A GEOGRAFIA NO INICIO DA ESCOLARIDADE¹


Vamilson Souza D`Espindola²


RESUMO: O texto ora apresentado é parte de uma investigação maior sobre o ensino de geografia na Educação Básica. E nesta reflexão procura-se caracterizar como é o ensino de Geografia nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Como decorrência intrínseca é importante entender como o professor trabalha com a Geografia nesse nível da escolaridade. A par disso é também premente reconhecer como acontece a formação dos docentes para essas séries. Essas informações são importantes para caracterizar como é o ensino de Geografia nas series iniciais para que seja possível encontrar os caminhos para uma aprendizagem consequente deste componente curricular.


Palavras-chave: Geografia. Ensino. Séries Iniciais.




INTRODUÇÃO

Para conhecer como é a realidade da escola no que diz respeito ao ensino da Geografia nas Series Iniciais do Ensino Fundamental a investigação envolve o curso de Pedagogia, o curso de Geografia, e os alunos respectivos. E de outra parte os professores que atuam nesse nível da escola. Como já salientado esse texto se utiliza de parte dessa busca para construir o entendimento a respeito do que representa a Geografia para crianças que estão iniciando a sua aprendizagem na instituição escolar. Como não é o relato completo da pesquisa, apenas alguns aspectos são aqui apresentados daquilo que está sendo o conjunto da investigação.
Paralelamente à realização das entrevistas com aqueles que atuam nas Series Iniciais, e com os docentes dos cursos de formação e coordenação dos respectivos cursos, outras formas de investigação também foram realizadas: reuniões com o grupo dos estudantes que estão em formação para debater a respeito do seu entendimento da questão; levantamento e análise do material didático usado pelos professores para trabalhar a Geografia nos cursos de formação docente referidos; e caracterização dos livros textos utilizados nas series iniciais do Ensino Fundamental.

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1 - Trabalho apresentado ao Curso de Pedagogia na disciplina de Educação Especial no ano de 2010.
2- Graduado em Educação Física pela Universidade do Sul de Santa Catarina no ano de 2008.

Pautaram as discussões nas reuniões desses grupos referidos, o entendimento de quais os referenciais teóricos que fundamentam as propostas dos cursos, a coerência com o tipo de atividades propostas e com o conteúdo abordado.

