A criminalização do aborto no Brasil

Por intermédio da incriminação do aborto, procura-se proteger a vida. Portanto, uma questão é necessária, sobre a qual se pauta este trabalho: quando surge a vida para fins de proteção por meio da lei penal?

A vida tem início a partir da concepção ou fecundação, desde o momento em que o óvulo feminino é fecundado pelo espermatozoide masculino. (GRECO, 2012). “Contudo, para fins de proteção por intermédio da lei penal, a vida só terá relevância após a nidação, que diz respeito à implantação do óvulo já fecundado no útero materno, o que ocorre 14 (catorze) dias após a fecundação”. (GRECO, 2012 p. 226, grifo do autor).

Segundo o eminente criminalista Rogério Greco: “juridicamente, somente nas hipóteses de gravidez intrauterina é que se pode configurar o delito em estudo”. (GRECO, 2012, p. 227). Enquanto não houver a nidação, não haverá possibilidade de proteção a ser realizada por meio da lei penal. Dessa forma, afastam-se do raciocínio inúmeras controvérsias referentes ao uso de dispositivos ou substâncias que seriam consideradas “abortivas”, mas que não têm o poder de repercutir juridicamente pelo fato de não permitirem, justamente, a implantação do óvulo já fecundado no útero materno, como, por exemplo, com o uso de doses maiores de levonorgestrel, ou seja, “a pílula do dia seguinte”. (GRECO, 2012).

Para a lei penal, antes da nidação, a mulher ainda não se encontra no estado de gestação, portanto não há possibilidade de aborto, que pressupõe a gravidez; destarte, tem-se a nidação como termo inicial para a proteção da vida. De outro modo, a possibilidade do crime de aborto é encerrada com o início do parto, sendo a morte daquele que está para nascer considerados homicídio ou infanticídio, a depender do caso concreto. (GRECO, 2012).

O Código Penal pune, de forma diversa, dois personagens que estão envolvidos diretamente no aborto: a gestante e o terceiro que nela realiza as manobras abortivas. O aborto provocado, sendo este doloso, é o alvo da lei penal, haja vista que não houve previsão legal para a modalidade de provocação culposa do aborto, sendo acatado como um indiferente penal (GREGO, 2012).

De acordo com os artigos do Código Penal, no autoaborto (art. 124) a pena é de detenção, de 1 a 3 anos; no aborto provocado por terceiro, sem consentimento (art. 125), a pena é de reclusão, de 3 a 10 anos; no aborto consensual (art. 126), a pena é de reclusão, de 1 a 4 anos. Se a gestante for absolutamente incapaz, a pena do aborto consensual também será de 3 a 10 anos. Nas ditas formas “qualificadas”, as penas serão majoradas em um terço se a gestante sofrer lesão corporal grave e, duplicadas, se lhe sobrevier a morte.

As condutas acima previstas são manifestamente comissivas. Todavia, a prática do crime de aborto na modalidade omissiva também é possível. Num exemplo dado pelo criminalista Rogério Greco, no qual faz com que se imagine uma mulher grávida que, podendo evitar o aborto do seu filho dirigindo-se a um hospital para verificar um sangramento vaginal, não o faz com a intenção de abortar, o penalista afirma: “embora não tenha praticado qualquer manobra abortiva, deverá a gestante responder pelo crime de aborto, dada sua particular condição de garante.” (GRECO, 2012, p. 233, grifo do autor).

No crime de aborto, de acordo ainda com o insigne criminalista Rogério Greco: “o bem juridicamente protegido é a vida humana em desenvolvimento.” (GRECO, 2012, p. 230, grifo nosso). De forma secundária, em se tratando do crime de aborto não consentido (art. 125 do Código Penal) ou qualificado pelo resultado (art. 127 também do mesmo código), protege-se a vida e a incolumidade física e psíquica da mulher grávida.

No crime de aborto, o objeto material pode ser o óvulo fecundado (aborto ovular), se for praticado até os dois primeiros meses de gravidez; o embrião (aborto embrionário), se o aborto for perpetrado no terceiro ou quarto mês de gravidez; o feto (aborto fetal), se o crime for feito na ocasião em que o produto da concepção já alcançou os cinco meses de vida intrauterina ou os meses seguintes. (GRECO, 2012).

A ação penal, a exemplo de todos os crimes contra a vida, é pública e incondicionada; nem podia ser diferente, pois esses crimes atacam o bem jurídico mais importante do ser humano, que é a vida, tanto uterina quanto extrauterina, como se percebe de forma irrefutável. Nesses crimes, as autoridades devem agir ex officio.

