A Democracia na Grécia Clássica: uma análise das concepções de justiça no julgamento de Sócrates.

 Elton Fogaça [1]

Keila Castro

Paloma Alencar[2]

Sumário: Introdução; 1 Sociedade Grega; 2 Democracia Grega e o posicionamento de Sócrates; 3 Justiça: Sócrates versus Atenas; Considerações Finais.


RESUMO

O presente artigo tem por objetivo analisar o instituto da democracia na Grécia Clássica e entender o conceito de justiça tanto para a sociedade daquela época como para Sócrates. Buscando dessa forma, perquirir o porquê de Sócrates ter aceitado sua condenação de forma tão pacífica, já que ele poderia com o seu poder de persuasão e retórica se defender livrando-se da condenação. Para tanto é necessário caracterizar o instituto democrático da época fazendo considerações pertinentes quanto a sua organização e estruturação. Portanto, é cabível discorrer sobre a concepção de justiça tida no pensamento de Sócrates e àquela disseminada na Grécia, para assim compreender o posicionamento tomado pelo grande sábio diante de sua sentença. Para isso, será interrelacionado justiça com direito.

PALAVRAS-CHAVE:  Sócrates. Grécia Atenas. Justiça. Democracia.

 

INTRODUÇÃO

Diante dos estudos realizados buscou-se por meio desse trabalho desenvolver uma abordagem acerca da contribuição que o julgamento de Sócrates, grande filósofo grego, trouxe para o atual ordenamento jurídico. É sabido que esse julgamento e a condenação do filósofo à morte têm repercutido em grandes discussões sobre a temática justiça. Para compreender esse contexto, é imprescindível então conhecermos a respeito da forma de governo democrático da Grécia e mais especificamente da Atenas clássica. Além do mais, analisar-se-á a visão Socrática a respeito dessa democracia sustentada em Atenas. 

Portanto, faz-se necessário expor a relevância do filósofo que contribuiu positivamente ao significado de justiça tido hodiernamente em nosso sistema jurídico. Entretanto, não seria errôneo falar que Sócrates representa uma ideologia marcante que contrariava toda a Grécia e, talvez essa tenha sido a essência da acusação direcionada a ele, pois sendo ele uma “ameaça”, por dar a luz à verdade deveria ser eliminado ou ao menos impedido de causar danos futuros à democracia ateniense.

Além do mais, é pertinente explanar sobre a importância da Grécia no contexto específico de Sócrates, já que esta representou por milênios um referencial cultural e intelectual ditando o modo de ser (pensar, agir e sentir) para todo o mundo. Assim, por um vício eurocêntrico pode-se dizer que a Grécia é o berço da filosofia. Com isso, para a Europa (mediterrâneo), o “modelo” mais elevado de entendimento do mundo era a Grécia. Então, não é surpresa afirmar que “todo mundo queria ser grego”.

O artigo também pretende mostrar o pensamento de Sócrates a respeito da democracia e o porquê dele ter aceitado a sua morte de forma tão pacífica, sendo que ele poderia e tinha meios para se defender, afinal ele era considerado o homem mais sábio de toda Grécia, como o próprio oráculo falou quando foi indagado sobre tal assunto, afirmando que esta premissa era verídica.

Em suma, os gregos influenciaram de maneira significativa na formação do homem. O reflexo dessa influência cultural clássica está nas artes, nas ciências exatas e na filosofia. Não há como negar o valor imprescindível que essa cultura trouxe e/ou contribuiu para os dias de hoje. Ademais, o julgamento de Sócrates foi um fato de extrema relevância para se pensar a respeito do instituto democrático ao longo do tempo.

