Marianna Rebecka Guimarães Bezerra, Mel dos Santos Trindade e Victor José Oliveira Vidigal 

Sumário: 1 Introdução, 2 Família segundo a Constituição Federal de 1988, 3 União Estável como entidade familiar, 4 Dissolução e Sucessão na União Estável: Direitos e Deveres dos Companheiros; 4.1 Súmulas e Jurisprudências, 5 Conclusão. Referências


RESUMO

Relata-se que mesmo com a consolidação da Constituição Federal de 1988, vigente há 22 anos, ainda não há um entendimento unânime no que diz respeito aos efeitos que a união estável, entendida como entidade familiar pela literatura constitucional, produz aos companheiros. Buscando por meio da doutrina e jurisprudência postular uma reflexão a cerca das decisões proferidas pelo judiciário brasileiro no que concerne ao advento da união estável e seus efeitos.

PALAVRAS-CHAVE

Constituição, União Estável, Sucessão


1. INTRODUÇÃO


A união estável é um tema que vem se discutindo, de forma que o entendimento de que somente uma família unida com o casamento representaria uma família com direitos defendidos pela Lei se modificou, e hoje as relações extramatrimoniais são cada vez mais frequentes na realidade brasileira. Isto levou o Estado a tomar a providência de oferecer proteção a esta nova família.
Tal advento nos leva a um questionamento, o casamento constitucionalmente delimitado assegura os direitos dos cônjuges caso haja a dissolução da união, na união estável que já se tornou uma prática recorrente no seio da sociedade e como assegurar os direitos dos parceiros sem que sejam reconhecidos pelo Estado?
O presente trabalho visa encontrar um caminho de acordo com o entendimento doutrinário e jurisprudencial a cerca do assunto que busque compreender de que forma o Estado vem versando a cerca da união estável, passando pelo conceito de família nos moldes da Constituição Brasileira de 1988, assim como o próprio conceito de União estável culminando nos seus efeitos aos companheiros principalmente no que diz respeito a dissolução e a sucessão patrimonial e extrapatrimonial dos casais que vivem sob este molde.

2. FAMÍLIA SEGUNDO A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.

A constituição de 1988 nasce após um período histórico vivido pela sociedade brasileira marcado pela ditadura e pela supressão dos direitos sociais dos cidadãos, em que esta com o intuito de impossibilitar que algo tão cruel como a ditadura se legitime novamente no campo político brasileiro preocupou-se em resguardar os direitos sociais "ouvindo" o povo na criação deste novo ordenamento.
Os direitos fundamentais tiveram suas bases na doutrina francesa, todavia esta indicava o pensamento cristão e a concepção dos direitos naturais como principais fontes das Declarações de Direitos . O pensamento cristão e a moralidade defendida pela sociedade fez com que o texto constitucional buscasse proteger aquele que entende-se como sendo um dos principais pilares da formação social: A FAMÍLIA.
Atendendo ao momento histórico e atrelado aos princípios fundamentais que agora passavam a reger a carta magna a CF/88 visava resguardar o princípio da dignidade humana, passando a estender o conceito de família assegurando garantias a todos os membros constituintes desta relação sendo estes frutos de casamento ou não.
O constituinte normatizou algo que já era recorrente na sociedade já que a família é um fato natural e o casamento uma solenidade. Em seu artigo 226 a Constituição define família como base da sociedade e reconhece especial proteção do Estado a ela, esta dispõe ainda em seus parágrafos 3º que para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e mulher como entidade familiar. Tepedino faz referencia ao assunto:

"verifica-se, do exame dos arts. 226 a 230 da Constituição Federal, que o centro da tutela constitucional se desloca do casamento para as relações familiares dele (mas não unicamente dele) decorrentes; e que a milenar proteção da família como instituição, unidade de produção e reprodução de valores culturais, éticos, religiosos e econômicos, dá lugar à tutela essencialmente funcionalizada, à dignidade de seus membros".