Ao crime de auto aborto, ou mesmo na suposição de a gestante permitir que nela seja realizado o aborto (art. 124 do CP), foi cominada uma pena de detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos. Nos casos de aborto provocado por terceiro, para aqueles que o realizam sem o consentimento da gestante a pena será de reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) ano; se o delito é praticado com o consentimento da gestante a pena será de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

A gravidez se presume no crime de aborto, sendo indispensável que o feto esteja vivo, e que a morte dele seja resultado imediato de procedimentos abortivos. Somente com a morte do feto o crime se consuma (adequação típica). Como assevera Bitencourt, “pouco importa que a morte ocorra no ventre materno ou fora dele. É irrelevante, ainda, que ocorra a expulsão do feto ou que este não seja expelido das entranhas maternas”. (2007, p. 136).

No mesmo sentido, Bitencourt torna ainda mais inteligível o aborto ao dar como certo que “[...] É irrelevante a fase da evolução fetal em que o aborto é praticado, sendo igualmente indiferente o momento em que ocorre a morte do feto, se no interior do útero ou após a sua expulsão”. (2007, p. 136, grifo nosso).

Trata-se também de crime de forma livre, ou seja, qualquer meio ou comportamentos com a intenção abortiva podem ser utilizados para a consumação do aborto, desde que se produza o resultado desejado. Admite-se a forma de tentativa, desde que, a despeito da eficácia dos meios utilizados para o abortamento, não sobrevenha à morte do feto por circunstancias alheias a vontade do agente. (BITENCOURT, 2007).

Vale lembrar também que os atos meramente preparatórios são impuníveis (GRECO, 2012), de acordo com a regra prevista no inciso          II do artigo 14 do Código Penal, devendo o início da execução ser distinguido eficazmente daqueles atos.

O sujeito ativo no autoaborto e no aborto consentido (art.124) é a mulher gestante em particular. Somente quem está em gestação pode produzir em si próprio o aborto ou consentir que alguém lhe provoque, tratando-se, consequentemente de crime de mão própria.

O sujeito ativo no aborto provocado por terceiro, com ou sem anuência da gestante, pode ser qualquer pessoa, não se impondo qualidade ou condição especial para o ato. (BITENCOURT, 2007).

Já o sujeito passivo do crime, no caso de autoaborto e do aborto consentido (art. 124) é o feto ou o produto da concepção (embrião). A gestante também pode ser sujeito passivo no aborto sem o seu consentimento, provocado por terceiro. Neste esteio, percebe-se que o núcleo dos tipos do delito em tela, em suas já referidas variações, é o verbo “provocar” (BITENCOURT, 2007).

Exigem-se as seguintes circunstâncias jurídicas para a consumação do crime em questão: dolo, gravidez, manobras abortivas e morte do feto, ou o produto da fecundação.

O dolo é o elemento subjetivo do crime em questão. A mulher gestante tem que querer o resultado (dolo direto), ou assumir o risco (dolo eventual) de matar seu rebento.

O chamado “aborto econômico” também é muito comum no Brasil. Geralmente é praticado pela gestante que se encontra em condição de miserabilidade, e decide cessar a gravidez, suprimindo o produto da concepção, causando a morte do feto.

Este tipo de aborto tem sido o mote de alguns movimentos sociais para que haja a exclusão da culpa da gestante que comete tal ato sob essas condições. É crime e não há justificativa ou desculpa para o ato, com a finalidade de afastar a ilicitude ou a culpabilidade. (GRECO, 2012).

Maria Helena Diniz, estudiosa do biodireito, célebre e eminente Professora Titular de Direito Civil na PUCSP e autora de mais de quarenta célebres livros e artigos na área do Direito, classifica o aborto, de modo a tratar por inteiro o assunto, quanto ao seu objeto, causa, elemento subjetivo, finalidade, e enunciando, sob o prisma da lei, também, sobre o aborto eugênico. (DINIZ, 2002):

Quanto ao seu objeto, o aborto poderá ser: (a) ovular (se praticado até a 8ª semana de gestação); (b) embrionário (se submetido à operação cirúrgica até a 15ª semana de vida intrauterina, ou seja, até o 3º mês de gravidez); e (c) fetal (se ocorrer após a 15ª semana de gestação).

