O PAPEL DA FILOSOFIA NA NOSSA POLÍTICA EDUCACIONAL

Tiago Bolognesi de Andrade.

       Sem dúvida o ensino de filosofia no Brasil tem alcançado vitórias significativas, mas sabemos que ainda há muitos desafios para a consolidação da disciplina no currículo do Ensino Médio. Todos os envolvidos nesta luta ficaram muito felizes este ano, ao ver que a filosofia foi cobrada em peso neste último Enem realizado em 2012. Vimos que foram destinadas 7 perguntas pertinentes à filosofia numa prova que possui 45 questões de ciências humanas, contemplando autores com Kant, Platão, Anaxímedes entre outros, abrangendo desde a filosofia arcaica dos pré-socráticos, até a filosofia contemporânea de Habermas. Isso revela que a filosofia está aos poucos se consolidando como uma das grandes disciplinas do Ensino Médio. Por muito tempo recusada pelos grandes vestibulares do país, a filosofia está cada vez mais presente no plano pedagógico das escolas.

       O desafio da disciplina não é só político, é também prático, embora acredite que a política não se dissocie da prática, tal como já queria Aristóteles no século IV a.C. classificando a política como uma das grandes ciências práticas. No âmbito político-educacional esta união entre política e prática fica ainda mais latente, pois são as diretrizes pedagógicas ditadas pela nossa política educacional que norteiam as práticas pedagógicas, tão importantes para a construção da cidadania, e em especial na filosofia, na qual se valoriza a construção da autonomia intelectual que caracteriza o seu processo formativo.

       Sei que um dos grandes desafios da filosofia é encarar o total desinteresse da maioria esmagadora dos alunos pela disciplina, este desinteresse é agravado pela deficiente formação dos professores que atuam no ensino de filosofia. É claro que o problema do desinteresse e da defasagem não é exclusivo da filosofia, mas a volta da filosofia como uma das disciplinas obrigatória no Ensino Médio e a luta para mantê-la dessa forma, caracteriza uma dos maiores desafios para os profissionais que atuam ou pensam em atuar nesta área.

        Nós que atuamos na filosofia temos o dever e a responsabilidade de mostrar aos nossos alunos o quanto a filosofia pode ser importante no processo formativo de nossos jovens. Toda prática educativa visa um modelo de ser humano, um modo de ser, pensar a agir, e a filosofia ocupa um papel fundamental para a reflexão crítica sobre quem somos e o que podemos fazer para sermos melhores a cada dia.

       Temos atualmente uma proposta do MEC que propõe a fusão de disciplinas do Ensino Médio, são 13 grandes disciplinas: História, Geografia, Filosofia, Sociologia, Química, Física, Biologia, Inglês, Artes, Espanhol, Língua portuguesa, Educação física e Matemática. A proposta é unir as disciplinas em 4 grandes áreas do conhecimento, sendo elas: Ciências humanas e suas tecnologias (Geografia, História, Filosofia e Sociologia),Ciências da natureza e suas tecnologias (Biologia, Física e Química), Linguagem, códigos e sua tecnologias (Língua Portuguesa, Língua Estrangeira (Inglês ou Espanhol), Artes, Educação Física) e Matemática e suas tecnologias.

       Esta proposta foi noticiada pelo jornal Folha de São Paulo no dia 16/08/12. Um dos argumentos usados para justificar esta implementação no Ensino Médio é que geralmente um aluno da rede pública está 3 vezes mais defasado em relação à um aluno da rede particular. O argumento falha ao desconsiderar que essa fusão de disciplinas não existe nas escolas particulares, esta não é a solução para a defasagem do ensino público. A dispersão de disciplinas ocorre pela falta de estímulo ao aluno pelos professores e pela falta de estímulo deste para enfrentar os desafios da educação tendo tão baixo galardão pelo seu esforço.

       A dificuldade de se fundir as disciplinas é o fato de que a formação dos professores é específica e não deveria ser de outra forma. Isso permite que professores atuem em áreas nas quais não tem domínio. É de importância singular que nas disciplinas do ensino médio, façamos um recorte epistemológico das coisas, as quais os alunos devem aprender. As ciências humanas são um gênero que engloba diversas ciências particulares. São essências, como diriam os filósofos essencialistas como Platão ou Tomás de Aquino. A essência de uma coisa é aquilo que não muda, elemento em comum entre as coisas particulares, as quais participam em maior ou menor grau das essências universais, assim como a essência do homem é a humanidade e os homens particulares participam dessa essência em diferentes graus.