COMO É A GEOGRAFIA NAS SERIES INICIAIS

A forma como está sendo trabalhada a Geografia nos anos iniciais do Ensino Fundamental, permite constatar a grande distancia do que é preconizado pela Geografia escolar e pela Educação Geográfica diante da realidade da escola.
A legislação que trata da educação, através dos PCNs- Parâmetros Curriculares Nacionais, considera que "Adquirir conhecimentos básicos de Geografia é algo importante para a vida em sociedade, em particular para o desempenho das funções da cidadania: cada cidadão, ao conhecer as características sociais, culturais e naturais do lugar onde vive, bem como de outros lugares, pode comparar, explicar, compreender e espacializar as múltiplas relações que diferentes sociedades em épocas variadas estabeleceram e estabelecem com a natureza na construção do seu espaço geográfico."
Mas constata-se que Geografia (como conteúdo escolar) na realidade da escola atualmente inexiste, pois o pouco que é trabalhado se insere dentro dos Estudos Sociais que genericamente aborda temáticas que dizem respeito História e à Geografia.
As dificuldades de trabalhar com os conteúdos são acentuadas pelas características decorrentes do tipo de formação do professor que atua nesse nível de ensino. No caso das habilidades e competências constata-se que são trabalhadas aquelas que dizem respeito à aquisição das noções de espaço e de tempo, mas não há orientação de como trabalhar os conteúdos específicos, e nem de como trabalhar com estes conceitos. Como decorrência observa-se que as bases para desenvolver os conteúdos são bem precárias, pois prevalece a dimensão técnica do desenvolvimento da habilidade em si, e não desta como instrumento para desenvolver os conteúdos. Essa constatação pode ser feita nos livros didáticos e nas propostas de planejamento das atividades. E mais ainda, constata-se que não há preocupação com as habilidades básicas de localizar, orientar, comparar, interpretar, capacidades importantes para fazer a analise geográfica..
Percebe-se também que não há consideração com a aprendizagem geográfica, pois assim como não são trabalhadas as habilidades que sustentariam a competência para aprender a analisar o espaço e para ampliar os conhecimentos geográficos não são também abordados os conteúdos específicos da Geografia escolar. Acadêmicos da licenciatura em Geografia ao observarem nas escolas, o trabalho que é realizado nas series iniciais, constatam que não há consideração coma aprendizagem geográfica, que não são abordados os conteúdos e nem trabalhadas as habilidades necessárias para aprender geografia.
Como a formação docente para o professor das series iniciais está mais centrada na discussão pedagógica e didática, seria de acreditar que esta dimensão seria o forte dos professores que ali atuam. A partir das observações realizadas a constatação é de que nos documentos escolares, nos planos pedagógicos e no discurso tudo se apresenta como construtivista e com o incentivo ao aluno para pensar e que o conhecimento é construído na interrelação professor e aluno, mas na realidade, não é isso o que acontece. As aulas são extremamente teóricas, quer dizer expositivas e com o aluno fazendo pesquisas. Estas são feitas com um determinado tema, que o aluno deve procurar para aprender, mas que na pratica significa fazer cópia de livros e em alguns casos , cada vez mais freqüentes na internet. E outro tipo de atividade é fazer mapas, quer dizer copiar o mapa do livro e muitas vezes a mão-livre.
Outra constatação é de que a geografia ainda é dada de maneira tradicional levando sempre em conta o currículo, através dos círculos concêntricos. Os conteúdos são pré-estabelecidos considerando-se a dimensão do espaço absoluto, partindo sempre do mais próximo e seguindo com a ampliação dos espaços cada vez mais distantes. A escala de análise não é considerada em sua complexidade na/da vida real. A idéia de espaço absoluto predomina mascarando o entendimento das questões da vida que são dinâmicas e muitas vezes cheias de contradições que precisam ser administradas.
Sobre trabalhar com os conceitos, de um modo geral consideram-se que esses são pouco trabalhados. Na maior parte das vezes eles são apresentados como prontos e acabados, sem levar em conta o que o aluno já conhece e nem com a possibilidade de construí-los. Os professores dizem que os conceitos são utilizados de forma teórica, não estabelecendo relações com o mundo real e nem problematizando as questões do cotidiano.Na prática é passada a definição do termoa ao aluno, que deve memorizá-lo.
Em geral os professores argumentam que trabalham com os conceitos de Grupo, espaço e tempo, mas tem dificuldade de interligá-los com os temas da Geografia. Decorre disso a necessidade de decorar os conceitos, o que não representa aprendizado e nem permite entende-los como ferramentas para a aprendizagem e para compreender o mundo em que vivem.
Segundo os professores entrevistados, o trabalho com conceitos permite que o aluno realize aprendizagens significativas, fazendo a interligação com o real, com o ambiente que o cerca. De acordo com os professores esta é a oportunidade de elaborar os conhecimentos que ele (o aluno) tem decorrentes da sua própria vivência, teorizando e compreendendo a realidade. Permite desenvolver atitude indagadora, questionando o que existe na realidade em que vive, desenvolvendo a capacidade de analise e critica da mesma, conhecendo e se reconhecendo como sujeito que interfere nesse mundo em que vive. Isso é o que os professores dizem, e acrescentam que ao trabalhar com diferentes escalas de analise o estudante pode elaborar o conhecimento da realidade e contextualizar os fatos e fenômenos que ai acontece, articulando com os demais níveis: regional, do nacional, do global.
Isso reporta a afirmar que o aluno pode entender que o que acontece no lugar em que ele vive, não é resultado apenas do voluntarismo das pessoas do lugar, mas muito mais que isso é um jogo de relações centradas em interesses, muitas vezes nem manifestos, que, todavia interferem significativamente na vida e na organização do espaço.
No entanto na prática desenvolvida nas aulas, nada disso acontece, pois os conteúdos fragmentados em tempos e espaços considerados em sua dimensão absoluta, tem primazia no cotidiano da sala de aula. Fato esse que acontece na formação docente e na prática da sala de aula na Educação Básica.
O importante na Geografia escolar é realizar o aprendizado para desenvolver as noções de espacialidade, e as habilidades especificas para aprender a interpretar o espaço, para entender o lugar, o mundo, a vida enfim. Diante disso pode-se considerar para que serva ensinar e aprender a Geografia nas Series Iniciais do Ensino Fundamental.


