Resumo: Este artigo discute o que é a filosofia, a filosofia como atividade, a linguagem mítica com precursora da linguagem filosófica e a origem da filosofia na Grécia antiga. 

1. A atitude do questionar

 Você está começando a estudar filosofia. Talvez você nunca tenha ouvido falar ou estudado filosofia, ou, se já o tenha, tem curiosidade em saber mais sobre filosofia.

Talvez você sendo um estudante, se deparou agora com esta matéria no ao iniciar um novo ano de estudo. Em ambos os casos você está se perguntando cheio de curiosidade: o que é isto, a filosofia? Está se perguntando também: “para que estudar esta matéria? Para que serve a filosofia?”. Não vamos gastar nosso tempo em explicar estas questões que, em si, têm muito sentido, mas que você, depois, poderá melhor aprofundá-las após certa caminhada no estudo da filosofia.

O que agora nos interessa é essa sua maneira de perguntar, são os seus questionamentos como um modo de perguntar.

Perguntar faz parte da filosofia. Se você começou assim, fazendo perguntas, então saiba que você começou bem. Começou perguntando. Perguntar é uma atitude filosófica. Foi perguntando que a filosofia foi crescendo, se estruturando, foi se tornando uma “ciência”, isto é, um saber. O filósofo é aquela pessoa que está sempre se questionando, se perguntando sobre tudo e sobre todos. Aliás, esta atitude de questionamento frente à natureza, frente às coisas é uma atitude tipicamente humana. Só o ser humano pergunta. E, pergunta porque quer saber, quer conhecer mais as coisas que o cerca. (cf. CORBISIER, 1990, p.126-127).

Heidegger, filósofo alemão moderno (1889-1976), escreveu: “que representa a filosofia? – É uma das raras possibilidades de existência criadora. Seu dever inicial é tornar as coisas mais refletidas, mais profundas”. A filosofia procura o sentido mais profundo das coisas, da existência. Ela faz isto através de perguntas, de questionamentos. E este perguntar, este questionar, é que nos levar a duvidar de tudo, a não parar apenas em um certo grau de conhecimento, mas, sim, a ir ao fundo de todo conhecimento.

 Um outro filósofo este viveu há cerca de quinhentos anos atrás, chamado René Descartes (1596-1650), um francês, estabeleceu como método de sua filosofia aquilo que ele chamava de dúvida metódica. E chegou a seguinte conclusão, a partir de todas as dúvidas que ele colocou em relação a todas as coisas: “Penso, logo existe”. Esta frase era uma conclusão de que ele poderia duvidar de tudo, mas não poderia duvidar de si mesmo, da sua existência, de seu próprio duvidar porque se era ele próprio que estava pensando (questionando), então ele não poderia duvidar da existência de si mesmo como ser pensante. Isto lhe dava uma certeza. A certeza de que se ele pensava, ele existia.

O filósofo é aquela pessoa que não se contenta em viver a superficialidade das coisas, da vida, mas quer buscar o sentido último, profundo de todas as coisas. Nesta mesma linha de pensamento está a frase de Karl Jaspers (1883-1969): ”o pensamento filosófico há de ser sempre original. Todo homem deve exercê-lo por si”. Para isto é preciso pensar.

  2. O que é pensar?

Para entendermos melhor esta questão vamos ler um texto do filósofo e professor Arcângelo Buzzi, que nos chama ao pensamento.

A necessidade de sermos mais nós mesmos nos estimula a cultivar a sabedoria da vida. O cultivo da sabedoria não é o saber elaborado, é antes disso tudo! É algo como ter em mãos o pulso que sabe pesar todas as coisas de modo concreto e coerente. Essa sabedoria é suficiente para o nosso viver. (...)”.

A filosofia consiste na arte de “recordar” a sabedoria da vida. Recordar a sabedoria da vida não é acumular saber e informações. É arte que nos torna mais aquilo que já somos. É a arte de pensar por nós mesmos.

