A ADOÇÃO DA LEI MODELO DA UNCITRAL PRA REGULAR OS CASOS DE FALÊNCIA TRANSNACIONAL [1] 

Evandro Antonio V. de Moura Filho

Ítalo Gabriel Pereira dos Santos

João Pedro[2]

José Humberto Gomes de Oliveira[3] 

RESUMO 

Este artigo tem o escopo de abordar a repercussão jurídica dos casos de falência transnacional, analisando-se a sistemática da cooperação internacional nos processos que envolvem empresas com patrimônio localizado em diferentes Estado. Além disso, serão demonstradas as vantagens de um eventual adoção, pelo Brasil, da lei modelo UNCITRAL.

Palavras-chave: Falência Transnacional; Cooperação Internacional; UNCITRAL.

INTRODUÇÃO 

Observa-se que, com o processo de globalização e consequente intensificação do comércio transnacional, surge a necessidade de criação de mecanismos para garantir a certeza e segurança das relações jurídicas internacionais. Nesse sentido, o presente trabalho aborda um tema de grande relevância na atualidade: falência transnacional.

No primeiro capítulo, será analisada a questão da competência no direito brasileiro internacional privado, demonstrando como se dá a fixação de critérios de competência na legislação interna, além de como se aplica a homologação de sentença estrangeira no país em caso de processos internacionais.

Já no segundo capítulo, tratar-se-á sobre a competência dos tribunais brasileiros em matéria falimentar, visto que a depender do critério adotado pelo Brasil, uma filial de sociedade estrangeira instalada no país poderá ou não ser decretada falida em decorrência de um processo de falência aberto no exterior, onde se localiza a sede ou matriz. Além disso, ainda neste capítulo, ver-se-á que alguns países já adotam um sistema de cooperação internacional para que processos abertos em diferentes países se desenvolvam como um conjunto harmônico.  

E, por fim, no terceiro, intitulado de adoção da lei modelo uncitral pelo brasil para regular os casos de falência transnacionais, será aborado de forma conceitual e de contextualização historica e normativa, a Lei Modelo da UNCITRAL, como lei de arbitragem comercial internacinal, demostrando como se aplica em ambito internacional e tambem em ambito nacional. Uma questão importante e que será analisada ao longo do capítulo é a de que se houve a implementação do escopo normativo da Lei Modelo no Brasil e se ela é utilizada, sendo demonstrada e exemplificada em caso prático.

 

1 JURISDIÇÃO BRASILEIRA NO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

É possível dividir em duas categorias as regras gerais tratadas do Código de Processo Civil, sendo elas, as absolutas e as relativas. Sendo permitidos apenas as de competência relativa à modificação pelas partes. Sendo vedado modificações em se tratando de competência absoluta. Somente a incompetência absoluto poderá ser reconhecida de oficio pelo juiz, conforme a sumula 33 do Superior Tribunal de Justiça, tendo em vista que a primeira constitui objeção processual, matéria pública, que pode ser reconhecida pelo juiz, como dito, ou alegada pela parte, a qualquer tempo. Já  a incompetência relativa deve ser arguida por exceção de incompetência, no prazo da contestação, sob pena de preclusão. Não sendo matéria de ordem pública não poderá o juiz reconhetériopce-la de oficio. (GONÇALVES, 2011, p. 95)

É possível ainda elencar critérios para a fixação de competência, sendo o primeiro critério o objetivo, o segundo, o processualista e o terceiro, territorial. Segundo Giuseppe Chiovenda (1965  apud  GONÇALVES, 2011, p. 97)

Extrai-se o critério objetivo ou do valor da causa (competência por valor) ou da nature- za da causa (competência por matéria)...O critério funcional extrai-se da natureza espe- cial e das exigências especiais das funções que se chama o magistrado a exercer num processo...O critério territorial relaciona-se com a circunscrição territorial designada à atividade de cada órgão jurisdicional.

