O Transporte Público e suas Lições de Vida
Publicado em 25 de outubro de 2015 por Rachel Carfer
Imagine vocês que estamos sentados em um acento de um dos muitos ônibus circulares na cidade de São Paulo. Estamos pensando na vida depois de mais uma noite cansativa com a turma do segundo ano da faculdade. As coisas vão de mal a pior. Não há tempo para terminar os trabalhos, estudar para as provas, se alimentar corretamente, sem ter de engolir o almoço ou jantar, nem sequer de ter as devidas oito horas de sono recomendadas por tantos médicos. O tempo é curto e nada se sobra dele para dedicar a nós mesmos se não esses trinta minutos do percurso entre o campus e o metrô, gastos pensando desesperadamente em uma solução para aliviar o estresse e o tempo, que parece tão contrário a nós. Pensamento vai, pensamento vem, desejamos desistir da faculdade, já não entendemos o objetivo no fim de todos estes sacrifícios, quando embarca no ponto seguinte um senhor, muito espontâneo, que repentinamente cumprimenta o motorista e pergunta se pode tomar o acento ao nosso lado. Com um aceno concordamos e voltamos a olhar a janela com expressões vagas e alheias. Nos queixamos, pois então, dos problemas uns aos outros. O senhorzinho escuta as queixas aparentemente tão alheio a elas quanto nós a janela, até que, com um sorriso, ele se dispõe a argumentar o assunto iniciando a lição com um casual pedido de desculpas pela intromissão. Aquele senhor de forma tão radiante e apaixonada discursa sobre seus dias com a carteira da OAB, seus casos nos tribunais, suas atuações em muitas histórias de vida. De forma intrigada ouvimos as palavras do senhor tentando entender o ponto de chegada. Ao reparar nossa expressão confusa, ele sorri e passamos a saber que todas aquelas histórias não passam de águas já corridas, e ele já não faz mais o exercício das leis como advogado. Tivera um AVC e tal fatalidade o privou de exercer sua profissão. Perdera a carteira da OAB, os dias no tribunal e acima de tudo o futuro que passara a adolescência inteira planejando e a juventude toda se dedicando. Muitos estudos, muitos obstáculos enfrentados, um sonho alcançado e barrado por um repentino problema de saúde. Imaginamos que isto fosse o fim: O senhorzinho estudara, e terminara sem sua carreira. Então é a este tipo de destino ao qual estamos fadados? Como que de súbito, ele percebe a pergunta e sorri. Descobrimos que agora, o caro senhor, estuda química, e se apaixonara pela ciência dos elementos tanto quanto por advocacia. Passamos a lembrar então quantas vezes já não nos concentramos tanto em um problema, que nos esquecemos que há no mundo pelo menos mais sete bilhões de pessoas na mesma situação que a nossa, ou até pior. Quantas vezes na vida já não ficamos tão focados em um objetivo, supervalorizamos um plano incerto, que esquecemos o quão imprevisível o destino pode ser, o quão instáveis nossas sensações e decisões são. Chegamos ao extremo de acreditar que todas as coisas devem ocorrer da forma como planejamos ou queremos, simplesmente porque foi da maneira como concebemos tais ideias, e nos esquecemos de valorizar o mais importante: O PERCURSO na busca pelo o objetivo. Não somos capazes de perceber o quão importante é para o ser humano aprender novas matérias, assuntos, lições ou viver uma boa rotina sem o empecilho de estar a espera por uma recompensa, ou por algum mérito, seja na carreira, no dia a dia, na família. Estamos sempre procurando por mais e mais objetivos sem se quer nos permitirmos pensar o porquê de tais buscas, o verdadeiro motivo pelo qual fazemos o que estamos acostumados a fazer. Por que então não nos permitimos aprender algo novo, apenas por aprender? Aprender sem ter de estar buscando por algo ou executando um plano meticulosamente estruturado? O senhor então se despede com as seguintes palavras: “Esteja sempre aprendendo. Mesmo que não saiba para onde está trilhando. É importante que tenhamos um objetivo ou um plano a qual perseguir, porém nunca permita que o desejo de alcança-los ofusque as muitas experiências no caminho para obtê-los ou o force a viver de forma insustentável. Muitas vezes essas experiências valem mais que a própria chegada. Estude sempre, e mesmo que as coisas não terminem como imagina, nunca desista. Por mais difícil que seja."