1 SOCIEDADE GREGA

Vivia-se na Grécia ao que pode ser classificado como período clássico no séc. V a.C. Politicamente, ela estava dividida em cidades-estado, enfatizando a presença de Atenas e Esparta como principais cidades. A cidade de Atenas havia se destacado significativamente diante de toda a sociedade grega. O seu desenvolvimento cultural estava em ascensão e ainda recebendo influencia do império marítimo ateniense que ganhava forças. Nesse contexto, Atenas tem seu apogeu e esse se reflete em todas as esferas desde a vida urbana, intelectual até mesmo nas artes. Concomitante a isso, agrava-se as rivalidades entre as cidades que faz surgir à guerra do Peloponeso e que culminará com o fim do Império ateniense e das cidades-estado gregas.

Sua economia baseava-se em atividades de artesanato e comércio. E este último se desenvolvia principalmente no porto de Atenas, o Pireu, para onde eram levados os produtos e idéias do mundo inteiro. A ampliação do âmbito intelectual se dá, sobretudo por meio da filosofia que se desenvolve e ganha grande destaque nesse momento específico É importante ressaltar que a filosofia se originou ainda na Grécia arcaica ou como alguns historiadores o chamam de período dos sete sábios, mas que somente na era clássica teve sua devida valorização.

É nesse período também que Atenas passa a ser governada por Péricles, ao erigir uma unidade “estabilizada” social e politicamente, soma aos anseios dos atenienses por uma democracia que atingisse o ideal de política almejado na Grécia e mais especificamente em Atenas.  É cabível frisar que nesse contexto específico na cidade-estado vigorava a democracia como forma de governo, e por esta nem todos eram considerados cidadãos havendo uma exclusão das mulheres, crianças, estrangeiros e escravos, isto é, esse título de cidadania era direcionado apenas aos homens livres que podiam deliberar na Ágora[3] sobre o futuro da pólis grega. Assim sendo, estabelecendo uma pirâmide, o cidadão estava localizado no ápice da pirâmide social grega, ou seja, ele fazia parte daqueles poucos (aristocracia) que dispunham de privilégios na sociedade de dirigir a vida política e jurídica da Grécia.

Essa breve explanação fora realizada, com o intuito de situar o momento que Atenas passava na época clássica pari passu ao julgamento de Sócrates.

2 DEMOCRACIA GREGA E O POSICIONAMENTO DE SÓCRATES

Antes de adentrar na questão da democracia grega é importante mostrar como ela nasceu e quais são as características que diferem esse instituto do atual modelo democrático.  No início Atenas era uma cidade governada por um monarca, logo depois esta monarquia passou para uma oligarquia, pois os homens ricos tiraram o poder da mão do rei. Ao longo do tempo o descontentamento da população de baixo poder aquisitivo fez com que esta oligarquia se transformasse em uma aristocracia, sendo esta, fruto de disputas entre os grandes aristocratas (cidadãos ricos) atenienses. Com estas disputas contínuas entre estes aristocratas surgiu a tirania e por um longo tempo a mesma se manteve até que Atenas, à medida que ia evoluindo, atingiu a democracia.

O termo democracia significa governo do povo, e consiste na premissa de que todos devem participar das decisões políticas da cidade. Dessa forma, em Atenas vigorava a soberania popular. Assim, para enfatizar o raciocínio acerca de democracia Péricles diz:

[...] chama-se democracia porque age para o maior número [de pessoas] e não para uma minoria. Todos participam igualmente das leis concernentes aos assuntos públicos; é apenas a excelência de cada um que institui distinções e as honras são feitas ao mérito e não à riqueza. Nem a pobreza, nem a obscuridade impedem um cidadão capaz de servir à cidade. Livres no que respeita à vida pública, livres também o somos nas relações cotidianas. (apud CHAUÍ, 2002, p. 135).

Segundo Péricles, a democracia era uma forma de governo boa por excelência, diferentemente de Sócrates que acreditava ser a aristocracia a melhor forma de governo, pois para ele somente os indivíduos sábios (filósofos) deveriam governar. Negando desta maneira, a entidade democrática adotado em Atenas.

