Nas sombras de todos os destinos

Por Joacir Soares d'Abadia | 28/11/2023 | Filosofia

Nas sombras de todos os destinos

 

Nas sombras do destino, Aitofel dançava ao compasso implacável da vida, um turbilhão de momentos frágeis, como notas musicais num eterno drama. Por 11 dias, o hospital se tornou seu cárcere, 9 deles uma eternidade vivida na UTI. A cada alta, o retorno iminente, como uma maré relutante. Ah, a tragédia da existência, o paradoxo de uma alma ávida por saúde, mas subjugada pela enfermidade tão somente naqueles dias, visto que ela estava padecendo o que a vida mais lhe recusava em toda a sua juventude: estar enferma.

Aitofel, em toda sua vida de juventude, parecia estar desafiando as próprias adversidades ao gozar de uma saúde invejável. Enquanto muitos são atingidos por doenças e limitações, ela continuava a prosperar em sua vitalidade. Esse paradoxo entre suas ações e a saúde vigorosa poderia ser interpretado como um testemunho do poder do espírito humano e da força interior que possuímos. Talvez, ao se afastar das restrições que a doença impõe, essa pessoa tenha encontrado uma fonte de resiliência que a permitiu viver plenamente, resistindo às ameaças que poderiam minar seu bem-estar. Sua capacidade de desafiar as probabilidades e reverter as expectativas traduzia-se na vitalidade que exibia. Isso nos lembra que a saúde não é apenas um estado físico, mas também uma atitude mental, e que a determinação em superar os desafios pode contribuir significativamente para nossa sensação geral de bem-estar.

Na penumbra da noite, quando o relógio aguardava o abraço da meia-noite, a tela do iPhone do pensador ganhou vida, revelando uma mensagem que não repreendia, mas sim acariciava a alma. Uma mensagem não ditada pela obrigação, mas pela compaixão sincera. O aparelho, qual cálice sagrado, transbordava com as palavras: "Tens visitado a companheira dos Encontros de Fé? Ela não retornou ao seio do programa..." As reticências, uma sinfonia de inquietudes, ecoavam a busca por uma resposta que se aninhava no coração.

Antes que as letras fossem forjadas como expressão escrita, uma nova mensagem surgia, consciente do seu papel no enredo. "Sabes do acontecido?" Um questionamento que desafiava os limites do conhecimento, uma pergunta que ultrapassava o véu do presente. É conhecido que os filósofos, por vezes, são vistos como divinos, detentores de um saber que transcende o efêmero, tocando o âmago das ocorrências. O mistério da consciência, entrelaçado com suas mentes, ecoa nos sussurros daqueles que creem.

Mas, qual a necessidade de não deixar que alguns assim pensam? Tentar mudar o pensamento deles não será fácil! 

Por que não permitir que tal crença floresça? Mudar tais convicções é como domar o vento, um desafio digno dos deuses. 

E então veio a resposta: 

_ "Sim". 

No entanto, veio à respeito do “Sim”, mais uma vez a pergunta que se poderia inquirir, “sim” o quê? 


_ “Sim” à resposta da pergunta não feita e nem ao fato revelado. Logo se poderia emendar ao solto significado do “sim”, uma resposta que surgia para além da questão formulada, mergulhando nas profundezas das emoções representadas:

_ "Minhas condolências. Encontro-me em uma cidade distante, lapidando a fé e o conhecimento. Meus pares já foram convocados para confortar a família enlutada." 

Aitofel, mesmo entre as paredes hospitalares, enfrentou a agonia de uma filha sepultada, uma ausência irremediável?

A filha repousava em seu leito derradeiro, cercada por amigos que chorava sua morte, alheia à mãe enferma que se debatia entre lençóis hospitalares. No entanto, desconhecia o quão próximos estavam seus corações, a filha seguindo a trilha da eternidade, enquanto a mãe, mesmo na distância, e sem saber da partida para a eternidade de sua filha, lha tecia preces em seu nome recorrendo aos seus santos de devoção, ao Espírito Santo e à Nossa Senhora, tentando alcançar de Deus mais esta graça da cura. Enquanto isso, suas preces valiam para que sua mente mantivesse ocupada. 

Após sepultar o corpo, um epitáfio foi inscrito na lápide da família: "Kakay, recebe o oxigênio eterno de Deus."

Quando o celular cedeu à quietude, as páginas de um romance desconhecido voltaram a chamar a atenção do pensador. O autor, um tesouro escondido nas prateleiras empoeiradas, agora cativava o filósofo com suas palavras. 

"Breve Romance de Sonho", uma sinfonia literária de Artur Schnitzler, desvendava-se, página a página, enquanto Aitofel, em sua quietude, continuava sua jornada da vida enferma e hospitalizada, um oásis em meio à tormenta da vida. Na verdade, aquele livro era de um autor que ainda não havia ouvido falar e nem tinha lido nenhuma citação. O livro foi encontrado em meio aos milhões de livros num sebo tão somente por seu nome se parecer muito próximo do filósofo preferido, Nietzsche. A leitura se transcorria pelas páginas do livro, enquanto o pensador, sem nenhuma distração, por hora, na sua vida, seguiu a leitura passando páginas por página do seu achado. 


Padre Joacir d’Abadia 
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