Na arte de pensar por nós mesmos aprimoramos a compreensão nasciva de nosso ser como na arte de ouvir aprimoramos o entendimento nascivo que já possuímos dos sons. Então, no ouvir, degustamos o saber do som e no pensar degustamos a sabedoria da vida (Buzzi, Arcângelo. Filosofia para principiantes. Petrópolis: Ed. Vozes, 1991, p. 7 e 8).

Vamos destacar aqui alguns pontos importantes neste texto. Em primeiro lugar, o autor nos diz que todos nós temos necessidade de sermos nós mesmos. Este é o ponto principal da filosofia: a busca do que somos. Sócrates, filósofo grego (479-399 a.C.), dizia “Conhece-te a ti mesmo”. Sem o conhecimento de nós mesmos, de nosso mundo, de nossos anseios, nossos desejos, nossos limites e sonhos, o filosofar se torna uma tarefa árdua, sem sentido, enfadonha. Sem o conhecimento de nós mesmos fugimos da verdade da nossa verdade. Em segundo lugar, o autor nos mostra que é necessário “recordar a sabedoria da vida”. Sim, isto é importante! A filosofia nos leva a recordar aquilo que já está dentro de nós como saber, como sabedoria de vida. Por isso, está certíssimo o autor ao dizer que a filosofia é a “arte de pensar por nós mesmos”.

Faça um esforço para pensar! Inicie esta tarefa tão necessária para os dias de hoje que é criar seus próprios pensamentos, suas próprias idéias. Não se deixe levar pelo comodismo, pelo menor esforço, pela preguiça de pensar. Não importa se seus pensamentos são bonitos, se estão ou não inteiramente certos. O importante é o esforço que você está fazendo pra navegar nas ondas dos seus próprios pensamentos. Seja criativo, dê asas à imaginação. Voe! Procure escrever aquilo que você sente e do jeito que você sente. No entanto, procure não ser superficial. Não repita aquilo que todo mundo diz. Não copie pensamentos e idéias dos outros. Crie os seus próprios. Para isto é importante a leitura, a reflexão, o debate e principalmente a atenção seja nas aulas, seja nas coisas e pessoas e na vida.      

 Vamos filosofar?  

  • Leia atentamente os textos abaixo. Procure entendê-los bem. Veja o significado das palavras desconhecidas, use o dicionário.

 

Texto 1: O que é pensar.

“Pensar não é uma atividade qualquer. Sempre estamos pensando. Mas há um momento especial que paramos, isto é nos dedicamos ao pensamento. Pensar é pesar a realidade. Assim, como pesamos numa balança algo, e este pesar nos dá o equilíbrio da coisa pesada com o peso, assim pesamos a realidade equilibrando-a no peso da nossa existência. Pensar, então, neste caso, é achegar-se à realidade no seu constitutivo mais profundo. Isto não significa que o pensamento esteja em algum momento fora, adejado na periferia do real. A realidade é cheia de pensamento. Tudo quanto existe proclama o pensamento”.

Dessa forma, podemos muito bem dizer que pensar é permitir à realidade que aí está, na qual somos agasalhados, que ela mesma diga quem ela é. Pensar é acolher o real tal qual é na radicalidade última de si próprio.

Mas qual é o conhecimento que melhor revela o que é a realidade? É o conhecimento filosófico”. (BUZZI, Arcângelo. Introdução ao Pensar. Petrópolis; Vozes, 1994). 