A nova redação constitucional nos direciona a uma tipicidade aberta em que a família deixa de ser a entidade restrita ao casamento e passa a abranger o objeto de estudo deste trabalho, a união estável.

3 UNIÃO ESTÁVEL COMO ENTIDADE FAMILIAR

A união estável consiste no vínculo entre homem e mulher, configurado pela convivência pública, contínua e duradoura e estabelecido com objetivo de constituir família, conforme versa o artigo 1.723 do Código Civil de 2002. Para Vilaça união estável seria:

"União Estável é a concivência não adulterina nem incestuosa, duradoura, pública e contínua, de um homem e de uma mulher, sem vínculo matrimonial, convivendo como se casados fossem, sob o mesmo teto ou não, constituindo, assim, sua família de fato".



Maria Helena Diniz propõe ainda a presença de elementos essenciais para a formação do fenômeno da união estável, são eles: A diversidade de Sexo, Ausência de matrimônio civil válido e de impedimento Diversidade de sexos; (excepcionado o inciso VI do art. 1521 do CC/02),notoriedade de afeições recíprocas, honorabilidade, reclamando uma união respeitável entre os parceiros, fidelidade ou lealdade entre os amantes, coabitação, uma vez que o concubinato deve ter a aparência de casamento, e a colaboração da mulher no sustento do lar.
Deriva-se do conceito do código civil o condicionamento para o entendimento daqueles que podem constituir a união estável, por exemplo os os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil, os afins em linha reta, o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante não podem configurar união estável ainda que convivam juntos.
A primeira regulamentação a respeito da união estável veio com a publicação da Lei 8.971/94 que definiu o casal como "companheiros" e estipulou que a união devia ter no mínimo 5 anos, ou, ter prole para configurar união estável. Logo depois veio a Lei 9.278/96 que abrangeu o conceito considerando-a como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua e homem e mulher.
o Código Civil de 2002 inseriu a União Estável em seu livro de Família equiparando-a com o casamento nos termos do artigo 1.723 CC/02. Atualmente tem se entendido que não importa o tempo da união mas sim os outros aspectos que a configuram.
O Código Cívil de 2002 dispõe ainda em seu artigo 1.694, que, além dos parentes e cônjuges, podem também os companheiros pedir uns aos outros alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação finda união.
4 DISSOLUÇÃO E SUCESSÃO NA UNIÃO ESTÁVEL: DIREITOS E DEVERES DOS COMPANHEIROS

A dissolução da União Estável pode ocorrer por morte de um dos conviventes, pelo casamento destes, pela vontade das partes, pelo rompimento da convivência. A dissolução irá gerar consequências aqueles que dela faziam parte, tais como o dever de alimentos, a guarda dos filhos, além da partilha de bens.
O dever de alimentos é regulado pela Lei 9.971/94, esta regula ainda a questão sucessória das uniões estáveis. Pelo advento da Lei garantiu-se o direito de participar da sucessão aberta, seja como usufrutuário, seja como herdeiro, vindo em terceiro lugar na ordem da vocação hereditária.
A Lei 9.278/96, estabeleceu a igualdade de direitos e deveres entre os conviventes, impôs, ainda, o direito real de habitação ao companheiro sobrevivo, relativamente ao imóvel destinado à residência da família, levando em conta, sobretudo, o comprometimento emocional e amoroso que se manteve naquele lar, as lembranças e toda a história de vivência familiar.
Acerca de partilha de bens o art. 1.725 do Código Civil de 2002 estabelece que "na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens". A lei aplica-se caso não esteja estipulado em contrato entre os conviventes o regime em que baseia-se a união.
Havendo bens a serem divididos com o fim da união os conviventes devem propor uma Ação de Reconhecimento e Dissolução de União Estável junto a vara de Família, nela deve ser mencionados todos os fatos pertinentes a relação.
Carlos Alberto Menezes de Direito dispõe que as uniões estáveis devem ser tratadas na esfera familiar e não na esfera cível, pois com a regulamentação estas não podem ser mais análogas as sociedades de fato.

