A divergência entre a autonomia da vontade da mulher e o direito à vida do nascituro nos casos de aborto consentido pela gestante[1]

 Rayssa Nayhara Souza Furtado e Rayssa Lorena Machado[2]

Gabriel Ahid Costa[3]

 INTRODUÇÃO

O aborto vem sendo um tema bastante polêmico na contemporaneidade, pois coloca em conflito o direito a liberdade de escolha da mulher, bem como o direito a vida do nascituro. A prática do aborto nem sempre foi considerada crime a não ser quando essa conduta tivesse algum dano em relação à saúde da gestante, mas em regra ficava sob a decisão da mesma realizar ou não. A primeira vez que esta conduta foi tipificada como crime foi no código de Hamurabi. Na Roma Antiga, se entendia que o aborto não poderia ser passível de punição já que o feto era considerado uma parte do corpo da mulher, então cabe a esta tomar uma decisão. Tempos depois o aborto foi considerado uma ameaça à prole do pai com isso o aborto passa a ser tipificado visando defender o direito do homem de ter herdeiros.

Inicialmente a Igreja Católica não era contra o aborto, existia um prazo com diferença de dias entre meninos e meninas para que essa conduta fosse realizada sem problemas. Com uma posição de domínio sobre a Europa durante o perídio da inquisição a Igreja passa a punir o aborto, usa-se do argumento que uma criança é uma dádiva divina e deve ser preservada desde o primeiro instante. A mulher que realizasse tal pratica poderia ser condenada a morte.

Atualmente, a incidência cada vez maior de abortos tem levado juristas e profissionais da saúde a colocarem em questão se o aborto é um crime ou problema de saúde publica. Por isso, a relevância em se questionar sobre sua descriminalização nos casos consentidos pela gestante, visando garantir o livre arbítrio e o direito de autonomia reprodutiva da mulher.

O aborto é um tema que envolve questões éticas, morais e por isso é um debate social com posições divergentes. Existem países que o proíbem, como o Brasil, e países que permitem dando acesso aos meios de realizar a conduta. A liberação da pratica durante o primeiro trimestre da gestação é comum em países desenvolvidos do Atlântico Norte, usasse do argumento de que a dignidade da mulher deve ser preservada enquanto países que criminalizam o aborto usam do argumento de que o direito a vida do feto prevalece.

Sendo assim, o presente trabalho, torna-se uma importante ferramenta para analise dessa problemática e permite gerar possíveis soluções.

 

1 A evolução histórica do crime de aborto

               A interrupção voluntária da gravidez é uma questão moral altamente controvertida em todo o mundo. As legislações dos diferentes países vão da criminalização e da proibição completa até o acesso praticamente irrestrito ao aborto (BARROSO, 2013).

               A prática do aborto nem sempre fora considerada como delito. Garraud apud Luiz Regis Prado entende que ‘’predominava, inicialmente, a total indiferença do Direito em face do aborto, considerando o feto como parte integrante do organismo materno, e de conseguinte, deixando a critério da mulher a decisão acerca da conveniência ou não de dar prosseguimento à gravidez’’.

               Porém, ao longo do tempo, as práticas abortivas começaram a ser vedadas em razão do perigo que provocava ou da efetiva lesão produzida para a saúde da gestante.

No Código de Hamurabi, nos parágrafos 209 a 214, havia pena de morte e/ou compensação econômica pelos vários tipos de aborto. No livro bíblico do Êxodo (XXI, 22-23), se o homem matasse a mulher grávida, deveria ser morto (olho por olho, dente por dente), e se agredisse a mulher grávida e matasse só o feto, mereceria a perna de morte da mesma forma. A literatura indiana do Veda também condenava o aborto (XXI, 9 e XXVIII, 7). (MARTINS, 1996, p. 8).

               Em Roma, nos primeiros tempos, não era sancionada a morte dada ao feto. O produto da concepção, longe de ser vislumbrado como titular do direito à vida, era tido como parte do corpo da gestante que, a seu turno, poderia dele livremente dispor (REGIS PRADO, 2011). Porém, a partir de um tempo, passou-se a considerar o aborto uma lesão ao direito ao direito de paternidade, em razão da perda das expectativas paternas em relação aos seus descendentes.

               Na mesma linha, sob o período do Cristianismo, Luiz Regis Prado, 2011, afirma que o Direito pretérito foi reformulado pelos imperadores Adriano, Constantino e Teodósio e o aborto – entendido agora como a morte de um ser humano – foi definitivamente equiparado ao delito de homicídio.