 

O critério objetivo é determinado pelo Código de Processo Civil quanto ao valor atribuído à causa, ou pela matéria que será discutida no processo. A respeito desse critério leciona Marcus Vinicius Rios Gonçalves (2011, p. 97):

O Código de Processo Civil merece aqui uma crítica. Como já salientado, as suas normas prestam-se a apurar em que foro (comarca) uma determinada demanda deve ser proposta. O próprio Código menciona que um dos critérios por ele utilizados é o objetivo. Mas, se examinarmos as regras de competência neles contidas, verificaremos que nenhuma está fundada na matéria ou no valor da causa, porque o art. 91 estabelece que tais critérios deverão ser utilizados pelas normas de organização judiciária, para a fixação da competência do juízo. Ou seja, o CPC alude ao critério objetivo apenas para dizer que não o usará para a indicação do foro competente, pois ele servirá para que as leis de organização ju-diciária apontem o juízo competente. 

 

Dessa maneira nota-se que o valor da causa e a matéria não determinam onde a ação deve ser proposta, mas sim qual juízo competente.

Quanto ao critério funcional este abarca a competência hierárquica, determinando a competência dos tribunais, seja para o julgamento de recursos ou o julgamento de causas de sua competência originaria ou no caso de o processo dever ser distribuído em um determinado juízo por conta da ligação com outro processo, anteriormente distribuído a esse juízo (GONÇALVES, 2011, p. 98).

Já o critério territorial leva em conta, como o nome já diz, a localização territorial, seja do domicílio dos litigantes, seja a situação do imóvel que é disputado por eles. O Código de Processo Civil traz dois exemplos de utilização territorial, contidos nos artigos 94 e 95, sendo que o primeiro termina que a competência para o julgamento das ações pessoais é a de foro de domicílio do réu e o segundo, que o juízo competente para julgamento das ações reais sobre imóveis é o foro da situação (GONÇALVES, 2011, p. 98)

As normas de direito privado indicam qual o direito aplicável a uma relação jurídica de direito privado com conexão internacional. A doutrina moderna inclui as normas de direito processual civil internacional, em virtude do vínculo existente no objeto do direito internacional privado, se incluindo o direito falimentar no objeto de direito processual civil internacional lato sensu. O direito falimentar internacional trata basicamente da competência internacional e do direito aplicável em relação a procedimentos de insolvência com conexão internacional, assim como é reconhecido os procedimentos de insolvência pelo direito interno e da cooperação internacional entre autoridades judiciarias e equivalentes nesses procedimentos. Nota-se também ser muito comum no Brasil, quanto à jurisprudência, o reconhecimento de sentenças estrangeiras no Brasil, em se tratando de processos de insolvência abertas no exterior. (RECHSTEINER, 2012, p. 59-61)

Destaca-se também que o tribunal de arbitragem internacional é de grande relevância em se tratando de comercio internacional, pois percebe-se que quase noventa por cento de todos os contratos internacionais referentes a transações de comercio contêm uma clausula arbitral (RECHSTEINER, 2012, p. 61)

Segundo Orlando Celso da Silva Neto, há três vertentes para análise da jurisdição internacional. A primeira delas se dá quando da ocorrência de situações previstas no art. 88 do Código de Processo Civil. A segunda corrente quando de situações previstas no art. 89. Há ainda uma terceira situação, que é aquela existente quando o juiz nacional é provocado a se manifestar sobre situação em que sua competência não está legalmente prevista (SILVA NETO, 2003, p. 111).

Com base no direito internacional nenhum Estado está sujeito a reconhecer no seu território uma sentença proferida por juiz ou tribunal estrangeiro. Na prática os Estados costumam reconhecer sentenças estrangeiras desde que sejam cumpridos determinados requisitos legais na espécie. (RECHSTEINER, 2012, p. 307) Com relação a esses requisitos leciona Beat Walter Rechsteiner (2012, p. 307):

 

Normalmente não se examina-o mérito ou o fundo da sentença estrangeira, isto é, não é objeto de cognição da autoridade judiciária interna a aplicação correta do direito pelo juiz alienígena. A sentença estrangeira somente não será reconhecida quando ferir a ordem pública, violando os principios fundamentais da ordem jurídica interna.

