ÁFRICA, ESSA NOSSA (DES)CONHECIDA: PANORAMA DAS PESQUISAS SOBRE ÁFRICA REALIZADAS POR PROFESSORES DA UNEB.

 

Gabriela Brandão Alves[1]

Universidade do Estado da Bahia (UNEB)- Campus V

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RESUMO

O presente trabalho intitulado “África, essa nossa (des)conhecida: Panorama das pesquisas sobre África realizadas por professores da UNEB” é fruto do projeto “África na Bahia: Ensino e Pesquisa em História da África na Universidade do Estado da Bahia (2003-2019)” desenvolvido pelo o professor Dr. Wilson Roberto de Mattos, fomentado pelo programa de bolsas de pesquisa e extensão-AFIRMATIVA, que se destina a analisar as publicações feitas por professores de história dos 9 campus da UNEB que oferecem curso de graduação em História, pesquisando o ensino de História da África e examinando as diversas temáticas abordadas. Esse sub-projeto, é pautado nas demandas que se apresentaram com a Lei Federal 10639-03, pretende analisar a produção científica publicada (livros, artigos, capítulos de livros e similares), produzida pelos(as) docentes da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) que lecionam componentes curriculares referentes à História da África nos 9 Departamentos da UNEB, a saber: Salvador, Santo Antônio de Jesus, Alagoinhas, Jacobina, Conceição do Coité, Eunápolis, Caetité, Itaberaba e Teixeira de Freitas. Através desse levantamento e análise, a partir do Currículo Lattes de cada professor(a) disponibilizado na Plataforma do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), foi produzido um panorama histórico, crítico e reflexivo sobre a pesquisa em História da África na UNEB, comparando Departamentos e, sobretudo, procurando identificar o perfil historiográfico e teórico-metodológico das produções. A pesquisa em questão para obter os resultados, seguiu o seguinte percurso: Estudos bibliográficos sobre os estudos africanos no Brasil; Levantamento da produção sobre História da África feito por professores que lecionam componentes de História da África nos 9 cursos de História da UNEB; Análise da produção usando uma metodologia comparativa classificando e organizando a produção a partir de critérios específicos, tais como: regularidades historiográficas, similaridades teóricas, temas prioritários etc; E as comparações entre a produção dos professores e as demais produções contemporâneas sobre a História da África feita pelos principais historiadores africanistas brasileiros. O projeto visa contribuir não só para a definição mais precisa do cenário da pesquisa sobre História da África na UNEB, como também, os resultados podem servir de auxílio para as políticas de pesquisa da mesma. Pois, sendo uma universidade que abriga uma comunidade acadêmica que é em partes formada por negros essas informações quantificadas e analisadas auxiliará os cursos a redefinirem seus currículos e assim formar professores da Educação Básica com um maior conhecimento sobre o continente africano, influenciando diretamente na qualidade da educação brasileira.

Palavras-chave: Ensino de história; África; Professores; UNEB; Colonialismo;

Uma das características mais destacadas sobre a população brasileira é a sua mistura de traços, que varia a intensidade dependendo da região. A mestiçagem brasileira é fruto de anos de exploração, tráfico negreiro, tentativa de embranquecimento e narrativas eurocêntricas. A construção da nação brasileira e a manutenção do sistema escravista foi alicerçada em um discurso segregacionista e hegemônico, sendo utilizado explicitamente até a abolição da escravatura. Com o passar dos anos e com o fim do sistema escravista por meio da lei áurea, a ideia de igualdade foi sendo propagada e enraizada no Brasil, mesmo não sendo essa a realidade.

Após o fim da escravatura, diversos aspectos da comunidade brasileira foram romantizados e distorcidos pela elite brasileira, principalmente o processo abolicionista de 1888 com a figura da Princesa Isabel nos espaços de educação formal como figura principal desse processo. Narrativas sociológicas, como a de Gilberto Freyre e leis que afirmam a existência da igualdade entre os indivíduos, como o artigo 5° da 7ª Constituição de 1988, respaldam a existência dessa igualdade entre os indivíduos. Por meio dessas narrativas, se estabelece um discurso igualitário inviabilizando diversos percalços enfrentados por parcela da população. Zamparoni frisa:

Finda a escravatura, em 1888, parece que uma amnésia tomou conta do Brasil. Na verdade, não era uma amnésia natural, mas proposital. Era preciso extirpar da história pátria aquilo que era considerado um nódoa prejudicial à nova imagem do Brasil agora cada vez mais devido ao crescente incentivo à migração branca em substituições à força de trabalho escrava. O Brasil não poderia ficar de fora da nova moda européia representada pelo positivismo, evolucionismo e darwinismo. ( Zamparoni, 2007)

 

Assim como a romantização da escravidão a partir da narrativa de salvamento, o processo de  invisibilização dos diversos aspectos econômicos, culturais e intelectuais da comunidade afro teve grande impacto na sociedade atual, influenciando brancos e negros do país a acreditarem que a África e seus descendentes seriam inferiores e/ou atrasados servindo apenas para a mão-de-obra escravizada.

