Os crimes sexuais, em especial aqueles contra crianças, por sua natureza vil e cruel, tendem a chamar a atenção da sociedade de forma mais intensa do que outros tipos de delito. Por conseqüência necessária, não raro discutem-se penas mais gravosas para esses crimes, cada vez mais instigadas pelo clamor social e pela mídia.
É nesse contexto que surge o debate acerca da castração química. Preliminarmente, impende que esclareçamos o que é castração. Esta consiste, conforme o Dicionário Médico, na "anulação da função ovariana ou testicular através da extirpação destes órgãos ou por inibição farmacológica", isto é, pode ter natureza física (extirpação dos órgãos) ou química (inibição farmacológica).
Para AGUIAR (2007), a castração química consiste na aplicação de hormônios femininos com o intuito de diminuir o nível de testosterona no criminoso sexual.
A seu turno, HEIDE (2007), ao analisar as bases científicas da castração química, faz um apanhado da evolução desse método, desde a injeção de uma substância que destruiria as válvulas que controlam a entrada e saída do sangue do pênis, impedindo sua ereção, até a mais aceita atualmente, que é a aplicação do medicamento Depo-Provera (acetato de medroxyprogesterona), que inibe a produção de testosterona, causando a redução do apetite sexual compulsivo dos criminosos sexuais.
A título de esclarecimento, HEIDE (2007) ainda revela os efeitos colaterais provenientes da aplicação do Depo-Provera, que são depressão, diabetes, fadiga crônica, alterações na coagulação sanguínea, dentre outros.
Se a discussão acerca da castração química é, relativamente, recente, o mesmo não se pode dizer da utilização da castração como castigo no decurso da História, bastando citar que na Antiguidade esse era um método de humilhação aos vencidos em guerras. ZAFFARONI e PIERANGELI (2005) citam a castração na China e no Egito Antigo como punição para o estupro. COMPARATO (apud GRECO, 2005) faz referência à castração de condenados por crimes sexuais em algumas legislações ocidentais. Já no início do século XX, era usada com o intuito de "purificação", tornando vários tipos de criminosos estéreis (AGUIAR, 2007).
Dito isso, é necessário que se faça uma abordagem da evolução histórica da pena, não sem antes conceituá-la. SHECAIRA e CORRÊA JÚNIOR (2002) aduzem que a pena criminal deve ser entendida como conseqüência jurídica da infração penal, considerando-se como limite a dignidade da pessoa humana.
Assim, ao considerar o viés histórico do tema, ensina GRECO (2005):

" (...) a partir do século XVIII (...) é que foram iniciadas as maiores transformações no que diz respeito à qualidade das penas. No final do século XVIII e início do século XIX, começa a haver uma modificação da postura adotada, onde o corpo do condenado é que tinha que sofrer pelo mal por ele produzido. (...) Começava, portanto, a transição das penas aflitivas, corporais, para a pena privativa de liberdade. Mesmo em se tratando de penas privativas de liberdade, o princípio da dignidade da pessoa humana, que deve orientar toda a atividade legislativa do Estado, não poderá deixar de ser observado."

Analisando os ensinamentos dos doutrinadores acima percebemos a referência ao princípio da dignidade da pessoa humana, que é fundamento da República Federativa do Brasil, insculpido no inciso III do art. 1º da Carta Magna. Daí deriva a proibição, imposta pela Constituição Federal, no inciso XLVII do art. 5º, de penas de morte (à exceção dos casos de guerra declarada); de caráter perpétuo; de trabalhos forçados; de banimento e cruéis.
Nesse diapasão, não há como desconsiderar a controvérsia causada pela castração química, a qual, embora não tenha caráter perpétuo, atinge fisicamente quem a ela se submete. Diante disso, é necessário fazer, mais adiante, uma criteriosa análise constitucional de uma possível aplicação dessa técnica no Brasil, considerando, uma vez mais, os princípios constitucionais supra mencionados.
O contexto de insegurança, a violência desmedida e os crimes cada vez mais atrozes fazem com que a sociedade em geral cobre dos legisladores atitudes mais rígidas, especialmente no tange ao recrudescimento das penas. Em virtude disso, parlamentares, no afã de dar respostas ao corpo social, acabam propondo alterações na legislação infraconstitucional e até mesmo na Constituição Federal.
Exemplo disso é a Proposta de Emenda Constitucional nº. 590, de 1998, da Deputada federal Maria Valadão, a qual alterava a redação da alínea "e" do inciso XLVII do art. 5º da CF/88, que passaria a prever o seguinte:
Art. 5º. (...)
(...)
XLVII - não haverá penas:
(...)
e) cruéis, exceto castração, através da utilização de recursos químicos, para autores reincidentes específicos de crimes de pedofilia com estupro.
Parágrafo único. A relação de parentesco com a vítima agrava a pena para aplicação sumária, independente de reincidência.

