Freud defende a tese de que o homem primitivo se encontrava em melhor situação do que o civilizado, pois não tinha seus instintos, tanto sexuais quanto destrutivos, reprimidos (FREUD, 1999). No entanto, as perspectivas de usufruir desta possível felicidade se tornavam tênues à medida que o modo de vida primitivo era de muita insegurança. Logo, a civilização surge quando o homem primitivo troca possibilidades de felicidade por um pouco mais de segurança. Surge, então, a família primitiva, em que a vontade do chefe, o pai, era irrestrita. Num certo momento, os filhos rebelam-se contra este chefe onipotente e cometem o parricídio, marcando assim o início de um "contrato social", onde todos aceitam ter menos liberdade para que todos possam tê-la. Sob esta linha teórica, Freud salienta que todo indivíduo é inimigo da civilização, já que em todos os homens existem tendências destrutivas, anti-sociais e anti-culturais. A civilização portanto, trava uma batalha constante contra o homem isolado de sua liberdade, substituindo o poder do indivíduo pelo poder da comunidade (FREUD, 1999).
Freud mostra os conceitos de ID, EGO E SUPEREGO para explicar como passaram a existir os sentimentos de culpa e de remorso, provindos da internalização das regras sociais pelo SUPEREGO. O ID seria o conceito que designaria os impulsos, as motivações e desejos mais primitivos do ser humano. O EGO seria um guia do comportamento do organismo com base na realidade. Ele procura atender as demandas do ID e dos seus desejos, mas a sua função consiste em satisfazê-los ou não, segundo as possibilidades oferecidas pela realidade. O SUPEREGO representa as normas e os valores convencionais da sociedade ou do grupo social no qual o indivíduo foi criado e em que está inserido. O indivíduo, portanto, pensa antes de agir não por medo de um chefe exterior a ele, que pode agredi-lo ou deserdá-lo, mas sim por medo de sua própria consciência. Os que não suportam internalizar as regras sociais e agem pelo desejo do ID manifestam estados psíquicos de neurose frente à sociedade. A princípio, a neurose manifesta-se num indivíduo quando seu EGO e SUPEREGO encontram-se em tensões contínuas, mas, para Freud, o desenvolvimento da civilização assemelha-se tão grandemente ao desenvolvimento do indivíduo que talvez algumas civilizações ou épocas da civilização tenham se tornado neuróticas (FREUD,1999). Contudo, surge uma incógnita: Em que momento, ou com qual idade, o indivíduo passa a existir como um elemento social consciente?

