FUNDAMENTOS EMPÍRICOS DA ÉTICA E CONDIÇÕES NECESSÁRIAS AO ESTABELECIMENTO DE UMA MORAL MAIS UNIVERSAL

Não há como estabelecer princípios éticos universalmente aceitáveis sem a identificação prévia das ações que são comuns e necessárias à existência individual de todos os seres humanos. Tais ações são transeculares, porque estão presentes em todas as épocas, lugares e condições sendo que, basicamente, referem-se à nutrição, hidratação, salubridade, enroupamento ( em lugares e condições frias ou muito quentes ), copulação e ao descanso e abrigamento. Resumidamente, estas ações são para o benefício do próprio sujeito em sua fisicalidade, o que nos leva a conclusão de que não há como se estabelecer princípios éticos, universalmente reconhecíveis, sem se possibilitar ao sujeito que aja em prol de sua corporeidade.

              Além disso, o sujeito também interage com a corporeidade alheia e age para suprir o desejo de adquirir objetos, seres vivos e imóveis, o que é uma forma psicológica de auto-expansão. Este tipo de ação é mais uma das modalidades de ação para si ou em prol de si e pode se dar tanto de forma individualista e egoísta, quanto de forma coletivista e altruísta.

             Um outro aspecto que deve ser destacado é que todo sujeito sente, pensa, age, crê, imagina, julga e reconhece o mundo enquanto ele mesmo, o que significa que ele tem consciência de si e como tal a si pertence. Consequentemente, também, não há como se estabelecer princípios éticos universalmente aceitáveis sem se reconhecer a condição de auto pertencimento do mesmo e a consequente inviolabilidade corporal.

              Destarte o que se conclui é que o primeiro passo para se estabelecer princípios éticos passíveis de aceitação universal, depende do reconhecimento de que todo ser humano a si pertence e age em prol de sua corporeidade e de si ( eu psicológico ) de um modo egoísta ou altruísta. O segundo passo depende do estabelecimento das condições para que isso se cumpra para todos. Assim, do auto pertencimento podemos deduzir que: se o corpo do sujeito a ele pertence e se esta é uma condição válida para todos, então cabe-lhe fazer o uso que bem lhe aprouver do mesmo em vida, desde que não comprometa a integridade corporal alheia ( auto pertencimento alheio ). Quanto às ações em prol da corporeidade, há de se garantir que através de qualquer tipo de trabalho remunerado o sujeito esteja em condições de concretizá-las. Já as ações em prol de si, por se darem predominantemente de forma individualista e egoísta, podem ter resultados prejudiciais aos outros, razão pela qual precisam ser delimitadas na sociedade. Na verdade esta delimitação tende a se constituir como consequência natural do reconhecimento universal de nossa mencionada condição inata de auto pertencimento. No caso, por exemplo, das interações físicas de um sujeito com outro, principalmente aquelas que envolvem a busca de prazer em suas inúmeras modalidades ficaria subentendido, em razão desta condição, que o sujeito pode fazer com o seu corpo o que bem lhe aprouver e que, quando a obtenção deste prazer envolvesse a presença de um ou mais indivíduos, deveria se dar de um modo que comprometesse a corporeidade destes até o ponto em que achassem que lhes conviria, tanto para o bem dos mesmos quanto para o bem da sociedade, pois a proliferação de doenças, que pode ocorrer em função desta interação, é prejudicial à mesma. Ademais, o auto pertencimento por coincidir com a consciência de si, nos adultos é consciência da totalidade da própria corporeidade, que envolve os limites desta e das demais corporeidades, com as diferenças mensuráveis existentes entre as mesmas. Agora, se restringirmos a análise destas diferenças às características mais relevantes que são altura, peso e força, obteremos valores que indicam, claramente, até que ponto elas podem variar em nossa espécie. Como o "sentir" nos dá uma ideia do que faz parte ou não de nós, daí também resulta a primeira noção de propriedade. E, se considerarmos que as  variações antropométricas naturais de nossas propriedades corpóreas não são muito grandes, pois a altura de um indivíduo, nos casos mais extremos, provavelmente, não passa do dobro da altura de outro; o peso de um indivíduo funcional ( evidentemente ) também, nos casos mais extremos, não excede o triplo do peso de outro e a força do mais fraco, provavelmente, não deve ser inferior a um quinto da força do mais forte; então uma média obtida de tais critérios deveria ser usada em relação à propriedade extensível e ao valor atribuído ao trabalho desempenhado por cada um para nos aproximarmos mais dos parâmetros naturais de nossa espécie e menos dos parâmetros naturais universais, sejam aqueles provenientes da comparação de uma espécie com outra ou aqueles provenientes da comparação de coisas de natureza diferente.