Cite-se, ainda, o Projeto de Lei nº. 7.021, de 2002, de autoria do Deputado Federal Wigberto Tartuce que previa a "castração através de recursos químicos" como pena para os crimes de estupro e atentado violento ao pudor (os quais, à época, ainda eram tipificados em artigos diferentes). Assim, para o deputado, todos os criminosos sexuais deviam ser submetidos, indistintamente, ao método. Este projeto foi arquivado em 2004, após passagem pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Em 2007, o Projeto de Lei do Senado nº 552, do Senador Gerson Camata, propôs o acréscimo do art. 216-B ao Código Penal, para cominar a pena de castração química nas hipóteses em que o autor dos crimes tipificados nos arts. 213 (estupro), 214 (atentado violento ao pudor), 218 (corrupção de menores) e 224 (presunção de violência) fosse considerado pedófilo, conforme o Código Internacional de Doenças. Mais uma vez cabe a ressalva de que em 2009, através da Lei 12.015, o art. 224 foi revogado e os crimes de estupro (art. 213) e atentado violento ao pudor (art. 214) foram fundidos, sendo as condutas, agora, tipificadas apenas pelo art. 213.
Ainda quanto ao último projeto de Lei, após apresentação de relatório na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), pelo senador Marcelo Crivela, com o posicionamento pela aprovação mediante emendas, foi solicitado pelo senador Flávio Arns o encaminhamento do projeto à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, sem que tenha sido ainda analisado.
As citadas ressalvas mudam substancialmente o Projeto de Lei, tirando-lhe o caráter de total obrigatoriedade. Em suma, o projeto reformulado propõe que o condenado poderá se submeter, voluntariamente, a tratamento químico hormonal de contenção da libido, durante a liberdade condicional, sem prejuízo da pena aplicada. Ademais, prevê que, se o condenado voluntariamente se submeter à intervenção cirúrgica de caráter definitivo, poderá ter extinta sua punibilidade, a critério do juiz. Seguindo, há a determinação de que, durante o período de privação de liberdade, o condenado será submetido a tratamento de efeitos análogos à castração química, cujos resultados constituirão condição para a realização ou não desta, ou seja, a castração química deve ser aplicada como última opção a abusadores que não apresentarem melhoras com o uso de outras drogas e psicoterapia, de acordo com o Senador Marcelo Crivela. Em caso de reincidência, uma vez beneficiado pela liberdade condicional, o criminoso seria obrigado a se submeter ao método.
Por fim, a última tentativa de implementação da castração química teve à frente a Deputada Marina Magessi, através do Projeto de Lei nº 4.399 de 2008. Nele, além de acrescentar ao Código Penal o crime de pedofilia, por meio do art. 223-A, a Deputada propunha a castração química em duas situações. A primeira condicionava a progressão de regime e o livramento condicional à assinatura de um termo de ajustamento de conduta em que os condenados se comprometeriam a se submeter a um tratamento psiquiátrico, estando cientes da castração química em caso de eventual reincidência, tendo caráter facultativo, portanto. A segunda situação, já com caráter obrigatório, ocorria nos casos de reincidência, a qual implicaria a administração de castração química, acompanhada por junta médica oficial, que elaboraria laudos periódicos sobre a receptividade do organismo do condenado quanto aos hormônios inoculados, sem prejuízo da aplicação concomitante das demais sanções penais.
A Presidência da Câmara dos Deputados devolveu este projeto por julgá-lo inconstitucional. Contra esta decisão, a Deputada recorreu, por meio de recurso que ainda não foi analisado.
Se as tentativas brasileiras não foram frutíferas, o mesmo não pode se fizer quando analisamos o tema em sede de Direito Comparado. Destaque-se a experiência nos Estados Unidos, onde, segundo SCOTT e HOLMBERG (2003) a castração química tem sido prevista nos códigos penais de nove estados. Na maioria dessas leis, o pedido de liberdade condicional dos criminosos sexuais é condicionado à aceitação de submissão ao método em comento.
Seguem os autores dizendo que, em 1996, a Califórnia foi o primeiro estado norte-americano a autorizar o uso da castração química para alguns casos de crimes sexuais, como condição para os criminosos reingressarem na sociedade, sendo interessante ressaltar que as emendas propostas pelo Senador Marcelo Crivela, acima comentadas, foram inspiradas quase que totalmente no Criminal Code californiano.
Os estados de Geórgia, Montana, Oregon e Wisconsin admitem a utilização apenas da castração química. Já os estados da Califórnia, Flórida, Iowa e Louisiana admitem a castração química e, até mesmo, a castração cirúrgica voluntária dos criminosos sexuais. Por fim, o estado do Texas admite como única opção de tratamento a castração cirúrgica.
Além da experiência estadunidense, é interessante ressaltar que, segundo DA ROSA (2010), na Grã-Bretanha a castração química é facultativa, pois se o condenado se nega a submeter-se ao tratamento, permanece preso. Na França, por sua vez, foi apresentado, em 2007, um projeto de lei em que há a previsão de submissão de condenado a crime sexual ao tratamento de castração química, à revelia de seu consentimento, se aprovado por uma junta de três médicos. Se a pena de restrição de liberdade for cumprida antes do final do tratamento, o preso seria obrigado a comparecer a centros de tratamento para análise de níveis hormonais. No México, o Partido Revolucionário Institucional propôs a castração química de condenados por crimes de estupro, lenocínio, pornografia infantil, entre outros. O Projeto prevê a submissão a tratamento de castração química a cada seis meses e a criação de um centro de tratamento médico e psicológico, bem como uma base de dados de infratores.