Em relação à causa que o provocar, o aborto classificar-se-á em: (a) espontâneo, se houver interrupção natural e não intencional da gravidez causada por doenças surgidas no curso da gestação, por péssimas ou precárias condições de saúde da gestante preexistentes à fecundação ([por exemplo,] sífilis (...)) ou por defeitos estruturais do ovo, embrião ou feto. (b) Ocasional, se inexistir qualquer propósito dirigido à interrupção do ciclo gravídico, provocada por um agente externo, como (...) um traumatismo (queda), sem que haja qualquer ato culposo, ou seja, negligência, imprudência ou imperícia. (c) provocado, se existir interrupção deliberada da gestação pela própria gestante ou por terceiro, com ou sem seu consentimento, mediante o concurso de causas extrínsecas ou de agentes externos, de ordem física, química ou mecânica, para atender a motivos terapêuticos, eugênicos, econômicos, morais, sociais, psicológicos etc., podendo ser, portanto, criminoso, ou “legal”. (...) (grifo do autor).

Quanto ao elemento subjetivo: (a) sofrido, se ocorrer sem o consenso da gestante, que não passará de vítima; (b) consentido, se provocado com a anuência da gestante, implicando agravante da pena se ela for menor de 14 anos, portadora de alguma deficiência mental (...). Além disso, se lhe advier morte, a pena duplicar-se-á e, se ocorrer lesão corporal grave, será aumentada de 1/3; e (c) procurado, se a gestante for o agente principal.

Ao classificar o aborto do ponto de vista da finalidade e sob o prisma da lei, a autora aproxima-se sensivelmente do foco desta pesquisa, o que acentua a relevância de tais afirmações para a discussão do tema. Segundo a doutrinadora (DINIZ, 2002):

No que atina à finalidade (...), o aborto este será: (a) terapêutico, se abranger duas modalidades: o aborto necessário, permitido por lei e praticado por médico, com ou sem o consenso da gestante, desde que não haja alternativa para salvar sua vida, que corre perigo, independentemente de autorização judicial ou policial; e o aborto para evitar enfermidade grave, ou seja, para impedir grave e iminente perigo para a saúde da gestante. (b) o sentimental, admitido por lei, por ter sido a gravidez resultante de estupro, desde que sua interrupção seja provocada por médico, com prévia anuência da gestante ou, se incapaz, de seu representante legal, independentemente de autorização judicial, uma vez comprovada à violência ou o delito sexual. (c) eugênico, ou seja, interrupção criminosa da gestação quando: houver suspeita de que, provavelmente, o nascituro apresenta doenças congênitas, anomalias físico-mentais graves, como microcefalia, mongolismo, demência precoce, e etc. É o tipo de aborto praticado com o objetivo de aperfeiçoar a raça humana, logrando seres geneticamente superiores ou com caracteres genéticos predeterminados para alcançar uma forma depurada de eugenia, que substitui o direito de procriar pelo de nascer com maiores dotes físicos. (d) econômico, se aniquilar criminosamente o feto sob alegação de que a gestante, ou o casal, não tem recursos financeiros suficientes para prover adequadamente o sustento e a educação desse filho, que, ainda, viria a agravar a situação econômico-familiar, lesando os demais filhos, que poderiam ficar na penúria. (e) estético, se a gestante interromper a gravidez por não querer ficar com o corpo disforme. (f) honoris causa, se, criminosamente, praticado por gestante para ocultar sua gravidez da sociedade, visando preservar a honra, evitar escândalo e manter sua reputação social. É comum em gestante, solteira ou adultera, que teve relações sexuais com outro homem na ausência do marido etc. e pode ser efetuado pela própria gestante ou por outra pessoa com o seu consenso.

Sob o prisma da lei, poderá ser o aborto: (a) legal, nos casos em que a norma legal extingue sua punibilidade, abrangendo o necessário e o sentimental; (b) criminoso, que consiste na interrupção, vedada por lei, da vida intrauterina normal, em qualquer de suas fases evolutivas, haja ou não expulsão do produto da concepção do ventre materno. Tal crime poderá ser doloso ou preterdoloso [..]. (DINIZ, 2002, p.32-34, grifo nosso).

Nota-se que não só os doutrinadores do Direito Penal tentam discorrer sobre o assunto, mas também os estudiosos do Direito Civil, uma vez que o ser humano, de alguma forma, é o objeto central do Direito Civil, estando acima de qualquer valor que pudesse justificar o tipo penal em questão, sobretudo em razão da dignidade da pessoa humana e do direito de nascer, o que mostra que referido crime recebe impressões de várias classificações.

A seguir, podem-se encontrar algumas decisões dos tribunais sobre o aborto e competência para julgamento, que são conforme a lei e merecem consideração, pois, como jurisprudências, evidenciam como a prática do aborto tem sido comum.

