A TRADUÇÃO DOS CONTOS POPULARES EM IMAGENS VISUAIS: 

UMA REFLEXÃO MICRO ANTROPOLÓGICA NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGENS EM MOÇAMBIQUE


Tubias Capaina

Resumo:

 O presente estudo explora discursos sobre a tradução dos contos populares em imagens visuais: uma contribuição para o ensino e aprendizagens locais. Esse artigo abre espaço que permite compreender a interação estabelecidas entre as imagens e os contos no processo de aprendizagens. De tal forma, MARCUSCHI (2003:43) afirma que, a fala é uma forma de produção textual que se utiliza da forma oral e está, por conseguinte, inserida na oralidade.   

De acordo com ANDRADE (2002), a busca das imagens deixou de ser uma busca de fatos. Mas também uma fragmentação destes fatos, entendendo que, as imagens são profecias de uma época e hoje não passam de reflexos em vidros sem ponto de referencias.

Neste contexto, interessa-nos abordar este tema para avaliar o grau da problemática nas escolas dos distritos mencionados. Pois, a lógica da escrita e oralidade deve ser trabalhada em sala de aula desde as séries iniciais MILANEZ (1993:23), promovendo assim o interesse e a curiosidade para desenvolver este hábito desde a infância, conseguinte a isso, a contribuição do ensino de Língua Portuguesa para o exercício da oralidade se torna indispensável. Sabemos que as primeiras palavras são ditas e ensinadas no convívio da criança, por isso, a informalidade se torna frequente, e é neste contexto que as pronúncias incorrectas ocorrem. Portanto, é de extrema importância que os alunos aprendem a expressar-se corretamente e que saibam no acto da escrita algumas regras gramaticas devem servir de guiam no acto da escrita. Elas precisam de ser consciencializadas e instruídas a forma correta de expor os seus conhecimentos e transmitir as suas emoções como ditam as normais da escrita. 

Portanto, A partir deste artigo esperamos novas abordagens do problema com intuito de potenciar a oralidade e escrita neste nível académico. Por isso, temos confiança de que a nossa pesquisa estará mais ligada com área de ensino-aprendizagem especificamente no ensino de língua.   Não só, podemos sugerir estratégias, mas também reflectir os resultados que serão obtidos e a partir deles, propor novas abordagens no processo ensino aprendizagem com intuito de desenvolver a oralidade e a boa escrita nos alunos do ensino secundário.

 Neste contexto, acreditamos que o ensino de língua tem como consequência o saber expressar, isto é, diz que um determinado indivíduo domina a língua quando coloca em prática, e escreve à correctamente ou seja, quando faz um bom uso da língua em todos âmbitos. 

Palavras-chave: Contos Populares, Imagens e Aprendizagens.


Introdução:

             

     O artigo aborda sobre a necessidade de traduzir e documentar os contos populares como formas de estimular o processo de aprendizagens no ensino primário em Moçambique. Partimos da ideia de que existe a influência da língua materna, ou seja, a língua em que o individuo aprende a se comunicar inicialmente, pode interferir no aproveitamento pedagógico dos alunos. Visto que, cada grupo linguístico tem lógicas próprias de orientação na aprendizagem ou decifração dos seus códigos linguístico. 

Obviamente, tudo que se aprende no contexto escolar provêm da sociedade, o que significa que a escola transforma os conhecimentos da sociedade em científicos. Como veremos mais adiante, a imagem é um também um dos processos que serve para educar o homem, Desenvolvê-lo socialmente para melhor conviver com outras pessoas. 

Tradução dos contos populares em imagens visuais pode ser um contributo valioso no processo de ensino e aprendizagem. A imagem carrega em si, um poder epistemológico, já que pode ser um meio de comunicação universal, ou seja, qualquer pessoa, independentemente se seu idioma, estudo, classe, género, pode conseguir compreender os contos populares traduzidos por meio de imagens visuais. Nota-se nas escolas contemporâneas a inexistência da representação dos contos populares relação em imagens ou artes visuais, na relação pedagógica entre o professor aluno e vice-versa, o que leva aos alunos a não compreenderem bem a moral que está por de traz das narrativas tradicionais. 

A intersubjectividade visual na relação pedagógica entre professor - aluno é um instrumento que pode contribuir no processo de ensino e aprendizagem por representação, pois essa relação dinamiza e dá sentido visual o conto popular. 