 

Conforme o direito brasileiro a sentença apenas terá eficácia no país após ser homologada pelo Superior Tribunal de Justiça. Embora seja importante destacar que após a emenda constitucional 45 de 2004 a competência exclusiva para homologação de sentença estrangeira foi do Supremo Tribunal Federal. Com transferência da competência nesse âmbito para o Superior Tribunal de Justiça. Ressalta-se contudo que a homologação de sentença estrangeira cabe recurso extraordinário contra acordão proferido por esse tribunal perante o STF, cumprindo todos os pressupostos necessários de admissibilidade. A homologação de sentença estrangeira tem como principal objetivo o reconhecimento da eficácia jurídica da sentença estrangeira perante a ordem jurídica brasileira (RECHSTEINER, 2012, p. 313)

A respeito da jurisdição brasileira em se tratando de direito internacional privado é de suma importância destacar o principio fundamental  de que os tribunais e autoridades estatais desempenham suas funções somente nos limites do território do próprio Estado, salvo quando as autorizados, expressamente, por outro Estado para atuar em seu território. Dessa maneira se num procedimento judicial forem necessárias providências e diligências de fora do território nacional, será necessário que haja a cooperação das autoridades estrangeiras. Tal como acontece em caso de falências de empresas transnacionais. (RECHSTEINER, 2012, p. 334)

 

2 COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS BRASILEIROS EM MATÉRIA FALIMENTAR

 

Segundo Orlando Celso da Silva Neto, há três vertentes para análise da jurisdição internacional. A primeira delas se dá quando da ocorrência de situações previstas no art. 88 do Código de Processo Civil, que trata de competência concorrente. A segunda corrente quando de situações previstas no art. 89, incidindo competência exclusiva. E há ainda uma terceira situação, que é aquela existente quando o juiz nacional é provocado a se manifestar sobre situação em que sua competência não está legalmente prevista (SILVA NETO, 2003, p. 111),

As hipóteses listadas no art. 88 e 89 do CPC/73 não tratam especificamente sobre matéria falimentar. Dessa forma, ver-se-á como se dá a competência internacional dos tribunais brasileiros com relação à matéria falimentar. Sendo que alguns autores defendem a utilização de normas internas, enquanto outros recorrem a “princípios” para resolver tal situação. Nesse sentido, segundo Marcos Vinícius Torres Pereira, professor da UFRJ:

 [...] autores, com maior fundamento, falam em outras questões jurídicas na legislação comum que indicariam a competência internacional da autoridade brasileira, além das hipóteses previstas na legislação específica sobre competência internacional, ou seja, além do Art. 12 da LICC/42 ou dos Arts. 88 e 89 do CPC/73. Tratam-se de situações em que a competência internacional dos tribunais brasileiros derivariam de dispositivos da legislação comum sobre matérias específicas, entre as quais poderia estar a questão do foro falimentar [...] (PEREIRA, 2008, p. 9).

 

Em relação ao direito falimentar brasileiro, observa-se a consagração do princípio da territorialidade, ou seja, há a limitação dos efeitos da sentença declaratória da falência ao próprio país, além do reconhecimento da prioridade da justiça local, caso a pessoa jurídica estrangeira possua sucursal ou estabelecimento no país (STRENGER, 2005, p. 926).

Tanto é assim que a competência do juízo falimentar é estabelecida em função do local do principal estabelecimento, conforme art. 3° da Lei de Falências vigente:

 

Art. 3º. É competente para homologar o plano de recuperação extrajudicial, deferir a recuperação judicial ou decretar a falência o juízo do local do principal estabelecimento do devedor (leia-se empresário individual ou sociedade empresária) ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil.

 

Em se tratando de relações que envolvem empresas que desenvolvem atividades em diversos países, as chamadas multinacionais, devem ser enfocadas no âmbito do direito internacional privado. Porém, enquanto não vigorar convenção a respeito, prevalecerão as soluções locais, ficando afastada a possibilidade de reconhecimento de decisão de tribunal estrangeiro que venha a decretar falência ou deferir pedido de recuperação (STRENGER, 2005, p. 926).

Acredita-se, portanto, que a competência da autoridade brasileira não pode ser derrogada, sendo ela absoluta, ainda que o tribunal se considere competente devido à nacionalidade do devedor ou credor, ou se a sede da filial ou matriz estiver situada no estrangeiro (PEREIRA, 2008, p. 13).

 

2.1 A necessidade de cooperação internacional nos casos de falência transnacionais

 

As falências internacionais sempre foram motivo de debate acadêmico, desde o século XIX, entretanto, foi com a crise de petróleo na década de 70, que os efeitos da falência de empresas multinacionais mostraram com maior clareza as implicações transfronteiriças desse evento. Mas somente a partir da década de 90, que teve início um forte movimento de cooperação internacional entre juízes e tribunais, sobretudo em países como Estados Unidos, Reino Unido e Canadá, de tradição anglo-saxã (CAMPANA, 2011, p. 29).

