A EFETIVIDADE DA MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA NA PROMOÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA

Aline Costa

Malane Mendonça[1]

 

Sumario: 1.Introdução; 2. O pluralismo jurídico e os meios alternativos de solução de conflitos;3. A mediação comunitária; 4. Mediação comunitária na promoção do acesso à justiça;4.1 A mediação comunitária no bairro Recanto dos Pássaros; Conclusão ;Referências

 

 

                                                           RESUMO

O presente trabalho visa apresentação dos diversos meios alternativos de solução de litígios, e especial a Mediação Comunitária.

Através de dados e conceitos desenvolvidos por nós e por doutrinadores, objetivamos identificar a verdadeira eficácia de tais meios na promoção do acesso à justiça, sobretudo das comunidades mais pobres de nossa sociedade.

 

 

PALAVRAS-CHAVE

Meios alternativos de solução de conflitos. Mediação Comunitária. Acesso à justiça.

 

 

 1 INTRODUÇÃO

 

Com a redemocratização brasileira, consagrada da Constituição de 1988 reconheceu-se a importância da participação da sociedade nas decisões políticas, sociais, individuais e coletivas.

Essa Constituição trouxe em seu texto um rol de direitos e garantias individuais que iam muito além da realidade brasileira, que era composta por desigualdades gritantes. A igualdade era uma realidade muito distante e com ela, o acesso à justiça por parte da população pobre.

Surge também uma séria crise de credibilidade no Poder Judiciário, devido à grande quantidade de processos que provocam o abarrotamento e a morosidade no setor.

É então que os conceitos de meios alternativos de solução de conflito ganham força. Com o objetivo de celebrar a igualdade e proporcionar o devido acesso à justiça por parte da população mais pobre, estes conceitos são colocados em prática nos próprios órgãos judiciais e nas comunidades.

 

 

2 O PLURALISMO JURÍDICO E OS MEIOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

 

Para entendermos o surgimento dos meios alternativos de solução de conflitos, precisamos antes entender o pluralismo jurídico (“ferramenta” através da qual se faz possível a criação de meios de solução de conflitos alternativos e paralelos ao Estado).

Segundo a lição de Wolkmer[2] a cultura brasileira sempre foi marcada pela tradição monista (influencia kelseniana), que transformava o Direito e a Justiça exclusivamente em manifestações estatais. Entretanto, essa teoria enfrenta uma crise paradigmática quando se vê diante de novos e contraditórios problemas, tornando-se incapaz de apreciar conflitos coletivos.

É diante dessa insuficiência do monismo que surge o pluralismo jurídico, como uma forma de resolução de conflitos mediante mecanismos não-oficiais, paralegais, informais e etc.. Ou, segundo o conceito de Wolkmer[3], como uma multiplicidade de práticas jurídicas existentes num mesmo espaço sócio-político, interagidas por conflitos ou consensos, podendo ser ou não oficiais e tendo sua razão de ser nas necessidades existenciais, materiais e culturais.

É nesse contexto que - com a proposta de reduzir a crise no Poder Judiciário através da diminuição de processos e maior celeridade daqueles que se acham em tramitação, viabilizando assim um maior acesso à justiça - surgem os meios alternativos de mitigação de litígios, quais sejam: arbitragem, conciliação, negociação e  a mediação.

Regulada pela lei n°9.307/96 a arbitragem pode ser utilizada como um meio alternativo de dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Legitimada pelas partes através da Convenção Arbitral, a arbitragem é regulada pela vontade das partes, são elas que: indicam os árbitros a avaliarem e decidirem a controvérsia instaurada, definem os procedimentos que decidirão o processo e indicam o prazo final. Tais árbitros podem ser qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes (conforme disposto no capítulo III da lei n°9.307/96). A sentença emitida pelo árbitro (sentença arbitral) tem o mesmo valor que a sentença judicial, tem amparo da lei e pode ser executada por todo o aparato público.

 Já a conciliação (regulamentada pelo provimento 893/04) tem por objetivo a tentativa de acordo amigável entre as partes, antes do ajuizamento da ação ou durante um processo judicial, para questões que versarem sobre direitos disponíveis. As partes confiam a uma terceira pessoa (conciliador) a função de aproximá-las e orientá-las na construção de um acordo. A negociação é o mais amplo e comum meio de resolução de conflitos, compreendendo a conciliação e a mediação que podem ser vistas como espécies de negociação.

E por fim temos a mediação, onde as partes também escolhem um terceiro neutro e de confiança de ambos, que intervém entre elas agindo como um facilitador que leva as partes a encontrarem a solução para suas pendências. Diferentemente da arbitragem, na mediação quem controla e decide o litígio são as partes enquanto que na arbitragem é o árbitro quem decide e controla tudo. Importante também acentuar que a mediação difere da conciliação na medida em que, nesta última, o grau de interferência do conciliador é bem mais acentuado.

Todos esses meios alternativos (arbitragem, conciliação, negociação e mediação) surgiram também como uma forma de sanar uma crise que há muito tem se percebido no sistema judiciário brasileiro, que é a morosidade e o abarrotamento de processos.

