As questões sobre o currículo escolar têm se constituído atualmente objeto da preocupação de muitos teóricos no campo do currículo, principalmente a partir da emergência, na década de 70, de teorias pedagógicas criticas. Os estudos feitos na perspectiva crítica focalizam os processos de seleção, organização, distribuição e estratificação dos conteúdos curriculares. E neste contexto surgem vários trabalhos nos quais percebemos diferentes pontos de vista em relação ao caráter universal. Este ponto será o foco deste artigo, levando em consideração alguns autores como Fouquin, que tenta mostrar que a escola moderna já é essencialmente universalista. È interessante também, levarmos em consideração a questão que levou a repensar a questão do currículo que é o fenômeno do Multiculturalismo

O CURRICULO ESCOLAR NA SOCIEDADE MODERNA

Deparamo-nos com um mundo sofisticado onde a tecnologia é notória. O público escolar mudou. As necessidades sociais e culturais são outras. A globalização ocupou o espaço do bairro, da cidade, da região, do país, da nação. Segundo Lucíola Licínio C. P. Santos, "no plano cultural, a globalização da cultura, viabilizada pelo desenvolvimento espantoso dos diferentes meios de comunicação, ao mesmo tempo em que cria grupos de identidades tão importantes para o consumo, ameaça a afirmação cultural de diferentes segmentos sociais" (1997).

Percebe-se hoje uma cultura erudita e etnocêntrica, que está vinculada aos chamados conteúdos formais e particularmente identificada com a classe dominante. E, observando por outro ângulo, detectamos uma cultura popular guetizada, camuflada nas práticas pedagógico-curriculares no interior das escolas. De acordo com Santomé: "Os currículos planejados e desenvolvidos nas salas de aula vêm pecando por uma grande imparcialidade no momento de definir a cultura legítima, os conteúdos culturais que valem a pena." (1995, p.165).

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*Acadêmica do Curso de especialização Filosofia da Educação da UFPA,Orientador Profº Msc Damião Bezerra Oliveira

Os questionamentos sobre currículo formal e em ação tornam-se fundamental no momento em que ao (re) pensar aspectos pertinentes ao mesmo, poderemos reconstruir ou construir novas estratégias de (re) significação do real.

O currículo é entendido por muitos como redes de significação permeadas por relações de poder, e, em constante processo de deslocamento. Esses deslocamentos tornam-se importantes porque dão significação múltipla a prática social e cultural nele produzida. Essas práticas mediadas pelo poder produzem uma dinâmica complexa que se estabelece a partir de negociações. Portanto, se afasta cada vez mais do processo dialético (opressor e oprimido) e de estratégias que subvertem o conflito na negociação do poder, com o objetivo de atingir um pretenso consenso como nas análises gramscianas. Estas teses que subvertem o conflito das relações de poder se originam de modelos de democracia liberal que para Mouffe (2007) e Laclau (1996) são impróprias para os contextos contemporâneos, considerando que as posições dos sujeitos não se restringem, apenas, as questões de classe e gênero. Segundo Laclau (1996) a intensificação e inserção de novos sujeitos nas lutas sociais desde os anos 90, gradativamente, rompem com o velho sonho totalitário de pensar o poder na sua universalidade.

Vejo o currículo como redes de significação do processo cultural de pertencimento de diferentes grupos sociais, afirmo que ele tem a seu favor a oportunidade de assumir o poder enquanto uma estratégia significativa de negociação para produzir mudanças importantes no processo de reconhecimento e legitimidade do poder dos grupos sociais nas sociedades multiculturais.

As preocupações com o processo do conteúdo curricular são complexas, polêmicas, pertinentes, e, ao mesmo tempo necessárias como incomensuralibilidades norteadoras do currículo. Mas, nas sociedades multiculturais atuais, ele, é um significante vazio que fomenta o espaço de deslocamento de sentidos e significados do currículo. Com isso vai gerando diferentes formas de hegemonias curriculares que vão sendo desenvolvidas nos diferentes lugares e por diferentes sujeitos. O currículo como um significante vazio precisa de uma boa retórica para abstrair dos textos (políticas) dos contextos (discursos construídos e constituídos pelos diversos grupos sociais) e das práticas discursivas (ação desses grupos sociais responsáveis por estes deslocamentos) o que o currículo representa no jogo das diferenças e do desejo de solucionar o insolucionável. Opto por assumir o currículo como redes de significação (múltiplos sentidos) que num processo permanente de deslocamento pode ser pensado como um significante vazio diante do poder que no jogo das diferenças torna o currículo disperso e não hierarquizado. Fato que, possibilita a negociação entre as diferentes culturas diante das novas posições dos sujeitos nas sociedades atuais. O poder negociado pode ampliar os espaços discursivos de todos que lutam por reconhecimento de suas culturas, etnias, religiões, sexo, gênero, gerações, religiões, classes sociais, etc… Isso faz com que esses grupos socioculturais percebam o Laclau (1996) há muito vem tentando desconstruir, ou seja, a polarização na passagem da entre modernidade e pós-modernidade. Isto significa que não houvepolarização nem o fim da modernidade. Mas, uma crise de horizontes demarcando o fim de horizontes na modernidade. As metanarrativas universalizantes que tinha um caráter absoluto de verdade, de fixidez e de previsibilidade passaram a ser fluídas, incertas e imprevisíveis.

