A ATIPICIDADE DA CONFISSÃO FALSA

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

Este artigo tem por objetivo analisar a conduta do réu que confessa falsamente ser autor de fato criminoso. Para tanto, serão apresentados posicionamentos que entendem ser necessária a aplicação de crime de perjúrio e outro que explicita não ser indispensável a confissão.

 

 

A CONFISSÃO FALSA E A SUA CONSTITUCIONALIDADE

 

Durante toda a persecução penal, faz-se necessário o respeito a preceitos constitucionais que balizam um devido processo legal. Destaca-se, neste artigo, o direito ao silêncio e ao devido processo legal.

Quando se fala do direito ao silêncio, tem-se a clara noção de que é um requisito exclusivo da defesa, a qual não se vê obrigada a produzir prova se não em virtude de lei que assim determinar. Porém, discute-se o fato de o réu não fazer uso desse direito e, pelo contrário, proferir argumentos durante seu interrogatório falseados, fantasiosos e mentirosos.

Até onde vai a defesa do réu e o prejuízo estatal em realizar a persecução penal baseando-se em fatos não verdadeiros? Sabe-se que um dos princípios norteadores do Processo Penal é o da verdade real, como fica a colisão deste princípio com o da liberdade, garantia do réu? Não seria o silêncio o limite da defesa? Ao mentir o réu não extrapola seu direito de defesa? Esses são os questionamentos que norteiam o presente artigo.

O momento do interrogatório é constituído ora como meio de prova, ora como meio de defesa. É o momento em que o acusado apresenta suas alegações quanto ao fato, esquivando-se da sanção e, ao mesmo tempo, produz elementos para a interpretação do juiz na busca pela verdade real, uma vez que as provas já apuradas podem se confrontar com as alegações do acusado (NUCCI, 1999).

Com isso o interrogatório apresenta notória necessidade de ser conduzido dentro das formalidades processuais penais, e principalmente constitucionais. A seguir, serão apresentados posicionamentos que versam sobre a limitação ou não do réu em mentir, proferindo falsa confissão.

            A preocupação quanto à confissão advém do direito à liberdade e principalmente da atenuação da pena durante a dosimetria. O réu tem a opção de confessar a autoria do crime materializado e a partir disso ser a ele concedida a redução da pena, como prevê o artigo 65, inciso III, alínea d do Código Penal.

 

Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena (...)

d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime;

 

Nucci (1999) conceitua ser a confissão um ato de admissão de autoria de um fato criminoso, tendo quem a realiza discernimento mental de forma voluntária, expressa, com redução a termo das declarações, sendo essa realizada perante a autoridade competente em ato solene e público. Guimarães (2007) completa esse conceito ao dizer que o ato de reconhecer a responsabilidade em crime que lhe é atribuído deve ser declarado.

A prerrogativa que o Código Penal garante ao réu que confessa é um requisito utilizado pela defesa como forma de beneficiar a aplicação da pena. Entretanto, por uma questão interpretativa dos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, existe uma dificuldade quanto à legalidade do réu realizar uma confissão falsa, se dizer autor de um fato criminoso sem que seja.

A Constituição Federal, de 1988 (CF/88) e o Código de Processo Penal (CPC) garantem ao réu o direito de se manter em silêncio e de dizer ser o onus probandi do Estado, como acusador. Encontram-se presentes nos seguintes artigos:

 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)

        Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.

 

Percebe-se que o artigo 5° da CF/88 não obriga o réu a falar a verdade, uma vez que não há nenhuma lei que assim determine. Entretanto, Nucci (1999) entende que se o réu confessa falsamente autoria de crime, se descoberto, deve o juiz absolve-lo e posteriormente processa-lo por crime de perjúrio.

A condução dos processos hoje no Brasil parte do pressuposto de que o acusado sempre mente, a verdade pertence somente ao juiz e tudo que as partes trazem para o processo é questionável pelo juiz. Nesse sistema, o juiz busca a verdade real, tendo poderes de investigação. Assim, se uma pessoa não disser a verdade já construída pelo juiz no processo penal, pode significar que não se sente arrependido – por conseguinte, está mentindo (FERREIRA, 2010).