Na Itália o detento que aceitar o tratamento ganha o benefício de cumprir a pena em prisão domiciliar. Contudo, se a medicação for interrompida, o condenado volta à prisão. Ainda na Europa, a Polônia também autoriza o uso da castração química. Na Alemanha, a lei que a previa foi declarada inconstitucional pela Corte Constitucional. Recentemente, a Coréia do Sul aprovou uma lei que autoriza os juízes a sentenciarem agressores sexuais adultos, cujas vítimas tenham menos de 16 anos, a serem diagnosticados como pessoas com desvios sexuais e sejam submetidos à castração química. Também em Mendonza, província argentina, a castração química foi aprovada neste ano.
Com base no que foi exposto, não nos resta dúvida que a castração química desperta acaloradas discussões. Não podia ser diferente, considerando todos os valores em questão. Menos duvidosa ainda é a constatação de que essa técnica, cada vez mais, é uma tendência mundial, variando, vez por outra, na forma de aplicação.
É essencial que recorramos, de início, às normas que fazem referência ao contexto ora discutido, quais sejam: a vedação à tortura e a tratamento desumano ou degradante (CF, art. 5º, III); a proibição, já citada neste trabalho, de penas de morte (à exceção dos casos de guerra declarada), de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis (CF, art. 5º XLVII, a-e); a garantia aos presos do respeito à sua integridade física e moral (CF, art. 5º, XLIX); a afirmação de que o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral (CP, art. 38); a imposição a todas as autoridades do respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios (Lei 7210/84 ? Lei de Execução Penal); dentre outras, que, mesmo indiretamente, tem relação com o assunto.
O presente trabalho não tem por escopo ? e nem poderia ? fornecer soluções legislativas, nem tampouco afirmar se a castração química é ou não a solução para os crimes sexuais, em especial aqueles cometidos contra crianças, alvos, como vimos, de quase todas as legislações que permitem o uso de inibidores do apetite sexual.
Entretanto, não podemos rechaçar, de plano, a castração química. Há dados, fornecidos por AMLIM (2008), de que a reincidência reduz de 75% para 2% para aqueles condenados que se submetem ao tratamento com a Depo-Provera. Essa informação não deve justificar o uso indeterminado e indiscriminado da castração química, mas não pode, de forma alguma, ser desconsiderado.
Resta claro, ao nosso sentir, que qualquer projeto de lei que obrigue o condenado à castração química vai, frontalmente, de encontro à Constituição, já que o método repercute sobre o físico de quem a ele se submete. Em sentido contrário, não vislumbramos nenhuma óbice à castração química, desde que o condenado para ela consinta, tendo de ciência de todos os efeitos colaterais do medicamento. Desta forma, o método estaria de acordo com os princípios da proporcionalidade e da individualização da pena. Há, ainda, outro ponto interessante: o tratamento, com inibição farmacológica, não tem caráter perpétuo, o que vedado por nossa Carta Magna.
Nesse sentido, AGUIAR (2007) aduz:
"A pena tem várias finalidades, dentre as quais se destacam a ressocialização do condenado e a prevenção geral de crimes. Por mais imperfeita que seja, a pena privativa de liberdade é o meio mais eficiente e humano que a civilização conseguiu, para a repressão e a prevenção de crimes.
(...)
Porém, já foi visto que a castração química como pena encontra óbices constitucionais intransponíveis. Inclusive em países com legislação penal bem mais rigorosa, como os Estados Unidos, a questão gera profundos questionamentos.
Além disso, a "ressocialização" do criminoso sexual depende fundamentalmente de sua força de vontade, que deve ser amparada por um consistente tratamento psicológico. A junção desse fator com a castração química pode trazer efetivos avanços na recuperação dessas pessoas.
A alternativa que respeitaria os direitos constitucionais do condenado e colaboraria com a diminuição dos crimes sexuais seria transformar a castração química em um direito. "
Corroborando as brilhantes palavras acima transcritas, é importante que haja uma estrutura para que o tratamento seja implantado, incorporando profissionais das mais variadas especialidades (médicos, psicólogos, sexólogos etc.), já que nos parece ineficaz a simples aplicação dos inibidores sexuais, sem que haja um acompanhamento próximo dos condenados. Com isso, surge um problema, qual seja, o tratamento, em tese, tornar-se-ia dispendioso.
Os críticos mais ferrenhos da castração química alegam que com ela o princípio da dignidade da pessoa humana restaria fortemente afrontado. O que nos preocupa é a exacerbação desse princípio, no qual, por vezes, só se considera o criminoso. E o princípio da dignidade da pessoa humana analisado pelo viés das vítimas? Nesse diapasão, a castração química pode ser importante como medida profilática, evitando que novas vítimas venham a ser sexualmente abusadas. Assim, enalteçamos a segurança e a prevenção, em detrimento do revanchismo e da vingança, sempre considerando, por óbvio, as balizas constitucionais.