"[...]o tratamento de todas as questões relativas à união estável deve ser nas varas especializadas de família, não mais nas varas cíveis. Com isso, também, estão superadas tanto a necessidade da prova do esforço comum, como a indenização por serviços domésticos. No primeiro caso é de ser reconhecida a comunhão de bens adquiridos na sua constância e, no segundo caso, deve ser facultado o pensionamento."



Luiz Augusto Gomes Varjão resume o entendimento acerca da sucessão "A obrigação entre os companheiros decorre do dever de assistência, que é obrigação de fazer. Esse dever, após a dissolução da união estável, transforma-se, em razão dos vínculos de socorro que é obrigação de dar. Não pode exigir assistência material quem não foi solidário, isto é, na teve responsabilidade mútua ou interesse recíproco."
4.1 SÚMULAS E JURISPRUDÊNCIAS

Diante as considerações expostas no presente artigo, dispomos assim o entendimento dos egrégios Tribunais a respeito do fenômeno da União Estável e dos direitos Sucessórios oriundos desta.

"União estável ? Requisitos ? Convivência sob o mesmo teto ? Dispensa ? Caso concreto ? Lei nº 9728/96 ? Enunciado nº 382 da Súmula/STF ? Acervo fático-probatório ? Reexame ? Impossibilidade ? Enunciado nº 7 da Súmula/STJ ? Doutrina ? Precedentes ? Reconvenção ? Capítulo da sentença ? Tantum devolutum quantum apellatum ? Honorários ? Incidência sobre a condenação ? Art. 20, §3º, CPC ? Recurso provido parcialmente.
Não exige a lei específica (Lei nº 9728/96) a coabitação como requisito essencial para caracterizar a união estável. Na realidade, a convivência sob o mesmo teto pode ser um dos fundamentos a demonstrar a relação comum, mas a sua ausência não afasta, de imediato, a existência da união estável. Diante das alterações dos costumes, além das profundas mudanças pelas quais tem passado a sociedade, não é raro encontrar cônjuges ou companheiros residindo em locais diferentes. O que se mostra indispensável é que a união se revista de estabilidade, ou seja, que haja aparência de casamento, como no caso entendeu o acórdão impugnado. Seria indispensável nova análise do acervo fático-probatório para concluir que o envolvimento entre os interessados se tratava de mero passatempo, ou namoro, não havendo a intenção de constituir família. Na linha da doutrina, ?processadas em conjunto, julgam-se as duas ações (ação e reconvenção), em regra, na mesma sentença, que necessariamente se desdobra em dois capítulos, valendo cada um por decisão autônoma, em princípio, para fins de recorribilidade e de formação de coisa julgada?. Nestes termos, constituindo-se em capítulos diferentes, a apelação interposta apenas contra a parte da sentença que tratou da ação, não devolve ao tribunal o exame da reconvenção, sob pena de violação das regras tantum devolutum quantum apellatum e da proibição da reformatio in pejus. (...)"
(STJ ? 4ª T.; Resp nº 474.962-SP; Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira; j. 23/09/2003; v.u.)

