A BUSCA PELA VERDADE NAS RELAÇÕES PROCESSUAIS*

 

 

Vinícius Batista Ribeiro**

Yarah Marla Saraiva Rolim***

 

Sumário: Introdução; 1 O processo judicial: procedimentos, características e objetivos; 2 Michel Foucault e a busca pela verdade; 3 Verdade, relações sociais e processos jurídicos; Considerações Finais; Referências.

 

RESUMO

Este paper analisará a relação de dependência entre a verdade e o processo judicial, sendo este o meio mais eficaz usado para a obtenção daquele nas relações sociais. Através da perspectiva e estudos de Michel Foucault é possível uma análise mais profunda acerca deste tema, a necessidade de existir um procedimento para resultados mais justos e verdadeiros. A perspectiva de outros autores sobre essa relação também é relevante, embora nenhuma se distancie da visão do filósofo, ou seja, da utilização deste método para a compreensão do saber.

 

PALAVRAS-CHAVE: Processo jurídico. Verdade. Relações jurídicas. Michel Foucault

 

INTRODUÇÃO

            O processo jurídico é a prática sócio-jurídica mais próxima da busca pela verdade, visto que parte ao encontro da justiça. Para Michel Foucault, a verdade compõe o sujeito das práticas sociais, corriqueiras ou cotidianas, e é através das relações jurídicas que o homem e a verdade se relacionam de forma subjetiva – aquele buscando o significado deste.

Michel Foucault foi o principal responsável pela preocupação na relação entre o homem e o conhecimento – processo e a verdade – e, principalmente, na sua importância para o campo jurídico e social. O processo judicial ultrapassa os limites da área jurídica e ganha importante papel nas relações sociais.

O saber – ou conhecimento – é, para Foucault, a principal fonte de poder, por isso somos forçados, pelo poder, a criar, buscar, e descobrir a verdade, ou seja, somos obrigados a agir em busca do poder, que se exprime através daquilo que é verídico.

 

1 O PROCESSO JUDICIAL: Procedimentos, características e objetivos

            O processo judicial é uma modalidade do campo do direito que busca resolver questões mandadas ao judiciário através de ações. Segundo Alexandre Magno Fernandes Moreira, procurador do Banco Central em Brasília e Professor de Direito Penal e Processual Penal da Universidade Paulista, o processo judicial é trilateral, ou seja, tem três sujeitos envolvidos, a acusação, a defesa e o juiz – que é imparcial. O processo se inicia a partir da acusação ou da defesa – é necessária a iniciativa por parte de uma delas –, e há uma produção da coisa julgada – o objeto de litígio.

            A imparcialidade do juiz é fundamento para que o processo seja considerado válido, por isso a Constituição Federal regula a ação dos magistrados através do artigo 95 garantindo a vitaliciedade – adquirida após dois anos de exercício –, inamovibilidade – prerrogativa de não serem removidos –, irredutibilidade de subsídios. Entretanto, veda o exercício de outra função senão a de magistrado, o recebimento de contribuições de pessoas físicas no decorrer de um processo, a fim de evitar relações senão as previstas em lei.

            Para o Professor Alexandre Magno Fernandes Moreira, as principais características do processo judicial são:

O caráter substitutivo da jurisdição, isto é, o juiz substitui as partes na aplicação do direito; a presença necessária de pedido do autor e sua eventual defesa por parte do réu; o direito de ação é dado a todo aquele que possa ter tido seu interesse atingido; o réu pode não só se defender diretamente, mas também argüir exceções (defesa contra o processo), como coisa julgada e litispendência; a sentença é o ato final do processo e se compõe necessariamente de relatório, fundamentação e dispositivo etc. (MOREIRA, 2005).

Quanto à classificação, o processo judicial pode ser civil, penal ou constitucional. No processo civil a principal característica é tratar, principalmente, de questões de direito privado, enquanto no direito penal o foco é o direito público. E o processo constitucional trata-se da compatibilidade das normas à Constituição, tornando-o mais restrito a órgãos competentes, sem o envolvimento de outrem.

Em análise ao objeto de litígio, há três formas de andamento de processo, como o processo de conhecimento, processo cautelar e processo de execução. No primeiro, o processo inicia graças à iniciativa das partes ao levar os fatos ao juiz. No processo de execução, o processo já está em andamento quando “alguém é levado a juízo para solver uma obrigação” (FARINELLI, 2010). O processo cautelar visa preservar o objeto de litígio, evitar que seja cometido algum dano de difícil reparação.