O processo de apagamento de vivências da população escravizada, defasou diretamente a construção de identidade da população negra, que resistia duramente ao processo de subalternidade e invisibilidade. Apesar dos diversos meios de exclusão do negro e o tráfico negreiro em si, muito da cultura africana foi conservada, possibilitando a construção de meios de resistência, que diante das narrativas predominantes resultaram na formulação de uma lei que trouxesse a obrigatoriedade de narrativas relacionadas a população negra para além da escravidão.

Apesar da construção da Lei 10.639-03, que altera a Lei no 9.394, estabelecendo a necessidade de inclusão no currículo oficial da Rede de Ensino a temática "História e Cultura Afro-Brasileira", é de extrema importância destacar de onde está vindo o referencial das narrativas utilizadas na aplicação dessa Lei dentro do âmbito escolar, visto que, a Lei busca não só o conhecimento com relação ao continente, como também a quebra das narrativas eurocêntricas e a construção de uma identidade apagada no decorrer dos séculos. No artigo “Faces do racismo: a invisibilidade da capacidade intelectual do negro na formação cultural brasileira”, os autores apontam que:

[...] a história ensinada pelas instituições de ensino praticamente não possibilita imaginar, aprender e compreender e, por meio do senso de alteridade, a construir empatias e identificação da população com os negros. Pode-se citar o fato de que apenas no ano de 2017, a biografia de Mahommah Gardo Baquaqua, negro nascido na África, no início do século XIX, e escravizado no Brasil, foi publicada em português. Essa mesma obra foi lançada em 1854, nos Estados Unidos pelo próprio Mahommah, o qual tinha conhecimentos em literatura e matemática. Portanto, a obra permaneceu por mais de 150 anos desconhecida pelos brasileiros, provando que somente a pouco tempo essa temática vem despertando interesse e sendo estudada pelos brasileiros. Com a inclusão de temas como esse em disciplinas escolares, é possível construir socialmente a imagem de negros para além do contexto da escravidão. (COSTA; AMARAL; CORTES, 2018, p. 3)

 

Com isso, a necessidade de professores de História, decoloniais, atentos e críticos com relação as narrativas afro-brasileiras estabelecidas, são fundamentais na aplicação eficaz da lei. Para que os professores tenham um olhar mais sensível para as apresentações relacionadas a essa temática é de extrema importância a formação desses professores com um contato corriqueiro com as construções intelectuais relacionadas ao continente africano, não só como desmistificadora, assim como também um objeto de análise importante para a construção da sociedade brasileira.

Visto a importância e impacto na construção social, a formação dos professores se torna um ponto de partida fundamental dentro da construção de uma Educação Antirracista e decolonial, dando passagem para um importante marcador, que são as publicações feitas por professores de História que lecionam componentes curriculares referentes à História da África, na Universidade do Estado da Bahia, visto que, seriam o principal vínculo entre os professores em formação e o contato com o continente africano e seus intelectuais.

Convivem, no Brasil, de maneira tensa, a cultura e o padrão estético negro e africano e um padrão estético e cultural branco europeu. Porém, a presença da cultura negra e o fato de 45% da população brasileira ser composta de negros (de acordo com o censo do IBGE) não têm sido suficientes para eliminar ideologias, desigualdades e estereótipos racistas. Ainda persiste em nosso país um imaginário étnico-racial que privilegia a brancura e valoriza principalmente as raízes européias da sua cultura, ignorando ou pouco valorizando as outras, que são a indígena, a africana, a asiática. (Brasil, 2004, p.14)

 

No trecho destacado, retirado da “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das relações étnico-raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana” de 2004, ratifica-se a importância de se trabalhar as narrativas afro-brasileiras para além do acréscimo de uma nova temática no currículo como também a exposição de novas narrativas e culturas que não sejam apenas a eurocêntrica, visto que a predominância da narrativa e cultura europeia ignora outros tipos cultura e estabelece um olhar desigual e racista com relação as outras.