QUEM SÃO E COMO É A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES QUE TRABALHAM NAS SERIES INICIAIS

Os professores que atuam nas Séries Iniciais têm a formação centrada nos aspectos pedagógicos que dizem respeito ao ensino-aprendizagem de crianças que estão dando início ao seu processo de escolarização e formalmente aprendendo a ler e a escrever. O espaço e o tempo dedicado ao ensino das matérias como Geografia, mas também História, Ciências, matemática, nos seus cursos é restrito ao pouco tempo que cabe para abordar todas as disciplinas especificas, o que ocorre tanto na formação docente como na atuação na escola básica. Constata-se, portanto que os professores que atuam nas Séries Iniciais não tem conhecimento significativo do que seria importante trabalhar na Geografia; não conseguem trabalhar com os conceitos da Geografia por falta de conhecimento de seu significado; que as habilidades necessárias para trabalhar com geografia são precariamente construídas e que não constituem no seu conjunto a competência necessária para tornar a Geografia um conteúdo significativo para as crianças;
Essas constatações são feitas pelos próprios professores que tem grandes dificuldades para realizar o trabalho, pois são habilitados em sua formação através dos cursos de magistério (nível de Ensino Médio) e na Graduação de Pedagogia, que tem as características acima referidas. E os documentos mostram que a disciplina especifica, no caso de Historia e Geografia, trata-se de Estudos Sociais. Perguntado a uma coordenadora de um curso de Pedagogia sobre Como acontece o Ensino de Geografia no curso ela responde assim: "Através do componente curricular Fundamentos e Metodologia do Ensino de Estudos Sociais nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, oferecido no 5º semestre, sob carga horária de 90 hs." Mesmo com a orientação de que as disciplinas especificas devem ser trabalhadas como tal, nesse nível de ensino ainda se tem convencionado os Estudos Sociais como o componente curricular que atende a área tanto na formação docente como na escola. A seguir perguntada sobre qual a ementa a resposta é: "Visa conhecer e analisar os fundamentos teóricos metodológicos envolvidos nos processos de ensino e aprendizagem nas Ciências Sociais nos Anos Iniciais do ensino Fundamental, bem como, compreender seu lugar no currículo escolar, propondo alternativas pedagógicas comprometidas com a construção das noções de tempo, espaço e relações sociais articuladas à compreensão da realidade histórica e cultural".
Constata-se diante disso que a atenção é voltada para os aspectos pedagógicos em especial, pois a referência que se poderia ter com os conteúdos diz respeito apenas à construção das noções de tempo, espaço e relações sociais, o que é corroborado com a informação de como acontece o ensino nos estágios que os alunos da Pedagogia realizam. Diz: "O acadêmico escolhe um tema referente ao Ensino de Estudos Sociais (ex. tempo, espaço, etc.) e desenvolve este em sala de aula nos anos iniciais do ensino Fundamental. Ao final do estágio o acadêmico apresenta um relatório contando a experiência realizada."
A articulação dessas noções para compreender a realidade histórica e cultural também demonstra que a especificidade da Geografia não é considerada nesse contexto. Ela será trabalhada em certos casos, na perspectiva da educação ambiental ou ecologia. Se o professor que ministra esse componente curricular no curso de Pedagogia tem a formação na área pode fazer a diferença. No caso de um professor que tem licenciatura curta em Estudos Sociais, plena em Geografia e mestrado e doutorado em Educação, a operacionalização dessa ementa proposta passa por atividades significativas, expressa na intenção: "Mostrar ao professor como a criança constrói os conceitos espaciais na dimensão do espaço físico, para que o professor também entenda a criança e faça-a conhecer, refletir e atuar nesse espaço, tornando-se um sujeito cidadão".
Para conduzir o ensino e efetivar o aprendizado especifico pode-se considerar que os acadêmicos têm acesso à bibliografia que trata da questão e inclusive operacionalizam o conhecimento através da realização da analise de "planos elaborados por professores dos primeiros anos do ensino fundamental, discutidos e redimensionados segundo estudos teórico?metodológicos." Percebe-se aqui a intenção de teorizar as questões e de fazer as referências que possam dar as explicações para o fazer especifico dos Estudos Sociais.
Essa constatação pode ser reforçada pela forma de encaminhamento que é proposto, expresso através do seguinte, que é apresentado pela referida professora, com base nos documentos do curso e nos planos de aula que ministra:
"Propor estudos de referenciais considerados básicos e necessários para a construção do conhecimento sobre o ensino de Estudos Sociais destacando como objeto de estudo as ações dos homens em suas múltiplas dimensões espaciais e temporais."
"Compreender o significado do trabalho de Estudos Sociais (Historia e Geografia) no contexto da organização do currículo escolar, como um componente que se articula aos demais de forma integrada e interdisciplinar"
"Destacar a importância do estudo da construção conceitual pela criança, apresentando os conceitos referentes às noções de espaço, de tempo, de grupo social, articulados à dimensão teórica e metodológica.".