 Ao se falar em Direito Grego logo vem em mente Atenas, pois esta foi a cidade-modelo em se tratando do surgimento de leis escritas e também foi palco do nascimento da democracia. A Grécia passou por vários tipos de governo, mas teve seu auge com o advento da Pólis e conseqüentemente com o regime democrático.  E esse sistema jurídico bem organizado só foi possível por causa da escrita, pois para haver um sistema com leis bem organizadas a escrita faz-se necessária. Segundo Wolkmer o que levou os gregos a fazerem uso da escrita para redigir suas leis fora o desejo e a necessidade de assegurar melhor a justiça por parte dos juízes (2007, p.81).

 Os gregos criavam leis para administrar a pólis e resolver conflitos entre os povos. As leis eram classificadas em públicas, de família, processual e crime. As leis públicas se destinavam a regular às atividades e deveres dos cidadãos e tudo mais que dizia respeito à cidade-estado. A lei referente à família tratava de assuntos de casamento, herança, sucessão, filhos e outros mais. As leis de caráter processual tratam de regular a conduta e as relações dos tribunais. E por último temos as leis da categoria crime, que corresponde ao direito penal de hoje, sua redação inclui o homicídio e o diferenciava em três formas: o homicídio voluntário, involuntário e em legítima defesa (WOLKMER, 2007, p. 86-87).

Não existia na Grécia (Atenas) uma diferenciação entre direito público e privado, no entanto dentro do direito processual se encontra uma diferenciação quanto à forma de mover uma ação. Assim, existia a ação pública e a privada. Enquanto a ação pública poderia ser feita por qualquer pessoa que se sentisse prejudicada pelo Estado a ação privada era feita por uma determinada pessoa contra outra, ou seja, somente entre as partes envolvidas.

O direito grego era formado por tribunais compostos por cidadãos comuns. O mais conhecido era o tribunal da Heliaia (Sócrates foi julgado por este) formado por pessoas comuns, julgavam diferentes causas tanto públicas como privadas. Os membros deste tribunal eram sorteados anualmente e recebiam salário pelos seus serviços. Todos os acusados deveriam se defender sem auxílio de alguma figura jurídica, como um advogado, por exemplo.  Por isso todos os atenienses faziam uso da retórica persuasiva para se proteger diante do tribunal. Com o passar do tempo foi permitido o auxílio de pessoas próximas aos acusados para ajudá-los. Nesse ínterim surgiu a figura do logógrafo (profissional da retórica), que tinha por função: “[...] escrever para seus clientes um discurso que ele deveria recitar como se fosse de sua autoria. Suprimindo assim, sua própria personalidade e escrevendo um discurso o mais natural possível para o litigante cliente [...]. Além disso, o logógrafo não era um mero retórico. Devia ter considerável familiaridade com as leis e o processo.” (WOLKMER, 2007, p. 92-93).

 Percebe-se que Atenas era um modelo de Pólis, pois possuía leis e um sistema jurídico bem organizado, e todos os cidadãos poderiam participar das decisões políticas pertinentes a cidade. O ideal de cidadania era o comprometimento com as questões relativas ao bem-estar do coletivo. Deste modo, observa-se que o caráter jurídico de Atenas era democrático e permitia o acesso de todas as pessoas consideradas cidadãs nas decisões políticas. As mulheres, os estrangeiros e nem os escravos poderiam participar do espaço público, talvez por conseqüência de uma sociedade ainda assentada nos valores familiares vindos do mundo arcaico. Mas, em comparação com outras Pólis, Atenas era sim um modelo. Esta era tão democrática que o próprio Sócrates pôde por muito tempo falar em público tudo o que queria. Assim, Stone fala:

Onde quer que os atenienses se reunissem, tinham liberdade para ouvi-lo. Não havia KGB – nem FBI nem CIA, aliás – a grampear seu telefone para conhecer suas ideias. Embora instituições desse tipo já existissem em outras regiões da Grécia, em Atenas não havia nada semelhante. Esparta, conforme sabemos de várias fontes, tinha uma krypteia, isto é uma polícia secreta, que não apenas espionava os hilotas que “não conheciam seu lugar”, mas também assassinava os rebeldes e dissidentes potenciais que havia entre eles. (2009, 164).

