Belo Horizonte, 2014.

Omar de Souza Barros Neto

Guilherme Augusto Gomes Pereira

Vitor Guilherme Braga Santos

RESENHA: Transportes, modernização e formação regional: subsídios a história da era ferroviária mineira, 1870-1940

 

1 INTRODUÇÂO

 

“Transportes, Modernização e Formação Regional” de Felipe Alvarenga Batista, Lidiany Silva Barbosa e Marcelo Magalhães Godoy é um artigo publicado pelo CEDEPLAR/UFMG em 2012. Em três capítulos, os autores abordam o processo de desenvolvimento da malha ferroviária da Província, depois Estado, de Minas Gerais durante o período de 1870 a 1940. Constataram que o modelo de desenvolvimento ferroviário brasileiro sob as bases de uma economia agrário-exportadora não foi adequado para integrar a economia interna de Minas Gerais. Não obstante, segundo Batista, Barbosa e Godoy (2012), a região registrou o maior volume de trilhos do país, cuja expansão acabou, mesmo sob críticas de contemporâneos, sendo guiada por motivos políticos e financeiros resultantes do pensamentos majoritário à época de que a ferrovia era diretamente associada ao progresso. Batista, Barbosa e Godoy (2012) sintetizam a histórias das mais importantes ferrovias do estado de Minas Gerais bem como as características do período da modernização dos transportes em Minas Gerais. Ao final do artigo, os autores apresentam uma proposta de periodização da era ferroviária mineira

2 DESENVOLVIMENTO

Tanto os países centrais como os periféricos se beneficiaram largamente da modernização dos transportes, que teve como carro chefe as ferrovias e os navio à vapor. Conforme Batista, Barbosa e Godoy (2012), a expansão das estradas de ferro garantiu melhor exatidão no cumprimentos dos horários, encurtaram distancias e reduziram significativamente o custo dos fretes.

No Brasil, a expansão das ferrovias esteve intimamente ligada ao desenvolvimento da economia agrário-exportadora, facilitando a exportação dos produtos agrícolas para o mercado externo. Silva (1986), citando o cálculo de Taunay, argumentou que o transporte por ferrovias era seis vezes mais baratos do que por mulas, meio utilizado anteriormente. Estima-se que a economia realizada apenas pela Estrada de Ferro Pedro II representava cerca de 10% do valor total das exportações brasileiras de café nessa época.

Segundo Batista, Barbosa e Godoy (2012), a direção geográfica da expansão das estradas de fero estava diretamente ligada ao avanço da fronteira agrícola. Segundo eles, do total das rodovias federais, 74% pertencia à São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espirito Santo, e das redes estaduais 88% estava nestes mesmos estados. Silva (1986) também registra uma ligação forte entre as ferrovias e a economia agrário-exportadora, com a maior parte das estradas de ferro do período se localizando nas regiões produtoras de café. Desta forma, o papel principal das ferrovias era ligar as áreas produtoras de bens primários aos grandes portos, reduzindo o custo dos fretes e dando mais confiabilidade nas entregas dos produtos.

A expansão das ferrovias também teve significativo impacto na disponibilidade de mão de obra para a lavoura de café. Com o advento das estradas de ferro, houve uma significativa liberação de trabalhadores então ocupados com as tropas de mulas para as plantações de café. Entretanto, segundo Lamounier (2000), não há evidencias de que esse processo tenha sido linear, como parte da historiografia argumenta que foi. Segundo a autora, ainda não foram encontradas suficientes evidências de onde e como a ferrovias ajudaram a desconstituir o sistema de transporte em atividade no período. Em alguns locais, os fretes de ferroviárias se mostraram mais caros do que os outros modelos de transporte, principalmente o fluvial, devido à falta de planejamento adequado e a diferença de bitolas, que aumentavam os custos da operação. Devido à falta de planejamento, a necessidade de mão de obra para transportar a produção até estações mal localizadas e para transportar os produtos para outros vagões, quando havia troca das bitolas, foi significativamente alta. Além disso, as ferrovias permitiram uma aumento significativo da área plantada em distancias cada vez maiores dos portos, o que aumentava a demanda por trabalhadores engajados no transporte do produto.