Fundamentação Teórica 

Neste primeiro momento, debruçamo-nos acerca o processo de transição da oralidade dos contos populares à representação visual dos contos populares. Os contos pop, fábulas, mitos e lendas são narrativas populares e tradicionais que foram passadas de geração em geração até aos nossos dias. Muitas destas histórias foram transmitidas oralmente até que alguns escritores os compilaram e registaram por escrito.


De entre as várias definições que poderíamos apresentar sobre o conto, parece-nos particularmente adequada ao contexto temático da nossa pesquisa a apresentada por Bruder (2000): “A palavra conto provém do latim computone e significa contar, enumerar feitos; quer dizer relatar, narrar histórias, que como toda a história, necessita de um argumento que a suporte, que lhe dê um sentido, uma razão de ser: que lhe dê vida” (BRUDER apud CARNAZ, 2013:9).

O conto popular é um género narrativo em que, não raras vezes a sua construção é condicionada pela sua reduzida dimensão. A ideia da diminuta extensão do conto, naturalmente configuradora das restantes categorias da narrativa, em que personagens, acção e tempo se concentram, resulta “numa narrativa, não raro submetida a uma lógica de economia temporal, cuja acção linear exclui a possibilidade de encaixar as intrigas secundárias e sem que nela entrem personagens demasiado complexas” (SANTOS apud CARNAZ, 2013:9). 

De acordo com Fogaça (2010:14), “Os contos populares fazem parte de um riquíssimo universo cultural. A sua origem é humilde. Nasceram entre o povo anónimo. Começaram por relatos simples de situações imaginárias. São criações que sobreviveram e se espalharam devido à memória de seus narradores que, de geração em geração, conseguiram manter viva a tradição”. 

Segundo Darnton (1986), essas narrativas são histórias que se prendem ao imaginário popular ou à imagem colectiva; em sua origem, eram destinadas a um auditório – homens, mulheres e crianças – que não sabia ler e que se reunia, à noite, ao redor das fogueiras e lareiras, principalmente entre os camponeses da França Medieval, para escutar o que viria a se tornar mais tarde, material registado por estudiosos e folcloristas, como Charles Perrault, quando, no século XVII, publicou a primeira colectânea dos contos populares franceses (DARNTON apud FOGAÇA, 2010:14) 


Portanto, segundo Darnton citado por Fogaça, “os contos populares podem ser considerados documentos históricos, que surgiram ao longo de muitos séculos, e sofreram diferentes transformações, em diferentes tradições culturais (Ibidem).

Para Cascudo (2003), grande estudioso das histórias populares, afirma: “O conto popular revela informação histórica, etnográfica, sociológica, jurídica, social”. Ainda, para o autor, o que caracteriza o conto popular é a antiguidade, o anonimato, a divulgação e a persistência. “É preciso que o conto seja velho na memória do povo, anónimo em sua autoria, divulgado em seu conhecimento e persistente nos repertórios orais. Que seja omisso nos nomes próprios, localizações geográficas e datas fixadoras do caso no tempo.” CASCUDO apud FOGAÇA, 2010:15) 

Os contos populares são fruto da oralidade e do espírito criador do povo. Transmitidos de geração em geração. Expressam costumes, ideias, decisões, explicações, julgamentos, revelam a memória e a imaginação popular. É um tipo de texto que tem relação com a cultura de um povo. Esta estruturação linear e simples parecem, pois, permitir a construção de “mundos possíveis” com os quais a criança se identificará, criando espaço para a projecção e para o diálogo de afectos que favorecerá o seu desenvolvimento emocional (Ibidem). 


Segundo Júnior (2007), o mundo da arte é concreto e vivo podendo ser observado, compreendido e apreciado. “A arte é uma das primeiras manifestações da humanidade como forma do ser humano marcar sua presença criando objectos e formas (pintura nas cavernas, templos religiosos, roupas, quadros, filmes etc) que representam sua vivência no mundo, comunicando e expressando suas ideias, sentimentos e sensações para os outros.” (JÚNIOR, 2007:6). É de salientar que, enquanto o conto oral comunica contando, o conto traduzido em imagens visuais comunica mostrando. 