O citado autor diz que nenhuma cidade era como Atenas, que respeitava o direito de todos poderem expressar suas ideias, assim ele até compara-a com Esparta, sendo esta uma cidade repressiva e mantenedora de órgãos de controle social. Portanto, a democracia em Atenas de fato existia e era direta, pois todos os cidadãos poderiam participar e deliberar na Ágora, entretanto, Sócrates não acreditava no ideal democrático, posto que às suas concepções de governo justo e bom estava relacionado com a sabedoria que o governante deveria possuir e não pela participação de todos. Assim, inicia o seu problema com Atenas.

A democracia em Atenas possuía as seguintes características: todos os homens nascidos livre eram cidadãos, os cargos públicos eram preenchidos por sorteio ou por eleição, para assim todos terem as mesmas oportunidades; todo cidadão tinha o direito de votar e de falar na assembléia onde as leis eram feitas e de participar dos tribunais que aplicavam e interpretavam essas leis. (STONE, 2005, p. 30).  Concomitante ao advento da democracia surge uma figura marcante que são os sofistas. Eles compreendiam o jogo da linguagem e trabalhavam com o seu valor, negavam a premissa de que toda verdade era absoluta, por conseqüência relativizavam a política ensinando-a para quem quisesse, pois sendo a linguagem um poder, os sofistas a utilizavam como convenção. Mediante a isso foram criticados por Sócrates, pois este acreditava nas verdades absolutas. “O verdadeiro conhecimento, ensinava ele, só podia ser atingido através da definição absoluta. Se não se podia definir um coisa absolutamente, então não se sabia exatamente o que ele era. Em seguida, Sócrates demonstrava que tal conhecimento era inatingível, até mesmo para ele”. (STONE, 2005, p. 61).

Para adentrar na acusação e no julgamento de Sócrates é importante entender o porquê de ele ter sido acusado e conseqüentemente condenado. Primeiramente se faz necessário ressaltar que Sócrates era contra a democracia, pois ele não acreditava que o conhecimento poderia ser atingido por todos, portanto defendia a ideia do governo dos melhores, isto é, uma monarquia construída com um governante sábio, que ergueria a base de uma sociedade ideal. Dessa forma, disseminava em toda a Atenas o seu pensamento e assim contrapunha de forma ferrenha a democracia e o poder estabelecido no regime democrático. Assim, ele foi acusado de corromper a juventude difundindo conseqüentemente, entre eles, o seu ideal de governo, ligado a virtude cívica. Deste modo, usava a interrogação e a ironia para ensinar os jovens a raciocinar e assim descobrir a verdade por si só. Sócrates se defende da seguinte forma se direcionando a Meleto:

 “[...] ou não os corrompo [os jovens], ou, se os corrompo, é sem querer, e em ambos os casos mentiste. E, se os corrompo involuntariamente, não há leis que mandem trazer aqui alguém, por tais fatos involuntários, mas há as que mandam conduzi-lo em particular, instruindo-o, advertindo-o; é evidente que, se me convencer, cessarei de fazer o que eu estava fazendo sem querer. Tu, em vez de orientar-me com teus ensinamentos, evitaste encontrar-me e instruir-me, não o quiseste; e me conduzes aqui onde a lei ordena trazer os que precisam de castigo e não de instrução.” (PLATÂO, 2005, p. 68).

Segundo Platão, Sócrates em sua defesa alegou que não corrompia os jovens, apenas os ensinava a raciocinar e a conhecerem a eles mesmos, ajudando-os a adquirir uma virtude cívica tornando-os melhores.

