Apologia de Sócrates se trata da obra em que Platão relata o julgamento e a condenação de seu mestre pelo tribunal de Atenas no ano 399 a.C. As acusações apresentadas contra Sócrates foram: não aceitar os deuses reconhecidos pelo Estado, introduzir novos cultos e corromper a juventude.
Para se defender, o réu escolhe a si mesmo e, logo no início de sua defesa começa por rebater a opinião espalhada pelos acusadores aos juízes de que deveriam se precaver diante de suas palavras, pois ele se tratava de um formidável orador, e a isto Sócrates responde: "eis o que me pareceu a maior de suas insolências, salvo se essa gente chama formidável a quem diz a verdade" (Platão, p.65)
O que já se pode notar logo no início do julgamento é o comprometimento que o acusado tem em dizer e promover a verdade. Este ato, somado a muitos outros encontrados no texto já se configura como a base a que deve se assentar todo o argumento moral. Para que um debate moral tenha validade, o primeiro princípio é o de que a verdade esteja em tudo o que seja dito, porque, se for de outra maneira, conseqüentemente não há como se chegar a conclusões que sejam verdadeiras.
O debate moral se vale de reflexões e abstrações que almejam fornecer respostas verdadeiras ou ideais às mais variadas situações em que o homem se encontra. Já dentro de um tribunal, não necessariamente a busca pela verdade será levada em conta pelos juízes, mas sim a obediência a que estes devem às leis. No caso, Sócrates seguiu os ideais éticos em que acreditava, expondo aos jurados que todas as suas atitudes eram morais e que não havia, em momento algum, agido de acordo com as ações que o acusavam de ter realizado, diferentemente de seus acusadores, que eram motivados por questões pessoais.
As motivações dos que o acusavam eram, em sua maioria, políticas. Sócrates provocava temor às elites. Quando indagava os cidadãos que eram conhecidos como sábios, possuidores de grandes conhecimentos, estes se mostravam ignorantes, por acharem que sabiam mais do que realmente sabiam. Já Sócrates, que não se considerava sábio, descobriu que por este motivo, o Oráculo de Delfos o declarou o homem mais sábio do mundo. Portanto, numa sociedade onde muitos se consideram possuidores da verdade e, se utilizavam disto para manterem suas posições de poder, um homem como Sócrates era tido como uma grande ameaça, que revelava as farsas e também a ignorância dos poderosos.
Como as acusações que foram feitas contra Sócrates eram baseadas em interesses de seus acusadores, ele, valendo-se da verdade, não teve dificuldade em refutá-las, mostrando os pontos onde eram falhas e não condiziam com a realidade. Em seu discurso, Sócrates mostrou que tudo o que fazia era para o bem do povo ateniense, que sua ocupação era a de fazer outras pessoas também serem sábias e que, por este serviço, não cobrava nada, diferentemente do que o acusavam.
Sócrates, quando soube da resposta que o oráculo dera à pergunta de Querefonte, ficou muito intrigado, pois não se considerava sábio, e então passou a ir atrás dos mais sábios dentre os políticos, os poetas e os artesãos, para saber por qual motivo deus, através do oráculo, o considerava o homem mais sábio. Esta questão foi a que levou a cabo durante o restante de sua vida e, mesmo quando descobriu a resposta, percebeu que a melhor coisa a se fazer era continuar sendo como sempre foi, reconhecendo que nunca se sabe o suficiente sobre qualquer coisa, e que, aquele que sabe, é o que conhece os limites de seu conhecimento.
Esta busca de Sócrates por tentar entender o que deus, através do oráculo, estava lhe dizendo, era para ele prova suficiente de que não só aceitava os deuses reconhecidos pelo Estado, como também acreditava em suas formas de manifestação. Em sua defesa ele diz aos cidadãos: "Acredito nos deuses mais do que qualquer um dos meus acusadores, e deixo a vosso critério, e ao do deus, julgar o que será para vós e para mim o melhor" (Platão, p.88).
Quanto à acusação de que Sócrates corrompe os jovens, para se defender, ele parte do ponto de questionar Meleto (um de seus acusadores), sobre o que este sabe sobre o que é corromper e o que é educar. Meleto então fica calado, porque obviamente não tem uma boa resposta para estas questões. Neste caso, mais uma vez Sócrates se utilizou do tipo de questionamento que enfurece seus inimigos, que tira do indivíduo os véus da aparência e mostra sua verdadeira face.
Sócrates mostra que ao contrário, suas ações visam o melhor para o povo, e que sua forma de abordagem faz com que as pessoas pensem sobre suas próprias condições. Já os jovens o procuram porque vêem nele realmente um sábio, e se alguns desses jovens venham posteriormente a se tornarem déspotas, não foi por sua culpa, visto que não prometeu a ninguém que lhes ia ensinar coisa alguma, seu ato foi apenas o de questionar os conhecimentos e atitudes e, cabe ao jovem tomar suas decisões.

