados por servidores.

Tais servidores, no executar de suas funções, colocam na Administração Pública um pouco do seu caráter e personalidade, em muitos momentos, previstos ? atos discricionários - e não previstos legalmente. Neste momento faz-se indispensável a presença de conduta ética e a fiscalização de tal conduta para garantir o fluxo legitimo de ações do Estado, fluxo este, inclusive, o único para o qual a sociedade o legitimou seguir.

Sem pretender fazer-se redundante, friza-se que a ética na Administração Pública é indispensável não somente pela nobreza da sua existência, mas também pela falta incomensurável que os seus pressupostos fazem quando da sua catastrófica ausência no seio da Administração Pública.





REFERÊNCIAS

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo / Maria Sylvia Zanella di Pietro. ? 10. ed. ? São Paulo: Atlas, 1998

Encontros entre meios e fins: a experiência da Comissão de Ética Pública ? Brasília : Comissão de Ética Pública. Secretaria Executiva, 2002. 188p. Disponível em <http://bvc.cgu.gov.br/bitstream/123456789/1191/1/Encontro%2Bentre%2Bmeios%2Be%2BFins-Livro%2B1.pdf>

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito administrativo/ Marçal Justen Filho. ? 2. ed. ver. E atual. ? São Paulo: Saraiva, 2006.

VASCONCELOS, Telmo da Silva. O princípio constitucional da moralidade e o nepotismo. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4101. Acesso em 30 de abril de 2009.