O processo judicial tem conteúdo de direito material, ou seja, pretende regular atos jurídicos previstos em lei através da solução de conflitos que são levados a juízo. Para Otacílio José Barreiros, professor de Teoria Geral do Processo na Faculdade de Direito de São Carlos e Promotor de Justiça aposentado, o juiz é um “diretor material” do processo, pois, por meio de sua imparcialidade e graças à concessão à prática de atos de direção material do processo, auxilia as partes no andamento do processo.

2 MICHEL FOUCAULT E A BUSCA PELA VERDADE

            Para Michel Foucault, em A verdade e as formas jurídicas, a verdade é um saber que nasce das práticas sociais, e compõe o sujeito dessas práticas. Ela é formada a partir de duas vertentes: uma que é corrigida – atualizada – a partir de novos dados, novas informações e outra que é a verdade formada a partir de certos parâmetros predefinidos.

            A verdade corrigida é o mais próximo da nossa concepção de verdade, atualmente, pois é mais relativa, muda conforme muda a ideologia da sociedade, conforme o tempo passa, o que era verdade antes, não é mais agora, como exemplo, a necessidade de mudança constante de textos normativos. Entretanto, há verdades quase imutáveis, essas têm a base mais firme, e são principalmente representadas por valores, pela moral e pela ética – tudo aquilo que é inerente ao ser humano.

            O conhecimento nasce a partir das relações de poder. Esther Maria de Sá Castelo, mestra em Filosofia e Teoria do Direito e Doutora em Ciências Jurídicas, analisa os questionamentos e teorias de Foucault a respeito da verdade, do conhecimento, do saber:

Foucault, levantando a questão da descontinuidade dos saberes, não propunha exatamente um conformismo, mas atesta que as mudanças bruscas, as precipitações em determinados momentos não correspondiam à maneira tranqüila e continuísta como normalmante se tratavam os saberes em prol da cientificidade. Deve-se, portanto, ater-se ao que prescrevem os enunciados e como são prescritos. Foucault reporta-se muito mais aos acontecimentos do que às estruturas simbólicas. (BRANCO, pág 13)

           

Para ele, a relação da verdade com o poder é uma: não há verdade sem discursos ou atos de poder, eles estão atrelados, "a verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder." (FOUCAULT,1982, p.13).

O advogado e cientista social Felipe Dutra Asensi afirma que “em vez de analisar o saber na direção das ideias, Foucault o analisa na direção dos comportamentos, das lutas, das decisões e das estratégias”. Segundo ele, Foucault analisa a maneira como se seguem os discursos de uns e de outros e o caminho percorrido por cada para se obter a verdade.

            Para Foucault, o conhecimento não faz parte da natureza humana, é uma invenção, não é instintivo, é contra- instintivo, é uma violação das coisas a conhecer e a não identificação delas ou com elas. Nietzsche diz, em A invenção (Erfindung), que é efeito dos instintos, não é de sua mesma natureza, porém fundamenta-se no confronto que há entre eles.

            Segundo Esther Maria de Sá Castelo, ele analisa a verdade através de cinco características: é fruto do discurso, há uma verdade política e outra econômica, apresenta-se de várias formas e é de grande consumo e propagação, é transmitida e controlada por aparelhos políticos e econômicos e é objeto de conflitos ideológicos (p. 14).

 

3 VERDADE, RELAÇÕES SOCIAIS E PROCESSOS JURÍDICOS

            Em vista dos conflitos sociais, os processos jurídicos seguem de modo a resolvê-los – ou evitá-los – de forma mais justa possível, ou seja, acompanhados da verdade. Os procedimentos presentes no processo jurídico estão de acordo com seus objetivos a serem alcançados, para obter êxito.

            A imparcialidade do juiz é essencial para a resolução dos casos, visto que a verdade é relativa, as circunstâncias e sujeitos são variáveis e as interpretações das normas são diversas. É preciso mais do que uma regulamentação expressa e constitucional para se regular as relações sociais.

            A verdade é imprescindível no andamento do processo e pode se apresentar por meio de provas, por esse motivo, “a investigação dos fatos, no processo de conhecimento, ocupa quase que a totalidade do procedimento e das regras que disciplinam o tema no Código de Processo Civil Brasileiro” (ARENHART, p. 1).