A imagem, por exemplo, teria vantagem sobre o conto oral na descrição de uma cena; a ambientação, a caracterização e a noção espacial são compreendidas instantaneamente com uma imagem visual.

Foi através da voz que chegou até nós o que hoje conhecemos como géneros de tradição oral. Colhidas de geração a geração, acolhidas na memória, contadas de pai para filho, as várias formas narrativas permanecem até hoje, mantêm o ar de sua beleza e atestam o valor que tiveram para as gerações passadas e o muito que ainda representam aos que delas se valem para repassar a quem as ouve uma lição de vida, pois há nas histórias que se contam algo de bom para se tirar como exemplo. (BARBOSA, 2011:25­26). A função da arte e o seu valor, portanto, não estão no retrato fiel da realidade, mas sim, na representação simbólica do mundo humano.


Neste segundo momento, debruçamo-nos acerca dos fundamentos didácticos e pedagógicos em relação a concepção intersubjectividade visual dos contos populares. As crianças são detentoras de um espírito inventivo e imaginativo que tem de ser gerido, aproveitado e desenvolvido pelo professor. Ora, para que se consiga captar verdadeiramente a atenção de uma criança em sala de aula, isto é, no processo de ensino e aprendizagem, é traduzir os contos populares em imagens visuais preciso para que estimule a sua imaginação, tem de se ajudar a desenvolver o seu intelecto e a esclarecer as suas emoções, reconhecer as suas aspirações, angústias, dificuldades e, ao mesmo tempo, sugerir soluções para os problemas que a perturbam. Se o professor apresentar os contos populares em imagens visuais, então, ajudaram as crianças a compreender as mensagens nelas expressas, quer ao nível oral e visual.


Se ver é um processo de interacção entre o observador e a imagem, essa interacção precisa ser a mais produtiva possível. Por isso, é muito eficaz o emprego de algumas estratégias didácticas, antes da visualização.


Antes da visualização da imagem: preparação para o encontro com o conto.

O primeiro ponto a destacar é a motivação e os objectivos para a tarefa de visualizar, depois observar a activação dos conhecimentos prévios necessários sobre o conteúdo da imagem, definir um objectivo de visualizar, por último, deve-se dar destaque à produção de previsões, aos questionamentos e à formulação de perguntas sobre o conto a ser visualizado. O professor como mediador do processo, deve despertar a curiosidade e incentivar o observador para a visualização do conto, usando exposição oral, recursos audiovisuais, perguntas e respostas, e outros.


Durante a visualização da imagem: é o encontro com o conto, fase de questões de compreensão específicas do género.

Durante o processo de visualização da imagem, a maior parte da actividade do aluno, deve ser de compreensão da imagem visual. Que ele se mostre capaz de resumir o que vê. Faça previsões em relação ao conto visto e sobre o que ainda vai ver. Compartilhe e relacione informações, esclareça as dúvidas, discuta o conto e seu conteúdo e avalie o caminho percorrido e realize novas previsões. 


Depois da visualização da imagem: para além do conto.

A partir da visualização da imagem realizada, um aspecto relevante é a necessidade de identificar a ideia principal do conto que confirma a compreensão do observador. Considerando que as estratégias de visualização são relevantes nas práticas com a linguagem, espera-se que os educandos possam a partir dos procedimentos trabalhados nos contos populares, transferi-los para situações de visualizações múltiplas e variadas, ou seja, tornem-se observadores capazes de aprender, a partir dos contos visualizados em imagens. Em todo o processo da visualização da imagem: antes, durante e depois, faz-se necessário que a compreensão seja uma habilidade activa no aluno observador.


A tradução do conto popular “A Cigarra e a Formiga” é genericamente entendida como a interpretação do significado de um texto oral ou escrito à produção de uma nova imagem visual, sendo que o significado e a estrutura entre os dois se mantêm tão semelhantes quanto possível. É aqui onde entra a arte visual como “técnica ou habilidade para despertar emoções estéticas” (COIMBRA apud PEREIRA, 2017). 

A arte origina-se sempre que o ser humano sente a necessidade de comunicar e/ou de se expressar, por conseguinte, a arte pode ser definida como um meio de expressão que por sua vez está ligada com a expressão artística. (PEREIRA, 2017:37). 