O UNIVERSALISMO NO CURRICULO ESCOLAR

Todas estas questões nos levam a pensar o currículo na sociedade moderna, sendo que levando em consideração a perspectiva Universalista podemos citar o textode Forquin "O currículo entre o Relativismo e o Universalismo" Este texto afirma com força o Universalismo como"um ideal regulador e mobilizador" do universo escolar e parece expressar uma certa "naturalização" dos saberes escolares, especialmente em relação à escola fundamental.

Neste texto o autor afirma que o currículo implícito da escola já nos ensina a sermos universalistas, pois tanto as regras como os conteúdos escolares são de transparência e igualdades, ou seja, vale para todos os alunos. Os alunos acabam perdendo suas singularidades e aprendendo o senso de justiça (Direitos e deveres iguais para todos).

Na sociedade moderna a escola é essencialmente universalista, Dreenber considera o Universalismo como um dos quatro valores ou regras transmitidos pela escola. Para este autor um dos componentes essenciais do "currículo latente" da escola é a exigência de não se separar e de não especificar pontos de vistas particulares. O que acaba interessando de verdade à escola é apenas o desempenho acadêmico e não relacional do aluno.

Um dos argumentos universalistas é que a escola transmite "saberes públicos' aos quais todos tem acesso, independentes das circunstancias e dos interesses particulares. Sendo que os saberes escolares acabam se opondo aos saberes de iniciação e triviais, formando a cultura escolar, que segundo os universalistas é a cultura responsável pelo acesso aos conhecimentos e competências fundamentais, ou seja, é a base de todo conhecimento.

Segundo Forquin na cultura escolar encontramos dois tipos de universalismo: O Universalismo dos Saberes Fundamentais e o Universalismo Humanista. O primeiro a escola ensina um elemento do saber para que o aluno perceba que ele é o inicio de uma cadeia que o levará a um conhecimento mais amplo e inicio de uma cadeia. Esse elemento é universal que deve ser transmitido a todo ser que pensa são: as regras da lógica, do calculo e da dedução. Em relação ao segundo é o universalismo tradicional do ensino secundário clássico, no qual as obras clássicas da arte e da literatura constitui o conservatório do que merece ser ensinado.

A grande questão que se coloca é saber o que se deve ensinar, o que se fazer diante do fenômeno do multiculturalismo, que segundo Forquin no sentido descritivo é a situação objetiva de um país onde existe grupos de etnias ou geográficas diversas que não compartilham o mesmo modo de vida e nem os mesmos valores. Neste contexto segundo James Linch é preciso encontrar metas, valores e critérios que garantam universalidade na formação dos indivíduos como pessoas, como cidadão.

Para o filosofo Paul Zic para se ter a ideia de respeito à culturaé necessário que exista um ponto de vista exterior às próprias culturas e critérios com caráter universalista. Os conteúdos de ensino devem ser escolhidos com critérios educacionais e não em função de pertencimento dos alunos.

O fato é que a escola não pode ignorar os aspectos "contextuais" da cultura, mas deve privilegiar o que há de mais fundamental na cultura humana.

A reflexão do currículo escolar deve fazer partes das inquietações de todas as pessoas que pensam "Educação" como objeto de estudo, pois o que é escolhido para estar no currículo formal deve ser questionado, pois deve-se sempre perguntar por que esse e não aquele conteúdo? E quem selecionou e organizou e qual o objetivo deste fato?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FORQUIN, Jean-Claude. O currículo entre o Relativismo e o Universalismo Tradução de Catherine Rato (UFRJ). Revisão técnica de Antonio Flavio B. Moreira (UFRJ) e Tomaz Tadeu da Silva (UFRGS).

LACLAU, E. Emancipación y diferencia. Buenos Aires: Ariel, 1996b

MOUFFE, Chantal. En Torno a lo Político. 1ª ed., Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica. 2007.

SANTOMÉ, Jurjo Torres. As Culturas Negadas e Silenciadas no Currículo. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org). Alienígenas na Sala de Aula: uma introdução aos estudos culturais em educação. Petrópolis: Vozes, 1995, pp.158- 189.

SANTOS, Lucíola Lucínio de C. P & LOPES, José de Souza Miguel. Globalização, Multiculturalismo e Currículo. In: MOREIRA, Antônio Flávio B. (org). Currículo: Questões Atuais. Campinas: Papirus, 1997, pp. 29- 38.