A finalidade do brincar seria, por consenso, levar a criança a compreender, conhecer e desenvolver habilidades que contribuam para seu desenvolvimento integral.

Ainda, segundo Freire e Scaglia (2009 p.28), “Uma pessoa quando começa a falar, pode, através da fala, deixar de realizar certas ações motoras que passam a ser simbolizadas”, sendo o simbolismo o que envolve a criança no brincar, como isto se daria, no processo de desenvolvimento da criança surda? Como não pensar então, em uma comunicação não-oral para suprir a necessidade de estruturação do pensamento? Realmente, pela linguagem de sinais, a criança pode se desenvolver de forma satisfatória?

São os questionamentos que se pretende responder, já que, sua especificidade é a de não possuir a linguagem oral, como língua materna. Para isso autores como Góes, Simões e Silva, têm se ocupado especificamente desta temática e foram a base para esta pesquisa.

A linguagem e o brincar

“A linguagem incorporada à atividade prática da criança transforma essa atividade e a organiza em linhas inteiramente novas, produzindo novas relações com o ambiente, além de nova organização do próprio comportamento.”

 (VYGOTSKY,1988 apud CERISARA, 2002 p.131)

Smith (in MOYLES [et al],2005 p.31) argumenta que “o jogo simbólico é muito importante para o desenvolvimento de habilidades lingüísticas nas crianças pequenas”. Também para Bruner, citado por Kishimoto (2002), o brincar livre oferece à criança a oportunidade para “atrever-se a pensar, falar e ser ela mesma”.

Ainda outra forma do brincar, o “sociodramático”, pela necessidade de se articular as situações entre dois ou mais parceiros, também pode ser considerado momento de desenvolvimento da linguagem, e a representação de papéis ao trazer a necessidade de imitação, se encaixa no mesmo patamar.

Pelas contribuições de Bruner, pode-se compreender a linguagem como instrumento de pensamento e ação, pois, se a criança brinca com desenvoltura e utiliza os elementos e objetos de seu mundo, também é capaz de desenvolver a habilidade de falar sobre estes. O autor conclui, “o que faz a criança desenvolver seu poder combinatório não é a aprendizagem da língua ou a forma de raciocinar, mas as oportunidades que tem de brincar com a linguagem e o pensamento” (BRUNER apud KISHIMOTO, 2002 p.148).

Portanto pode-se considerar que o aprendizado de uma língua, pelas crianças, acontece mais rápido quando inserido no brincar, ou seja, a partir do lúdico.

O simbolismo e a criança surda

Segundo Mrech (in KISHIMOTO (org.),2002 p.161) “o processo de desenvolvimento de cada criança necessita de desencadeadores através da linguagem e da fala”. Como poderia então a criança surda desenvolver-se sem uma língua materna?

Ao se pensar em crianças surdas, em um primeiro momento, se faz necessário identificar a necessidade de uma língua materna visual.

 “A criança nasce imersa em relações sociais que se dão na linguagem. O modo e as possibilidades dessa imersão são cruciais na surdez, considerando-se que é restrito ou impossível, conforme o caso, o acesso a formas de linguagem que dependem da audição. Sobretudo nas situações de surdez congênita ou precoce em que há problema de acesso a linguagem falada, a oportunidade de incorporação de uma língua de sinais mostra-se necessária para que sejam configuradas condições mais propícias à expansão de relações interpessoais, que constituem o funcionamento nas esferas cognitivas e afetivas e fundam a construção da subjetividade”.

                                  (GÓES,1996 apud QUADROS,1997 p.29)    

Nas abordagens psicanalítica e lingüística, e teorias do desenvolvimento, há o entendimento quanto ao domínio de uma língua materna, que é julgado como fundamental para o desenvolvimento natural do indivíduo. Sendo assim a língua sinalizada, para a criança surda, se tornaria garantia do desenvolvimento cognitivo e social. Por isso, há o consenso entre os educadores de surdos e teóricos da área, quanto a necessidade de desenvolvimento de uma língua sinalizada, principalmente na primeira infância, quando a identidade, a linguagem e o pensamento são construídos e organizados.

Segundo os teóricos pesquisados, deve-se buscar a língua sinalizada como suporte para o desenvolvimento do pensamento, o que se dá pelo simbolismo. A criança surda terá as mesmas possibilidades, de uma criança ouvinte, para se desenvolver cognitiva e socialmente a partir do uso eficiente da língua sinalizada.

Dentre as observações realizadas em pesquisas, os autores descrevem algumas situações que demonstram a forma como a criança surda se utiliza da língua sinalizada para simbolizar. Podemos tomar como exemplo o brincar simbólico e o sociodramático, que envolvem a linguagem, como pressuposto. Nas observações descritas por Góes (2001), Silva (2006) e Simões (2006), estas formas do brincar são vivenciadas pela criança surda com o uso da língua sinalizada.

Um maior conhecimento da língua materna favorece à criança um desenvolvimento social e cognitivo natural. Porém, uma grande diferença entre a evolução de crianças surdas de pais ouvintes e das que tem pais surdos, vem sendo notada. Isto se dá pela importância das interações lúdicas e vivências sociais com uso da língua materna, o que pouco ocorre quando os pais são usuários de uma língua oral. A vivência pobre, na língua de sinais dentro da família, atrasa a aquisição de uma linguagem simbólica e significativa.

 

Conclusão

O brincar para a criança surda se mostra tão importante e ocorre de forma tão natural, quanto para a criança ouvinte. Porém, ainda existe a necessidade de se buscar maior qualidade nas interações familiares e com outros pares, para que haja maior possibilidade de desenvolvimento, principalmente da linguagem de sinais, por meio do simbolismo, no brincar. Esta necessidade é pertinente, por ser a língua sinalizada de suma importância para o desenvolvimento, de forma integral, da criança surda.

Referências

FREIRE, João Batista; SCAGLIA, Alcides José. Educação como prática corporal. São Paulo: Scipione, 2009. Cap.9

GÓES, Maria Cecília Rafael de. O Brincar de Crianças Surdas: Examinando a Linguagem do Jogo Imaginário. In: 24a. Reunião Anual da ANPED, 2001, Caxambu. Anais da 24a. Reunião Anual da ANPED, 2001. Disponível no site: http://www.educacaoonline.pro.br/index.php?option=com_content&view=article&id=52:o-brincar-de-criancas-surdas-examinando-a-linguagem-no-jogo-imaginario&catid=5:educacao-especial&Itemid=16

KISHIMOTO, Tizuko Morchida (org.). O brincar e suas teorias. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002.

MOYLES, Janet R. [et al]. A excelência do brincar. Porto Alegre: Artmed, 2005.

REGO, Teresa Cristina. Vigotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. 21 ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2010.

SILVA, Daniele Nunes Henrique. SURDEZ E INCLUSÃO SOCIAL: O QUE AS BRINCADEIRAS INFANTIS TÊM A NOS DIZER SOBRE ESSE DEBATE?

Caderno Cedes, Campinas, vol. 26, n. 69, p. 121-139, maio/ago. 2006. Disponível no site: http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v26n69/a02v2669.pdf

SIMÕES, Marina Velosa. A língua de sinais como foco de construção do imaginário no brincar de crianças surdas. ETD – Educação Temática Digital, Campinas, v.7, n.2, p.24-33, jun. 2006. Disponível no site: http://www.salesianolins.br/areaacademica/materiais/posgraduacao/Educacao_Especial_Inclusiva/Fundamentos_e_pr%E1ticas_de_%20ensino_para_pessoas_com_necessidades_educativas_especiais/art%20sim%F5es.pdf