Ainda assim, o artigo de Batista, Barbosa e Godoy (2012) mostra que aceitar essa premissa para a implantação das estradas de ferro no Brasil não significa ignorar as especificidades da modernização dos transportes em cada região.

As estradas de ferro do estado de Minas Gerais foram desenvolvidas baseadas num sistema que ligava os portos às áreas de produção agrícola, partindo de um eixo principal assumido pela Estada de Ferro Central do Brasil (Estrada de Ferro Dom Pedro II), que ligava o estado ao porto do Rio de Janeiro. Os poucos momentos em que as ferrovias de minas tentaram se desvencilhar do porto do Rio de Janeiro, o fizeram com o intuito de se ligar à outros portos de exportação. Todavia, os sistema implantado pouco fez para resolver o problema de interligação da economia regional do estado, mesmo com sua volumosa expansão, e gerou um grande ônus para as finanças públicas estaduais sem a contrapartida de incentivo ao desenvolvimento regional.

Concluem Batista, Barbosa e Godoy (2012) que essa falta de dinamismo regional facultou ao Estado de Minas Gerais a perda de importância relativa na economia Brasileira após a transição de uma economia mercantil escravista, no século XIX, para um quadro de mercado interno integrado em bases capitalista. Desta forma, tornou-se uma economia subordinada na divisão inter-regional do trabalho, algo que se tornaria irreversível após 1930.  

A falta de planejamentos se mostra, segundo Batista, Barbosa e Godoy (2012), como a marca maior do processo de ampliação da malha ferroviária mineira. Essa falta de planejamento é perceptível no desalinhamento entre as especificidades econômicas e geográficas da região. Todavia, o texto mostra a existência de discordâncias no Âmbito da Assembleia Legislativa sobre a política ferroviária. Essas discordância ocorriam, principalmente no tocante à forma como as concessões eram feitas, na distribuição geográfica dessas ferrovias, que poderia implicaram em sobreposição de áreas de interesse das companhias e na falta de volume industrial significativo para viabilizar um processo de implantação de estradas de ferro tão rápido e extenso como o proposto.

Outro destaque que evidencia a falta de um planejamento geral no processo de expansão das ferrovias é a falta de interligação entre os diferentes modais de transporte à época, que era agravada pelo fato de que, historicamente, a circulação de pessoas e bens foi estruturada em torno das estradas de terra. (Batista, Barbosa e Godoy; 2012).

No tocante à origem dos capitais investidos no processo de modernização dos transportes em Minas Gerais, Batista, Barbosa e Godoy (2012) notaram certa heterogeneidade. Houve uma relevante presença do capital estrangeiro, principalmente inglês e francês, e de capitais nacionais privados, principalmente no início da era ferroviária. Os capitais estrangeiros estiveram focados nas ferrovias ligadas à exportação dos produtos, enquanto os capitais nacionais foram ligeiramente dispersos.

A participação do setor público, porém, foi de grande destaque, e cresceu à medida que a era ferroviária se mostrava menos viável economicamente. Assim, o governo passou de uma papel de financiador, por meio de encargos e concessões, para a atuação direta na administração das ferrovias e na continuidade de sua expansão, à partir de encampações e fusões de companhias. Em regra geral, segundo Batista, Barbosa e Godoy (2012), o Governo Estadual assumia a responsabilidade de administrar as companhias enquanto o governo federal arcava com os gastos de encampação.  Isso é uma particularidade do caso mineiro, que mostra a força da elite política da região, enquanto apenas 35,8% das estradas de ferro do Estado de São Paulo eram de propriedade ou concedidas pelo governo federal, em Minas Gerais esse número chegou a 87,5%, dando à era ferroviária mineira um caráter antieconômico e patrimonialista.

Ao final do artigo, Batista, Barbosa e Godoy (2012) propõe uma divisão da era ferroviária mineira em seis períodos distintos, baseando-se na evolução da implantação das estradas de ferro no Estado bem como na importância da participação do setor público em cada período e na dinâmica das principais companhias ferroviárias e regiões do estado que caracterizaram a era ferroviária mineira.