A segunda acusação feita a Sócrates foi que ele andava cultuando outras divindades, desconsiderando àquelas que existiam em Atenas. Quanto a essa acusação Sócrates se defende dizendo que os deuses que ele acreditava existiam sim, e que não corrompia a juventude com essas declarações, pois em alguns livros já se faziam considerações a respeito desses outros deuses, que poderiam ser facilmente acessados pelos jovens.

Deste modo Sócrates fala, quanto à acusação de não acreditar nos deuses o seguinte: “Creio, atenienses, mas do que crê qualquer um dos meus acusadores, nos deuses e por isso me confio a vós e à divindade para decidirem a meu respeito, da maneira que for mais vantajosa para mim e para vós” (PLATÃO, 2005, P.) Com isso Sócrates pensava a religião de forma diferente, ou seja, a religião verdadeira para ele era aquela em que os deuses não estavam em luta, em que os presságios permaneciam ambíguos, em que o divino se revelava por um aviso silencioso e assim lembrava aos homens a sua ignorância. A religião, portanto é verdadeira, porém de uma verdade que ela própria desconhece, verdadeira como Sócrates a pensa e não como ela se pensa. (Merleau-Ponty apud CHAUÍ, 2002, p. 206). Percebe-se que Sócrates não era contra a religião e sim que ele acreditava em deuses diferentes, defendendo desde já a sua liberdade de pensar de outra forma.

Em suma, entende-se que a insatisfação com a forma de governo ateniense foi um dos motivos cruciais que levou Sócrates a julgamento. E o medo de se quebrar a unidade político-governamental democrática ateniense fez com que os governantes aceitassem a acusação contra Sócrates por parte de Ânito, Meleto e Lícon, já que Sócrates, segundo os acusadores, tinha o poder de convencer as pessoas com que falava de se voltar contra o Estado.

3 JUSTIÇA: SÓCRATES VERSUS ATENAS

Sócrates era o mais sábio de todos os gregos, sua filosofia de vida tinha por escorço trazer à tona a verdade em sua essência. Acreditava que somente a ética poderia conduzir o homem ao seu fim último e este seria o bem, e que também, era igual à justiça. Para ele era inadmissível uma dupla verdade, isto é, só existia uma única verdade sendo assim a justiça era uma virtude, da mesma forma que o direito era uma virtude e se a primeira era uma verdade absoluta a segunda seguramente deveria sê-lo. Além do mais, Sócrates obedecia às leis de forma como nenhuma outra pessoa, pois ele acreditava que para haver uma coesão social era imprescindível que existisse uma autoridade que ditasse as regras a serem seguidas na pólis. Sobre o posicionamento de Sócrates perante as leis Bittar expõe:

 [...] Sócrates vislumbra nas leis um conjunto de preceitos de obediência incontornável, não obstante possam estas serem justas ou injustas. O direito, pois, aparece como um instrumento humano de coesão social, que visa à realização do Bem Comum, consistente no desenvolvimento integral de todas as potencialidades humanas, alcançável por meio do cultivo das virtudes. Em seu conceito, que nos foi transmitido pelos diálogos platônicos de primeira geração, as leis da cidade são inderrogáveis pelo arbítrio da vontade humana. (BITTAR, 2004, p. 70).

 Diante do exposto anteriormente, pode-se entender o porquê de Sócrates não ter resistido a sua pena, pois apesar dela ter sido injusta ele em nenhum momento relutou em aceitá-la, já que os seus ensinamentos diziam que o homem deveria ser justo acima de tudo. E o justo naquela época era aquilo que as leis ditavam, deste modo, Sócrates era obrigado a aceitar a injustiça cometida contra ele, pois o seu julgamento foi “justo” segundo os preceitos democráticos vigentes naquele momento.