Outro problema que se tem notado é a dificuldade de acesso à justiça por parte da parcela carente da sociedade. A própria morosidade e os altos custos processuais são os principais fatores que dificultam esse acesso.

 

 

3  A MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA

 

Cappelletti[4] já identificava em seu livro a existência dos chamados “tribunais vicinais de mediação”, que serviam para tratar de problemas do dia-a-dia, principalmente questões de pequenos danos à propriedade ou delitos leves, que ocorressem entre indivíduos de qualquer agrupamento relativamente estável de trabalho ou habitação. Estas instituições estariam voltadas para o envolvimento da comunidade na facilitação da resolução de querelas locais, com o objetivo de restaurar os relacionamentos permanentes e assim promover a harmonia na comunidade.

Tendo um caráter descentralizado, participatório e informal espera-se que a mediação comunitária estimule a discussão, em comunidade, de situações nas quais a relação comunitária esteja à beira de um colapso. Contribuindo assim para uma educação da vizinhança a respeito da natureza, origem e solução para os conflitos que os permeiam.

Através da mediação comunitária, a justiça consegue deixar de ser esse fenômeno alheio à realidade social e aos problemas da população, adquirindo sensibilidade às necessidades locais.

Neste contexto, a mediação comunitária aparece como um meio propicio a criação de laços entre os indivíduos, prevenindo e resolvendo conflitos sociais.

O fato de ser realizado por um terceiro neutro descaracteriza a burocratização do sistema judiciário, proporcionando na comunidade uma sensação de inclusão social.

A mediação comunitária, portanto, representa o exercício real da cidadania mediante a busca da paz social. Como forma preventiva de conflitos promove ambiente ideal à colaboração entre as partes, com o intuito de possibilitar que as relações sociais perdurem de forma positiva, criando vínculos.

Atualmente, a mediação comunitária – bem como os demais meios alternativos –, apesar de não serem muito difundidos, já são uma realidade dentro das associações. A exemplo da Consensus[5] (Associação para o Desenvolvimento dos Meios Alternativos de Resolução de Conflitos), que é uma associação privada, sem fins lucrativos, constituída em 2005 com vista a divulgação e o fomento de uma cultura de paz, mediante recurso aos meios alternativos de resolução de conflitos.

Com base em tudo isso, percebemos que a mediação comunitária significa um avanço e uma mudança significativa na estrutura do nosso sistema judiciário, propiciando uma adaptação à realidade e aos anseios de nossa sociedade. Representa um avanço também na medida em que possui uma preocupação na conscientização da população a cerca de seus direitos, e na manutenção e preservação das relações sociais.

 

 

4 MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA NA PROMOÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA

 

Muito embora não possamos determinar cientificamente o que seja justiça, a idéia paira sobre nós, sem duvida, como um valor máximo e essencial à nossa própria existência. Nas palavras de Cappelletti[6] o acesso à justiça pode ser “encarado com requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos”.

O acesso à justiça é direito fundamental expresso no artigo 5°, inciso XXXV, da Constituição brasileira de 1988:

“a lei não excluíra da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”

Entretanto, não podemos entender o conceito de acesso à justiça puramente como um acesso aos tribunais, é importante definir que quando a Constituição fala em apreciação do Poder Judiciário refere-se tanto a acesso aos tribunais, quanto à eficácia das decisões judiciais em beneficio dos jurisdicionados, indiscriminadamente.

Conforme se lê em José Afonsoda Silva[7]:

“Formalmente, a igualdade perante a justiça está assegurada pela Constituição, desde a garantia de acessibilidade a ela. Mas realmente essa igualdade não existe”

Ao analisarmos a realidade de nossa sociedade, percebemos que não há como tratar com igualdade sujeitos que econômica e socialmente estãoem desvantagem. Aparcela pobre da sociedade tem um acesso à justiça muito precário, uma vez que carecem de recursos e de informações a respeito de seus direitos.

A questão do acesso à justiça possui, entretanto, muitas barreiras pela frente:

a) custas judiciais: pela própria carência de recursos as camadas pobres da sociedade não procuram o judiciário.

b) demora nas decisões: pressiona os economicamente mais fortes a abandonarem a ação e aumenta a descrença no Poder Judiciário.

c) capacidade jurídica: a falta de conhecimento a respeito de seus direitos afasta.

d) disposição psicológica: a burocratização do sistema (ambientes que intimidam, formalismo, procedimentos complicados) provoca uma intimidação e consequente desistência da ação.

Segundo Cappelletti[8]:

“Os juristas precisam agora reconhecer que as técnicas processuais servem a funções sociais; que as cortes não são a única forma de solução de conflitos a ser considerada e que qualquer regulamentação processual, inclusive a criação ou encorajamento de alternativas ao sistema judiciário formal tem um efeito importante sobre a forma como opera a lei substantiva – com que freqüência ela e executada, em beneficio de quem e com que impacto social....precisam ampliar sua pesquisa para alem dos tribunais e utilizar os métodos de analise da sociologia,da política, da psicologia e da economia, e ademais, aprender através de outras culturas.”

