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SISTEMA MUNICIPAL DE ENSINO:
Fundamentos legais da gestão democrática
Sebastião Rodrigues de Sousa
Doutorando em Ciências Socias
Faculdade de Ciências Sociais – UFP
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RESUMO
Neste estudo, que se caracteriza metodologicamente no âmbito da pesquisa qualitativa, trata-se de questões relacionadas ao sistema municipal de ensino a partir da análise dos fundamentos legais da gestão escolar democrática. A atual legislação educacional não apenas indica, mas determina que a gestão da escola pública seja democrática. Isso ainda não foi alcançado, por desrespeito à lei ou por falta de vontade política. A democratização da gestão escolar no Brasil, ainda é um ideal a ser alcançado.
Palavras-chave: Gestão democrática. Mobilização social. Marcos legais.
1. INTRODUÇÃO
Este pequeno estudo tem por objetivo discorrer sobre os fundamentos teóricos que sustentam o modelo de gestão da educação brasileira, o qual, nos termos das Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e da Lei nº. 9.394 – das Diretrizes e Bases da Educação nacional de 1996, deve ser efetivado com ampla participação da sociedade, de onde se infere que tal modelo de gestão se configura como democrático.
O modelo de gestão democrática que se tenta efetivar no âmbito da gestão educacional permeia diversas instâncias, inclusive os conselhos de classe formados por professores, as associações de pais e mestres, os grêmios estudantis, os conselhos escolares, e, de forma mais ampla, os conselhos municipais de educação (CMEs), cuja participação na gestão da educação, se estende desde a autorização de unidades escolares, até a concepção e normatização das políticas superiores de educação no âmbito de sua esfera de competência, a saber, o ente federativo municipal.
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Isto se mostra muito importante, exatamente porque o sistema municipal de ensino é legalmente responsável pelos primeiros níveis da educação básica, a educação infantil e o ensino fundamental, instâncias educativas que se configuram como o alicerce de toda a educação formal da pessoa. Assim, a participação social e comunitária é fundamental, na medida em contribui para a tomada de decisões que digam respeito não apenas aos interesses, mas ao direito subjetivo que todo cidadão possui de acesso a uma educação pública e gratuita de qualidade.
Além disso, a participação social e comunitária no sistema de gestão da educação lhe confere transparência e legitimidade, uma vez que o cidadão comum é o maior interessado em que a educação dê certo e que o tipo de gestão adotado pelo sistema permita a condição de participação da sociedade civil, sem nenhuma restrição, de onde se depreende que os órgãos colegiados, embora pertençam à estrutura administrava do município, devem ter a necessária autonomia.
2. A GESTÃO DEMOCRÁTICA DA EDUCAÇÃO
A gestão da educação, quase sempre, consciente ou inconscientemente seguiu a trilha aberta pelos princípios norteadores da administração de empresas. Tanto é verdade, que ao longo do tempo ela seguiu ou tentou seguir as teorias e modelos adotados pela empresa capitalista privada, desde o teylorismo, a administração científica, o fordismo, e, mais recentemente, o toyotismo japonês lastreado nos princípios da qualidade total.
Isto estaria perfeitamente correto se a escola se constituísse como uma empresa criada nos moldes do sistema de produção capitalista em que se prima pela eficiência técnica e pela política de resultados imediatos que visam a acumulação, e não com seres humanos, em tudo diferentes de insumos, de linhas de montagem e capital, mesmo que este capital venha travestido de capital humano.
O certo é que, via de regra, os princípios da administração de empresas adotados pela gestão escolar não renderam os resultados esperados, com a agravante de que eles quase nunca se prestam à efetivação de uma educação democrática com qualidade. No trato com o ser humano, compreende-se que sempre alcançará melhores resultados, não os gestores que impõem, mas os que se dispõem.
Cabe ressaltar que democratização da gestão tem início com a democratização de oportunidades, ou seja, com a universalização da oportunidade de acesso, em princípio à
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educação básica e posteriormente, logo que possível, ao ensino superior, o que ainda se configura como um ideal a ser alcançado no caso brasileiro. Neste sentido afirma Oliveira (2002, p. 13) que
[…] se a gestão democrática da educação deve se pautar pela universalização do ensino básico a toda a população, não poderia fazê-lo, desconsiderando a numerosa soma de adultos analfabetos alijados do ensino regular.