            Para o procurador da República, Sérgio Cruz Arenhart, a verdade está presente na correlação entre “um fato ocorrido na realidade sensível e a idéia que fazemos dele” (p. 2), e através dessa verdade, obtida no andamento de um processo, o juiz é capaz de aplicar a norma apropriada para o fato. Portanto, o juiz tem a função de conhecer o conflito de interesses das partes e elaborar uma norma a fim de solucioná-lo.

Quando um processo se inicia, ou seja, uma das partes leva os fatos ao juiz, e espera a manifestação do réu. Para formar certeza sobre a autenticidade dos fatos alegados por ambas as partes, o juiz os examina à luz das provas. Esse estudo deve ser minucioso e detalhado.

O problema da relação entre a verdade e o resultado do processo está na análise de alguns processualistas ao observarem que algumas formas de processo apenas oferecem uma “avaliação objetiva do material trazido a conhecimento do juiz pela iniciativa das partes” (LUNARDI, p. 178, 2007).

Entretanto, atualmente, a doutrina recomenda que o processo deva buscar a verdade real nas relações sociais por meio legais, ou seja, sem contrariar imperativos legais, limitando, assim, o andamento do processo. Essa limitação não pretende impedir a obtenção da verdade, apenas impõe limites que evitem “verdades” desnecessárias para o processo.

            CONCLUSÃO

            O processo judicial tem o objetivo de resolver conflitos entre o acusado e o acusador, porém, só é capaz de fazê-lo se obtiver a verdade a fim de conseguir uma sentença justa e verdadeira. É imprescindível uma análise detalhada para que haja uma resolução perfeita. O juiz deve ser imparcial, de modo que seus valores não influenciem sua decisão, e nem na análise das provas e dos fatos.

Michel Foucault teve um papel muito importante no estudo da relação entre o processo e a verdade em A verdade e as formas jurídicas, explicitando a forma subjetiva com que as duas se relacionam.

Nas relações processuais, apesar das diversas limitações, os fatos – e provas – direcionam a decisão do juiz. Não só é necessária uma análise em processos judiciais para a obtenção da verdade – que para Foucault é a fonte do poder –, em todos os tipos de relações deveriam ser feitos estudos e análises para decisões mais sábias, justas, verdadeiras e mais eficazes.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

A relação de poder e direito nas visões de uma visão das relações de poder e direito em Schimitt, Foucault e Pachukanis. In Revista Âmbito Jurídico. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/pdfsGerados/artigos/4728.pdf>. Acesso em: 28 fev 2012.

ARENHART, Sérgio Cruz. A verdade e a prova no Processo Civil. In Academia.edu. Disponível em: < http://ufpr.academia.edu/SergioCruzArenhart/Papers/143283/A_VERDADE_E_A_PROVA_NO_PROCESSO_CIVIL>. Acesso em: 22 abr 2012

ASENSI, Felipe Dutra. O rosto que se desvanece na areia da praia: homem, conhecimento e direito em Michel Foucault. In Revista Urutágua - revista acadêmica multidisciplinar. Paraná. 2006. Disponível em: < http://www.urutagua.uem.br/009/09asensi.htm>. Acesso em: 10 mar 2012

BARREIROS, Otacílio José. O papel do juiz no processo civil moderno. Disponível em: < http://www.justitia.com.br/artigos/2w2a27.pdf>. Acesso em: 20 abr 2012.

BRANCO, Esther Maria de Sá Castelo. Michel Foucault: saber-poder, método e verdade. Universidade Estadual do Piauí (UESPI). Piauí. Disponível em: <http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1222960301174218181901.pdf>. Acesso em: 10 mar 2012.

FARINELI, Jéssica Ramos. Classificação dos Processos. In InfoEscola – Navegando e Aprendendo. 2010. Disponível em: <http://www.infoescola.com/direito/classificacao-dos-processos/>. Acesso em: 20 abr 2012

FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro, Ed. Cadernos da PUC/RJ, 1974.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Organização e tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 1982.

LUNARDI, Soraya Gasparetto. A Verdade e a justiça constituem finalidades do processo judicial? In Revista Sequência. 2007. Disponível em: < http://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/15052/13722>. Acesso em: 25 mai 2012

MEDEIROS, Edmundo. Foucault e a invenção da verdade. 2010. Disponível em: <http://deusnagaragem.ateus.net/2010/09/22/foucault-e-a-invencao-da-verdade/>. Acesso em: 23 abr 2012

MOREIRA, Alexandre Magno Fernandes. A unidade do processo judicial. Direito Net. 2005. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/1946/A-unidade-do-processo-judicial>. Acesso em: 20 abr 2012