 

É nesse contexto que surge a Mediação Comunitária, com o objetivo não apenas de solucionar conflitos como também de proporcionar conhecimentos teóricos e práticos à comunidade de baixa renda, produzindo uma mudança no comportamento desses indivíduos.

A educação das comunidades sobre a respeito de seus direitos e de como resolvê-los através do diálogo pacífico entre as partes, proporciona uma maior inserção social dos mesmos, uma vez que contribui para o acesso à justiça.

Através da aplicação da Mediação nas comunidades percebemos uma efetivação formal e real do conceito de acesso à justiça. Ao levar a essa população a possibilidade de dirimir seus conflitos de maneira menos burocrática e morosa, realiza-se a aproximação do Poder Judiciário à realidade social e satisfação do desejo de justiça dos cidadãos. Além, é claro, de incentivar e preservar as relações sociais.

 

 

4.1 A Mediação Comunitária no Bairro Recanto dos Pássaros

 

Localizado na sede da Associação dos Moradores, o Núcleo de Mediação Comunitária do Recanto dos Pássaros foi o primeiro de São Luis. É composto por 9 voluntários moradores da comunidade que receberam orientações básicas sobre direito.

Além de auxiliar na solução dos conflitos, o Núcleo realiza o acompanhamento do problema, com o objetivo de verificar o cumprimento do acordo. Quando não é possível a realização de um acordo, os mediadores encaminham as partes a um órgão judicial.

Segundo os dados que foram obtidos na sede da Procuradoria Itinerante, elaboramos o quadro a seguir referente ao período de 05/FEVEREIRO/2009 a 05/MARÇO/2009.

 

ATENDIMENTOS

QUANTIDADE

MEDIAÇÕES REALIZADAS

34

OBJETIVOS NÃO ALCANÇADOS

2

ENCAMINHAMENTOS AO ÓRGÃO JUDICIAL

2

DESISTÊNCIAS

3

PROCESSOS EM ANDAMENTO

15

 

Através dos dados apresentados e das pesquisas realizadas com os próprios moradores, constatamos que a Mediação Comunitária já é uma prática entre os moradores da comunidade. Entretanto, a divulgação e credibilidade na validade do processo ainda é questão de muitas dúvidas entre os moradores.

Levando-se em consideração que o Núcleo tem apenas dois anos (foi criado em 20 de abril de 2007), os avanços em relação à utilização desse meio alternativo de resolução de conflitos já são bastante expressivos e nos levam a acreditar na seriedade do processo.

De fato, constatamos, através do Núcleo do Recanto dos Pássaros, que a mediação comunitária vem contribuindo para o desabarrotamento do Poder Judiciário, bem como para a promoção de um diálogo maior entre as pessoas e de um acesso à justiça nas comunidades de baixa renda.

 

 

CONCLUSÃO

 

Através das estatísticas e conceitos expostos, consideramos que a Mediação Comunitária tem se transformado cada vez mais num instrumento de promoção do acesso à justiça das comunidades de baixa renda.

Percebemos também que os meios alternativos como um todo significam uma transformação na realidade do Poder Judiciário, na medida em que realiza uma aproximação e adaptação do mesmo à realidade de desigualdade em que vivemos. Sendo assim, torna-se capaz de garantir às classes de baixa renda direitos fundamentais como: o direito de ação, devido processo legal, contraditório, ampla defesa e etc.

Não podemos deixar de constatar também que os meios alternativos também significam uma mudança no relacionamento social, uma vez que valoriza e incentiva o dialogo entre as partes, tornado a comunicação social um fator primordial.

A partir do exposto, percebemos que a Mediação Comunitária (bem como os demais meios alternativos), na medida de sua própria evolução, é um meio eficaz de promoção do acesso à justiça.

 

 

 

REFERÊNCIAS

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant [tradução de Ellen Gracie Northfleet]. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1988.

 

DANIEL, Ana; SANTOS, Fernando; OLIVEIRA, Sandra. Cidadania e Mediação Comunitária. Disponível em :<http://www.ua.pt/incubadora>. Acesso em: 5 de abril de 2009.

 

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15 ed. revista. São Paulo: Malheiros, 1998.

 

WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 2001.

 

 



[1] Alunas do 3º período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco

[2] WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 2001, p. 96-97.

[3] WOLKMER, op. cit., p.104

[4] CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant [tradução de Ellen Gracie Northfleet]. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1988, p. 114.

[5] DANIEL, Ana; SANTOS, Fernando; OLIVEIRA, Sandra. Cidadania e Mediação Comunitária. Disponível emhttp://www.ua.pt/incubadora>. Acesso em: 5 de abril de 2009.

[6] CAPPELLETTI, op. cit., p. 12.

[7] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15 ed. revista. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 222-223.

[8] CAPPELLETTI, op. cit., p. 16.