 O grande debate acerca do julgamento de Sócrates está no tocante à acepção de justiça, pois sendo ele o maior sábio de toda a Grécia era contraditório que os próprios gregos o acusassem e o levasse a julgamento pelo fato de ele defender seu próprio senso de justiça. Não se tem nada escrito deixado por Sócrates assim, tudo que se sabe sobre esse filósofo é por meio de seus discípulos Platão, Xenofonte, Aristóteles etc. Que divulgaram o seu pensamento eternizando-o.

 Sobre ele, Xenofonte em sua obra “Apologia de Sócrates” inserida nos Memoráveis, descreve-o como um bom cidadão patriota, justo e piedoso. E que a inquietação de Sócrates está localizada na ética, na ânsia de trazer ao mundo a verdade. Posto que, para o filósofo aquele que conhecia o bem não realizava o mal. A “verdade” nesse sentido, seria igual à justiça, pois o bem na visão do filósofo era a justiça. O autor se ateve em entender o porquê de Atenas ter acusado e condenado injustamente o homem mais sábio da Grécia.

O julgamento de Sócrates ainda levanta muitas questões, entre elas está uma que é importante frisar. Por que ele foi condenado numa sociedade que disseminava em toda a parte o ideal democrático e tinha orgulho de dizer que respeitava a todos os indivíduos?   

Conforme já foi dito a democracia ateniense possuía características peculiares, os seja, somente algumas pessoas poderiam participar. Atenas era marcada pela oposição entre pobres e ricos, deste modo, pouca parcela da cidade era considerada cidadã, pois somente aqueles que tinham escravos para cuidar da sua casa, bens, etc. poderia fazer parte das decisões da cidade, já que ser cidadão demandava muito tempo. A democracia ateniense ainda estava engatinhando tanto é que duas vezes dentro do período democrático tentou-se instalar uma oligarquia, uma em 411 e a outra em 404.  Percebe-se que qualquer ameaça de se romper os laços democráticos em Atenas era ligeiramente calado. E foi isso que aconteceu com Sócrates, pois este falava coisas que poderiam por a democracia em questão, e os cidadãos – indivíduos privilegiados – não queriam ficar sem as regalias que seu título oferecia.

Atenas era uma cidade democrática baseada na isonomia (igualdade de direitos), isegoria (igualdade no falar) e isocracia (igualdade no poder), ou seja, todos os cidadãos tinham os mesmos direitos e se sentiam livres porque obedeciam às leis que eles próprios criavam. Assim, o justo se resumia em obedecer aquilo que estava posto. Mas é difícil enxergar que em meio a essa democracia existia uma desigualdade muito grande, pois em meio a uma população que perpassava a faixa dos trezentos mil habitantes somente trinta a quarenta mil participavam das decisões política, ou seja, eram cidadãos. (FERREIRA). Dessa forma, a maior parte da população não poderia se quer participar de alguma discussão de cunho social muito menos político. Além do mais, todos deveriam seguir as leis mesmo que elas fossem injustas, pois o ideal democrático era a obediência às leis.

Em contrapartida Sócrates acreditava numa justiça além do que estava posto, para ele o justo bem era chegar ao conhecimento e a verdade absoluta, ou seja, todas as pessoas tinham que aprender por si só o que era bom através da parturição das ideias. O homem deveria aprender o que é justo para assim poder contestar algo que não fosse justo. Mas o que ele fazia não era um crime como os seus acusadores diziam. Então porque aceitar a condenação?

Primeiramente Sócrates possuía um ética inabalável, assim ele pregava que o bem do coletivo deveria se sobrepor ao bem de um só. O fato de ele ter dedicado toda a sua vida num valor ético absoluto (a busca da justiça) fez com que sua decisão tomasse outros rumos. Isto é, ele não pagaria uma injustiça com outra injustiça, pois a partir do momento que o homem é integrado em uma comunidade ele deve obedecer às leis comuns a todos. Deste modo, o homem deve buscar a coesão social para atingir a harmonia. Assim Bittar explana que: “[...] a submissão de Sócrates à sentença condenatória representou não só a confirmação de seus ensinamentos, mas, também, a revitalização dos valores sócio-religiosos acordantes com os que foram à base da construção da própria cidade-estado grega, quando da transição de um estado gentílico ao político.” (2010, p. 108).

