Resumo 

Na Crítica da Razão Pura (C.R.Pu.), Kant lançou-se na tarefa de fixar os limites do conhecimento que podemos alcançar do mundo e decidir sobre a legitimidade das investigações metafísicas. Verifica-se uma nova perspectiva epistêmica com o intuito de pôr fim às dicotomias enfrentadas pelos dois sistemas vigentes, até então: o empirismo e o racionalismo. Tendo em vista que ambos os sistemas (empírico e racionalista) entravam em crise ao supor que todo o nosso conhecimento tinha que se regular pelos objetos; por outro lado, o método transcendental de Kant possibilitou uma grande mudança paradigmática na modernidade, ao transformar a relação entre sujeito-objeto, pelas formas a priori do tempo e do espaço. Deste modo, procura-se delimitar no decorrer deste artigo, um breve panorama histórico sobre o contexto que o mundo científico se encontrava a partir do século XVII, com enfoque nos métodos e problemas acerca da possibilidade de conhecimento na modernidade. Por isso, este artigo apresenta ainda: o viés racionalista com René Descartes em confronto com a revolução cientifica de Isaac Newton; o sistema empírico com David Hume até sua concepção cética e, por fim, o Idealismo Transcendental kantiano com os princípios científicos a priori. Concluindo a edificação da filosofia de Kant na sua característica mais profunda: a sua criticidade. Nesta reflexão sobre o contexto dos princípios científicos é então visto como uma solução ao autenticar a comunicação intersubjetiva do sujeito transcendental entre os paradigmas epistêmicos que de outro modo tornaria a ciência impossível ou meramente dogmática.  

Plavras-chave: Ciência; Filosofia Transcendental; Racionalismo; Empirismo; Epistemologia.


Introdução

É possível avaliar a efetividade da teoria kantiana sobre o conhecimento a priori de acordo com as grandes sínteses orientadoras do conhecimento científico na modernidade? o filosofo iluminista propôs resolver a desordem de conceitos que concernem às características do conhecimento de sua época e, ainda hoje, nos auxilia sobre a interpretação e compreensão dos dados que recebemos por meio das pesquisas cientificas. 

    Deste modo, podemos considerar que a revolução filosofia de Kant influenciou a maneira como nós faríamos ciência a partir de então? A esta pergunta podemos inferir que a grandiosidade do trabalho de Kant não pode ser contestada e não poderia ser mero acaso a 

posição de Kant dentre os maiores filósofos da história. Mesmo após das possíveis contestações de suas teorias pós a descoberta da relatividade geral de Einstein e da condição analítica dos conceitos matemáticos. 

    O objetivo geral deste artigo vai estar centrado na análise do método transcendental de Kant, e como ele se torna uma das maiores referências para a construção da teoria do conhecimento na modernidade. Para este fim, o fio condutor deste trabalho levará em conta a dicotomia travada entre os dois sistemas que se digladiavam na modernidade, a saber, o racionalismo e o empirismo. Mais precisamente nas contribuições do “Discurso do Método” de René Descartes; e as “Investigações sobre o entendimento humano e sobre os princípios da moral” de David Hume e, por fim, a “Crítica da Razão Pura” na qual Kant pretende resolver as insuficiências de ambos sistemas que o antecederam. 

    O desfecho dessas reflexões nos leva ao esforço epistemológico de Kant que pretendeu dar conta da ciência de sua época, explicando como foi possível a produção científica, excepcionalmente, a Geometria Euclidiana e a Mecânica Newtoniana. Ao responder essas questões, Kant desenvolveu o que ele chama de teoria filosófica “transcendental” de nossas faculdades cognitivas humanas em termos de “formas da intuição sensível” e “conceitos puros” ou ainda “categorias transcendentais” do pensamento racional. Para Kant, essas estruturas cognitivas descrevem uma racionalidade fixa e indubitavelmente universal. Assim, o filósofo pôde explicar o sentido em que a ciência natural representa um modelo genuíno dessa racionalidade.

Perspectiva epistemológica na modernidade.

    Foi no século XVII, tendo como principais referências, de acordo com Chauí 

O cartesianismo  isto é, a filosofia de René Descartes    , a ciência da Natureza galilaica    isto é, a mecânica de Galileu Galilei; a nova ideia do conhecimento como síntese entre ‘observação’, “experimentação” e “razão teórica” baconiana – isto é, a filosofia de Francis Bacon – e as elaborações acerca da origem e das formas de soberania política a partir das idéias de direito natural e direito civil hobessiana – isto é, do filosofo Thomas Hobbes (Chauí (1984, p.60).