MATURAÇÃO DO SUPEREGO
A origem das ações humanas se dá no desenvolvimento da motricidade e da capacidade intelectual. Enquanto criança nosso conceito de moral ou ética está fixado no prazer ou na dor. O que dá prazer pode, o que causa dor não pode. Todavia, o circulo social da criança (pai, mãe e irmãos) interfere diretamente na construção deste conceito, reformulando e moldando a criança aos conceitos de moral pré-estabelecidos. Segundo Piaget (1994), o desenvolvimento intelectual humano ocorre quando a criança alcança níveis de maturidade em detrimento da idade. Assim, na concepção piagetiana, o desenvolvimento da criança é um processo que depende essencialmente da equilibração, que é a capacidade natural de auto-regulação do indivíduo (PIAGET, 1973). Portanto, o processo de desenvolvimento depende de fatores internos ligados à maturação da experiência adquirida pela criança em seu contato com o ambiente. Toda vez que em nossa relação com o meio surgem conflitos, contradições ou outros tipos de dificuldade, nossa capacidade de auto-regulação ou equilibração entra em ação, no sentido de superá-los (PIAGET, 1973). Um novo estado de equilíbrio leva a um estado superior em relação ao inicial. Se partirmos do pressuposto de que o indivíduo vive em busca da felicidade e que a verdadeira felicidade do EGO, segundo Freud, está impresso nos desejos primitivos, logo, podemos deduzir que o limite da liberdade dos instintos primitivos dá lugar à liberdade social, bloqueando a felicidade, onde regras delimitam espaços prezando pelo bem estar social, coletivo ou civilizado. Uma nova característica de felicidade surge, a saber: a felicidade da convivência harmônica da civilização.
A convivência harmônica depende da internalização de regras e esta por sua vez depende, do nível e ambiente em que foi desenvolvido o aspecto social do indivíduo, ou seja, uma consciência regrada pelo SUPEREGO com vistas ao bem estar alheio. O mito do pai primevo descrito por Freud (1999), deixa claro sua intenção de expor um padrão explicativo onde as figuras reconhecidas como autoridade são responsáveis por uma distribuição desigual das possibilidades de satisfação subjetiva. Ele procura compreender por que o comportamento individual é diferente do comportamento dos indivíduos no interior das massas, conceituando a teoria da regressão, onde este indivíduo externa atitudes libertárias e regressivas frente às regras da civilização (FREUD, 1999). Diante da figura de um líder os indivíduos internalizariam um mesmo SUPEREGO comum aos membros daquela massa, que lhe permite atingir seus interesses e satisfazer então os desejos do ID, comum naquele grupo. Surgem, portanto, grupos distintos como gangues e outros grupos ligados a comportamentos negativos ou violentos.
A perspectiva freudiana, no que diz respeito a analise do político, pontua as regras como sustentadas pelas fantasias que estruturam a vida social. Durante o século IX e XX o desenvolvimento econômico e social do nosso país trouxe consigo prejuízos sociais, pois em um contexto de crescimento econômico, industrial e urbano estão inseridos o agravamento das crises sociais: proliferação de cortiços, marginalidade, miséria e criminalidade, sem isentar os menores que cada vez mais cedo eram encaminhados a buscar, lutar pelo sustento e promover sua sobrevivência. Assim, criavam novas regras sociais que lhes garantiriam "felicidade" deixando de usufruir do desenvolvimento educacional, intelectual e social. Estes menores influenciados pelo meio social em que viviam eram colocados à margem da sociedade por meio de repressão. Todos aqueles que não se inserissem no processo de regras e produtividade da sociedade estavam condenados a vadiagem e fadados a repressão. Tais atitudes, de uma criança ou adolescente, são reconhecidas como rebeldia ou descaso social. Os desejos desse indivíduo em direção a sua felicidade estão fixados em angústias e frustrações vivenciadas em seu circulo social. Estes desejos em busca de sua felicidade encontra prazer na infração de regras, na violência ou no uso de entorpecentes que "suspenderão" suas angustias.
Antes de interagir com seus pares, a criança é influenciada por seus pais. Desde o nascimento é submetida a múltiplas regras disciplinares e mesmo antes de falar toma consciência de que possui certas obrigações. As regras sociais que a criança aprende não correspondem às suas necessidades e interesses. Por esse motivo, Piaget acredita que seria artificial estudar o desenvolvimento moral a partir da observação de como a criança entende e obedece a tais regras (Cória-Sabini, 1986). Todavia, admite-se que a moral é passível de ser conquistada pela educação.
Cada indivíduo passa por uma série de pressões por parte dos adultos as quais determinam e favorecem a moral heteronômica, nitidamente visível como sendo uma relação de dever e obrigação. Já a moral autônoma caracteriza-se pela colaboração igualitária, onde o respeito mútuo é fator preponderante e onde brotam sentimentos do bem e de responsabilidades (PIAGET, apud PUIG, 1998). Portanto, as regras são decorrentes de um trabalho cooperativo e dialógico, o que raramente ocorre em sociedades modernas que vivem exaustivamente para o trabalho, sem tempo para o social e o educacional.
A anomia, ausência de normas ou regras, que, segundo Piaget, dura desde o nascimento até os cinco ou seis anos de idade, não favorecem a criança a aceitar que todo jogo ou brincadeira e, portanto, toda relação social se estrutura em regras. Para Piaget a criança, nesta fase, necessita de carinho, ternura, afeto, compreensão do não, dos limites claros, da coerência na afetividade que a ela se entrega. O binômio entrega/cobrança implicam na passagem da fundamentação moral mais importante e imprescindível, que é o da segurança.
De forma progressiva, o realismo moral do EGO é superado junto ao egocentrismo representacional, pois a partir do momento que a criança passa a decidir por si própria, compreendendo e analisando as regras numa perspectiva de validade universal, independente das idéias imediatas, passa a ser autônoma.
[...]O desenvolvimento da moralidade caminha na direção da construção de estágios de autonomia, quando o sujeito compreende que a fonte das regras está em si próprio, em sua capacidade como legislador das regras, mas sempre se referindo no outro. (Araújo,1999, p. 32)

CONSIDERAÇÕES FINAIS
É evidente que as exigências do SUPEREGO se opõem quase sempre aos desejos do ID. Este conflito incide diretamente no EGO, já que tanto o ID como SUPEREGO procuram formatar o EGO de acordo com as suas próprias exigências ou desejos. Normalmente o que o EGO faz é procurar uma solução de compromisso que os satisfaça, embora parcialmente. Um EGO maduro consegue normalmente achar esta fórmula conciliatória, a qual, para que seja realmente válida, deverá ter em conta também a realidade ambiental. Para Freud(1999), a personalidade consiste basicamente neste conflito entre os desejos instintivos e as normas interiorizadas da sociedade. Conflito este que, se desenrola no grande cenário constituído pela relação mútua entre o EGO e a realidade ambiental.
O presente artigo objetivou apresentar aspectos do desenvolvimento moral do EGO no indivíduo. Contudo, a moralidade não é um valor que nasce com a criança, antes, é um sistema de regras adquirido e, portanto, sua construção é puramente social. Justamente por este fato é que se torna difícil uma análise precisa do que resulta do conteúdo das regras e o que provém do respeito da criança por seus pais ou sociedade.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

FREUD, Sigmund; Novas conferências introdutórias à psicanálise, Frankfurt:
Fischer, 1999.
________;Totem e tabu, Frankfurt, Fischer, 1999
________; A psicologia das massas e a análise do eu, Frankfurt, Fischer, 1999
________; O mal-estar na civilização, Frankfurt: Fischer, 1999
ARAÚJO, U. F. Conto de escola: a vergonha como um regulador moral.São Paulo: Moderna, 1999.
CÓRIA-SABINI, Maria Aparecida. Psicologia aplicada à educação.São Paulo:EPU, 1986.
PIAGET, J. O juízo moral na criança. Tradução Elzon L. 2. ed. São Paulo: Summus, 1994.
___________Seis estudos de psicologia. Lisboa: Dom Quixote, 1973.
PUIG, J. M. Ética e valores: métodos para um ensino transversal.São Paulo: Casa do Psicólogo, 1995.
___________A construção da personalidade moral. São Paulo: Ática, 1998.