  Aprofundando a compreensão do que é filosofia

Texto 2: A filosofia como procura da verdade

Em seu pequeno e brilhante livro Introdução à filosofia, Jaspers insiste na idéia de que a essência da filosofia é a procura do saber e não a sua posse. Todavia, ela “se trai a si mesma quando degenera em dogmatismo, isto é, num saber posto em fórmula, definitivo, completo. Fazer filosofia é estar a caminho; as perguntas em filosofia são mais essenciais que as respostas, e cada resposta transforma-se numa nova pergunta”. Há, então, na pesquisa filosófica uma humildade autêntica que se opõe ao orgulhoso dogmatismo do fanático: o fanático está certo de possuir a verdade. Assim sendo, ele não tem mais necessidade de pesquisar e sucumbe à tentação de impor sua verdade a outrem. Acreditando estar com a verdade, ele não tem mais o cuidado de se tornar verdadeiro; a verdade é seu bem, sua propriedade, enquanto para o filósofo é uma exigência. No caso do fanático, a busca da verdade degradou-se na ilusão da posse de uma certeza. Ele se acredita o proprietário da certeza, ao passo que o filósofo esforça-se por ser peregrino da verdade. A humildade filosófica consiste em dizer que a verdade não pertence mais a mim que a ti, mas que ela está diante de nós. Assim, a consciência filosófica não é uma consciência feliz, satisfeita com a posse de um saber absoluto, nem uma consciência infeliz, inquieta, insatisfeita com o que possui,  mas à procura de uma verdade para a qual se sente talhada “. (HUISMAN, Denis e VEGEZ, A. A ação. 2. Ed. S. Paulo: Freitas Bastos, 1968, v. 1, p. 24).

3. A filosofia como atividade

Muitas pessoas têm ideias erradas da filosofia. Pensam que a filosofia é um pensamento abstrato, totalmente desligado da vida. Assim, atribuem à filosofia uma montoeira de palavras difíceis, um emaranhado de pensamento desconexos que nada têm a ver com a realidade que se vive. Engano! A filosofia, embora utilize palavras difíceis, embora, por vezes, se emaranhe em conceitos abstratos, ela está diretamente ligada a nossa vida prática, pois viver é filosofar. Quem vive filosofa e quem filosofa vive. Isto não é um trocadilho de palavras. Isto quer dizer apenas que é no ato de viver que se filosofa e que todo ato de filosofar é um ato da nossa vida. Os antigos romanos diziam “primeiro viver, depois filosofar”. Na practicidade romana se colocava o filosofar com um segundo passo, como uma sequência do viver, mas ao estarmos vivendo estamos filosofando. Esta precedência a que os romanos se referem significa apenas que o ato de filosofar pressupõe o ato de viver, o estar vivo, o levar a sério a vida com tudo o que tem, com todas as suas consequências.

“A filosofia não é uma doutrina, as uma atividade”, dizia o filósofo Wittgenstein (1859-1951). (Tractatus logico-philosophicus, 4112).

Com esta frase, Wittgenstein queria dizer que a filosofia não é uma mera “teoria”, não algo abstrato, palavras complicadas que nada têm a ver com a gente. “A filosofia é uma atividade” significa: ela se situa ao nível das coisas práticas, pretende mostrar que em todos agir, em cada passo da nossa vida há uma ação filosófica, que em todo nosso modo de agir há um modo de pensar que por sua vez está liga à realidade. Não interessa à filosofia acumular saber e informações, mas sim viver e refletir sobre os saberes adquiridos, construindo seu próprio saber, analisando cada decisão tomada em nossa vida. Como se dá isto? A partir da experiência que vamos tendo da vida e das coisas, partir do sabedoria da vida que vamos acumulando.

Voltemos ao professor Arcângelo Buzzi no seu importante livro Introdução ao Pensar:

“A filosofia não é um saber desligado da vida. Antes o contrário. Como a luz iluminando a realidade possibilita aos olhos ver as coisas em seus contornos definidos... assim é a filosofia uma saber-luz que nos faz ver o sentido secreto da realidade.

Quem vive não pode deixar de filosofar. Viver é filosofar. Isto porque o viver-humano inclui um mínimo de decisão. Ser-homem não é estado já feito. Ser-homem é uma decisão. É como o encontro, o amor. Eles se fazem no processo. O homem se institui no processo decisório de ser-homem. E, nesse processo decisório, o homem se leva acima do fato físico ou biológico, introduz o acontecimento chamado História, que é a investigação do ser-humano que se faz, que se essencializa.