    Que houve uma considerável emancipação da ciência experimental em relação ao antigo sistema de observar passivamente o objeto de estudo. De forma geral, sem considerar as particularidades de cada pensador, a ciência ganhava autonomia na modernidade no cenário 

político, social e filosófico. Quando a atividade científica não mais se resumia na contemplação fenomênica do mundo, ou seja, induzindo os dados sensíveis para os conceitos eternos (Deus, alma e eternidade). As pesquisas tentavam descobrir e explicar os fenômenos e as leis que constituíam a natureza a explicações racionais do Universo, respeitando as leis naturais e físicas e não somente com os princípios metafísicos e divinos.

    Nas ciências que tratam do fenômeno do conhecimento, a epistemologia tratará de uma nova perspectiva na modernidade, como objeto de estudo da própria natureza do conhecimento, prevalecerá três novas características do saber filosófico, segundo Chaui: 

A passagem da ciência especulativa para ativa, na continuidade do projeto renascentista de dominação da natureza e cuja fórmula ressoa em Francis Bacon: “Saber é Poder”; 2) A explicação qualitativa e finalística dos fenômenos naturais para explicação “quantitativa” e “mecanicista”; isto é, abandono das concepções aristotélico-medievais sobre as diferenças qualitativas entre as coisas como fonte de explicação de suas operações entre a forma e a matéria e da ideia de que os fenômenos naturais ocorrem porque causas finais ou finalidades os provocam a acontecer. Tais concepções são substituídas por relações mecânicas de causa-efeito segundo leis necessárias e universais, válidas para todos os fenômenos; 3) A observação da explicação finalística apenas no plano da metafísica: a liberdade da vontade divina e humana e a inteligência divina e humana, embora incomensuráveis, se realizam tendo em vista fins. O filosofo Espinosa suprimiu a finalidade na metafísica e na ética, criticando-a como superstição e ignorância das verdadeiras causas das ações (Chauí, 1984, p.70).

O racionalismo cartesiano foi atrelado ao inatismo e assim pregava a total confiança na razão como meio de chegar a verdades seguras. Logo, estavam contingentes apenas no pensamento subjetivo. Isto torna-se inconsistente e contraditório com o próprio método de Descartes. Pelo fato de que a razão pode mudar o conteúdo de ideias que eram consideradas universais e verdadeiras e que a própria razão pode provar que ideias racionais podem ser falsas. O resultado disso foi o “racionalismo dogmático”.

O paradigma epistêmico a partir do dogmatismo cartesiano.

    René Descartes (1596 1650) surge nesse contexto delineado acima, marcando a transição do pensamento filosófico e, por sua vez, é considerado um filósofo que influenciaria grande parte do pensamento moderno. Convicto de que a razão era capaz de chegar ao conhecimento da realidade em conformidade com o conhecimento assertório da matemática, em outras palavras, 

por dedução, a partir de princípios instituídos de maneira independente da experiência, retomou a teoria das ideias inatas. Desta forma, inaugura-se um racionalismo distinto; um método autêntico que pretende utilizar toda a existência humana em proveito da razão. Assim, alcançar o mais sublime progresso naquilo que realmente é o conhecimento verdadeiro, de acordo com o próprio método, que determina a razão. Descartes afirma ainda que as ideias que levam algum rigor são objetivas, claras e distintas, descobertas pela razão dubitativa e a ação do pensamento subjetivo e científico. Essas regras se tornam verdadeiras e universais porque Deus não seria capaz de dar para cada homem uma razão que o enganasse. Para o filósofo francês:

...o que mais me satisfazia nesse método era o fato de que, por ele, tinha certeza de usar em tudo minha razão, se não à perfeição, ao menos o melhor que eu pudesse; ademais, sentia, ao utilizá-lo, que meu espírito se habituava pouco a pouco a conceber mais nítida e distintamente seus objetos, e que, não o havendo sujeitado a nenhuma matéria em especial, prometia a mim mesmo empregá-lo com a mesma utilidade a respeito das dificuldades das outras ciências como o fizera com as da álgebra. (Descartes, 2013, p.16)

    E complementa o seu pensamento, afirmando que

...pois, tendo Deus concedido a cada um de nós alguma luz para diferenciar o verdadeiro do falso, não julgaria dever satisfazer-me um único instante com as opiniões dos outros, se não tencionasse utilizar o meu próprio juízo em analisá-las, quando fosse tempo; e não saberia dispensar-me de escrúpulos, ao segui-las, se não esperasse não perder com isso oportunidade alguma de encontrar outras melhores, caso existissem. (Descartes, 2013, p.18)


    Contudo, o método anunciado por Descartes exigiu que a razão e o emprego da dúvida, somente esses, pudessem dar garantias necessárias para formulação de algum pensamento verdadeiro. 