               A partir da Idade Média, as práticas abortivas passaram a se tornar objeto de divergência entre os teólogos, como afirma Santo Agostinho apud Luiz Regis Prado ‘com lastro na doutrina aristotélica, o aborto só seria delito em se tratando de feto animado, o que ocorria quarenta ou oitenta dias após a concepção’’. Em contrapartida, São Basílio apud Regis Prado, entende que o aborto provocado seria sempre criminoso, independente de ser feto animado (foetus animatus) ou inanimado (foetus inanimatus).

               A Igreja Católica sempre proibiu o aborto. Com o surgimento do Direito Canônico, passou-se a sustentar a reprovação do aborto em razão da perda da alma do feto, pois este morria sem que fosse batizado. Aqui já se podia falar em aborto lícito, nos casos de honoris causa, porém somente se o feto ainda fosse inanimado. O Papa Sixto V (1588), o Papa Gregório (1591) e o Papa Pio IX (1869), todos citados por Fragoso, respectivamente, determinou que as penas, temporais e espirituais, deveriam ser aplicadas ao aborto, em seguida fora atenuadas as penas eclesiásticas nos casos que o feto for animado, e por fim acabou-se estabelecendo penas iguais para qualquer caso de aborto, abolindo a distinção entre feto animado e feto inanimado.

               Já a partir do Iluminismo, cessou-se a equiparação entre os delitos de homicídio e aborto, e REGIS PRADO, 2011 afirma que se postulou a redução das penas cominadas ao aborto – especialmente se praticado pela gestante – quando presente o motivo de honra (causa honoris).

               O Brasil Império não tipificava o aborto nos casos consentidos pela própria gestante, apenas nos casos em que era executado por terceiro ou sem o consentimento da mesma. Além disso, a partir do Código Penal de 1890, as penas eram agravadas se os meios empregados para realizar o aborto resultasse na morte da gestante.

               Na atualidade, o aborto é considerado ilegal em grande parte dos países, bem como em muitas legislações o aborto já é permitido pela vontade da própria gestante, em um lapso temporal que varia da 12ª a 28ª semana de gravidez a depender do país. Em algumas legislações ele somente é permitido nos casos de estupro, risco a saúde da mulher e etc.

               A seguir, far-se-á uma breve explicação acerca de como o aborto é visto pelo mundo em suas legislações na contemporaneidade, bem como os tipos que são tipificados ou não no Código Penal brasileiro (1940), pesando as razões que são invocadas a favor da descriminalização do aborto, em razão que ensejam uma vasta discussão que envolve questões dogmáticas e de cunho interpretativo, bem como envolve diversos setores como o Direito Penal, os valores morais e religiosos e o ponto de vista biológico.

2 Como a prática do aborto é visto pelo mundo

                    A interrupção da gravidez seja ela de forma voluntaria ou involuntária causa diferentes opiniões. Pelo o Mundo encontramos países que liberam a interrupção independente do motivo, de acordo com a vontade da mulher e uma característica predominante desses países é que a influencia religiosa é baixa e as desigualdades sociais entre homens e mulheres quase não é notada. Assim como existe países que liberam o aborto, existem países que a pratica é vedada constituído crime, como no Brasil que o aborto só é descriminalizado em casos especiais. Quando se trata da mera vontade da mulher, essa pratica é criminalizada.

                    O aborto causa contradições principalmente pela carga moral que essa pratica pode produzir. As religiões possuem forte influencia moral e social e são responsáveis por essa pratica seja criminalizada de forma tão severa em muitos países. Na América Latina (Chile e El Salvador) e no Mundo Islâmico (Egito Iraque)   encontramos as punições mais forte contra essa pratica, justamente pela influencia religiosa que esses países possuem, apesar de muitos deles se considerarem estados laicos.

A Igreja Católica e muitas Igrejas Evangélicas fortemente se opõem contra ao aborto, baseadas na crença que a vida se inicia na concepção e deve permanecer inviolável desde esse momento. (BARROSO, Luis Roberto, 2011, p. 100).

                    Encontramos também países que a pratica do aborto é considerado comum e fica a escolha da mulher. Muitos desses países se encontram no Atlântico Norte (Canada, Estados Unidos, França), esses países muitas vezes se encontram em desenvolvimento ou possuem uma economia estável. Além disso, geralmente não enfrentam problemas econômicos, possuem um bom sistema de saúde e as mulheres estão no mercado de trabalho. Diferença entre sexo até mesmo no local de trabalho, com redução do salario da mulher em relação ao do homem como ocorre em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento quase não existem.

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