 A vida concreta do todo homem é assim filosofia. O camponês, o operário, o técnico, o artista, o jovem, o velho vivem todos de uma concepção do mundo. Agem e se comportam de acordo com uma significação inconsciente que emprestam à vida. Nesse sentido podemos dizer que todo homem é filósofo “. (BUZZI, 1994).

4. Origem e significado da palavra filosofia

"A filosofia é uma linguagem de amor à sabedoria. Nasceu do amor que busca compreender o mundo, os outros e a si mesmo. O amor cria laços, vincula, se expressa e se comunica. E o desejo de compreender a realidade gerou a filosofia. (...)". (Sátiro e  Wuensch, p. 17).

 A origem da palavra filosofia é grega. Foi o filósofo e matemático Pitágoras (séc. IV a.C.) que por primeiro usou o termo “filósofo”.  “Para Pitágoras, somente o ser humano é capaz de filosofar, isto é, de buscar a sabedoria. Os seres humanos não são animais que apenas seguem seus instintos e não têm necessidade de saber; tampouco são deuses, que já sabem tudo e, portanto não têm também necessidade de saber. Somente os seres humanos, que estão a meio caminho entre os animais e dos deuses, percebem que ignoram as coisas e sentem necessidades de conhecê-las. Essas consciências das próprias ignorâncias e as buscas da verdade nos tornam filósofos. É isso que nos faz humanos. É por isso que nos movemos em diversas direções, construindo diferentes tipos de saber”. (  Sátiro e Wuensch , p. 17).

Filosofia significa: amor à sabedoria. Ou seja: amor ao saber, busca e procura do saber, desejo impetuoso de saber.

A palavra “filosofia” é grega. É composta de duas partes: philo = amor, amizade; sophia = sabedoria. Enquanto que sóphos significa o homem sábio.

“O filósofo não pretende já ser sábio, nem possuir a verdade. Se for assim, deixa de ser filósofo. Ou se torna um arrogante ou um dogmático, apegado às próprias convicções. Como Pitágoras já havia alertado, o saber definitivo pertence aos deuses. Mas, se reconhecemos que estamos no meio do caminho, ou nos preparando para caminhar, podemos conseguir muitas coisas”. (SATIRO;  WUENSCH 1977, p. 19).

Aristóteles no seu livro “Metafísica” assim se expressa: “todos os homens têm, por natureza, desejo de conhecer...” e continua: “Foi, com efeito, pela admiração que os homens, assim hoje como no começo, foram levados a filosofar, sendo primeiramente abalados pelas dificuldades mais óbvias, e progredindo em seguida pouco a pouco até resolverem problemas maiores: por exemplo, as mudanças da lua, as do Sol. Ora, quem duvida e se admira julga ignorar (...). Pelo que, se foi para fugir à ignorância que filosofaram, claro está que procuraram a ciência pelo desejo de conhecer, e não em vista de qualquer utilidade”. (Aristóteles, Metafísica, livro I, cap. 1).

 

Do mito à linguagem racional.

5. O ser humano a procura de explicações

Desde o começo da humanidade, já na pré-história, quando o Homem foi se fazendo Homem, isto é, tomando consciência de sua diferença em relação aos outros animais, várias preocupações ou questionamentos surgiram nele. Estes questionamentos nasceram a partir das experiências que ele ia fazendo diante dos vários fenômenos e manifestações da natureza: chuva, relâmpago, trovão, nascer e pôr do sol, nascimento e morte.

Estas preocupações ou questionamentos se resumem nas duas seguintes perguntas: como surgiram todas as coisas? Como e de onde surgiu o próprio Homem?