A imagem visual do conto “A Cigarra e a Formiga, por exemplo, teria vantagem sobre o conto oral na descrição de uma cena; a ambientação, a caracterização e a noção espacial são compreendidas instantaneamente com uma imagem visual.

Conhecida popularmente, o conto A Cigarra e a Formiga nasceu das mãos de Esopo, na Grécia Antiga, com a lição de moral concentrada em valorizar aqueles que trabalham arduamente e que planeiam o futuro. O conto retrata uma previdente Formiga que trabalha sem descanso à procura de comida durante o verão, para não passar fome durante o inverno, e uma despreocupada Cigarra que passa o tempo a cantar, sem ouvir as advertências da Formiga no sentido de se precaver contra os rigores do frio iminente. (PEREIRA, 2017:44).

Numa leitura tradicional, e atendendo à moral explícita da história, este conto pode ser entendido como apologia do trabalho recompensado, e como advertência sobre os riscos de não nos precavermos para o futuro. (Ibidem).


O que o conto oral omite visualmente pode ser trabalhado livremente na ilustração, agregando outros elementos e construindo sentidos diversos. Assim, é nesta ordem de ideia que debruçamo-nos neste trabalho de pesquisa, em torno intersubjectividade visual na relação pedagógica, condição para a compreensão genuína dos contos populares no processo de ensino e aprendizagens.

Neste terceiro momento, debruçamo-nos acerca relevância da tradução dos contos populares em imagens visuais, desafiando os educadores à praxis deste ideal com vista a melhorar na compreensão por meio de ensino -aprendizagem.

O processo de ensino e aprendizagem dos contos populares traduzidos em imagens visuais, ocorre mediada pela voz do professor; nesse processo há uma relação de intersubjectividade entre o professor contador – o aluno ouvinte, em sala de aula. Essa representação, ainda pouco estudada quando se fala em contos orais, talvez pelo motivo de os trabalhos desenvolvidos sobre o assunto tenham se pautado a partir de narrativas transcritas, constitui-se na dinamicidade, pois uma história não é contada por uma mesma pessoa, e em um mesmo lugar. 


No conto oral, o entendimento dos fatos se faz pela performance do professor. Daí ele precisar se utilizar de recursos visuais capazes de fazer com que o aluno, além de entender o que está sendo contado oralmente, possa também ter interesse pela imagem visualizada, por isso as expressões faciais, gestos, mímicas, são necessários. São esses recursos que dão “vida” à história, que tornam visíveis, ou por que não dizer, tornam os fatos bem mais próximos de quem os ouve.


Para que a tradução dos contos populares em imagens visuais, possa contribuir no processo de ensino e aprendizagem é necessária a existência de três elementos: o professor, o aluno e a obra de arte:

O professor ou o artista é aquele que tem o conhecimento concreto, abstracto e individual sobre determinado assunto que se estressa e transmite esse conhecimento através de um objecto artístico (pintura, escultura, dentre outros) que represente suas ideias. 

O segundo, o aluno, é aquele que faz parte do público que observa a obra para chegar ao caminho de mundo que ela contém, ainda terá que ter algum conhecimento de história e história da arte para poder entender o contexto de tal arte. 

O terceiro, a obra de arte, é a criação do objecto artístico que vai ate o entendimento do observador, pois todas as artes têm um fim em si, ou seja uma tradução. Portanto, a imagem visual tem como objectivo representar os contos populares ao aluno de forma mais visual possível, o que interessa ao professor ou ao artista, é a representação da realidade e da imaginação do conteúdo de tal arte para o aluno ou observador, de uma maneira que este possa compreender os ensinamentos da vida quotidiana. 

Em sua obra Arte e Percepção Visual: uma Psicologia da Visão Criadora (2005), Arnheim advoga que um desenhista encarregado de produzir a réplica fiel de um mecanismo eléctrico ou o coração de uma rã deve inventar um esquema que se adapte ao objecto ­ exactamente como o artista deve fazer. 

E uma vez que produzir a semelhança significa nada mais do que evidenciar os traços relevantes, não é de se surpreender que o desenhista deva entender quais são estes traços. Para se fazer uma reprodução utilizável de um objecto podem ser necessários os treinos biológicos, médico e técnico. Este conhecimento sugerirá ao artista um padrão perceptivo adequado que deve ser encontrado no objecto e aplicado à imagem. Toda reprodução é interpretação visual (ARNHEIM, 2005:146).