Observam-se aqui as referências explicitas à Geografia, o que é significativo na formação dos professores que irão atuar nos anos iniciais do Ensino Fundamental. No entanto ao serem questionados sobre as suas capacidades de trabalhar com os conteúdos específicos se mostram todas as duvidas, que devem ser consideradas pelos pesquisadores e professores dos cursos de formação no sentido de encontrar possibilidades alternativas que resultem na eficiência pedagógica na formação e na construção de bases solidas para realizar o ensino.
COMO OS PROFESSORES SE SENTEM ATUANDO NAS SÉRIES INICIAS, ENSINANDO GEOGRAFIA
Considerando o tipo de formação dos professores que atuam nesse nível de ensino, é difícil que os mesmos tenham os conhecimentos básicos específicos para desenvolver a sua tarefa de ensinar Geografia. São professores que tiveram em sua formação generalidades a respeito dos conteúdos específicos de cada componente curricular que deve ser atendido. Para os professores não está claro o que possa ser uma educação geográfica, até porque é acentuadamente referido que nos anos iniciais é importante capacitar os alunos para a leitura, escrita, e realização das quatro operações.
Dos depoimentos é expressiva a ressalva de que a Geografia se restringe a umas poucas atividades de fazer maquetes, construir trajetos, desenhar plantas da sala, da escola, do quarto. E mais sério é a afirmação que não necessariamente precisa-se levar em conta os tamanhos e as distâncias, que o importante é fazer os desenhos. Não há, portanto atenção com a escala, com a legenda e nem com as questões sociais que podem advir das constatações feitas. Afirmam também que o material existente não está adequado e que na maioria dos casos inexistem de forma organizadas as informações necessárias para realizar o planejamento do ensino;
Embora na legislação esteja definido que são conteúdos importantes de serem trabalhados há muita dificuldade em dar conta de maneira significativa para o trabalho com os referidos conteúdos.
Os PCNs definem que para o primeiro ciclo, "o estudo da Geografia deve abordar principalmente questões relativas à presença e ao papel da natureza e sua relação com a ação dos indivíduos, dos grupos sociais e, de forma geral, da sociedade na construção do espaço geográfico. Para tanto, a paisagem local e o espaço vivido são as referências para o professor organizar seu trabalho." (p. 127)
"No segundo ciclo, o estudo da Geografia deve abordar principalmente as diferentes relações entre as cidades e o campo em suas dimensões sociais, culturais e ambientais e considerando o papel do trabalho, das tecnologias, da informação, da comunicação e do transporte. O objetivo central é que os alunos construam conhecimentos a respeito das categorias de paisagem urbana e paisagem rural, como foram constituídas ao longo do tempo e ainda o são, e como sintetizam múltiplos espaços geográficos." (p. 139)
Observa-se que a partir dos documentos que orientam o ensino são ressaltados para o componente curricular de Geografia nos Anos Iniciais tanto conteúdos quanto conceitos e categorias, expressos através de: papel da natureza e sua relação com a ação dos indivíduos e dos grupos sociais; da sociedade em geral na construção do espaço geográfico, relações entre cidade e campo, nas suas dimensões sociais, culturais, e ambientais, papel do trabalho, das tecnologias, da informação, da comunicação, dos transportes.
Os professores reportam-se a esses temas como questões ocasionais que podem ser abordadas, mas em momento algum como conteúdos próprios a serem trabalhados com os alunos que exijam planejamento e operacionalização para serem incorporados na aprendizagem. Ao ser considerado o é apenas através de informações e descrições, o que não contribui para fazer a análise geográfica. Alias falta aos professores, como eles afirmam o conhecimento do que seja uma análise geográfica.
Os conceitos referidos acima de: paisagem local, espaço vivido, paisagem urbana, paisagem rural e múltiplos espaços geográficos também não são considerados de modo a se constituírem ferramentas para interpretar a realidade. Quando sao abordados, novamente a dimensão da informação e da descrição prevalece.
COMO OS GRADUADOS EM GEOGRAFIA PERCEBEM ESTE NÍVEL DE ENSINO PARA REALIZAR A SUA ATUAÇÃO
No conjunto dessas constatações se percebe que muito embora na legislação esteja definido que são conteúdos importantes de serem trabalhados há muita dificuldade em dar conta de maneira significativa para trabalhar com os mesmos. Isso se deve também ao fato de que nos cursos de Graduação em Geografia esse nível de ensino na maioria das vezes é desconsiderado, não havendo, portanto, o conhecimento adequado referente ao trato com alunos dessa idade.
De um modo geral os graduandos da Geografia têm suas preocupações voltadas para o ensino da disciplina destinada as séries finais do Ensino Fundamental. Alguns cursos introduziram créditos destinados a estudar a Geografia para as Series Iniciais, muitos deles com a clara intenção de informar que existe Geografia a ser ensinada também para as crianças de 6 a 10 anos. Além de faltar a discussão a respeito dos conteúdos desse nível de ensino também é restrita a aprendizagem do tratamento pedagógico com crianças dessa idade.