A ideia dessa cooperação internacional é fazer com que os processos de falência, abertos em diferentes países, se desenvolvessem como um conjunto harmônico, já que o patrimônio de uma sociedade pode estar localizado em diferentes Estados. A busca por esse ideal de unicidade, também chamado de universalismo, ensejou a maior parte das reformas legislativas nessa matéria. Para Irineu Strenger (2005, p. 930):

 

A regra da unicidade do patrimônio da pessoa – natural ou jurídica – milita pela unicidade do processo. O princípio de igualdade entre credores sugere não considerar uma massa única e bens do devedor mesmo os situados em diversos países. O sistema dito universalidade da falência chama aplicação extraterritorial de uma lei única. Modernamente, a nacionalidade em préstimo à sociedade poderia influir sobre o regime dessa “falência” internacional.

           

Os tratados internacionais que regulamentam os efeitos da falência são numerosos. Mas podem ser classificados basicamente em três grupos. O primeiro que objetiva assegurar igualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros, concedendo os mesmo direito, benefícios e vantagens. O segundo que busca universalizar o juízo de falência, estabelecendo o regime da unidade entre os países. E por fim, aquele que aceita a universalidade dos bens móveis, porém conserva o critério territorialista para os imóveis (STRENGER, 2005, p. 925).

Em 1997, a ONU (Organização das Nações Unidas), com o fim de atender às demandas judiciais internacionais, resguardando-se as peculiaridades do direito interno de cada Estado, criou a “lei modelo” chamada “UNCITRAL”, que servia para a uniformização das normas sobre direito internacional privado que dizem respeito à falência. Essa lei será analisada em capítulo posterior foi adotada por diversos países como: Estados Unidos, Reino Unido, Japão, México, África do Sul, Coréia do Sul, Colômbia, Eslovênia, Sérvia, Grécia e Polônia.  (CAMPANA, 2011, p. 30).

Já na Europa, entrou em vigor no ano 2000, um regulamento comunitário tratando do assunto. Este trouxe regras mais específicas sobre direito internacional de falências, que determinam a abertura de um processo principal, onde se localiza o centro de interesses principais do devedor, e outros secundários, com jurisdição sobre o Estado em que se localiza um estabelecimento do devedor (CAMPANA, 2011, p. 30).

Vale ressaltar, que esses não são os únicos regulamentos sobre o tema, há outras iniciativas, como tratados e convenções internacionais, que contribuem para a proliferação desses tipos de normas.

O Brasil, contudo, não conheceu esse desenvolvimento. Apesar da Lei 11.101/05 ter alterado o panorama das reestruturações de dívidas no país, as disposições que tratam de competência jurisdicional resumem-se em um único artigo, o qual não trata de insolvência internacional. A última vez que essa matéria foi regulada no país foi no Código Bustamante de 1928 e no Código de Processo Civil de 1939; e ainda que haja disposições relativas à insolvência internacional, elas já estão obsoletas, pois não acompanham o desenvolvimento ocorrido nos últimos 30 (trinta) anos. Além disso, as normas genéricas, presentes na Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, não são amoldáveis às particularidades dos casos de falência (CAMPANA, 2011, p. 30).

     Segundo o doutor em direito comercial pela USP, Paulo Fernando Campana:

A falta de normas sobre insolvência internacional no Brasil revela uma importante lacuna a ser suprimida no sistema jurídico, eis que causa incertezas entre os agentes econômicos e atravanca a cooperação internacional salutar para a eficaz preservação de valor nas empresas.

 

Portanto, a adoção de normas sobre insolvência internacional seria uma medida benéfica para o Brasil, pois possibilitaria principalmente a maximização do ativo e o tratamento igualitário entre os credores pátrios e estrangeiro.

 

3. ADOÇÃO DA LEI MODELO UNCITRAL PELO BRASIL PARA REGULAR OS CASOS DE FALÊNCIA TRANSNACIONAIS

 

Com a globalização e as relações internacionais cada vez mais usuais e crescentes, surge como limiar a necessidade de uma regulação normativa que seja aplicada para ambos estados soberanos no qual participam da relação comercial, uma vez que o choque de normas cria um obstáculo para uma relação comercial pacifica, no qual a falta de uniformização cria não somente uma barreira para a pessoa jurídica, mas também para o estado soberano, eis que deixa de fomentar a economia nacional, afastando investimento que viriam a gerar emprego, renda, movimentação e circulação de capital .