A expressão comunicada por qualquer forma visual é apenas tão clara quanto os aspectos perceptivos que a transmitem. Em O Belo (2010), Utuari advoga que a arte se põe a dialogar, a fazer contacto, a contaminar temáticas, fatos e conteúdos. 

A arte, ao abordar e abraçar, com imagens visionárias, questões tão diversas como a ecologia, a política, a ciência, a tecnologia, a geometria, a mídia, o inconsciente colectivo, a sexualidade, as relações sociais, a ética, entre tantas outras, permite que na cartografia proposta se desloque o documentário para o território das Conexões Transdisciplinares.” (UTUARI, 2010:2).


Segundo Casagrande (2013), Chapman “junto com colaboradores escreveu orientações curriculares para a educação que incluíam objectos e imagens da cultura popular da contemporaneidade e o mesmo tempo questionava a classificação geral das obras de arte. Dizia que arte educadora deveria ensinar os alunos a ler o em torno visual, os significados simbólicos” (CASAGRANDE, 2013:7).


Em sua obra História da Arte em 20 Lições (2016). Ricaldes advoga que “a pintura, para os realistas, é uma arte objectiva que procura a representação das coisas reais e existentes. Para os pintores realistas, a imaginação na arte consiste em saber achar a expressão mais completa de uma coisa existente.” (RICALDES, 2016:26). 


Para Lins em sua obra Arte e Educação, a arte educa essa nossa dimensão que não pode ser educada racionalmente, a dimensão da sensibilidade, do perceber e sentir o mundo de outra maneira, de refinar a nossa percepção, os nossos sentimentos. A arte educa primordialmente neste sentido, (LINS, 2011:22).


Suassuna citando Nédoncelle diz que as “artes visuais e auditivas, tem em vista o sentido através do qual a obra se entrega à intuição do contemplador: a Pintura é visual porque é através do olhar que a obra chega ao intelecto” (SUASSUNA, 2013:145).

Neste quarto e último momento, debruçamo-nos em torno dos saberes locais. Em sua dissertação intitulada Os saberes locais e o novo currículo do ensino básico (2006), Basílio diz que o termo “saber” significa, em primeira mão, ter conhecimento. No sentido fenomenológico, conhecer é ter consciência de alguma coisa, é apreender o objecto, é captar os fenómenos em suas diversas manifestações. No acto de conhecer se estabelece uma relação entre o sujeito e o objecto. O sujeito apreende as qualidades do objecto e o objecto com a sua passividade deixa-se conhecer. O objecto é a coisa que se pretende conhecer, seja ele material, cultural, ou espiritual e humano. (BASÍLIO, 2006:24).


De acordo com Lyotard (1989) citado por Basílio, a pragmática do saber narrativo discute em volta do que são saberes. Para ele, os saberes se fundamentam na competência que excede a determinação e aplicação do mero critério da verdade. Os saberes dizem respeito à eficiência, à justiça e felicidade, à beleza e normatividade. Lyotard afirma que “o saber é aquilo que torna qualquer pessoa capaz de proferir bons enunciados denotativos, mas também bons enunciados prescritivos, bons enunciados avaliativos” (LYOTARD apud BASÍLIO, 2006:24).

Para Basílio (2006), os discursos locais se fundamentam no seguinte pressuposto:

Todos os discursos são localizados no espaço, como uma das categorias fundamentais para o conhecimento. A noção do local não se refere apenas ao espaço localizado geograficamente, mas aos discursos educativos produzidos por pessoas duma determinada comunidade. Refere-se aos discursos de pertença comunitária que desempenham uma função na educação dos jovens da mesma comunidade. A questão do local é discutida por educadores com o objectivo de reconhecer a sua relevância na acção pedagógica. O conceito do local é trazido ao campo da educação para estabelecer uma ligação entre o discurso global e o discurso comunitário tradicional. Isto significa que os organizadores das políticas educativas se centralizam nas comunidades de referência dos actores locais e dos processos de regulação internacional. (BASÍLIO, 2006:26).


Mas um discurso é considerado local quando tem um carácter regional e caracteriza os falantes de uma determinada comunidade ou cultura situada no espaço. “Melhor, o discurso é localista quando é produzido nas comunidades locais e tem uma referência ao desenvolvimento regional.” (Ibidem).