Na maioria dos casos é interessante que se note como os advogados de defesa tentam desconstituir a competência do Tribunal do Júri para julgar referidos crimes, pois crimes contra a vida em absoluto. Podem ser vistas algumas jurisprudências neste sentido, extraídas dos sítios dos Tribunais de Justiça pátrios:

CRIME DE ABORTO PROVOCADO COM CONSENTIMENTO DA GESTANTE. PRONÚNCIA. JÚRI. CONDENAÇÃO. Recurso de ambas as partes. Preliminares defensivas. Alegação de foro privilegiado em razão da acusada ter sido eleita vereadora. Inconstitucionalidade do artigo 161, IV, "d’, 3, da Constituição Estadual que criou prerrogativa de foro para vereadores. Arguição de inconstitucionalidade julgada procedente pelo órgão especial.

Com a leitura do trecho da ementa anterior, vale dizer, a título de acréscimo e explicação, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de não se conferir eficácia a dispositivo de Constituição Estadual que atribui competência penal originária a seus tribunais para processar e julgar ações instauradas contra seus agentes públicos, cujos semelhantes, no âmbito federal, não detenham prerrogativas de foro conferidas pela Constituição Federal de 1988.

E isto porque não é possível o estabelecimento de foro privilegiado a vereador por legislador estadual, uma vez que a Constituição Federal, como se sabe, não autoriza elaborar leis sobre matéria de competência processual-penal. Tal entendimento está superado diante da decisão proferida pela Segunda Turma do STF, no RE 464935/RJ. Retome-se a leitura da jurisprudência:

Alegação de inexistência de materialidade. Matéria a ser examinada com o mérito. Alegação de prescrição. Matéria decidida pelo juízo a quo. Preclusão. Alegação de inépcia da denúncia. Peça inicial acusatória que não contém qualquer vício. Alegação de nulidade em razão da quesitação. Ausência de impugnação no momento próprio. Não demonstração de prejuízo. Havendo recurso do ministério público visando aumentar a pena não se pode, a priori, falar em prescrição. Rejeição de todas as preliminares. Pedido de reforma da decisão dos jurados com base em alegações de fato. Impossibilidade. Soberania do júri desprovimento do recurso defensivo. Recurso ministerial visando aumentar a pena base e o reconhecimento da agravante do motivo torpe. Circunstância agravante referida na denúncia e na pronúncia e sustentada em plenário. Decisão que confunde a circunstância agravante do motivo torpe com a qualificadora do homicídio praticado mediante paga ou promessa. Pena base fixada de acordo com as circunstâncias judiciais favoráveis. Provado que a acusada cobrou determinada importância para proceder ao crime de aborto, impõe-se o aumento da pena. Recurso ministerial parcialmente provido. Reconhecimento, de ofício, da ocorrência da prescrição. (TJ-RJ; APL 2009.050.07401; Quarta Câmara Criminal; Rel. Des. Francisco Jose de Asevedo; Julg. 16/03/2010; DORJ 05/04/2010; Pág. 86)

Ademais, o tribunal do júri é protegido pelo princípio constitucional da soberania, só se admitindo a revisão de suas decisões quando forem estas manifestamente contrárias à prova dos autos. Percebe-se, in casu, que a defesa da ré pretendeu rediscutir matéria de mérito, já analisada pelos jurados de acordo com as provas.

Nos casos adiante, nota-se que a existência do crime pode ser comprovada não só pela materialidade atestada no laudo de exame de corpo de delito (cf. art. 158 do CPP), mas também por qualquer meio idôneo de prova admitida no direito, até porque o legislador admitiu, no art. 167 do Código de Processo Penal, que a prova testemunhal pode suprir a falta do exame de corpo de delito, se os vestígios desaparecerem. Além disso, para pronunciar o réu, basta o simples juízo de probabilidade de que tenha ocorrido um crime, à vista dos indícios de autoria e materialidade, como se percebe nos seguintes casos. Veja-se:

