Por Gustavo Barros
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     O vigésimo dia do mês de novembro de todos os anos, a partir de 2011, é nomeado como feriado (em alguns municípios, não na totalidade deles) de Dia Nacional da Consciência Negra. Sob o respaldo da lei nº 12.519, instituída. A data faz uma alusão à morte do líder do Quilombo dos Palmares, Zumbi, que foi morto de maneira cruel pelos brancos. Morte exemplificadora, com a cabeça cortada e salgada, levada ao Governador Melo de Castro (1695). A cabeça de Zumbi fora exposta no Pátio do Carmo (Recife- PE) com o falo na boca de modo intimidar o povo negro e desmistificar as questões de imortalidade impressas à figura do grande líder (Carneiro, 1966).

     Acontece que no decorrer da história os Negros tiveram seus papéis determinados pelos brancos e as regras sociais impostas fizeram com que a cultura, as tradições e mesmo a identidade deles fossem deturpadas e mesmo desconfiguradas. Basta lembrar que nos Portos Africanos, quando embarcariam rumo à Nova Terra, passavam pelo ritual do esquecimento. Porém, os escravizados aqui chegados trouxeram consigo muito mais do que a mera lembrança do que eram e continuaram sendo, trouxeram junto a si a maestria de suas histórias em suas mentes pois, os sonhos, os desejos, os aprendizados natais e suas essências eram tudo que lhes haviam sobrado, assim construíram a sua história numa terra cujos donos sofreriam com igual intensidade, senão no corpo, na alma.

     A escola brasileira ainda conta história das benesses sociais empregadas por brancos aos negros, como a heroína Princesa Isabel, que os libertara numa ação de bondade. Quando na verdade, houveram pressões feitas pela necessidade Industrial da Inglaterra, entre outros fatores geopolíticos que ficam suprimidos pelo ensino elíptico da verdade e dos fatos. O negro no Brasil viveu e, ainda vive, em situações eufêmicas, como se a sociedade como um todo fosse miscigenada e aqui fosse o paraíso racial. O que de fato se trata de uma falácia, que mesmo os americanos, segundo Petrônio Rodrigues em sua recente publicação para a Revista de História da USP, em “A visita de um Afro-Americano ao Paraíso Racial” (2006. p. 161-181), caíram no decorrer das décadas entre 1910 e 1960, quando rui o conceito do ‘paraíso’ no bloqueio de vistos a serem concedidos aos afro-americanos interessados no ingresso ao país.

     É em meio a toda essa estrutura de tentativa de embranquecimento do país, que a cultura negra exige espaço e igualdade, alcançando a voz necessária para iniciar o processo moroso e doloroso da transformação social. Desta forma, entre os anos 1800 e 1900 nasce o Candomblé, religiosidades e tradições negras começam a ganhar forma, a capoeira, as danças, as comidas começam a ganhar espaço na Nação e o sentimento de nacionalidade parece tomar conta da ‘vontade’ dos descendentes de escravizados que ficaram no país. Há que se lembrar que em nenhum momento o negro esteve passivo diante das situações impostas pela sociedade europeizada. O próprio nascimento dos quilombos é o reflexo da não aceitação do que lhes foram imposto, é o reflexo da necessidade do resgate da humanidade e acima de tudo da rejeição à condição de objeto.

     A formatação da Lei 10.639/03 tem como ideal fazer com que as escolas anexem ao seu currículo o ensino da História e Cultura Afro-brasileiras e Africanas, no afã de desconstruir o preconceito em sua base. Promulgada e indexada na Lei de Diretrizes e Bases que guia todas as escolas do país e é o parâmetro de currículo e avaliação, entretanto a aplicabilidade ocorre de modo deficitário e, porque não dizer (?!), falacioso. Visto que os assuntos pertinentes são poucos ou nada trabalhados, dado que as escolas têm sua trajetória e origem (e membros) cristã-normativa, o que impede que o trato às culturas e tradições negras sejam trabalhadas, porquanto que foi essa mesma tradição que possibilitou e justificou a existência da escravidão e ausência de alma do ‘negro-objeto’ e, por conseguinte, trata-se de uma estrutura maculada pelas ações religiosas no pretérito recente.

     Entender que por si só a lei não pode descontruir o racismo e as questões negras vigentes é o primeiro passo para construir a preocupação com o que está se tornando caso militar no país. É a falta da educação que mata jovens negros, que trucida fiéis de tradição religiosa negra (do Candomblé, Umbanda, Omolokô, Jurema, tambores entre outras denominações), é a falta de educação e ética que ainda justifica a existência das diversas formas de preconceito no Brasil.  “As ações afirmativas não acabam com o racismo nem com o sistema público de ensino, como diziam seus opositores. Mas, proporcionam igualdade de oportunidade”, essas são as palavras do Jornalista Carlos Medeiros, em sua palestra no Café Filosófico (19/08/2015), que expressam de fato a importância da informação. É por meio do conhecimento e da oportunidade de acesso a ele que a sociedade se transformará. A discriminação e preconceito vigentes se desconstruirão quando a ética nascer entre os homens e ela só se dará com a erudição e o acesso a informação e educação. E apenas nas mãos do poder público, onde os alunos não são clientes, mas em suma, estudantes. Apenas.

     Enquanto esse processo de ensino real e alimentado pela vontade de transformar não se concretizar, os números de vítimas de violências, seja pelos civis, religiosos, policiais, entre outros, contra a população negra tendem a aumentar, isso porque ainda são esses os socialmente marginalizados. Posto que, aqui (no Brasil) o preconceito e a discriminação são velados.

REFERÊNCIAS NO TEXTO:
CARNEIRO, Edison. O Quilombo dos Palmares, Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 3a ed., 1966.
DOMINGUES, Petrônio. A visita de um afro-americano ao paraíso racial. Revista de História/USP 155, 2006
MEDEIROS, Carlos. Raça e Racismo no Brasil Contemporâneo. CPFL Cultura: SP. 2015Acesso em < http://www.cpflcultura.com.br/2015/08/19/raca-e-racismo-no-brasil-contemporaneo-com-carlos-medeiros-integra/ >