A resposta a estas questões foi sendo dada, lentamente, no decorrer do tempo, através de várias formas e explicações. Os mitos e os ritos foram uma das primeiras dessas manifestações.

Os Homens sempre se sentiram pequenos e fracos diante das forças da natureza. Essas forças se apresentavam como misteriosas. Assim sendo, atribuíram poderes sobrenaturais a seres e fenômenos naturais como o sol, a lua, estrelas, chuva, trovão, relâmpago, o fogo e diversos animais. Diante dessas forças desconhecidas expressaram sua veneração, isto é, seu sentimento de admiração e respeito, reconhecendo a superioridade delas em relação a ele mesmo. Nascem, portanto, os ritos e mitos como formas e expressões desse sentimento.

Ritos são expressões gestuais significativos como cantos, danças, gestos, sinais, ações e símbolos que exprimem uma certa veneração, um certo respeito, um reconhecimento por um poder maior (sobrenatural) ou por feito memorável realizado por um deus (ou deuses), semideuses e heróis. Os ritos são de ordem sobrenatural (religiosos) ou de ordem natural (civil).

Exemplos de ritos: Páscoa, Natal, batizado, casamento, festas de aniversário etc.

Os ritos estão ligados aos mitos porque eles atualizam, tornam atuais, os mitos. Eles nasceram do sentimento de admiração, respeito e submissão frente ao grandioso, ao terrível e luminoso.

Mitos são explicações e interpretações luminosas e abrangentes sobre a ordem cósmica. “No mundo primitivo tudo é sagrado e nada é natural. Com os ritos os homens imitam os gestos exemplares dos deuses, repetindo nos ritos as ações deles”. (Mircea . Eliade)

 6.  O que é mito

Todos nós procuramos explicar fatos da natureza ou situações e anseios existentes no nosso interior (dentro de nós).

Nós, modernos, buscamos respostas nas ciências para todo e qualquer tipo de fenômeno. As ciências procuram dar uma resposta a todas as nossas perguntas. Mas há muitas outras respostas que a própria ciência não pode dar ou explicar.

Podemos definir mito como uma compreensão, profunda e intuitiva, da realidade, dita ou explicada numa linguagem cheia de fantasias e simbolismo.

O mito tem um valor perene porque exprime aqueles anseios mais escondidos de nosso ser, de nosso interior, isto é, da psique humana. Ainda hoje o mito permanece como algo de muito vivo, cheio de significado existencial.

Mito não é uma crença popular com pouco ou nenhuma verdade. O mito tem um valor perene porque exprime aquele anseio mais escondido de nosso ser, de nosso interior, isto é, da psique humana.

 7. A linguagem mítica

 A cultura grega encontrou no mito a forma privilegiada de sua estrutura e de organização.

Quando os homens antigos se defrontaram com certas realidades, certos fatos, certas ocorrências, desenvolveram, então, um tipo de respostas que davam explicações para aqueles fatos ou ocorrências. Estas respostas se expressaram através de um tipo de linguagem com roupagem mais fantasiosa, mais luminosa, mais conotativa, metafórica e poética. A este tipo de elaboração e maneira de se expressar é chamada de linguagem mítica. 

É no mito que se expressa de forma mais excepcional a linguagem mítica. A linguagem mítica encontra-se, ainda hoje, em grande parte de nossa vida e em nossa fala.

Dessa forma podemos dizer que o mito ajudou também a formar a linguagem com seus conceitos. Através dos mitos os Homens formaram os modelos de explicação do funcionamento do mundo.

 8. Origem do mito

 O mito originou-se nos tempos mais remotos da Antiguidade, provavelmente se sedimentou no neolítico, época em que o Homem deixa de ser nômade e se torna sedentário; época também do desenvolvimento da agricultura.