HABEAS CORPUS PREVENTIVO. PACIENTE PRONUNCIADO POR ABORTO COM O CONSENTIMENTO DA GESTANTE. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL. ALEGAÇÃO DE INOCÊNCIA E DE FALTA DE PROVAS DA PARTICIPAÇÃO DO PACIENTE NO REFERIDO DELITO. INCURSÃO PROBATÓRIA INCOMPATÍVEL COM O MANDAMUS. INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. O trancamento de Ação Penal por meio de Habeas Corpus, conquanto possível, é medida de todo excepcional, somente admitida nas hipóteses em que se mostrar evidente, de plano, a ausência de justa causa, a inexistência de elementos indiciários demonstrativos da autoria e da materialidade do delito ou, ainda, a presença de alguma causa excludente de punibilidade. 2. Na hipótese, afirmado pelo Magistrado condutor do feito, decisão posteriormente confirmada pelo Tribunal a quo, que a materialidade restou comprovada pelas provas periciais e testemunhais, bem como que há suficientes indícios de que o ora paciente participou do crime com os demais corréus, a pronúncia era de rigor, competindo ao Tribunal do Júri a decisão definitiva sobre a alegada inocência do acusado, por ser questão que envolve ampla investigação probatória, insuscetível de ser realizada neste mandamus. 3. Parecer do MPF pela denegação da ordem. 4. Ordem denegada. (Superior Tribunal de Justiça STJ; HC 84.439; Proc. 2007/0130153-0; PA; Quinta Turma; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; Julg. 28/05/2008; DJE 04/08/2008).

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ABSSOLVISSÃO SUMÁRIA OU DESCLASSIFICAÇÃO PARA O ABORTO. BASEADO NA FALTA DE PROVAS SUFICIENTES. INADMISSIBILIDADE. BASTA MERO JUÍZO DE PROBABILIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. 1. Para pronunciar, basta o mero juízo de probabilidade de que tenha ocorrido um crime, à vista dos indícios de autoria e materialidade. 2. Nessa fase processual vigora o princípio do in dubio pro societate e não do in dubio pro reo. Para que não subtraia o acusado de seu juízo natural. O Tribunal do Júri.". (TJ-TO; RSE 1834; Rel. Des. José Liberato Costa Póvoa; Julg. 30/03/2006)

Ademais, vale mencionar que se tem verificado a prática do delito de depósito e venda de medicamento propriamente abortivo. A doutrina não fala deste crime, no entanto a jurisprudência trata o crime como formal. De outro modo, note-se:

HABEAS CORPUS. PACIENTE PRONUNCIADO PELO CRIME DO ART. 273, § 1º. B, I E V DO CPB (DEPÓSITO E VENDA DE MEDICAMENTO SEM REGISTRO E DE PROCEDÊNCIA IGNORADA), CONEXO AO DELITO DO ART. 124, CAPUT DO CPB (ABORTO PROVOCADO PELA GESTANTE). ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE EXAME PERICIAL NO MEDICAMENTO INDICATIVO DA POTENCIALIDADE LESIVA DO PRODUTO. DESNECESSIDADE PARA A CONFIGURAÇÃO DO CRIME PELO QUAL O PACIENTE FOI PRONUNCIADO. CRIME FORMAL. ABORTO DEVIDAMENTE COMPROVADO POR LAUDO PERICIAL NO NATIMORTO E NA GESTANTE. CONFISSÃO DOS ACUSADOS NA FASE JUDICIAL. SENTENÇA DE PRONÚNCIA DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. PARECER MINISTERIAL PELA DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM DENEGADA. 1. O paciente foi pronunciado pela prática do delito de depósito e venda de medicamento sem registro e de procedência ignorada. Assim, despiciendo qualquer exame pericial para comprovar a sua potencialidade lesiva, uma vez que se trata de delito formal, que se satisfaz com a venda, exposição à venda, depósito, distribuição ou entrega a consumo de produto sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente, incidindo ainda, no inciso V, caso o produto seja de procedência ignorada. 2. O aborto foi devidamente comprovado pelo exame pericial do natimorto e da gestante, sendo relevante anotar que todos confessaram os seus respectivos crimes na fase judicial. 3. Firmada a competência do Tribunal do Júri, não pode o Magistrado sentenciante dele subtrair o conhecimento dos crimes conexos. 4. Ordem denegada, em consonância com o parecer ministerial. (Superior Tribunal de Justiça STJ; HC 100.502; Proc. 2008/0036351-5; SP; Quinta Turma; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; Julg. 18/02/2010; DJE 29/03/2010) CP, art. 273 CP, art. 124 (grifo nosso).

Perceba-se, in casu, que a intenção do agente era vender remédio abortivo, apesar de alegar uma suposta falta de lesividade do medicamento, como se isso tivesse a prerrogativa de livrá-lo do crime previsto no art. 273, § 1º- B, I e V do Código Penal Brasileiro. Trata-se da vontade do agente, presumida de seu próprio ato, portanto o crime se considera consumado independentemente do resultado.

Bibliografia

 

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial, volume 2. 7. ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume II: introdução à teoria geral da parte especial: crimes contra a pessoa. 9. ed. Niterói: Impetus, 2012.

DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 2. ed. aum. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-01-2002) São Paulo: Saraiva, 2002.