Os docentes nos cursos de formação de professores de Geografia têm maior preocupação e atenção com os conteúdos específicos e nas suas especialidades muitas vezes desconhecem que estão ensinando Geografia para o acadêmico ser professor de Geografia. Torna-se mais grave então a falta de atenção com a iniciação geográfica, nos anos iniciais, o que vai refletir nos anos finais quando os alunos não conseguem ter desenvolvidas as habilidades e competências básicas para estudar Geografia.
A GEOGRAFIA COMO CAMPO DO CONHECIMENTO
Diante dessas constatações podem-se delinear as bases que esbocem caminhos para fazer da Geografia neste nível de ensino uma ferramenta para compreender o mundo, para que o aluno se reconheça como sujeito que constrói os espaços e que os limites que lhe são postos o são no sentido da vivência em sociedade e da convivência necessária para existir equilíbrio social e ambiental. E é preciso também entender que há interesses fortes que ordenam as relações entre os homens e desses com a natureza nos processos de construção dos espaços.
Não é uma tarefa tranquila, e fácil de realizar, pois os professores têm carências que dificultam a efetivação de um ensino consequente com aquilo que seria o ideal. Mas também não se pode ficar imobilizado e o esforço pode render alguma coisa interessante.
Como ponto de partida é adequado ter a clareza de que a Geografia enquanto campo do conhecimento tem a preocupação de buscar as explicações para entender como se espacializam os fenômenos sociais. Como definir a Geografia diante das demandas do mundo contemporâneo pode ser uma tarefa difícil, pelo risco de se levar em conta apenas determinados aspectos para fazer essa definição. No entanto delineando o que se está entendendo por Geografia, pode-se dizer que é aquela ciência que se debruça em estudar a configuração espacial resultante das relações sociais que acontecem em determinados tempo e espaços. Se é assim pode-se considerar a afirmação de Santos (1996) ao dizer que: "A configuração territorial, ou configuração geográfica, tem pois uma existência material própria, mas sua existência social, isto é, sua existência real, somente lhe é dada pelo fato das relações sociais."(p.51)
Mas pensar em tempos e espaços significa dar atenção às formas de organização das sociedades ao longo de suas historia. "No começo da historia do homem, a configuração territorial é simplesmente o conjunto dos complexos naturais. A medida que a historia vai fazendo-se, a configuração territorial é dada pelas obras dos homens: estradas, plantações, casas, depósitos, portos, fabricas, cidades, etc; verdadeiras próteses. Cria-se uma configuração territorial que é cada vez mais o resultado de uma produção histórica e tende a uma negação da natureza , natural, substituindo-a por uma natureza inteiramente humanizada."(Santos, p. 51)
Atualmente diante do intenso processo de globalização que interliga todos os lugares, não se pode correr o risco de estudar determinado lugar sem considerar o contexto em que se insere. As novas dimensões de tempo e espaço que interferem na organização das populações exigem novas formas de interpretar o mundo e cada lugar. Se considerarmos que o espaço e o tempo são dimensões materiais fundamentais da vida humana, e tanto o espaço como o tempo tem sido transformados sob o efeito combinado do paradigma da tecnologia da informação é necessário que se considere no estudo da Geografia, esses elementos. Isso remete a um espaço de fluxos e a um tempo atemporal (Castells, 1997) cujas combinações daí decorrentes precisam ser consideradas para estudar Geografia. Os processos de globalização criam novos espaços, definem outros tempos e a velocidade se constitui como um novo parâmetro. Isso tudo se expressa através de novas formas de viver, de entender o mundo, de novas culturas, novas identidades, novas territorialidades. Então como a Geografia se situa nesse contexto? (Cavalcanti 2008) afirma que... "a Geografia nesse contexto tem se desenvolvido, tornando-se uma ciência mais plural."
E A GEOGRAFIA ESCOLAR
A Geografia se constitui como um componente do currículo escolar, e o seu ensino se caracteriza, como a possibilidade de que o aluno reconheça a sua identidade e pertencimento num mundo em que a homogeneidade proposta pelos processos de globalização tenta tornar tudo igual.
Temos ai duas dimensões da importância de estudar a Geografia, que é compreender o mundo e se entender como sujeito nesse mundo. Entender a espacialidade dos fenômenos sociais pode ser um caminho para conhecer e compreender o mundo e para isso são necessários instrumentos que encaminhem a iniciação do aluno na interpretação dos fenômenos e fatos que acontecem na sociedade e que se materializam através das formas de organização que o espaço assume. Para construir um conjunto de referências gerais e básicas que possibilitem fazer a leitura do espaço, há um longo caminho que pode ser percorrido no contexto da geografia escolar, fazendo aquilo que estamos entendendo por educação geográfica.