O presente trabalho intitulado “ÁFRICA, ESSA NOSSA (DES)CONHECIDA: Panorama das pesquisas sobre África realizadas por professores da UNEB” é fruto do projeto “ÁFRICA NA BAHIA: Ensino e Pesquisa em História da África na Universidade do Estado da Bahia (2003-2019)” desenvolvido pelo o professor Dr. Wilson Roberto de Mattos[2], que se destina a analisar sobre as publicações feitas por professores de História dos nove campus da UNEB, pesquisando o ensino sobre a História da África, examinando as diversas temáticas abordadas.

 Pautado nas demandas que se apresentaram com a Lei Federal 10639-03, o referido subprojeto analisou a produção científica publicada (livros, artigos, capítulos de livros e similares), produzida por 5 docentes da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) que lecionam componentes curriculares referentes à História da África nos 9 (nove) Departamentos da UNEB que possuem curso de História, a saber: Salvador, Santo Antônio de Jesus, Alagoinhas, Jacobina, Conceição do Coité, Eunápolis, Caetité, Itaberaba e Teixeira de Freitas. Através desse levantamento e análise, a partir do Currículo Lattes dos 5 professores disponibilizados na Plataforma do CNPq, foi produzido um panorama histórico, crítico e reflexivo sobre a pesquisa em História da África na UNEB, comparando departamentos e, sobretudo, procurando identificar o perfil historiográfico dessas produções.

O artigo “A África e os estudos africanos no Brasil: passado e futuro” de Valtemir Zamparoni discorre sobre os estudos de África e a sua escassez no território brasileiro por conta do predominante olhar europeu que influenciou diretamente os estudos brasileiros contendo raras referências a África e a cultura africana, criando uma invisibilidade. A presença negra dentro da historiografia brasileira aparece sempre em segundo plano como um mero detalhe dentro do expansionismo europeu, sem ou com quase nenhuma historicidade. As primeiras narrativas que se tornaram presentes inicialmente durante o período colonial traziam a África como um local exótico, selvagem, tendo como único valor a vida tornando o termo África sinônimo para um local de humanos miseráveis e homogêneos reduzindo todo o continente a ideia de cidade.

Após a abolição da escravatura, além do surgimento da República e a necessidade de substituir a mão de obra escrava, emergia também o dever da construção de uma identidade nacional, discursões baseadas em uma grande democracia racial que formaria a população brasileira, originando discussões relacionadas à opressão, alienação, conflitos raciais e relações de classes, porem nada sobre a África e os africanos. Desde 2002 a Lei 10.639 torna obrigatório o ensino de História da África e da Cultura Afro brasileira do Ensino Fundamental ao Ensino Médio, mas é crucial a capacitação de pessoas para que as dificuldades relacionadas a Áfricas sejam superadas.

Há uma onda crescente que envolve também a publicação de livros e materiais didáticos diversos. Tudo isso nos parece extremamente importante pois enquanto a África permanecer desconhecida dos brasileiros, tanto a direita, quanto a esquerda, tantos reacionários racistas, travestidos de liberais, quanto os que labutam arduamente para extinção, vão continuar prisioneiros de uma visão da África que foi criada para dominar. ( ZAMPARONI, p. 49)

 

Zamparoni, no trecho acima, salienta a importância dos estudos africanos dentro da sociedade brasileira tanto na construção de uma narrativa não fantasiosa com relação a África quanto na destruição da visão eurocêntrica relacionada ao continente africano, trazendo - o como um local produtor de conhecimento assim como os outros continentes considerados de “ primeiro mundo”.

Assim como outras regiões, o Continente Africano é detentor de tecnologia, conhecimento, cultura e intelectualidade, o autor reitera a existência de conhecimento nesse ambiente assim como também a importância dela para a construção brasileira visto que, parte da cultura e da população brasileira é proveniente do continente africano. Sem o conhecimento das especificidades da região, o Brasil acaba por perpetuar a reprodução de uma narrativa racista e construída para dominar, impactando diretamente na construção coletiva da identidade e autoestima negra.