Todos os povos, todas as culturas tiveram seus mitos. Encontramos, historicamente, mitos nas civilizações mesopotâmicas, semita, grega, romana, germânica, africana. Também  as culturas ameríndias ou  pré-colombianas como maias, astecas, íncas, sioux, e nas mais  diversas nações dos índios brasileiros (bororo, pataxó, tupi-guaranis etc.).

 9. O mito na Grécia Antiga

 A linguagem mítica foi evoluindo e alcançou sua forma mais aperfeiçoada entre os séculos XII a IX a.C. na civilização grega.

O conjunto de mitos se chama mitologia. 

Os mitos falam dos problemas, das preocupações e conflitos de uma certa comunidade e como ela solucionou esta situação. A mitologia, ao recolher os mitos, apresenta através da narração poética a ação dos deuses - o numinoso -, dos semideuses, das pessoas, e dos heróis. Explica como surgiram as coisas, a natureza ou como nasceram e vivem os deuses e seu relacionamento com os homens.

Os mitos gregos surgem quando ainda não havia escrita, portanto eram preservados pela tradição e transmitidos oralmente pelos cantores ambulantes, chamados de aedos e rapsodos.  Aedo em grego antigo significa "cantor"; os aedos eram os poetas que, antes da invenção do alfabeto, praticavam o culto da deusa Memória e das musas e recebiam dessas divindades o dom de compor canções ao som da lira. Eles davam forma poética aos relatos populares. Era difícil conhecer os autores desses trabalhos de formalização, porque não havia preocupação com a autoria das histórias, que eram engendradas de forma coletiva e anônima.

Dois grandes poetas (aedos) gregos se evidenciaram recolhendo toda a experiência mítica de seu povo. Foram eles Homero e Hesíodo.

Homero teria vivido por volta do século IX a.C. e se atribui a ele dois grandes poemas épicos ou epopéias: a Ilíada, que trata da guerra de Tróia (em grego Ilion), e a Odisseia que relata o retorno de Ulisses a Ítaca, sua terra natal, após a guerra de Tróia.

Hesíodo teria vivido depois de Homero, por volta do século VIII a.C. Sua obra Teogonia reflete as origens do mundo e dos deuses, e as forças que surgem não são a natureza, mas as próprias divindades. Gaia é a Terra, Urano é o Céu, Cronos é o Tempo, surgindo ora por segregação, ora pela intervenção de Eros, princípio que aproxima os opostos.

Estes poemas ou epopeias eram muito importantes na vida cultural dos gregos antigos por causa da sua função didática. Descrevem o período da civilização micênica e transmitem os valores culturais, expressando uma determinada concepção de vida. A Teogonia e os poemas de Homero (Ilíada e odisséia) constituíam a cartilha por onde as crianças gregas aprendiam a ler, a pensar, a entender o mundo e a reverenciar o poder dos deuses.

As ações heroicas relatadas nas epopeias mostram a constante intervenção dos deuses, ora para auxiliar o protegido, ora para perseguir o inimigo. No período da civilização micênica, o indivíduo é presa do Destino (a deusa Moira), que é fixo, imutável, e não pode ser alterado.

O herói grego vive na dependência dos deuses e do destino, faltando a ele a noção de vontade pessoal, de liberdade. Mas isso não o diminui diante das pessoas comuns, ao contrário, por ele ter sido escolhido pelos deuses, isto lhe dá um valor e em nada a ajuda dos deuses o desmerece. Ele é um ser virtuoso. Essa virtude do herói se manifesta pela coragem e pela força, sobretudo no campo de batalha (veja o filme Tróia). Mas também se destaca na Assembléia dos guerreiros, pelo poder de persuasão do discurso.

Nesse sentido, a noção de virtude grega não é mesma que temos hoje, mas significa excelência, superioridade. Trata-se da virtude do guerreiro belo e bom, objetivo supremo do herói.

 

 Origem da filosofia. 