            Por uma questão histórica, a figura da confissão ganhou caráter relativo, uma vez que a busca da verdade nunca pode limitar-se a uma confissão. Outros indícios e provas devem ser consoantes com a confissão. Durante o período militar no Brasil, fez-se uso de tortura para que houvesse a confissão, uma vez que esta era indispensável. Entretanto, com a CF/88 passou-se a ter uma maior garantia a direitos fundamentais, sendo um destes o silêncio.

Consta no CPC, nos seus artigos 197 a 200, que a confissão é meio de prova para a condenação do acusado, mas, por si só, não há possibilidade da constatação da verdade do fato, uma vez que existe a possibilidade de uma falsa confissão, sendo, neste caso, ao réu imputada sanção de pena de detenção de três meses a dois anos, ou multa, previsto no art. 341 do Código Penal Brasileiro (BRASIL, 2009). Nesse sentido, há divergência entre as doutrinas, uma vez que, não colhendo seu juramento pela verdade, constitucionalmente é garantido ao réu o direito de mentir em seu interrogatório e, por outro lado, não se poderia haver conduta caracterizada como um atentado contra a dignidade e a administração da justiça.

 

CAPÍTULO IV

DA CONFISSÃO

        Art. 197.  O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância.

        Art. 198.  O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz.

        Art. 199.  A confissão, quando feita fora do interrogatório, será tomada por termo nos autos, observado o disposto no art. 195.

        Art. 200.  A confissão será divisível e retratável, sem prejuízo do livre convencimento do juiz, fundado no exame das provas em conjunto.

 

Porto (1996) menciona que a linha de pensamento constitucional defende que a norma brasileira não encontra fundamentos legais para punir aquele que tenha faltado com a verdade, uma vez que, diferente das testemunhas, ao acusado não se toma o juramento do compromisso de dizer somente a verdade, assim permitindo-lhe o direito de prestar declarações falaciosas.

Villa (1982, p.89) trata a confissão como um ato que não deve ser considerado todo verdadeiro ou todo falso. Os motivos desta afirmativa são demonstrados em sua obra, cuja justificativa diz que “frequentemente o acusado, forçado a confessar, procura, pelo menos, melhorar sua posição, introduzindo circunstâncias falsas em acontecimentos verdadeiros”.

 

CONCLUSÃO

            Como previsto no ordenamento jurídico, a confissão é um meio de prova, mas que o juiz não deverá valorar de forma isolada das demais, pois não é uma prova absoluta.

Antecipando às penalidades da falsa confissão, importante é a busca pela verdade real dos fatos e da autoria, capaz de promover sanções ao verdadeiro autor por uma decisão justa.

O Estado, fazendo o uso correto dos meios investigativos que visem à arrecadação de material probatório, não se limitará a uma confissão do réu como único meio de convicção de autoria e materialidade. Durante o interrogatório, tanto inquisitivo, quanto judicial, deverá usar as falas do réu como meio de colocá-lo em contradição, demonstrando sua intenção de mentir. Assim, o juízo terá conhecimento das verdadeiras intenções do réu.

Quando réu extrapola o direito ao silêncio, relatando fatos e acontecimentos falsos, deve-se perceber que, com uma investigação e apuração bem realizada, suas falas só o comprometeram.

Assim, percebe-se a falta de necessidade de tipificar o réu em conduta de perjúrio, pois ele não profere juramento e a sua mentira só lhe causará perdas, sendo esta reconhecida pelo juízo.

 

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Código de Processo Penal. Código de Processo Penal. In: PINTO, A. L.; WINDT, M. V. S.; CÉSPEDES, L. Vade Mecum. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

 

FERREIRA, M. A. G. Investigação criminal pelo Ministério Público: para além da questão da (im)possibilidade. Revista da SJRJ, v. 17, n. 29, 2010.

 

GUIMARÃES, D. T. Dicionário Técnico Jurídico. 9. Ed. São Paulo Rideel, 2007.

 

NORONHA, E. M. Curso de direito processual penal. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 1995.

 

NUCCI, G. S. O valor da Confissão como meio de prova no processo penal. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.

 

PORTO, H. A. M. Júri. 8 Ed. São Paulo: Malheiros, 1996.


VILLA, E. A. Psicologia Judiciária. Paraná: Editora Sebo Líder, 1982.