O autor Anderson Ribeiro em “O ensino da História da África em debate”, aborda como as crenças eurocêntricas relacionadas aos países do continente africano, perpetuam pensamentos do continente como inferior, “... ele ficou admirado com seu traçado urbanístico, com o moderno aeroporto e com o hotel de luxo em que ficou. ‘nem parecia estar na África"' (OLIVA, 2008), o trecho denuncia a perpetuação da ideia de que a África seria um local deserto tanto de cultura quanto de tecnologia. Estatísticas relacionadas à pobreza, guerras e doenças estão presentes na sociedade, porém não são a totalidade do que é a África, o passado e o presente do continente africano são para além da fome, guerras, doenças e sujeiras, uma vez que esses problemas são encontrados em outros continentes também, inclusive, o Europeu. Para mudar esse quadro o estudo de África deve ter a mesma importância que os estudos sobre a Europa como: Grécia e Roma, Estados Nacionais Europeus, Revoluções Liberais entre outros.

Além do fato da história da África e a brasileira estarem interligada pelo período de escravização, o estudo aprofundado das duas auxiliaria na construção de uma identidade político-social de negros brasileiros. Visto que, os estudos trazem o conhecimento de África e o conhecimento de africanos mais que do período escravocrata. Partindo da ideia de que os estudos africanos se referem a toda uma variedade de disciplinas que tem como objeto de estudo a África, um bom conhecimento sobre o presente pode demonstrar pontos de vista úteis para compreender o passado da sociedade africana e a brasileira.

Com isso, surge a necessidade de uma atenção maior relacionada à construção de narrativas sobre o continente africano, diante dos diversos impasses que envolvem essas questões, a análise quantitativa/qualitativa de textos publicados com essa temática se mostra de extrema urgência. Visando catalogar e analisar de forma quantitativa as publicações que contém temas relacionados a África, a partir de recortes específicos relacionados a Bahia, foi selecionado 5 professores do corpo docente da Universidade do Estado da Bahia- UNEB, para a contagem de publicações de artigos, capítulos de livros e livros entre os anos 2017-2022.

Em primeiro momento, o gráfico 1, exposto logo abaixo, aborda a quantidade de artigos postados por 5 professores. Dentro desse recorte temporal, dos 9 artigos publicados; 3 eram sobre afro-brasilidades, 2 eram de temática africana e 5 era sobre outros assuntos. Sendo 3 desses artigos postados em 2017, 4 em 2018, e 2 em 2019, nos anos 2020, 2021 e 2022 não houveram publicação de artigos dos professores selecionados.

 

GRÁFICO 1

 

 

     Gráfico do autor

 

            Em sequência, o gráfico 2 evidenciado divide as publicações de livros, no total foram 5 livros publicados, sendo 4 livros sobre afro-brasilidades, e 1 com outras temáticas, a temática africana nessa catalogação acaba ficando com zero, um dos 5 livros foi publicado em 2018, 2 em 2019 e 2 em 2020, os anos 2017, 2021 e 2022 não constam publicações feitas pelos mesmos.

 

GRÁFICO 2

 
   

 

 Gráfico do autor

 

E por fim, o terceiro gráfico versa sobre os capítulos de livros publicados, sendo 15 no total. 1 foi publicado em 2017, 2 em 2018, 7 em 2020, 3 em 2021 e 2 em 2022. Sendo apenas um sobre temáticas africanas, um sobre temáticas afro-brasileiras e 13 relacionados a outros assuntos. Dentro dos dados coletados, das 30 publicações catalogadas, apenas 3 são de temáticas africanas, sendo 1 capítulo de livro e 2 artigos, totalizando apenas 10% das publicações feitas.

GRÁFICO 3

 

Gráfico do autor

 

Analisando os dados coletados, conclui-se a partir dos pontos catalogados a predominância de exposições sobre história social e cultural brasileira, temas contemporâneos no âmbito da pesquisa acadêmica e entre os professores selecionados. 

 É perceptível, infelizmente, que as explanações relacionadas a esta temática é escassa comparada a outros assuntos que não abordam a África ou pelo menos não aborde diretamente o tema. Nos dias atuais, o trabalho de pesquisa sobre o tópico africano sofre diversos empecilhos para se estabelecer com o devido destaque dentro do âmbito acadêmico, visto que, eixos voltados ao continente europeu são predominantes.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A pesquisa em questão evidencia não só o quantitativo de publicações de professores de História da África no curso de História da Universidade do Estado da  Bahia, (UNEB), que não deixa de ser o pilar principal, pois a formação de professores de História, é a que tem um contato ainda maior com discussões voltadas para a desmistificação de exposições racistas e eurocêntricas, mas destaca também a necessidade de se debruçar sobre as publicações feitas relacionadas a África, visto que, os indivíduos originados desse continente tem grande participação na formação brasileira e deve ter as suas informações predominantes no território para que  não continue a sofrer o epistemicídio iniciado no período escravista. Anderson Ribeiro Oliva destaca:

 

No que concerne ao estudo da História da África, não podemos ignorar o fato de que após o processo de libertação africano, ocorrido na segunda metade do século XX, principalmente até os anos 70, ocorreu uma expansão — quantitativa e qualitativa — significativa das pesquisas realizadas sobre a história do Continente, tanto por africanistas como por historiadores dos países recém-formados (Difuila, 1995). Porém, devido a problemas internos e ao descaso externo, esses países — falamos especialmente dos países africanos de língua portuguesa 6, tiveram alguma dificuldade em transportar para seus ensinos as inovações conquistadas por seus pesquisadores. No mundo europeu, esse momento foi marcado por um novo perfil das pesquisas, até então realizadas sob a tutela do olhar colonialista. Já na América, concentraram-se, principalmente nos Estados Unidos e no Brasil, os maiores esforços de entendimento sobre a África, evidenciados pelas pesquisas e centros de estudos montados. Mesmo assim, se comparados com estudos realizados sobre outras temáticas, ainda são esforços pálidos. (Oliva, 2003)

 

 

 

 Após a construção da pesquisa e o levantamento quantitativo das publicações, foi possível identificar uma constante construção de quebra das narrativas coloniais que fomentam a existência da Lei 10.639-03, porém a partir do recorte temporal escolhido foi possível mensurar uma defasagem nessas publicações, o baixo número de publicações voltadas para as temáticas africanas e o número relativo de publicações voltadas para afro-brasilidades, demonstram um esvaziamento de escritos com relação a África que já não eram em grande escala e o surgimento de uma possível necessidade de informes imediatos com relação às problemáticas voltadas às resistências negras e as suas vivências dentro de um território extremamente racista e classista como o brasileiro, sendo essa uma hipótese justificativa para os números coletados, demonstrando um grande perigo para a construção de uma historia enraizada que seja decolonial e crítica. Os autores evidenciam:

A inserção de saberes, conhecimentos e experiências do mundo africano, através do ensino de História da África no currículo instituído, pode revelar sutilezas da geopolítica do conhecimento, responsáveis por inclusões e exclusões as mais variadas, consideramos necessário a busca de pressupostos que orientem a problematização da relação entre a institucionalidade de um currículo e a colonialidade do poder e do saber. (Mattos; Pena. 2013)

 

No trecho é perceptível o tamanho do impacto das explanações relacionadas a realidade africana no território brasileiro, evidenciando que, trabalhar essas temáticas não só implicaria na identidade brasileira como também na construção do conhecimento das individualidades desse território extremamente diverso e multicultural.  É de suma importância destacar, que a urgência com relação aos relatos africanos no território brasileiro, e acima de tudo o baiano, além de fomentar a identidade cultural baiana, por estar atrelada às raízes africanas, não desqualifica a importância das narrativas afro-brasileiras, muito pelo contrário, uma impulsionaria a outra em diversos aspectos e possíveis caminhos a serem trabalhados durante a construção de publicações que tenham como objetivo trabalhar com a autoestima negra e o pensamento decolonial. Tendo em vista que, publicações afro brasileiras não diminuem a necessidade de publicações voltadas às narrativas africanas, a pesquisa em questão evidencia o lembrete para a manutenção das pesquisas afro, pois elas são ferramentas fundamentais para o estimulo de pesquisas relacionadas à História cultural, social e contemporânea da população negra.

O autor Zamparoni destaca em seu artigo a predominância de pesquisas afro-brasileiras principalmente relacionadas a dificuldades enfrentadas pelos negros, porém, não tem números expressivos relacionados a cultura, tecnologia, literatura africana, uma vez que é de forte importância para desmistificar crenças enraizadas por conta da visão eurocêntrica sobre o continente Africano, como também conhecer, compreender e construir a identidade e o empoderamento étnico afrodescendente a partir das raízes africanas que foi negado durante longos anos na história brasileira.