 10.  Surgimento da filosofia na Grécia antiga

 Primeiro surgiu mito e sua linguagem, depois veio a filosofia. Por isso dizemos que o mito antecedeu, foi o precursor imediato da filosofia e, através de sua linguagem metafórica e simbólica, forneceu a primeira compreensão do mundo.

Porém, o mito não operava a noção de causalidade, isto é, não buscava qual a causa originária de tudo. Esta noção surgiu com a filosofia. Os mitos personificavam as forças e os fenômenos geradores das coisas que existiam. O que acontecia era atribuído à responsabilidade de algum agente divino

Com o pensamento filosófico iniciou-se uma explicação racional e lógica tendo por base a causalidade. Agora há uma mudança da linguagem simbólica para uma linguagem  conceitual.

Os primeiros filósofos não inventaram a linguagem conceitual, eles apenas apresentaram suas concepções utilizando os mesmos recursos da linguagem mítica, mas algo já estava mudando. Elementos pré-filosóficos como éros e chronos ou physis e arché receberam novos significados, novas conotações. O concreto foi cedendo lugar ao abstrato.                                                     

Um problema precisava ser resolvido: como explicar a causa original? Como teria surgido a primeira causa causadora de todas as demais causas?

Cada filósofo vai dar uma resposta, mas todas as respostas dadas têm um mesmo fundamento.

A filosofia surgiu na Grécia antiga por volta do século VII a.C. Foi na Jônia, antiga colônia grega (atual Turquia) que apareceram os primeiros filósofos.

Os filósofos que viveram entre os séculos VII e V a.C. são conhecidos com o nome de  filósofos pré-socráticos, porque eles viveram antes do grande filósofo Sócrates.  No entanto este nome não faz justiça à importância do pensamento desses filósofos. Pois isto, alguns historiadores da filosofia acham melhor chamá-los de filósofos originários, porque eles estão na origem do pensamento filosófico e seu pensamento carrega a fluência da fonte originária. Assim como o local onde um rio nasce é chamado de nascente ou origem do rio, assim como o lado leste é chamado de nascente ou oriente (lugar onde se origina o sol) assim também o pensamento desses filósofos carrega em si mesmo a importância e origem do caudaloso rio que é o pensamento filosófico.     

 Os filósofos pré-socráticos estão agrupados em diversas escolas, a saber:

  •  Escola Jônica: Tales de Mileto, Anaximandro de Mileto, Anaxímenes de Mileto, Heráclito   e  Empédocles
  • Escola Itálica: Pitágoras
  • Escola eleática: Xenófanes, Parmênides, Zenão
  • Escola atomista: Leucipo e Demócrito

 A filosofia pré-socrática se caracteriza pela busca do princípio originário de todas as coisas. Estes filósofos se preocupam em procurar uma resposta sobre as duas preocupações fundamentais que acompanham a humanidade: de onde viemos (isto é, como surgiu o Homem?) e de onde surgiram todas as coisas (origem do mundo).

Para isto, eles buscam na natureza (physis) os elementos constituintes desses questionamentos. Para eles toda a natureza origina-se de um princípio originário, fundamental, chamado arché. A arché é a força oculta que coloca todas as coisas na existência. Esta força dinamiza desde o menor (microcosmos) e até o maior elemento da natureza (macro-cosmos). Neste sentido está o fragmento 123 de Heráclito que diz: “A natureza ama esconder-se”.

Cada filósofo vai dar uma resposta própria sua a esta questão. Para Tales, é a água; para Anaximandro, o indeterminado; para Anaxímenes, o ar; para Heráclito, o fogo. Para Pitágoras, o número.

 Referências

CORBISIER, Roland. Introdução à filosofia – Tomo I. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1990.

BUZZI, Arcângelo. Introdução ao Pensar.Petrópolis: Vozes, 1991

___________. Filosofia para principiantes, Petrópolis: Vozes, 1991, 

SATIRO, Ana Angélica. WUENSCH, Ana Míriam. Pensando Melhor. S. Paulo: Saraiva, 1977