Tendo este viés como ponto de partida, levanta-se esta abordagem para questionar o instituto da falência, quando recai sob empresas transnacionais[4], pois no momento que a sede quebra, as filias que estão espalhadas por numerosos países, por estarem também em um estado de insolvência, deverão aplicar a lei do estado de sua sede ou a do país que se localiza? Como o conflito de legislações é constante, criou a lei de arbitragem comercial.

Para que seja regulado, como se dará a falência nas filiais da empresa no qual está sucumbindo sob o mercado internacional, a ONU (Organização das Nações unidas) criou a Lei Modelo da UNCITRAL. Em suma, a ONU, com o objetivo de uniformizar e unificar o direito internacional comercial, instituiu a no ano de 1966 a UNCITRAL, sigla de United Nations Commission on International Trade Law (Comissão de Direito Comercial Internacional da Nações Unidas). (Lei Modelo da UNCITRAL)

Esta Comissão criada pela ONU teria a função de regular o comercio internacional, e neste passo elaborou a Lei Modelo da UNCITRAL, visando fornecer um modelo legislativo que atendesse as demandas comerciais internacionais, criando a lei modelo, que mostrou-se de grande relevância para a solução de questões complexas que norteiam as demandas e relações comerciais. (SANTOS, pag.02).

Em nota explicativa do Secretariado da UNCITRAL sobre a Lei Modelo sobre Arbitragem Comercial Internacional, coloca a lei modelo como uma base sólida reguladora para todos os Estados a qual a adotam.

 

A Lei Modelo constitui uma base sólida para a desejada harmonização e para o aperfeiçoamento das leis nacionais. Abrange todas as fases do procedimento arbitral, desde a convenção de arbitragem até ao reconhecimento e execução da sentença arbitral, refletindo um consenso universal sobre os princípios e questões relevantes da prática da arbitragem internacional. É reconhecida por Estados de todo o mundo com sistemas jurídicos e econômicos diferentes. Desde a sua adoção pela UNCITRAL, a Lei Modelo tem vindo a caracterizar o modelo legislativo internacionalmente aceitável de uma lei moderna sobre arbitragem e um número substancial de países tem promulgado leis sobre arbitragem baseadas nesta Lei Modelo. (Nota explicativa da Lei Modelo da UNCITRAL).

 

Neste sentido, a maneira como a lei foi elaborada, se torna um veículo de harmonização e de modernização, que vem a propiciar aos estados signatários desta lei modelo, com intuito de que estes Estados Soberanos, implementem em sua legislação os preceitos e determinações da lei modelo de forma mais fidedigna, para que o choque de legislações sejam suprimidos, com a uniformização normativa (lei modelo da UNCITRAL). A lei modelo da UNCITRAL, em notas explicativas preleciona sobre o problema da disparidade entre as leis nacionais:

 

8.Os problemas que emergem de leis inadequadas ou de ausência de legislação específica sobre arbitragem são agravados pelo fato de as leis nacionais divergirem de forma substancial. Estas diferenças são uma fonte frequente de preocupação na arbitragem internacional, onde, pelo menos, uma das partes é, ou ambas as partes são, confrontadas com disposições e procedimentos estrangeiros e desconhecidos. Obter uma descrição completa e precisa da lei aplicável à arbitragem é, em algumas circunstâncias, extremamente dispendioso, impraticável ou impossível. 9. A incerteza sobre a lei local, com o inerente risco de frustração, pode afetar de forma adversa o funcionamento do procedimento arbitral e pode ter impacto na escolha do local de arbitragem. Devido a tal incerteza, a parte pode hesitar ou recusar-se a concordar com um local que, por razões práticas, até seria considerado mais adequado. O conjunto de locais de arbitragem acessíveis às partes é assim alargado e os Estados que adotam a Lei Modelo veem o funcionamento regular dos procedimentos arbitrais reforçado, facilmente reconhecido, indo ao encontro das necessidades específicas da arbitragem comercial internacional e proporcionando um padrão internacional assente em soluções aceitáveis para as partes de sistemas jurídicos diferentes. (Nota Explicativa da Lei Modelo da UNCITRAL).