Portanto, Sócrates em vez de usar palavras emotivas para se defender, levou até o final da sua vida o legado da ética e da verdade. Pode-se verificar também a ética socrática em Xenofonte, quando ele diz que Hermógenes – amigo de Sócrates – perguntou: – “Não deverias, Sócrates, pensar em tua apologia?. Ao que lhe respondeu Sócrates: “Não te parece que lhe consagrei toda a minha vida? Aí Hermógenes pergunta-lhe: De que maneira? E Sócrates o responde: “Vivendo sem cometer a menor injustiça, o que é, a meu ver, o melhor meio de preparar uma defesa”. (PLATÃO, XENOFONTE, p. 107).

Deste modo, entende-se que Sócrates aceitou sua condenação, mesmo ela sendo injusta, porque o seu ideal de justiça era outro. E além do mais, se ele fosse absolvido teria se confirmado que a democracia era um instituto válido e sem falhas. Mas ele queria provar que a lei dos homens era falha e a democracia com aquelas características não era boa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em compêndio ao que foi abordado conclui-se que a Grécia clássica e mais especificamente em Atenas, a Democracia teve papel fundamental no tocante à política e o direito hodierno. O fato dos cidadãos deliberarem na Ágora como exercício da cidadania e a imposição da obediência às leis como forma de manter a coesão social fizeram com que até os nossos dias lembrássemos o período de ouro vivido em Atenas.

Com base nessa análise, pode-se afirmar que justiça, em suma, para Sócrates significa a virtude, ou melhor, o fim último que o homem de bem, que procura a verdade, deve alcançar, diferentemente, daquela preservada na Grécia em que a justiça se limitava à obediência às leis, mesmo que elas fossem “injustas”, motivo pelo qual Sócrates contestava, mas obedecia, e esta obediência teria o levado à morte.

A influência dos gregos antigos é percebida na evolução de seu direito, pois esse serviu de alicerce para o direito romano e também para as definições modernas de direito, e de práticas jurídicas. Essa influência teria se estendido no júri popular, na figura do advogado na forma embrionária do logógrafo,     na maneira de diferenciar o homicídio voluntário, involuntário e, legítima defesa, na mediação e a arbitragem, na gradação das penas em conformidade com a gravidade do crime e por último na retórica e expressão forense.

REFERÊNCIAS

BITTAR, E. C. B.; ALMEIDA, G. A. Curso de Filosofia do Direito. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2010.

CHAUÍ, Marilena. Introdução a História da Filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

FERREIRA, José Ribeiro. Atenas, uma democracia? Disponível em: < http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/2597.pdf>. Acesso em: 30 de mai. 2010.

PLATÃO. Apologia de Sócrates. São Paulo: Martin Claret, 2005.

PLATÃO, XENOFONTE. O Julgamento de Sócrates.

STONE, I. F. O julgamento de Sócrates. Tradução de Paulo Henrique Britto. São Paulo:  Companhia de Letras, 2005.

WOLKMER, Antônio Carlos (Org.). Fundamentos da História do Direito. 4.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

                              

 

 



[1] Elton Fogaça, Professor e Orientador.

[2] Acadêmicas do 2° período vespertino do Curso de Direito da UNDB.

[3] Ágora era o lugar em que os cidadãos atenienses se reuniam para arguir sobre o futuro da pólis.

4-pólis era a cidade-estado, onde se desenvolvia a sociedade grega.Esse termo teve sua origem quando os homens perceberam a necessidade de deliberar sobre a organização da sociedade,que se dá na pólis.marcado pela dicotomia ambiente privado(oikos) e ambiente público(pólis)