Cuida-se de ação de reconhecimento de união estável post mortem e consequente dissolução ajuizada pela recorrente em face dos herdeiros do de cujus. Na ação, ela alega ter mantido relacionamento pelo período de 30 anos, de 1970 até 2000, ou seja, até a data do falecimento do aludido companheiro. Salienta que dessa união advieram quatro filhos. Ressalta que trabalhou como sua secretária pessoal, relacionamento profissional que se transformou em afetivo, culminando com o nascimento dos filhos. Acrescenta que o companheiro separou-se judicialmente da primeira mulher em 1983, ano em que reconheceu a paternidade dos filhos. Por sua vez, os netos, na contestação, alegaram que o avô nunca viveu em união estável com a autora, e sim em concubinato impuro, visto que nunca se separou de fato da primeira mulher. Embora separados, conviviam como se fossem casados, dividindo o teto conjugal, que nunca se desfez. O Min. Relator (em voto vencido) dava provimento ao recurso, entendendo que a ausência de coabitação não constitui motivo suficiente para obstar o reconhecimento de união estável. A Min. Nancy Andrighi, em seu voto vista divergente, mas vencedor, destacou que a declarada ausência de comprovação da posse do estado de casados, vale dizer, na dicção do acórdão recorrido, a ausência de prova da intenção do falecido de com a recorrente constituir uma família, com aparência de casamento, está intimamente atrelada ao fato de que, muito embora separados judicialmente, houve a continuidade da união dele com a primeira mulher, pois permaneceram juntos até a morte do cônjuge varão, o que vem referendar a questão, também posta no acórdão impugnado, de que não houve dissolução do casamento válido, ponderando-se, até mesmo, a respeito do efetivo término da sociedade conjugal, porque notória a continuidade da relação, muito embora não formalizado pedido de retorno ao status de casados. Nos termos do art. 1.571, § 1º, do CC/2002, o casamento válido não se dissolve pela separação judicial, apenas pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio. Por isso mesmo, na hipótese de separação judicial, basta que os cônjuges formulem pedido para retornar ao status de casados. Já, quando divorciados, para retornarem ao status quo ante, deverão contrair novas núpcias. Esse entendimento, consagrado pela doutrina e jurisprudência, sob a vigência do CC/1916, apenas foi referendado pelo CC/2002, o que permite sua incidência na hipótese. Por fim, a Min. Nancy Andrighi entendeu que a relação mantida entre o de cujus e a recorrente era despida dos requisitos caracterizadores da união estável. Dessa forma, na hipótese de eventual interesse na partilha de bens, deverá a recorrente fazer prova, em processo diverso, de eventual esforço comum. Diante disso, a Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, negou provimento ao recurso. (REsp 1.107.192-PR, Rel. originário Min. Massami Uyeda, Rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/4/2010).




5 CONCLUSÃO


Observadas as mudanças no comportamento da sociedade o legislador percebeu a necessidade de regular a União Estável. Diante do exposto contasta-se que o objetivo principal do legislador além ed regular uma questão aberta na sociedadeera proteger o instituto da família.
Tal advento é ratificado nas palavras de Fachin no sentido de que é "inegável que a familia, como realidade sociológica, apresenta, na sua evolução histórica, desde a familia patriarcal romana até a familiar nuclear da sociedade industrial contemporânea, ítima ligação com as transformações operadas nos fenômenos sociais" .
Destarte entende-se que mesmo não estando totalmente unânime o entendimento jurisprudencial e doutrinario no que dispõe a respeito da união estável, a legislação vem caminhando de forma consistente para regular os direitos sucessórios dos companheiros oriundo desta entidade familiar.

REFERÊNCIAS

? ANDRADE, Rita de Cássia. União Estável e a sucessão do companheiro sobrevivente à luz do novo Código Civil. Tese de Mestrado apresentada a Universidade Federal de João Pessoa em agosto de 2008.
? AZEVEDO, Álvaro Villaça. União Estável. Artigo publicado na revista do advogado nº 58. SP: AASP. Março/2000. Acesso em 25 de maio de 2010.
? DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Vol. 5. Direito de Família. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
? DIREITO, Carlos Alberto Menezes. Da união estável. In: ___ O direito na década de 1990: novos aspectos. São Paulo. Revista dos Tribunais, 1992.
? FACHIN. Luís Edson. Comentários ao Novo Código Cívil: Do direito de Família, do direito pessoal, das relações de parentesco. vol. 18 ed. 01. Brasil: Forense, 2003.
? ROBERT, Jacques. Libertés réligieuse et le régime des cultes. Paris: PUF, 1977.
? TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil, pg. 349 Rio de Janeiro: Renovar, 1999.
? VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. União estável ? requisitos e efeitos. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999.
? VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil, Direito das Sucessões, 3ª ed. Atlas editora, São Paulo SP.