A autora tem razão, especialmente em se considerando o momento em que a obra foi publicada. De lá até a atualidade o quadro se modificou, embora se reconheça que ainda se constata grande quantidade de adultos não alfabetizados, ou de analfabetos funcionais que estão excluídos, tanto da educação formal, quanto de programas de educação informal e não-formal, o que se coloca como um entrave à democratização da educação brasileira.
No que se refere ao ensino obrigatório, compreendido pelos nove anos do ensino fundamental, há de se reconhecer que mais de 97% das pessoas entre 6 e 15 anos estão frequentado a escola, mas nem sempre essas escolas podem ser consideradas de qualidade, quer em termos de estrutura física, didática e administrativa. Ou seja, a própria estrutura dos estabelecimentos, a formação dos profissionais do magistério, bem como a forma como são geridos, não contribuem para a efetivação de uma gestão realmente democrática.
No plano específico da gestão das escolas, para se garantir sua democratização, em primeiro lugar, se faz necessário alguns elementos como a conscientização e a participação social. Do ponto de vista freireano,
A conscientização é mais que uma simples tomada de consciência. Supõe, por sua vez, o superar a falsa consciência, quer dizer, o estado de consciência semi-intransitivo ou transitivo-ingênuo, e uma melhor inserção crítica da pessoa numa realidade desmistificada (FREIRE, 1980, p. 90).
Ou seja, a participação das pessoas na vida da escola requer uma postura consciente capaz de retirá-la do âmbito do senso comum e da falsa consciência para, dotada de uma postura crítica diante da realidade constatada, contribuir positivamente para sua modificação. Já a participação social é definida por Toro A. e Werneck (1997, p. 26) como
[…] um processo de mobilização social, é ao mesmo tempo meta e meio. Por isso, não podemos falar da participação apenas como pressuposto, como condição intrínseca e essencial de um processo de mobilização. Ela de fato o é. Mas ela cresce em abrangência e profundidade ao longo do processo, o que faz destas duas qualidades (abrangência e profundidade) um resultado desejado e esperado.
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Sabe-se que só pode haver democracia em uma sociedade regida por princípios normativos inspirados em um estado de direito que se encontre em plena vigência. Para se vivenciar a democracia em sentido amplo, e a gestão escolar democrática em sentido restrito, se faz necessária a existência de um ordenamento jurídico apropriado, mas ao mesmo tempo, que haja a consciência, a conscientização de que a democracia só pode ser vivenciada a partir da mobilização e da participação social.
Ou seja, não há como fazer democracia por imposição normativa, até porque isso seria antidemocrático, mas não há como efetivá-la sem o suporte jurídico adequado e sem a mobilização de todos os segmentos sociais interessados na construção de uma convivência democrática.
3. ANÁLISES E DISCUSSÕES
A história do Brasil, desde seu descobrimento por Portugal em 1.500, tem sido marcada por profundas mudanças políticas e administrativas. Em primeiro lugar, o País que nasceu como colônia da Coroa Portuguesa, transformou-se em império sob a égide de um príncipe português. Depois se transformou em República. Nessa condição vivenciou momentos políticos em que se alternaram condições de democracia e de ditadura. Tal alternância parece ter sofrido um momento de estagnação, pois desde os anos 1980 o Brasil vive a experiência de construção/reconstrução de um sistema democrático representativo que começou a se consolidar de fato e de direito, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil em 1988.
Naturalmente a educação iniciada pelos jesuítas no Brasil - Colônia, de forma mais ou menos intensa, tem também sua história profundamente marcada por períodos em que seu sistema de gestão de sido mais fechado, portanto, menos democrático e mais aberto à participação, e, em decorrência, mais democrático. Assim como ocorreu na história política, a história da educação brasileira passou a apresentar contornos mais democráticos, justamente com a promulgação da Carta Constitucional de 1988, com a Lei nº. 9.394/96 – das Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 e com os Parâmetros Curriculares Nacionais que começaram a ser publicados em 1997.
A Lei de Diretrizes e Bases, concebida para regulamentar os dispositivos constitucionais relacionados à educação nacional, criou os sistemas de ensino e regulamentou o dispositivo constitucional Inciso VI do Artigo 206, que prevê a gestão democrática das
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escolas públicas brasileira, nos seguintes termos: o ensino deve ser ministrado com base em alguns princípios, dentre os quais, a gestão democrática, a ser definida na forma da Lei (BRASIL, 2003).