 A metafísica de Descartes em confronto com Newton.

    A partir de então, evidencia-se um paradigma epistêmico no racionalismo dogmático que a nova perspectiva de Isaac Newton (1643-1727) enfrentaria no âmbito físico-filosófico, sobre a compreensão do ser, dizer o que ele é, defini-lo ou conceituá-lo a partir do conceito de causa e efeito. 

    Por um lado, a metafísica cartesiana, fundada, primeiramente, na autodeterminação do sujeito pensante, uma metafísica que só reconhece o que se comporta numa evidência do cogito, ergo sum” (penso, logo existo) na passagem da certeza das ideias para a verdade. 


    Este seria o pressuposto da metafísica da subjetividade, ou ainda, a raiz da filosofia da 

natureza. A ideia de Deus foi considerada fonte das outras ideias demonstradas por uma evidência que se fundamenta no inatismo. Portanto, é Deus que garante a veracidade e a existência das ideias que estão contidas na nossa subjetividade, podendo afirmar que elas são claras e distintas, mas também verdadeiras. 

Em linhas gerais, Newton não acreditava que a metafísica fosse a raiz da Filosofia Natural, como pensava Descartes. Certamente para Newton haveria algo mais. Assim, se para Descartes as regras da natureza teriam suas origens somente na perfeição divina, para Newton, estas regras não estariam tão bem-estabelecidas. Peremptoriamente, Newton concebia a relação entre Deus e a natureza de forma diferente de Descartes (Sapunaru, 2011 p.22).


    Em contrapartida, a tese de Newton presente no livro “The Principia” (1999) reconheceu a aporia das ideias cartesianas sobre as coisas humanas e inumanas.  Ao contrário dos cartesianos, Newton acreditava que o nosso conhecimento de Deus advém somente da grandeza divina, ou seja, da ideia das coisas e das causas finais. E, a existência de Deus estava garantida não apenas pela criação divina, mas também pela ordem e manutenção do Universo: “para que os sistemas das estrelas fixas, por sua gravidade, não caíssem uns sobre os outros, ele [Deus] os situou a imensas distâncias uns dos outros. Esse ser [Deus] rege todas as coisas, não como a alma do Universo, mas como o senhor de todas as coisas”. Newton, 1999 (apud Sapunaro, 2011, p.22) Estas eram as bases da metafísica newtoniana e foram estes pressupostos que permitiram que Newton conceituasse a sua física: o espaço, o tempo e o movimento absolutos; as forças e a massa. 

Destarte, Newton pensava que a matemática, a geometria e tudo o que se pode saber sobre os corpos fundamentar-se-iam na natureza e assim, tudo o que saberíamos ou conheceríamos sobre os corpos seriam a “[...] ‘extensão’, ‘dureza’, impenetrabilidade, mobilidade e vis inertiae” (NEWTON apud STEIN, 2002, p.262) Já para Descartes, a extensão era o único conhecimento verdadeiro que teríamos sobre um corpo, a única coisa clara e distinta que saberíamos sobre o corpo. Essa base experimental constitui-se no fundamento da epistemologia newtoniana e estava diretamente ligada a sua metafísica. Além disso, Newton não fazia uma distinção entre Filosofia primeira, metafísica e Filosofia Natural, como fazia Descartes. (Sapunaru, 2011, p.23)

    A grande questão que Newton coloca, consiste no rigor que se exigia no tratamento das ciências. A sua preocupação com o método era evidente, foi um intelectual influenciado por Descartes, mas que pôde superá-lo encontrando um modelo mais consistente na sua obra. A preocupação de Newton com a metodologia faz com que haja uma explicação do universo e dos 

movimentos físicos a luz de sua mecânica. As suas regras e procedimentos definiam uma revolução no mundo das ciências.