 

Portanto, fica evidente o quanto a disparidade entre as legislações se forma como barreira para que haja uma uniformização internacional. Por esta razão a Comissão da UNCITRAL, recomenda que a Lei modelo seja implementada da forma mais autêntica possível, para que a disparidade entre as leis não persista.

Diante do já exposto, em suma, a Lei sobre Arbitragem[5] Comercial Internacional, criou legislação que seja harmônica e uniforme, no qual um comitê de arbitragem irá julgar de forma imparcial o teor do conflito. A lei modelo define e elenca regras de interpretação no artigo segundo da mesma:

 

Artigo 2.º Definições e regras de interpretação

Para os fins da presente Lei:

 (a) “arbitragem” significa toda e qualquer arbitragem, quer sua organização seja ou não confiada a uma instituição permanente de arbitragem;

(b) “tribunal arbitral” significa um árbitro único ou um painel de árbitros;

(c) “tribunal estatal” significa uma entidade ou órgão do sistema judiciário de um Estado;

 (d) Quando uma disposição da presente Lei, com exceção do artigo 28.º, dá às partes liberdade para decidir determinada questão, esta liberdade compreende o direito de as partes autorizarem um terceiro, inclusive uma instituição, a decidir essa questão;

(e) Quando uma disposição da presente Lei se refere ao fato de as partes terem acordado ou poderem vir a chegar a um acordo sobre determinada questão, ou de qualquer outra forma se refere a um acordo entre as partes, tal acordo engloba quaisquer regras de arbitragem aí referidas;

 

Como determina a alínea “a” do artigo 2º, a arbitragem será confiada a uma instituição permanente, que será uma comissão internacional arbitral, para dirimir o conflito normativo entre estados soberanos. Sendo assim a partes irão dar permissão para que uma um terceiro, comissão imparcial venha a prover parecer e decidir sobre o conflito em questão.

Claro está portanto, que ao ser proferida uma sentença arbitral, será necessário que a sentença que vem a pacificar o conflito venha ser cumprida. Oportunamente determina a Lei modelo da UNCITRAL, no artigo 35, que dispõe sobre a execução de sentenças:

 

Artigo 35.º. Reconhecimento e execução

 (1) A sentença arbitral, independentemente do país em que tenha sido proferida, será reconhecida como tendo força obrigatória e, mediante solicitação por escrito dirigida ao tribunal competente, será executada, sem prejuízo das disposições do presente artigo e do artigo 36.º.

 (2) A parte que invocar a sentença ou pedir a respectiva execução deve fornecer o original da sentença ou uma cópia certificada. Se a sentença não estiver redigida em um idioma oficial do presente Estado, a parte fornecerá uma tradução devidamente certificada nessa língua.

 

Sendo assim, como dispõe a o artigo 35º, supracitado, ao ser proferida sentença será reconhecida como tendo força obrigatória, devendo ser cumprida e executada por ambos estados participantes de tal arbitragem.

 

3.1 Caso Prático

 Quando se faz uma introjecção da Lei Modelo a realidade brasileira, no contexto histórico, em uma tentativa de implementar uma cultura de arbitragem no Brasil, foi proferida a lei 9.307/96, que dispõe sobre o juízo de arbitragem, pondo um ponto inicial na arbitragem brasileira. Ao elaborar a lei 9.307/96, usou a lei modelo da UNCITRAL como espelho para que a implementação no Brasil (MARTINS, 2012).

Contudo, é de valiosa importância, salientar se o Brasil aplica ou não a Lei Modelo da UNCITRAL para dirimir conflitos internacionais no qual o Brasil é parte. Sim, o Brasil aplica esta lei modelo, na medida que tentou implementar no Brasil ao regular a lei de arbitragem.

Porém esta eficácia não ficou somente no plano do ideal, assim como já foi aplicado a arbitragem internacional no Brasil, no Caso Varig (SANTOS, pag.04). O Brasil, através do juízo de falência do Rio de janeiro, precisou tratar diretamente com a Corte de Falência de Nova York. Pois segundo o normativa do estado unidos o arrendador das aeronaves da Varig, adquiriu o direito de arresto sobre as aeronaves, pois estas estavam sob vigência de contrato de arrendamento mercantil, e segundo a lei de falência por estar em processo de falência os direitos dessa seriam suspensos durante o processo (SANTOS, pag.04).