       Guilherme de Ockham, filósofo do século XIII, diz que a essência não é critério de inteligibilidade, temos o conhecimento do particular, da experiência (do latim empiria), diz ele que a essência não existe, ninguém nunca viu, por exemplo, a humanidade  perambulando por aí, vemos homens na realidade e a mente abstrai o elemento comum entre eles, mas segundo Ockham, o particular é suficiente para compreender uma coisa e a experiência concreta de uma coisa é o que determina a importância de se falar de algo.

       Esta reflexão entre Ockham e os essencialistas é importante para demonstrar que o gênero é um conhecimento confuso, isso me permite afirmar que a solução para a reforma no Ensino Médio não é generalizar as ciências em grandes e confusos aglomerados, mas sim entender que as ciências possuem uma peculiaridade específica e será muito mais proveitoso que o aluno se aprofunde nas ciências em particular, dessa forma valorizamos o aspecto prático da escola, que não se prende em conceitos, mas visa a transformação da realidade em que vivemos.

       É preciso comemorar uma grande conquista do ensino de filosofia. Desde 1996 o parágrafo III do artigo 36 da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) diz: “III - domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania” (Lei 9.394 de 1996). O artigo 36 foi alterado pela lei 11.684 de 2008 que incluem a filosofia, juntamente com a sociologia, como disciplina obrigatória no currículo do Ensino Médio, a lei diz que: “IV – serão incluídas a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias em todas as séries do ensino médio” (Incluído pela Lei n° 11.684 de 2008).

       A LDB é complementada e sistematizada pela resolução MEC/CNE/CEB N° 4 de 13 de julho de 2010 que define as diretrizes curriculares da Educação básica, baseado no direito de todos os cidadãos a uma educação de qualidade. A resolução firma o dever do Estado em conjunto com a família e a sociedade de promover uma cidadania justa através das práticas educativas. Estando o ensino de filosofia salvaguardado pela LDB de 1996 e sua alteração em 2008, a resolução reforça o papel de uma política de educação pública eficiente e que seja capaz de atender todas as necessidades educacionais da população, em especial àqueles que foram destituídos das condições mínimas de autonomia intelectual, devido às condições precárias nas quais se encontram boa parte das escolas públicas.

       É importante esclarecer qual é a importância da filosofia no Ensino Médio, seus desafios e suas implicações na vida de nossos jovens. Ressaltemos que a filosofia, embora obrigatória no Ensino Médio, é acima de tudo, um direito de nossos jovens, conquistado após anos de lutas sociais. A obrigação não é uma palavra muito estimulante, devemos lembrar que apesar da obrigatoriedade da filosofia, o próprio Ensino Médio não é obrigatório na Educação Básica do Brasil. Não se pode forçar o aluno a aprender, é preciso estimulá-lo, provocá-lo, instigá-lo a ser mais crítico e reflexivo, daí emerge o papel fundamental da conscientização humanista em nossas escolas.

       Um dos motivos pela chamada “crise da modernidade” é a perda dos valores humanísticos na qual se encontra a sociedade atual. Visa-se tantos os valores imediatistas e valores de utilidade da Modernidade técnico-científica que algumas questões fundamentais da existência humana perdem totalmente a importância. A filosofia então vem em socorro das questões existenciais e não deixa de fora as questões da prática cotidiana.

        A filosofia é completa neste sentido, pode ficar no campo meramente abstrativo-racional ou pode ser da práxis ou da empiria e satisfazer as necessidades da experiência concreta da realidade. Há mais de 2.500 anos nasceu a filosofia e com o esforço e o reconhecimento de sua importância podemos manter na formação cidadã de nossos jovens esta ciência fundamentalmente humana que tanto contribuiu e continua a contribuir  para a História do pensamento ocidental.Todas estas conquistas significam o reconhecimento desta disciplina como sendo fundamental para a formação de uma cidadania mais justa e reflexiva, cabe aos profissionais da área mostrarem a importância da filosofia no aspecto da formação intelectual de nossos jovens, nisso reside o maior desafio que temos. Toda grande conquista é marcada pela responsabilidade, é preciso demonstrar que a filosofia é um aspecto ímpar da nossa política nacional de educação.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, 23 dez. 1996.

BRASIL. Lei n.11.684. Altera o art. 36 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias nos currículos do ensino médio. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, 2 de jun. 2008.

BRASIL. Resolução CNE/CEB n° 4, de 13 de julho de 2010. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, 13 jul. 2010.

TAKAHASHI, Fábio. MEC vai propor a fusão de disciplinas do ensino médio. Folha de S. Paulo [online], São Paulo, 16 ago. Educação. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/educacao/1138074-mec-vai-propor-a-fusao-de-disciplinas-do-ensino-medio.shtml  Acesso em : 4 dez. 2012.