    Isso ocorre porque, de acordo com Chaui, existem três problemas que o método enfrentará na modernidade. A primeira questão faz referência a percepção cósmica de mundo que se esvai junto a sua hierarquia sistêmica (passagem do geocentrismo para o heliocentrismo); “o homem não encontra no mundo a percepção de verdade em suas qualidades sensoriais que se mostram finitas e ordenado por valores e perfeições que a nova ciência da Natureza revelou serem ilusórios ou representacionais.” (Chauí, 1984, p.75). Em segundo lugar, “o conceito de causalidade faz uma exigência teórica que, quando não respeitada, incapacita que a verdade seja conhecida.” (Chauí, 1984, p.75) Essa exigência é composta de dois elementos: a causalidade eficiente, a própria relação direta entre causa e efeito; e a causalidade final correspondente aos seres possuidores de vontade livre, quer dizer, Deus e o homem. Em conformidade com a filósofa brasileira:

...as relações causais só se estabelecem entre coisas de mesma substância (a extensão, ou a matéria, ou os corpos, dependendo da terminologia de cada filosofo, só produzem efeitos pensantes, anímicos ou ideativos; o finito só produz efeitos finitos; o infinito, única exceção, produz efeitos finitos e infinitos, mas não pode ser produzido por uma causa finita). (Chauí, 1984, p.75-76)


    A solução encontrada, de modo geral, consistia em considerar o conhecimento como uma representação, quer dizer que, a inteligência não afeta nem é afetada pelos corpos, mas pelas ideias deles, havendo assim uma correspondência exigida na causalidade. No entanto, “a representação criou um outro problema: como saber se as ideias representadas correspondem verdadeiramente às coisas representadasComo saber se a ideia é adequada ao seu ideado?” (Chauí, 1984, p.76) Para solucionar esta dificuldade encontramos no método empirismo de David Hume uma nova perspectiva algum acaso acontecer alguma mudança que transforme o curso natural do mundo que entendemos hoje, o que poderá garantir que nossas experiências comprovem no futuro uma mesma ordem da qual foi entendida e tida como verdadeira no agora? Para Hume

O contrário de toda questão de fato permanece sendo possível, porque não pode jamais implicar contradição, e a mente o concebe com a mesma facilidade e clareza, como algo perfeitamente ajustável à realidade. Que o sol não nascerá amanhã não é uma proposição menos inteligível nem implica mais contradição que a afirmação de que ele nascerá; e seria vão, portanto, tentar demonstrar sua falsidade. Se ela fosse 

demonstrativamente falsa, implicaria uma contradição e jamais poderia ser distintamente concebida pela mente (Hume, 2004, p.54).


    Em outras palavras, o que fundamenta o método de inferência é justamente a percepção de semelhança no mundo, que pode ou não ser permanente no percurso tempo-espacial. O resultado dessas provocações causadas por Hume nos mostra a impossibilidade de formular argumentos através da experiência que comprovem alguma semelhança entre o passado e o futuro já que os argumentos estão baseados na mera semelhança. Portanto, o fundamento possível para o método indutivo é vago, o que nos resta assumir que o conhecimento é no máximo um saber possível. Desta maneira, o empirismo de Hume revela um ceticismo que destrói qualquer racionalidade cientifica que não esteja baseada nos princípios de semelhança e reprodução formal dos mecanismos psíquicos construídos historicamente. 

    É notável que a metafísica sofreria um abalo sistêmico após a análise de David Hume, com a “teoria do conhecimento como condição metafísica, isto é, antecedência da pergunta ‘O que podemos conhecer?’ diante da pergunta antiga ‘O que é a realidade?’ Forçou a Filosofia a pagar um alto preço. Esse preço foi a crise da metafísica.” (Chauí, 1994, p.230) O problema de impasse que toca o cânone da questão metafísica será de que a metafísica clássica e o racionalismo moderno ainda se valeria da seguinte proposição: “o intelecto humano ou pensamento possui o poder para conhecer a realidade como tal como é em si mesma e que, graças às operações intelectuais ou aos conceitos que apresentam as coisas e as transformam em objetos de conhecimento, o sujeito de conhecimento tem acesso ao Ser.” (Chauí, 1994, p.230)

    A crítica de Hume mostra que tanto a metafísica clássica quanto a moderna, perdia seu horizonte enquanto teoria de um conhecimento universal e necessário do Ser. Ainda, considera que o sujeito que conhece, até então, se valia do princípio da “identidade e da não contradição”, da “razão suficiente” ou de “causalidade” que operam respectivamente, associando sensações, percepções e impressões recebidas pelos órgãos dos sentidos presentes na memória. As ideias que sustentavam o conceito de substância ou essência, não garantiam a explicação da origem e a finalidade das coisas. As relações dos seres nada mais seriam do que hábitos mentais de associação de impressões semelhantes ou de impressões sucessivas, formuladas numa máxima (causa-efeito) entre sujeito e o objeto. 