Com isso, conclui-se que a partir da pesquisa evidenciou-se uma das diversas problemáticas enfrentadas na implementação eficaz e na permanência da Lei 10.639-03, pois a construção de uma lei voltada às narrativas africanas e afro-brasileiras não seria o bastante para a desmistificação e a quebra de seu apagamento com relação ao continente e suas influências no território brasileiro, a necessidade de professores e professoras com uma formação básica sobre o território e preparados para pensar de forma decolonial, visando a destruição das narrativas errôneas e racistas sobre o continente, se fazem fundamentais para uma boa execução da lei. A formação desses docentes minimamente capacitados depende de professores universitários de ensino de História da África que se debrucem genuinamente sobre a temática, construam narrativas voltadas para África e o impacto no Brasil, e também trabalhem com intelectuais africanos nessas construções, para que incite não só a quebra das narrativas eurocêntricas como também instigue o interesse dos alunos para a temáticas e possíveis futuras pesquisas acerca do tema. Pois, quando comparado a outras temáticas a pesquisa de África ainda tem um longo caminho a ser percorrido para que se equipare, em números, às publicações europeias no território brasileiro.

Em conclusão ressalto novamente as palavras de Zamparoni já destacadas com relação ao ensino de África, no qual o mesmo aponta, que enquanto a África continuar sendo uma desconhecida, a direita, a esquerda, os racistas fantasiados de liberais e a população em geral continuará aprisionada a ideia da África como um local vazio criado para ser dominado. Para que isso não ocorra, é de máxima relevância uma formação e construção acadêmica que acompanhe os anseios anticoloniais emergentes no território brasileiro, respaldando as narrativas do movimento negro estabelecidas antes mesmo do olhar governamental com relação a essa problemática e da implementação da lei 10.639-03.

 

 

 

REFERÊNCIA

 

BRASIL, Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação das relações ético-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana. Brasília: DF. Outubro, 2004.

 

COSTA, Laís Braga et al.. Faces do racismo: a invisibilidade da capacidade intelectual do negro na formação cultural brasileira. E-book SENACORPUS / Edição 2018... Campina Grande: Realize Editora, 2018. Disponível em: . Acesso em: 14/11/2023.

 

GOMES, Flávio; MATTOS, Wilson. Em torno de áfricas no brasil: bibliografias, políticas públicas e formas de ensino de história. In: CARLAN, Cláudio Umpierre; FEITOSA, Lourdes Conde; FUNARI, Pedro Paulo Abreu; ZANLOCHI, Terezinha. As veias negras do Brasil: conexões brasileiras com a África. Alfenas- Mg: Editora Universidade Federal de Alfenas, 2018. p. 1-273.

 

HOUNTONDJI, Paulin J.  «Conhecimento de África, conhecimento de Africanos: Duas perspectivas sobre os Estudos Africanos», Revista Crítica de Ciências Sociais, 80 | 2008, 149-160.

 

MATTOS, Wilson Roberto de; PENA, Patrícia Carla Alves. Em torno do ensino de história da África na Bahia: breves considerações gerais. Revista de História Comparada, Rio de Janeiro, v. 7, p. 216-243, dez. 2013.

 

OLIVA, Anderson Ribeiro. A História da África nos bancos escolares. Representações e imprecisões na literatura didática. Estudos Afro-Asiáticos, [s. l.], n. 3, p. 421-461, 2003.

 

OLIVA, Anderson Ribeiro. O ensino da história da África em debate: uma introdução aos estudos africanos. In: RIBEIRO, Álvaro Sebastião Teixeira Ribeiro et. al (orgs.). História e cultura afro-brasileira e africana na escola. Brasília: Ágere, 2008, p. 29-49.

 

REVISTA ÁFRICA(S): Revista do núcleo de estudos africanos e do programa de pós-graduação em estudos africanos e representações da áfrica, da universidade do estado da bahia. — Alagoinhas: Uneb: E-Criativa, v. 1, 2014. Semestral.

 

ZAMPARONI, V. D. . A África e os estudos africanos no Brasil: passado e futuro. In: Ciência e Cultura (SBPC), v. 59, 2 , p. 46 - 49 , 2007. ISSN: 00096725. http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252007000200018.

 

 

[1]Graduanda em História pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Campus V. Membro do Núcleo Interdisciplinar De Estudos Africanos e Afro-Brasileiros (AFROUNEB). Ex-bolsista do Núcleo de Ações Afirmativas (PROAF).

 

[2]  Professor Titular da Universidade do Estado da Bahia-UNEB, atuando como Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em História Regional e Local. Pós-Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em História Comparada - UFRJ. É membro fundador da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros - ABPN e da Associação de Pesquisadores Negros da Bahia - APNB. Conselheiro do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial de Santo Antonio de Jesus-BA.