A imputação do crime de uso indevido de informação privilegiada ao seu agente tem encontrado dificuldade frente à comprovação de que tal ato foi cometido. Esse problema deveria ser resolvido, uma vez que o referido crime não gera resultados apenas no âmbito privado, mas a toda uma sociedade.

Palavras-chave: Crime de uso indevido de informação privilegiada. Comprovação. Sociedade.

1 INTRODUÇÃO

A economia de um país não depende somente dos meios econômicos, dos planos de governo e das grandes empresas e indústrias impulsionadoras de mercado. É necessário também controle sobre ela, e uma forma de controle é o Direito Penal Econômico, que visa proteger os bens necessários para a sociedade.

            O problema é que geralmente as normas de direito penal econômico encontram-se em leis esparsas, ao invés de estarem previstas no Código Penal do país. Esse é o elemento que dificulta ainda mais a criminalização dos agentes.

            O crime de uso indevido de informação privilegiada está previsto no artigo 27-D da Lei 6.385/76 que diz:

“Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários: (Artigo incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001),

        Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime. (Incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001),

        Exercício Irregular de Cargo, Profissão, Atividade ou Função (Incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001).”. 

            Assim, uma pessoa que divulga informação privilegiada, ou seja, que possui relação com a sua profissão, cargo, atividade ou função, sendo essa informação relevante para a economia ou mercado, a qual deveria manter sigilo, e que tem como consequência uma vantagem para si ou para outrem, comete crime punido com reclusão de 1 a 5 anos e multa.

            Verificamos que será necessário que a informação seja relevante; que ocorra uma negociação tendo em vista a informação recebida; que o agente tenha o dever de sigilo profissional; que propicie, para si ou para outrem, vantagem indevida e que essa informação seja decorrente de seu acesso particular, tendo em vista o cargo, profissão, atividade ou função.

            É o que ensina Juliano Breda: 

“O tipo penal do uso indevido de informação privilegiada exige o dolo, consubstanciado na vontade livre e consciente de utilizar a informação relevante, ainda não divulgada ao público, de que tenha conhecimento e da qual deve manter sigilo, agregando-se, ainda, ao elemento subjetivo do injusto o especial fim de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida decorrente da negociação com valores mobiliários”. (2010, p. 365).

Tendo em vista a amplitude das consequências geradas pelo crime de uso indevido de informações privilegiadas, se impõe a necessidade de sua punibilidade como forma de repreensão e prevenção.

            Entretanto, além do fato desse crime ainda ser previsto apenas por lei esparsa, verifica-se a dificuldade de se provar a sua prática, uma vez que se torna necessária uma prova concreta e material de que o agente detinha a informação e que sua conduta foi praticada com o intuito de vantagem. Dessa forma, os agentes que cometem esse crime raramente são punidos, ainda mais que os mesmos utilizam de sua situação influente para “saírem livres”.

2 INSIDER TRADING NO BRASIL 

                O crime de uso indevido de informação privilegiada, também chamado de “insider trading”, tem como objetivo regular o funcionamento do mercado de capitais, evitando que a negociação realizada por uma pessoa, em razão da sua informação privilegiada, afete a situação financeira de toda a sociedade.

            Isto porque quando uma pessoa comete esse crime, levando uma enorme vantagem financeira, outras pessoas, que também fizeram uma negociação, mas sem ter essa informação, são prejudicadas, gerando um desequilíbrio de mercado.

            Quando uma informação sobre o mercado de valores mobiliários é divulgado ao público, ocorre uma atração dos investidores e empresas que compram as ações e fazem com que os recursos de mercado circulam. As companhias de valores mobiliários são beneficiadas com a compra e com o valor que a elas foi investido, e em contrapartida, os investidores não deixem seu capital parado.

            Dessa forma, percebemos que a divulgação de informações de forma legal e regular beneficia a economia de um país, enquanto que o uso de informações privilegiadas faz com que ocorra uma concentração em massa de capital em cima de uma única pessoa, fazendo com que os outros investidores e toda a sociedade tenham o seu capital reduzido.

            Diante disso, a punição dos agentes que cometem o crime deverá ocorrer, sendo essa uma forma de coibir mais práticas desse crime, além de forçar a devolução do capital ilegal recebido.

            Entretanto, como já foi mencionado, o referido crime ainda encontra-se previsto apenas em lei esparsa, e não no Código Penal Brasileiro. Importa-se a necessidade de uma maior regulamentação do crime e maior eficiência de sua apuração, julgamento do agente e sua condenação.

3  CARACTERÍSTICAS DO CRIME 

                O bem jurídico tutelado é a proteção patrimonial do investidor, mas também a proteção de toda a sociedade tendo em vista o mercado de capitais e de valores mobiliários, e ainda a segurança em investir seu capital sem o medo de sua perda.

            O núcleo do tipo é a utilização da informação privilegiada. Nesse conceito de “utilizar”, estão inseridas a prática de transmitir a informação para fora de seu âmbito profissional e ainda a negociação que visa a vantagem econômico-financeira.

            O sujeito ativo é a pessoa que possui a informação privilegiada, em seu âmbito profissional e que possui o dever de sigilo, frente à relevância dessa informação para o mercado.

            A CVM, na instrução n.º 358/2002, informa o que seria considerado fato relevante:


“Art. 2º - Considera-se relevante, para os efeitos desta Instrução, qualquer decisão de acionista controlador, deliberação da assembléia geral ou dos órgãos de administração da companhia aberta, ou qualquer outro ato ou fato de caráter político-administrativo, técnico, negocial ou econômico-financeiro ocorrido ou relacionado aos seus negócios que possa influir de modo ponderável:

I-                  na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta ou a eles referenciados;

II-                na decisão dos investidores de comprar, vender ou manter aqueles valores mobiliários;

III-             na decisão dos investidores de exercer quaisquer direitos inerentes à condição de titular de valores mobiliários emitidos pela companhia ou a eles referenciados.