Na óptica de Basílio (2006), todo o universo de saberes, como: os direitos costumeiros, os mitos, as religiões, as línguas, a agricultura, a arquitectura, a música, as artes, a literatura, artesanato, a pintura, os fenómenos sócio - culturais, a economia, a imaginação, a moral e a política têm a sua origem na localidade. “Estes são construções de grupos sociais localizadas nas comunidades e funcionam à luz da cultura local, portanto, do saber local. Por conseguinte, são designados de saberes locais. Usa-se o termo saberes locais não se restringindo apenas às formas de saberes nativos, mas estendendo-se para todas as formas de saber que se produzem e se capturam nas comunidades” (BASÍLIO, 2006:27).


Os saberes locais estão ligados à cultura e à vida das pessoas. Na verdade, os saberes locais resultam de informações localizadas nos grupos humanos e servem para a definição de um padrão de vida quotidiana. Os saberes locais são base do meio humano vivido como constitutivo do conteúdo. Eles são solidificados e cristalizados pelas comunidades para sua transmissão às gerações vindouras.


Para realçar a ideia de cruzamento Lyotard (1989) relaciona o saber local com o saber científico. Ele entende que o saber científico não é só o conjunto de enunciados, mas é também o saber voltado à vida quotidiana. A escola tem obrigação de ensinar esse saber. O saber quotidiano é abrangente e prático e diz respeito à vida da localidade. A relação que Lyotard faz entre o saber local e o saber científico é legítima. Porque o saber se auto-afirma como saber científico recorrendo o saber local (BASÍLIO, 2006:36).


Por isso, Lyotard afirma que “o saber científico não pode saber e fazer saber que ele é verdadeiro saber sem recorrer a outro saber, narrativa, que é para ele o não saber, em cuja ausência ele é obrigado a pressupor-se a si mesmo, caindo assim no que condena, a repetição do próprio, o preconceito” (LYOTARD, apud BASÍLIO, 2006:37).


Segundo Torres citado por Basílio, a adequação às necessidades locais foi anunciada como imperativo para o desenvolvimento de cada país. Tal adequação passa pela flexibilização do currículo. Para Torres, a “flexibilidade e adaptabilidade aos contextos locais são um parágrafo obrigatório em quase todos os documentos internacionais e, concretamente, naqueles produzidos na década de 90 pelas quatro agências que patrocinaram a Educação para Todos”, (TORRES apud BASÍLIO, 2006:38). 


A escola administra um conhecimento estruturado em disciplinas para responder aos problemas duma determinada área e a comunidade serve-se dos saberes locais para resolver os problemas do dia-a-dia. Os saberes locais estão categorizados em áreas. 

A par da categorização, um autor contemporâneo escreveu sobre a tipologia dos saberes que a educação deve oferecer. Trata-se de Jacques Delors (1996) que expôs quatro tipos de saber considerando-os de pilares fundamentais para educação, designadamente: “aprender a conhecer”, “aprender a fazer”, “aprender a viver junto” ou “aprender a viver com os outros e aprender a ser”. 


Em A longa marcha duma educação para todos entre Moçambique (2013), Ngoenha e Castiano, procuram reequacionar o estatuto axiológico e as estratégias para a implementação da visão ampliada de uma Educação para todos em Moçambique. Para eles, “o acesso aos benefícios e as finalidades educativas conseguidas no mundo contemporâneo, em parte graças ao desenvolvimento da tecnologia, devem ser compartilhados não só pelos homens do norte e pela elite do sul, mas por todos” (NGOENHA & CASTIANO, 2013:260). 


O processo de ensino e aprendizagem sob o ponto de vista da tradução dos contos populares em imagem visuais devem ser compartilhados não só pelos alunos do norte e pela elite do sul, mas por todos. A leitura da imagem da arte em sala de aula mobiliza simultaneamente a cognição e a imaginação, encaminhando um modo de conhecer que valoriza tanto a informação objectiva quanto a formação da subjectividade.