O empirismo de Hume até o ceticismo radical.     

    O método empírico baseia-se na indução constituindo a possibilidade de conhecimento construído nas observações práticas de análise, testes e comprovações, através do qual, os enunciados universais, as leis, os princípios, as teorias científicas eram obtidos dos enunciados particulares (enunciados que relatam algo observado, experimentado).

    Aderindo ao empirismo, mas com algumas críticas acerca do método surgia o filósofo David Hume (1711-1776), mesmo admitindo que todas as ideias derivam da experiência, negou uma solução positiva ao problema da indução para as questões de que os filósofos tratam e admitem certas proposições como verdadeiras: "de que impressão deriva esta suposta idéia(sic)?(Hume, 2004, p. 39) ou, como podemos justificar a passagem das premissas das questões de fato para uma conclusão universal?     

    Deste modo, a argumentação de Hume mostra que todo conhecimento que está de acordo com a matéria concreta provém da relação entre impressões e intuições sensoriais, pois a segunda somente nos dá ideias particulares e contingentes. Portanto, assume que a inferência não é somente intuitiva e nem demonstrativa. Não havendo, portanto, justificativa plausível para que os enunciados particulares e contingentes (que descrevem o que foi observado) formulem sistemas universais e necessários (os princípios das teorias científicas). Isso ocorre pelos graus de correspondência de um pensamento ou de uma ideia sobre algo e na medida que essa expressão for alargada num âmbito demasiadamente maior que a sua validez possa ser comprovada caíra no erro iminente, que de acordo com Hume:

É evidente que há um princípio de conexão entre os diversos pensamentos ou idéias(sic) da mente, e que, ao surgirem à memória ou à imaginação, eles se introduzem uns aos outros com um certo grau de método e regularidade. Isso é tão marcante em nossos raciocínios e conversações mais sérios que qualquer pensamento particular que interrompa o fluxo ou encadeamento regular de idéias é imediatamente notado e rejeitado. (HUME, 2004, p.41)


    Ademais, surge uma outra questão: Qual é verdadeiramente a natureza do conhecimento então? De acordo com o filósofo inglês “Assim, pode ser um assunto digno de interesse investigar qual é a natureza dessa evidência que nos dá garantias quanto a qualquer existência real de coisas e qualquer questão de fato, para além do testemunho presente de nossos sentidos ou dos registros de nossa memória.” (HUME, 2004, p.54). 

Portanto, o conhecimento é desenvolvido através da experiência sensível do ser humano, ao qual está dividida em duas partes: “impressões” e “ideias”, que por sua vez, é suscetível ao erro sobre 

o que é a coisa em si. De acordo com Chaui: “A partir de Hume, a metafísica, tal como se entendia desde o século IV a.C., tornava-se impossível.” (CHAUÍ, 1994, p.231) Portanto, a conclusão que se tem das análises de Hume resulta no empirismo cético; pois o homem não pode alcançar, nem mesmo nos limites da experiência, a estabilidade e a segurança de um saber autêntico. O saber humano é no máximo um saber provável.    

    Neste caminho, as nossas faculdades sensitivas se tornam resistentes a construção de uma intuição pura, comprometendo assim a construção de conceitos autênticos na metafísica da natureza e, consequentemente, em uma ciência genuína da natureza material e transcendente. A partir dessas provocações que Kant vai expor na Crítica da Razão Pura os limites da razão pura.

A teoria do conhecimento na Crítica da Razão Pura.

 Immanuel Kant (1724-184), filósofo de Königsberg, marca um novo horizonte na filosofia. A sua teoria do conhecimento foi consequência do seu esforço para salvar a ciência do ceticismo de Hume. Em resposta à David Hume, surgirá na obra a “Crítica da razão Pura” uma ideia engenhosa com base na filosofia crítica (ou filosofia transcendental) em oposição ao racionalismo dogmático e empirismo cético. 

A reflexão kantiana mostrou que a dicotomia entre o empirismo e o racionalismo requer uma solução intermediária “cuja tarefa fundamental vai consistir na crítica da própria razão: averiguar, como em tribunal, quais as exigências desta que são justificadas e eliminar as pretensões sem fundamento (Kant, 2018, p.16).