E nessa perspectiva pode-se questionar como acontece a articulação entre a Geografia como campo do conhecimento e a Geografia escolar. Para Cavalcanti, (2008, p. 27 e 28) as diferenças entre a Geografia acadêmica e a geografia escolar são significativas e precisam ser respeitadas, fato que está sendo considerado pelos pesquisadores da didática, e do ensino e das metodologias da Geografia. Diz ela, "A Geografia escolar não se ensina, ela se constrói, ela se realiza. Ela tem um movimento próprio, relativamente independente, realizado pelos professores e demais sujeitos da prática escolar que tomam decisões sobre o que é ensinado efetivamente."
Aceitando essa interpretação pode-se colocar como questionamento como construir a Geografia escolar a partir das séries Iniciais do Ensino Fundamental. Considera-se que a alfabetização cartográfica e a iniciação geográfica permitirão que o aluno desde o inicio da sua presença na escola, aprenda a ler o espaço a partir do entendimento do lugar em que ele vive. No entanto não se restringindo a trabalhar simplesmente com aquilo que existe no lugar, mas para construir a partir daí as referências que lhe auxiliem na teorização do que se observa no cotidiano. E nesse caminho é fundamental construir um quadro de referências gerais que lhe permitam assegurar-se das ferramentas adequadas para interpretar, analisar e exercitar a critica das configurações territoriais que lhe dizem respeito, considerando a complexidade da vida e contextualizando nas diversas escalas de analise.
No inicio da escolarização a Geografia se apresenta com um conteúdo significativo para a criança conhecer o espaço em que vive e perceber a sua contextualização em escalas diversas, como a região, o pais e o mundo (escalas local , regional, nacional e global). Estudar o lugar, conhecer os espaços de convivência, saber como realizar a observação, aprender a fazer a representação desses espaços são conteúdos significativos e dizem respeito ao desenvolvimento de habilidades específicas da Geografia, que tem uma função no conjunto do currículo escolar.
Para além da contextualização da Geografia no conjunto dos conteúdos escolares nesse nível de escolaridade há outro ponto importante que é o de estabelecer as bases para estudar a geografia nos anos seguintes do Ensino Fundamental e Médio. Nesse momento em que as crianças assumem o seu lugar na escola, instituição formal, que trabalha com o conhecimento cientifico e que tem inicio o processo de socialização e de formação, é importante reconhecer qual o papel da Geografia como um dos componentes curriculares.
É nesse nível de ensino que os conceitos correntes da Geografia podem ser desenvolvidos, dando inicio ao processo de conhecimento, que pode subsidiar a formação dos sujeitos. Estabelecem-se as bases do conhecimento a partir desse nível da escolaridade e do desenvolvimento dos conceitos que a cada ano podem ser mais complexos. "Compreender o lugar em que se vive encaminha-nos a conhecer a historia do lugar e, assim, a procurar entender o que ali acontece. Nenhum lugar é neutro, pelo contrario, os lugares são repletos de historia e situam-se concretamente em um tempo e em um espaço fisicamente delimitado.. As pessoas que vivem em um lugar estão historicamente situadas e contextualizadas no mundo. Assim, o lugar não pode ser considerado/entendido isoladamente. O espaço em que vivemos é o resultado da historia de nossas vidas. Ao mesmo tempo em que ele é o palco onde se sucedem os fenômenos, ele é também ator/autor, uma vez que oferece condições, põe limites, cria possibilidades." (Callai,2005: 236.)
Estudar o lugar significa conhecer a realidade em que o aluno vive identificar o que existe, quais os processos que são desencadeados, como se materializa a vida do conjunto da sociedade no espaço concreto que se vislumbra.Olhar o lugar, entender o que acontece, exige necessariamente que o aluno consiga abstrair desta realidade do lugar, aprendendo a teorizar. Isto requer que o aluno abstraia e contextualize os fenômenos, construindo o quadro de referencial mais amplo que lhe permita avançar para uma analise mais critica, entendendo que o lugar reflete o mundo globalizado. Com base em Santos (1996): "Cada lugar é a sua maneira o mundo" (252); "Cada lugar é, ao mesmo tempo, objeto de uma razão global e de uma razão local, convivendo dialeticamente". (p.273). Essas citações nos remetem a reafirmar a importância de não trabalhar com os espaços fragmentados, que deslocam a possibilidade de entendimento do que está sendo considerado.
Para Cavalcanti é fundamental que: "Para que os alunos entendam os espaços de sua vida cotidiana, que se tornaram extremamente complexos, é necessário que aprendam a olhar, ao mesmo tempo, para um contexto mais amplo e global, do qual todos fazem parte, e para os elementos que caracterizam e distinguem seu contexto global" (2008: 43)
Avançando nessa linha de argumentação pode-se afirmar que ao estudar a Geografia nas Series Iniciais abre-se o caminho para estabelecer as bases de aprendizado dessa disciplina. Essas bases podem ser identificadas pelas habilidades desenvolvidas de observar, descrever, analisar e enunciar um espírito crítico a respeito da realidade em que o aluno vive. Também as habilidades de orientação, localização e representação que são funções importantes na vida de qualquer sujeito para se situar no mundo em que vive.