Para a AGENDA 2025 (2003:103) “Educação e formação devem dar valor preponderante à capacitação do cidadão moçambicano, fornecendo, especialmente, aos adolescentes e jovens, os instrumentos práticos e teóricos para ser bem sucedido na vida”. Assim, a Educação e a formação do homem moçambicano deve ser vista como sendo compostas por quatro pilares de saberes inter-relacionados:


Saber Ser que é preparar o homem moçambicano no sentido estético, espiritual e crítico, de modo que possa ser capaz de elaborar pensamentos autónomos, críticos e formular seus próprios juízos de valor que estarão na base das decisões individuais que tiver de tomar em diversas circunstâncias da sua vida;

Saber Conhecer que é a Educação para a aprendizagem de conhecimentos científicos sólidos e a aquisição de instrumentos necessários para a compreensão, a interpretação e a avaliação crítica dos fenómenos sociais, económicos, políticos e naturais;

Saber Fazer que proporciona uma formação e qualificação profissional sólida, um espírito empreendedor no aluno/formando para que ele se adapte não só ao meio produtivo actual, mas também às tendências de transformações no mercado;

Saber Viver Juntos e com os Outros que traduz a dimensão ética do homem integral, isto é, moralmente são, que saiba comunicar-se com os outros e que saiba respeitar-se a si, à sua família e a outros homens de diversas culturas, religiões, raças, entre outros (Idem:129). 


No processo de formulação da Agenda 2025, as aspirações da Sociedade moçambicana são no sentido de se dar maior ênfase à dimensão educativa e formativa do saber fazer.


É aspiração expressa por todos os cidadãos, ao longo dos debates, que o sistema de educação e o de formação profissional sejam orientados para produzir, criar riqueza e recursos de vida para si e para os seus dependentes e para o País, auto-empregando-se e empregando outros moçambicanos, contribuindo com a sua produção material e intelectual, para que Moçambique conheça um futuro próspero (AGENDA 2025, 2003: 103). 


Para a Agenda 2025, é indispensável melhorar a qualidade na formação, bem como a vida dos professores, para que haja progresso na Educação moçambicana: “Os factores cruciais para o progresso da Educação, a longo prazo, relacionam-se com a melhoria da qualidade de formação de professores, reconhecimento do seu nobre papel social e pagamento de incentivos ao seu trabalho para que produza melhor qualidade e aproveitamento (Ibidem).


Em sua obra Referenciais da Filosofia Africana: Em busca da intersubjectivação (2010), Castiano olha a Escola como espaço de intersubjectivação, onde o professor deve reconhecer o aluno e esteja disposto a escutar, a interagir, bem como a integrar-se mutuamente na relação pedagógica. “Para nós está claro que, insistimos, é na Educação, especialmente a formal. Todos os moçambicanos passam (ou deverão passar) pela Escola. É lá onde podem e devem preparar-se para o diálogo inter - e multicultural (CASTIANO, 2010:232). 


Portanto, a Escola deve ser espaço de intersubjectividade visual, isto é, de prática comunicação visual e de “diálogo que se baseiam no reconhecimento do outro ou outros como sendo também e de igual modo sujeito (s) do conhecimento (Idem:240).


Conclusão: 


A relevância deste artigo está no desafio que lançamos aos educadores na necessidade e na importância de visualizar os contos populares no processo de ensino e aprendizagem. A Escola deve impulsionar as artes visuais na relação pedagógica, onde através da comunicação visual, se resgate a moral expressa nos contos populares, que normalmente são transmitidos por via da oralidade. Esta pesquisa é relevante porque ajuda o aluno a ter mais interesse no conto visualizado, já que a imagem é um registo, e assim pode auxiliar o aluno a absorver informações contidas dentro daquela imagem a ser observada, ou mesmo reflectir a partir do que ela não contempla, se o conto for narrado oralmente. E assim, Explicar o processo de transição da oralidade dos contos populares à representação visual. Expondo a pertinência da tradução dos contos populares em imagens visuais, desafiando os educadores à praxis deste ideal com vista a melhorar as condições de ensino -aprendizagem. 

De tal modo que, optamos pelo método Hermenêutico associado a socialização, assim, o artigo consistiu na interpretação dos contos populares em obras de arte, bem como os livros complementares, que abordam sobre o tema em apreço em debate. Este estudo apoia-se em pesquisa teórica e apresenta natureza descritiva.  Por entendermos que, apesar das diferenças entre as diversas concepções analíticas sempre emerge uma abordagem comum que tende a conceber a “socialização como um mecanismo explicativo de inúmeras condutas individuais” (Dubar:1997:62).



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