 Colocar a própria razão em julgo, no “tribunal”, foi uma metáfora muito bem articulada pelo próprio Kant em sua metafísica. O emprego figurativo do tribunal que averigua os fatos e condena as afirmações infundadas para garantir uma legitimidade naquilo que seria a própria razão pura, não decide arbitrariamente, mas julga em nome das suas leis eternas e imutáveis (os comentadores de Kant utilizaram esse tribunal da razão pura para melhor explicar a filosofia crítica kantiana). Tal tribunal será capaz de purificar e assegurar as pretensões legítimas da razão que foram contaminadas pelo conflito sistêmico da filosofia dogmática e degenerado pelo ceticismo.

Consideracoes Finais

Como vimos no decorrer deste artigo, a epistemologia de Kant não só justificou o conhecimento científico de sua época, mas também estabeleceu novas diretrizes para o pensamento científico. A teoria kantiana requereu um certo rigor ao fundamentar-se não apenas na demonstração, mas também na prova factual de suas pesquisas, assim, fazendo jus ao emprego figurativo de colocar a razão pura num “tribunal”.

    Distintamente, a partir do século XVII, o mundo científico já se delineava de forma dinâmica na modernidade, apesar dos impasses em que o sistema racionalista se via com o empirismo e vice-versa. Ainda se constata duas grandes revoluções na matemática movidas por dois racionalistas, respectivamente: René Descartes, na criação da geometria analítica possibilitando novas técnicas para a demonstração generalizada para um alto nível de abstração e complexidade algébrica a partir dos conceitos geométricos de Euclides;  e Isaac Newton, com a nova Física Mecânica explicando o universo e os movimentos físicos.  

    Dentre o desenvolvimento dos métodos científicos de cada ciência e de cada filósofo verifica-se uma característica que pode ter instigado Kant a desenvolver a sua filosofia crítica. Essa propriedade funda-se na construção de paradigmas precedentes que são conservados e quando são mediados pela criticidade kantiana revelam uma possível aproximação com um paradigma que o sucede. Logo, é notório que as transições revolucionárias do mundo científico conduziram um fator preponderante na construção de novos saberes, ou ainda, aqueles reconhecidos por Kant como proposições sintéticas a priori. Isso pode ser explicado incontestavelmente pelo aspecto transcendental da filosofia kantiana. Ou ainda, a maneira pela qual conseguimos estabelecer conexões intersubjetivas mesmo que não possuamos a capacidade de conceber a totalidade das coisas em si mesmas.

    Na história das ciências percebemos os problemas com a epistemologia kantiana. No encadeamento da Teoria da Relatividade, no século XX, com Einstein, a mecânica mostrou-se sem a validade universal pretendida por Kant; as Matemáticas que eram consideradas pelo grande filósofo prussiano como um conhecimento sintético a priori, foram reconhecidas como analíticas. 

    Contudo, podemos supor que sem as contribuições obtidas pelo idealismo transcendental 

kantiano, dificultaria ou ainda tornaria inexistentes essas novas descobertas que o sucederam e isso se conclui não apenas pelas soluções propostas, como também pelos problemas gerados e caminhos apontados por Kant. 

    Dentre às três questões colocadas por Kant, aqui foi desenvolvido, de modo geral, a primeira questão: O que eu posso saber? A crítica de que antes de nos colocarmos a investigar as coisas no mundo torna-se necessário averiguar os reais limites de nossa capacidade de conhecimento levou a empreitada revolucionária de Kant. Se os objetos do conhecimento não são necessariamente adequados às coisas do mundo fenomênico, mas são representações de formas condicionadas pelo tempo e espaço, isto é, somente esses, universais e necessários aprioristicamente. 

    Desta forma foi possível considerar os princípios constitutivos mais básicos e teóricos que indicam a estrutura espaço-temporal fundamental da ciência natural empírica. Além, de pôr fim aos enganos que eram disseminados entre os sistemas que se viam como rivais (empírico e racionalista). Portanto, aquilo que ambos os sistemas antecedentes à Kant postulavam estavam exclusivamente dissociados a nossa experiência possível e tinham que ser criticados e reinterpretados em termos de nossas reais capacidades. Por fim, o método kantiano promoveu uma orientação primordial nas revoluções conceituais gerando novas metaestruturas epistemológicas capazes de compor, orientar e conduzir as grandes transições revolucionarias na ciência.   

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Locke, J.(1999). Ensaio A cerca do Entendimento Humano. São Paulo, Brasil:  Nova Cultural.

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