A equivalência das visitas

 

O Presidente Lula visitou na semana passada as obras de transposição do Rio São Francisco. Todo mundo acompanhou pela imprensa. Um acampamento às margens do Rio, restaurantes, dignitários, luzidos convidados.

 

O Senhor Gilmar Mendes, Presidente do Supremo Tribunal Federal, e o Senador Álvaro Dias protestaram veementemente contra a visita. Aliás, minto, não foi precisamente esse o motivo do protesto. Pelo que deram a entender os ilustres insatisfeitos, o desagrado decorreu de que a visita deturpou-se com a ingerência de elementos apócrifos no aparato de sua concretização, a saber, a ostentação do acampamento, o luxo dos restaurantes e, principalmente, a presença arbitrária, na comitiva, de Dilma Roussef, candidata do Presidente Lula à Presidência da República.  

 

Isso leva a considerar, sem nenhum esforço, que os ilustres insatisfeitos, conscientemente ou não, alimentam um modelo de visita ideal, o qual, refratário à percepção dos sentidos, pode ser, todavia, resgatado por dedução. O resgate é simples: retira-se da visita como fato os apócrifos, vale dizer, a ostentação do acampamento, o luxo dos restaurantes e Dilma Rousseff.  Sobra, é claro, digamos assim, uma abstração factual, isenta de reparos éticos, que corresponde, logicamente, à visita como idéia na cabeça dos ilustres insatisfeitos, algo muito próximo de uma visita funcional, regulada na estrita observância do interesse público.  

 

Já no que toca aos estrategistas,  artífices da visita como fato, duas possibilidades de interpretação se oferecem: 1ª.) a de que a visita como fato, com todos os seus componentes, inclusive, é claro, os apócrifos já referidos, seja o  reflexo de uma  visita como idéia,  filosoficamente sustentada; 2ª.) a de que a visita como idéia é um conceito vazio, que vai tomando forma ao sabor das contingências.

 

Particularmente, preferia que os ilustres insatisfeitos tivessem explorado melhor a equivalência das visitas, oferecida na primeira alternativa.   

Se, na ótica dos estrategistas, a visita como fato reflete fielmente a visita como idéia, os apócrifos que os ilustres insatisfeitos flagraram na visita como fato já estariam potencialmente contidos na visita como idéia. Nesse caso, bastava atacar os estrategistas na matriz intelectual da visita como idéia, no melhor estilo dos debates  filosóficos.

 

O deslocamento da questão  para o plano teórico elevaria o nível do debate, evitando o atrito grosseiro da materialidade, vale dizer, evitando a glosa dos gastos perdulários e, acima de tudo, a gafe de barrar o acesso de Dilma Rousseff, afinal uma dama, ao louvor do acampamento.

 

Seria o duelo de duas visões de mundo, uma estóica, outra epicurista, provavelmente.

 

Demais de tudo isso, a exploração eficiente da primeira alternativa teria neutralizado na origem a desconcertante possibilidade de a visita como idéia dos estrategistas constituir um conceito vazio.

 

Possibilidade essa, aliás, fortalecida com a declaração do Ministro Tasso Genro, que classificou a presença de Dilma Roussef no acampamento como sendo uma “fatalidade da democracia”.

 

Ela tinha que estar lá, de qualquer maneira, a despeito de todas as barreiras éticas, porque, no entendimento do Ministro da Justiça, contra o poder das massas nada pode prevalecer.

 

Ninguém garante que os ilustres insatisfeitos, se tivessem explorado melhor as aberturas da primeira alternativa, triunfariam ao final. Mas, com certeza, teriam dormido melhor naquela noite, sem ouvir a retórica do Ministro da Justiça, e certos de que ninguém se divertia com os seus escrúpulos.