CONCLUSÃO
O ensino de Geografia na escola deve ser pautado pelo acesso dos alunos ao conhecimento produzido pela humanidade para que possam entender o mundo em que vivem. Saber a informação, conseguir entendê-la e contextualizar os fenômenos no conjunto do mundo globalizado, entendendo o lugar como a reprodução desses processos em determinados tempos e espaços é um objetivo. Mas tem outro que é importante que diz respeito ao aluno se compreender como sujeito nesse processo de construção do espaço tendo condições de construir a sua identidade e pertencimento. Assim reafirmo que estudar o lugar considerando as escalas de analise, tendo como suporte o desenvolvimento de habilidades específicas, e construindo os conceitos, pode ser a alternativa de aprender Geografia e se construir como sujeito de sua historia ao tempo em produz o espaço como sujeito social. E para finalizar recorre a uma citação que diz: "Ao ler o espaço, desencadeia-se o processo de conhecimento da realidade que é vivida cotidianamente. Constrói-se o conceito, que é uma abstração da realidade em si, formada a partir da realidade em si, a partir da compreensão do lugar concreto, de onde se extraem elementos para pensar o mundo (ao construir a nossa historia e o nosso espaço). Nesse caminho, ao observar o lugar especifico e confrontá-lo com outros lugares, tem inicio um processo de abstração que se assenta entre o real aparente, visível, perceptível e o concreto pensado na elaboração do que está sendo vivido." (Callai, 2005: 241)
Estudar o lugar para compreender o mundo pode ser a alternativa para estudar Geografia no inicio da escolarização, mas o caminho para se chegar é sinuoso assim como são os meandros dos rios ou o ondular das coxilhas do Rio Grande do Sul. Mas é o caminho que deve ser perseguido por nós que trabalhamos com a Geografia e neste nível de ensino, seja como docentes seja como pesquisadores, e a possibilidade de fazer com que o professor seja ele o estudioso dessa questão pode ser a alternativa mais eficaz. Afinal educação geográfica não é para a escola, ou para os professores, mas é com certeza para que cada um se entenda como sujeito da sua historia ao viver a sua vida e produzir o seu espaço.

REFERÊNCIAS

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