Logo foi composto comitê de arbitragem para dirimir tal conflito entre lei dos estados unidos e lei brasileira, deste feito, o parecer foi favorável a Varig que impediu por esta decisão o arresto das aeronaves.

Neste proposito, fica evidenciado a aplicação da Lei Modelo da UNCITRAL, na Federação brasileira.

 

CONCLUSÃO

Sabe-se que os casos de falência transnacional tornaram-se um fenômeno “comum” a partir da década de 90. Com isso, iniciou-se uma cooperação internacional em busca de uma unicidade da falência, com o fim de promover processos falimentares aplicando-se uma única lei.

No entanto, como visto, com relação ao direito falimentar brasileiro, observa-se a consagração do princípio da territorialidade, ou seja, há uma limitação dos efeitos da sentença declaratória da falência ao próprio país. Assim, mesmo que uma matriz ou sede de uma empresa estrangeira venha a falir, suas filiais no Brasil não serão afetadas.

Logo, essa critério adotado vai de encontro com a ideia de cooperação internacional, que é a de fazer com que os processos de falência, abertos em diferentes países, se desenvolvam como um conjunto harmônico, de forma a evitar fraudes internacionais, lavagem de dinheiro, etc. Além de garantir uma maior segurança jurídica não só para os credores, como também para o comércio internacional.

Dessa forma, conclui-se que há uma lacuna jurídica no ordenamento brasileiro, quanto à falência transnacional, que precisa ser preenchida. E, recomenda-se, para tanto, a adoção da “lei modelo” chamada “UNCITRAL”, criada pela ONU (Organização das Nações Unidas) e já é utilizada por diversos países, inclusive de tradições jurídicas diferentes. 

REFERÊNCIAS

ARAUJO, Nadia de. Direito Internacional Privado: teoria e prática brasileira. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011.

 

CAMPANA, Paulo Fernando. Falência transnacional. GEP- Grupo de estudos preparatórios do congresso em direito comercial. Disponível em: <http://www.congressodireitocomercial.org.br /2011/images/stories/pdfs/gep6.pdf>. Acesso em: 25/04/2014.

 

PEREIRA, Marcos Vinícius Torres. Falência e conflito de jurisdições no direito internacional privado brasileiro. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=794288f252f45d35>. Acesso em: 20/04/2014.

STRENGER, Irineu. Direito internacional privado. 6. ed. São Paulo: LTr, 2005.

 

SILVA NETO, Orlando Celso da. Direito processual civil internacional brasileiro. São Paulo, Ltr, 2003. 

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2011

RECHSTEINER, Beat Walter. Direito Internacional Privado: teoría e prática. 15. ed. rev. e atual.  São Paulo: Saraiva, 2012.

LEI MODELO DA UNCITRAL. ONU. Disponível em:< http://s.conjur.com.br/dl/lei-modelo-arbitragem-elaborada.pdf>.

 

MARTINS, Adler. A Lei Brasileira De Arbitragem E A Lei Modelo De Arbitragem Da Uncitral: Uma Comparação. 2012. Disponível em: < http://adlerweb.blogspot.com.br/2012/10/a-lei-brasileira-de-arbitragem-e-lei.html>.

 

SANTOS, Eronides Aparecido Rodrigues. A Insolvência Transnacional e a Adoção da Lei Modelo da UNCITRAL. Disponível em:< http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/ Civel_Geral/ms_falencias/ms_fal_diversos/falencias%20doutrina%20UNCITRAL.pdf>. 



[1] Paper apresentado à disciplina “Recuperação e Falência”, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB.

[2] Alunos do 6° Período noturno do Curso de Direito, da UNDB.

[3] Professor orientador.

[4] Atualmente o termo Multinacional não mais é utilizado, uma vez que faz menção á uma empresa com várias nacionalidades, o que de fato não ocorre, pois as Transnacionais são empresas com sede de origem que determina sua nacionalidade, com várias filiais espalhadas por outros países, com nacionalidade da sede da empresa.

[5] A arbitragem é um meio extrajudicial de solução de controvérsias, onde as partes contratantes escolhem um terceiro (árbitro) para resolver o litígio (conceito do Comitê brasileiro de arbitragem).