A Lei de Diretrizes e Bases, quando trata dos princípios e fins da educação nacional, no Inciso VIII do Artigo 3º confirma que a gestão democrática do ensino público deve-se dar na forma desta Lei e de acordo com a legislação ordinária regulamentadora dos sistemas de ensino, e quando trata da incumbência dos estabelecimentos de ensino com a educação, em seu Artigo 12, aponta para a gestão democrática em vários de seus Incisos. A relativa autonomia destes estabelecimentos lhes permite elabora e executar sua proposta pedagógica, administrar seus recursos, humanos, financeiros e materiais e promover articulação com as famílias e a comunidade, de forma se criar mecanismos de integração da sociedade com escola (BRASIL, 1996a).
A LDB ao estabelecer a incumbência dos docentes, em seu Artigo 13 determina que a eles, dentre outras, incumbe participar da elaboração da proposta pedagógica da escola e participar de forma efetiva com as atividades que visem a articulação entre a escola, as famílias e a comunidade, com a finalidade de, à medida que se garante a presença da família e da comunidade, no âmbito da escola, promove a participação, portanto, a possibilidade de gestão democrática (BRASIL, 1996a).
Como se percebe, a gestão democrática da escola brasileira está perfeitamente contemplada na legislação educacional em todos os níveis, desde a Constituição até as Leis Orgânicas dos municípios. No entanto, isto não se configura ainda como uma realidade. A despeito da legislação educacional estabelecer os princípios para a gestão democrática, a escola brasileira ainda caminha a passos lentos rumo à sua democratização, o que leva a concordar com o entendimento de Paulo Freire (2003) de que a democracia se constitui como um saber que só se incorpora ao homem através da experimentação e da vivência. Ou seja, não basta a determinação legal para sua efetivação, mas a disposição do cidadão para vivenciá-la na pratica do cotidiano.
Mesmo assim, a gestão da educação brasileira, de forma não linear e ininterrupta, tem sofrido tentativas de democratização, desde antes da existência de legislação ordinária regulamentadora, visto que desde muito antes da promulgação da LDB em 1996, alguns estados e municípios já vinham criando e implantado conselhos escolares os quais se configuraram como uma instância de participação da comunidade escolar na vida da escola, os quais possuíam caráter consultivo e deliberativo.
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No entanto, esses conselhos, a despeito de sua formação paritária, pois composto por representantes dos vários segmentos componentes da comunidade escolar, tinham pouco poder decisório, portanto, limitada participação. Tal realidade começou a ser modificada com o repasse de recursos financeiros às escolas. Isto estimulou a participação dos conselhos na gestão, inclusive com o poder de decidir sobre as formas de aplicação de recursos, observados os princípios do direito público, mas ao mesmo tempo, muitos desses conselhos começaram a ser manipulados, uma vez que o poder dos diretores de escolas terminava por influenciar na escolha de seus membros.
A gestão democrática ainda embrionária, que nasceu da articulação dos conselhos escolares, ganhou forças com a promulgação da Lei nº. 9.424/96 que criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) (BRSIL, 1996b), a qual criou mecanismos que garantissem recursos financeiros aos vários sistemas de ensino, e, para gerir o Fundo, em nível municipal, foram criados os conselhos do FUNDEF, com a finalidade de fiscalizar a aplicação dos recursos e com o poder de influenciar sobre a aprovação ou não das contas dos gestores municipais.
No entanto, uma das principais iniciativas para a democratização da gestão dos sistemas municipais de ensino foi a criação dos conselhos municipais de educação, cuja iniciativa não nasceu na legislação atual, mas já estava prevista no Artigo 77 da Lei 5.692/71 – das Diretrizes e Bases da Educação Nacional, cuja criação dependia de anuência do conselho estadual de educação, visto que à época, a educação municipal fazia parte do sistema estadual de ensino.
Pois bem, a atual LDB, a Lei nº. 9.394/96 criou mecanismos (Artigo 11) para que os sistemas municipais de ensino pudessem se organizar de três formas diferentes: fazer parte do sistema estadual, organizar-se em regime de colaboração com o sistema estadual ou de maneira independente, inclusive com o poder de complementar a legislação federal e estadual no que couber e estabelecer normas para o funcionamento das instituições de ensino, inclusive para a adoção de medidas capazes de garantir a gestão democrática da educação.