             É certo que a simples constatação da existência de critérios naturais constitutivos, que estabelecem as diferenças individuais em nossa espécie de um modo mais justo, não é suficiente para que o apliquemos em nossas sociedades. Isso se deve, mais uma vez, à ação natural em prol de si dar-se mais no sentido individualista e egoísta do que sentido coletivista e altruísta em decorrência do costume, do modelo educativo vigente e do fato do sujeito não encontrar resultados satisfatórios para si, quando age em prol da coletividade. Por isto, estes critérios, apesar de suas bases empíricas, só passam a vigorar se forem estabelecidos na forma da lei e esclarecidos através de um sistema educativo humanizante e auto justificante.

               Existe uma outra classe de princípios que não dizem respeito à ética e sim à moral. Faço esta distinção, porque os princípios éticos descritos fundamentam-se em critérios naturais para a constituição social e relacionam-se com o direito e a delimitação do mesmo. Já a moral deriva do estado social constituído e tem relação com a implantação de deveres mútuos. Um exemplo disso é o ato de prestar socorro a alguém que foi vítima de um acidente ou de uma tragédia. Os deveres morais desta ordem nem sempre obtém apoio voluntário dos não envolvidos ou envolvidos. O primeiro motivo provém do distanciamento natural que cada indivíduo guarda com o outro, ou seja, por não senti-lo e também por não ter nenhum vínculo sexual, sentimental, de interesses ou de parentesco com o mesmo. O segundo se deve ao modelo social vigente, baseado em um sistema de compensações e valorizações de minorias e que promove desigualdades muito além das desigualdades naturais comuns à nossa espécie, resultando na divisão da sociedade e na dessensibilização do sujeito. O terceiro é devido ao sistema educativo, que prioriza a profissionalização do sujeito em detrimento de sua humanização. O quarto é devido a este mesmo sistema educativo por não instituir como parte do currículo obrigatório os serviços comunitários e braçais, visando desenvolver o atrofiado sentimento de solidariedade e empatia tão imprescindíveis à formação do vínculo social. O quinto decorre da ausência ou apenas compensação psicológica ( auto-incutida ) pelo esforço individual em prol da coletividade e o sexto se deve ao aumento generalizado da trapacice nas relações interpessoais o que gera a desconfiança em relação ao outro.

               Suscintamente, podemos concluir que uma ação moral se torna de difícil realização, quando o sujeito não consegue identificar algo que venha em prol de si ao empreender tal ação. Pois não há como garantir a solidadriedade alheia em situação futura caso aquele que prestou socorro ( como no exemplo mencionado ) se veja na mesma situação do socorrido. Por esta razão as ações morais que dizem respeito ao dever e que, se praticadas, vêm em benefício de todos, quando em sociedade, devem ser impostas através da lei da mesma forma que as ações éticas que dizem respeito aos direitos universais. Como vemos, apesar dos critérios morais não possuírem fundamentos conaturais como acontece com os critérios éticos, ambos dependem de determinadas condições para que se dêem assim como destas também dependem os fatos captados pelos sentidos. Portanto, é esta dependência dos condicionantes que a moral, a ética e os fatos se mostram coincidentes e devem ser comparados e não segundo os critérios científicos. Se eu digo, por exemplo, "está chovendo", constato um fato, mas não entrevejo todas as condições necessárias para que este fato se dê, ou seja: a simples constatação de um fato não me oferece seus elementos cosntitutivos e nem as condições envolvidas na definição destes constituintes, que fazem com que o fato se dê ou não. "Está chovendo" é uma constatação sensorial acessivel a todos os seres humanos, que estejam ao alcance da chuva. O problema é que tal constatação não me garante se "vai chover" ou se "continuará chovendo" e tão pouco se "nunca mais irá chover" ou se "choverá por tempo indeterminado". É neste sentido que os fatos se comparam com a ética e com a moral, apesar desta última não apresentar os mesmos fundamentos. Vamos imaginar que estamos vivendo em um determinado período histórico em uma ilha isolada, onde a sociedade  é dividida em dois blocos: o de senhores e o de escravos e que desde tempos imemoriáveis sempre foi assim. Para quem nasceu nesta ilha remota, esta divisão é um fato e, a menos que não se cogite a possibilidade de que pode ter havido um período em que não havia tal divisão ou poderá haver tal período no futuro ou que outros povos venham a interferir e influenciar, este modelo social continuará vigorando pelo menos durante a vida relativamente breve de uma geração de pessoas. Uso estes exemplos apenas para reiterar que tanto os fatos naturais quanto a ética e a moral dependem de determinadas condições para que existam. A chuva é necessária, mas sem nuvens não chove. Também não chove se não houver certo tipo de nuvens ( cúmulos nimbos ) ou se os ventos dispersarem estas nuvens. Do mesmo modo, no estado social é necessário o reconhecimento das bases naturais da ética e das bases adjuntivas da moral, conforme aqui descritos. Porém, isso não se constitui em determinada sociedade sem as condições constitutivas que se referem ao preparo prévio dos indivíduos, através da educação humanizante, que promova o revezamento experiencial e ao estabelecimento de leis que garantam o auto pertencimento e o acesso aos recursos para que isso se dê; garantam também ações em prol de si mais equilibradas e justas e, por fim, garantam o cumprimento de ações necessárias que devem se dar em prol de semelhante e da coletividade.