Parágrafo único. Observada a definição do "caput", são exemplos de ato ou fato potencialmente relevante, dentre outros, os seguintes:

I-                  assinatura de acordo ou contrato de transferência do controle acionário da companhia, ainda que sob condição suspensiva ou resolutiva;

II-                mudança no controle da companhia, inclusive através de celebração, alteração ou rescisão de acordo de acionistas;

III-             celebração, alteração ou rescisão de acordo de acionistas em que a companhia seja parte ou interveniente, ou que tenha sido averbado no livro próprio da companhia;

IV-             ingresso ou saída de sócio que mantenha, com a companhia, contrato ou colaboração operacional, financeira, tecnológica ou administrativa;

V-               autorização para negociação dos valores mobiliários de emissão da companhia em qualquer mercado, nacional ou estrangeiro;

VI-             decisão de promover o cancelamento de registro da companhia aberta;

VII-          incorporação, fusão ou cisão envolvendo a companhia ou empresas ligadas;

VIII-        transformação ou dissolução da companhia;

IX-             mudança na composição do patrimônio da companhia;

X-               mudança de critérios contábeis;

XI-             renegociação de dívidas;

XII-          aprovação de plano de outorga de opção de compra de ações;

XIII-        alteração nos direitos e vantagens dos valores mobiliários emitidos pela companhia;

XIV-       desdobramento ou grupamento de ações ou atribuição de bonificação;

XV-          aquisição de ações da companhia para permanência em tesouraria ou cancelamento, e alienação de ações assim adquiridas;

XVI-       lucro ou prejuízo da companhia e a atribuição de proventos em dinheiro;

XVII-     celebração ou extinção de contrato, ou o insucesso na sua realização, quando a expectativa de concretização for de conhecimento público;

XVIII-  aprovação, alteração ou desistência de projeto ou atraso em sua implantação;

XIX-       início, retomada ou paralisação da fabricação ou comercialização de produto ou da prestação de serviço;

XX-          descoberta, mudança ou desenvolvimento de tecnologia ou de recursos da companhia;

XXI-       modificação de projeções divulgadas pela companhia;

XXII-     impetração de concordata, requerimento ou confissão de falência ou propositura de ação judicial que possa vir a afetar a situação econômico-financeira da companhia.”

            O sujeito passivo é o Estado, por ser um interesse de toda a coletividade, e não apenas de um particular ou grupos específicos.

            O tipo penal, logicamente, exige o dolo, ou seja, a vontade de praticar o ato tendo como objetivo a vantagem sobre os outros investidores.

            O Desembargador Federal Fausto Martin De Sanctis, defende a existência do dolo para se configurar a prática do crime:

 

“O dolo exigido é apenas o direto em face da expressão ‘de que tenha conhecimento’, sem a qual se poderia cogitar do dolo eventual. Assim, a expressão impôs a imputação àquele que apenas utiliza informação sigilosa relevante tendo ciência desta situação. O crime não prevê a modalidade culposa, de tal sorte que descaberá ao Ministério Público denunciar aquele que ‘deveria saber ou supor’ que a informação era sigilosa, o que obrigará certo esforço processual para demonstração do dolo direto do agente.” (2003, p. 114).

 

            A sua consumação é o uso indevido da informação através de negociação de valores mobiliários, não necessitando de que o agente receba a vantagem por ele almejada.

            Importante mencionar que a CVM (Comissão de valores mobiliários) tem como objetivo a fiscalização dessa utilização de informação privilegiada, devendo comunicar ao Ministério Público Federal as suspeitas levantadas da prática do referido crime.

            O problema do crime é a sua comprovação, conforme o Procurador Federal RODRIGO DE GRANDIS: "é um crime extremamente difícil de ser demonstrado, as provas são sempre indiretas, indiciárias e acabam por resvalar nos obstáculos da interpretação ainda tradicional do Direito Penal Econômico. É uma criminalidade moderna: um fenômeno novo”.

            Além disso, existe a necessidade de se comprovarem todos os elementos anteriormente mencionados que configuram a prática do crime, para que haja, assim, a punibilidade do agente. 

4 CONCLUSÃO 

                O crime de uso indevido de informação privilegiada é praticado por aquele que utiliza a informação privilegiada, quando detenha o dever de sigilo, efetuando negociação de valores mobiliários, tendo como consequência vantagem para si ou para outrem, sendo punido após a comprovação da sua intenção dolosa.

            Por tudo o que foi exposto, conclui-se que existe a necessidade de uma regulamentação mais eficaz do crime, devendo ser previsto no Código Penal Brasileiro e não mais em leis esparsas. Além disso, no momento do julgamento do agente, deveria ser menor a exigência concreta de provas acerca da prática do crime.

            Nota-se, por fim, que muitas vezes a CVM apura suspeitas de várias práticas do referido crime, mas poucas são as vezes que acabam sendo puníveis devido à dificuldade de sua comprovação.

5 BIBLIOGRAFIA 

BITENCOURT, Cezar Roberto; BREDA, Juliano. Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional e Crimes Contra o Mercado de Capitais. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010.

COSTA, José de Faria. O crime de Abuso de Informação Privilegiada. Coimbra: Coimbra Editora, 2006.

DE SANCTIS, Fausto. Punibilidade no Sistema Financeiro Nacional. Campinas: Millennium, 2003.

Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/18869/insider-trading-uso-indevido-de-informacao-privilegiada-modalidade-delitiva-prevista-no-art-27-d-da-lei-no-6-385-1976/3 Acesso em 29 mai. 2012.