Muitos municípios brasileiros optaram por organizar seus próprios sistemas de forma autônoma, mas a despeito do poder dos conselhos municipais, uma vez que eles são responsáveis pela concepção das políticas superiores da educação municipal e possuírem caráter consultivo, deliberativo, normativo e fiscalizador, não se conseguiu efetivar de fato a gestão democrática da escola, mesmo quando o município dispõe de legislação complementar adequada e de resoluções específicas, especialmente quanto ao que se refere à eleição de diretores de estabelecimentos de ensino.
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Embora praticamente todas as Leis Orgânicas – leis maiores – dos municípios contemplem a eleição de gestores das escolas públicas e muitos dos municípios brasileiros tenham realizado uma ou algumas vezes essas eleições, aos poucos elas deixaram de ser realizadas, quase sempre sob a alegação de que ela não garantiria a gestão democrática aliada à eficiência administrativa em flagrante desrespeito à legislação e quase sempre com a finalidade de garantir a ingerência de prefeitos e secretários de educação na escolha de gestores e consequente consolidação de apoiamento de ordem político-partidária.
Um exemplo do que se afirma acima é o caso de Imperatriz, Estado do Maranhão, cuja Lei Orgânica determina textualmente no Caput do Artigo 170 que “Os diretores das escolas municipais serão eleitos por voto direto e secreto da comunidade escolar (professores, pais ou responsáveis, alunos com mais de 15 anos)” (BARROS, 2005, p. 189). Na prática os gestores de escolas eram eleitos para mandatos de dois anos. No entanto, com o passar do tempo, as eleições foram deixando de ser realizadas, e na atualidade, ninguém fala mais nisso e o prefeito nomeia diretamente as pessoas de sua preferência para suprimento dos cargos de direção das escolas.
4. CONCLUSÃO
A história da educação brasileira, já se disse, não é linear, mas passou por diversos tipos de orientação pedagógica e administrativa, desde o Brasil colonial até a atualidade em que se vive um momento de aprendizagem da convivência democrática, movimento iniciado nos anos 1980, mas que ainda não alcançou seu ponto culminante. Na verdade, a consciência de uma atitude participativa ainda está em estado de formação, possivelmente pela falta de hábito, por falta de uma cultura democrática.
O certo é que mesmo com a existência de uma legislação educação bastante moderna, que garante as formas de participação social nas instâncias mais diversificadas da coisa pública, ainda há resistência por parte dos cidadãos, por comodismo ou conivência. Por outro lado, os próprios gestores das instituições de ensino, talvez por serem ainda herdeiro de um modelo de gestão mais centralizado, terminam por inviabilizar, em grande parte, a participação da comunidade escolar na e nos destinos da escola.
Na verdade, a busca da autonomia da gestão escolar compartilhada por todos os seguimentos da sociedade, que parece ser um anseio do povo brasileiro, ainda não se constitui como uma realidade aqui e agora, mas como um ideal a ser alcançado pela sociedade civil
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organizada e/ou pelo esforço de cidadãos isolados, neste caso, sempre com menor possibilidade de êxito.
SISTEMA MUNICIPAL DE ENSINO:
Análise dos fundamentos legais da gestão democrática
ABSTRACT
Neste estudo, que se caracteriza metodologicamente no âmbito da pesquisa qualitativa, trata-se de questões relacionadas ao sistema municipal de ensino a partir da análise dos fundamentos legais da gestão escolar democrática. A atual legislação educacional não apenas indica, mas determina que a gestão da escola pública seja democrática. Isso ainda não foi alcançado, por desrespeito à lei ou por falta de vontade política. A democratização da gestão escolar no Brasil, ainda é um ideal a ser alcançado.
Palavras-chave: Gestão democrática. Mobilização social. Marcos legais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROS, M. D. (Org.). Lei Orgânica do Município de Imperatriz. Imperatriz: Halley, 2005.
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988 / obra coletiva de autoria da editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto et al. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
________ . Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996 - das Diretrizes e Bases da Educação Nacional: legislação básica. 2. ed. Brasília: PROEP, 1996a.
________ . Lei nº. 9.424, de 24 de dezembro de 1996 - que criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF): legislação básica. 2. ed. Brasília: PROEP, 1996b.
________ . Lei nº. 5.692/71 – das Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: MEC, 1971.
FREIRE, P. Conscientização: teoria e prática da libertação – uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. 3. ed. São Paulo: Moraes, 1980.
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OLIVEIRA, D. A. (Org.). Gestão democrática da educação: desafios contemporâneos. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1997.
TORO, A. J. B.; WERNECK, N. M. D. Mobilização social: um modo de construir a democracia e a participação. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, Recursos, 1997.