"Por conseguinte, se entre os homens que me freqüentam, um se torne de boa formação moral ou não, não será justo que eu receba elogios ou impropérios, já que não prometi ensinamento algum a ninguém, nem nunca ensinei coisa alguma" (Platão, p.86).

A preocupação dos acusadores para com os jovens, se deve ao fato de que eles, aprendendo com Sócrates a questionar os políticos e poderosos, também estavam causando problemas com os mesmos. Desta forma, Sócrates admite que se lhe concedessem a liberdade, continuaria a agir da maneira que acreditava ser a correta, a mesma que aborrecia a tantos outros na cidade:

"Ó atenienses, eu vos amo, mas obedecerei primeiro ao deus do que a vós, e enquanto tiver ânimo, e enquanto for capaz, não pararei de filosofar, não pararei de estimular-vos e censurar-vos; e a quem quer que eu encontrasse de vós, em qualquer ocasião, conversando da minha maneira habitual, assim diria: É tu, que és o melhor dos homens; tu, ateniense, cidadão da maior cidade e mais célebre por sabedoria e poder, não te envergonhas de pensar em acumular o máximo de riquezas, fama, e honras, sem te preocupar em cuidar da inteligência, da verdade e da tua alma, para que se tornem tão boas quanto possível?" (Platão, p.82).

Mesmo com todos os seus bons argumentos, Sócrates é condenado à morte. Ele fica, de certa forma surpreso, porque esperava que a grande maioria fosse condená-lo. Mas a diferença de votos entre os juízes que o condenaram e os que os absolveram foi pequena, o que prova que sua auto-defesa serviu para convencer uma boa parte dos que o iriam condenar a rever suas posições. Mesmo assim a pena havia sido declarada e ele devia beber a cicuta. Quanto à morte ele diz:

"Com efeito, atenienses, recear a morte não passa de julgar ser sábio e não sê-lo, dado que significa pensar saber aquilo que não se sabe. E, em verdade, ninguém sabe se, por acaso, ela não seja o maior de todos os bens que podem ser dados ao homem e, contudo, receiam-na como se soubessem que ela é a maior das desgraças. E não é ignorância, a mais vergonhosa das ignorâncias, acreditar saber o que não se sabe?" (Platão, p.81).

Desta maneira se deu o julgamento e a condenação de Sócrates, que aceitou a pena por ser um cidadão que respeitava as leis de Atenas. Porém, desde o começo de seu processo, para escapar da condenação à morte, Sócrates tinha a possibilidade de abandonar a cidade para nunca mais voltar, ou então, em seu julgamento, deveria negar tudo o que dizia ser a verdade em que acreditava, ou seja, admitir em público que estava enganado. Na análise no réu, nenhumas destas alternativas lhe cabiam a escolha porque, tanto na primeira, quanto na segunda, se as consumasse seria o mesmo que se declarar culpado, ou seja, o mesmo que admitir que tudo o que viveu e acreditou fosse mentira, o que, para ele, ia totalmente contra suas convicções morais.
Sócrates diz aos que os condenaram:

"Talvez imagineis, senhores, que me perdi por falta de discursos com que vos poderia persuadir, se na minha opinião se devesse tudo fazer e dizer para escapar à justiça. Engano! Perdi-me por falta, não de discursos, mas de atrevimento e descaramento, por me recusar a proferir o que mais gostais de ouvir, lamentos e gemidos, fazendo e dizendo uma porção de coisas que declaro indignas de mim, tais como costumais ouvir dos outros" ( Platão, p.93).

Portanto, o que se conclui é que Sócrates foi um exemplo de como se deve agir dentro de um debate ético, tendo sempre a verdade como base e direção dos seus argumentos. Mas não só dentro do debate é que Sócrates merece destaque, este feito ele só alcançou devido às suas teorias estarem alinhadas às suas condutas, ele tinha princípios e respeitava-os, por isso não caia em contradição, não se deixava abalar em nenhum momento, demonstrando estar consciente de sua situação.
Assim são suas últimas palavras: "Bem, é chegada a hora de partirmos, eu para a morte, vós para a vida. Quem segue melhor destino, se eu, se vós, é segredo para todos, exceto para a divindade" (Platão, p.97).


Referência:
"Platão ? Vida e Obra", Coleção Os Pensadores, São Paulo, Editora Nova Cultural, 2000.