O primeiro período (1869-1878) marca o início da construção de ferrovias no Estado, inicialmente restrito à Zona da Mata e a apenas três companhias (D. Pedro II, Leopoldina e União Mineira) responsáveis por assentar 322km de trilhos. O segundo período (1879-1878) já apresenta uma maior rapidez no crescimento da malha ferroviária do Estado, atingindo, ao final do período, 3.567,371 km, com a malha ferroviária deixando de ser restrita à Zona da Mata e estendendo-se pelas outras regiões. Apesar de existir uma presença majoritária de empresas privadas no setor ferroviário neste período, a maior parte delas era baseada em garantias de juros e subvenções quilométricas, com alto prejuízo para as finanças públicas. Foram esses mecanismos que garantiam a rentabilidade dos investimentos, a crença inerente do período que ligava diretamente as ferrovias à modernidade e a inexistência de interesse da classe dominantes por uma modelo de modernização dos transportes que permitisse o desenvolvimento regional que levaram ao crescimento da malha ferroviária de maneira desarticulada e veloz neste período. (Batista, Barbosa e Godoy; 2012).

O terceiro período (1899-1907) registrou uma redução da velocidade de crescimento das estradas de ferro. Neste período o crescimento médio da malha foi de 39,5 km/ano, ante 154 km/ano no período anterior. Houve uma forte mudança de domínio das estradas de ferro do setor privado para o público, com o governo do Estado realizando uma forte política de encampação e administração direta. Assim, o peso do processo de modernização das ferrovias sobre as finanças do Estado continuou a aumentar, principalmente pelo fato de a maioria das empresas encampadas não registrarem lucros operacionais. O quarto período (1909-1916) representou o auge da era ferroviária mineira, com um crescimento dos trilhos de 271,3 km/ano. (Batista, Barbosa e Godoy; 2012).

O quinto período (1917-1927) mostra uma evolução mais lenta das ferrovias, bem como um aumento da preocupação do poder público com as rodovias.  Percebia-se, nesse momento, a necessidade de se redesenhar parte da malha ferroviária do Estado para atender melhor as necessidade econômicas da região. Isto é percebido, segundo Batista, Barbosa e Godoy (2012), no modo como se desenvolveram as estradas de ferro no período e o fato de Belo Horizonte passar a representar um ponto central do sistema de transportes. As rodovias apareciam ainda apenas de forma complementar às ferrovias, mas não são, de nenhuma forma, irrelevantes. Ao final do período, estas já acumulavam 11.983,8 km de extensão, e continuariam a crescer no período subsequente formando a base para o advento do rodoviarismo na década de 1940. No período final da era ferroviária (1928-1940), as ferrovias continuaram o processo de perda de relevância diante das rodovias. Todavia, os gastos públicos com as estradas de fero continuaram em crescimento, com a política do governo do Estado de assumir a responsabilidade pelas estradas de ferro em controle da União, exceto a Central do Brasil. O modal rodoviário, por sua vez, continuava em crescimento, formando a base para tornar-se o principal modal de transportes do Binômio Energia e Transportes, no Governo Juscelino Kubitschek. (Batista, Barbosa e Godoy; 2012).

3 CONCLUSÂO

O artigo, e as conclusões, de Batista, Barbosa e Godoy (2012) mostram que apesar de existir uma ligação forte entre o processo de modernização dos transportes no Brasil, ligado diretamente ao crescimento da economia agrário-exportadora, as características regionais não podem ser desconsideradas na análise do processo de modernização dos transportes.

De início o plano de construção das ferrovias se mostrou eficiente, provocando uma economia de tempo e capitais relevantes. Entretanto a   falta de planejamento na concepção e execução dos planos de realização das ferrovias e de não serem levados em consideração os fatores topográficos e as peculiaridades regionais bem como, segundo Queiroz (1999),  uma análise econômica fria, que desaconselharia a construção  ferroviária no pais , devido à inadequação entre o grande porte dos empreendimentos ferroviários e a modéstia dos volumes a transportar levou o que era para ser um grande salto para o futuro para um grande fracasso.

A experiência ferroviária em Minas Gerais mostra que a generalização desse processo; por não levar em conta as particularidade regionais e realizar uma interligação do mercado interno do Estado, bem como basear-se intensamente numa crença ideologia de que a ferrovia era incontestavelmente ligada ao progresso; resultou em deixa-lo numa posição periférica na dinâmica economia do país. (Batista, Barbosa e Godoy; 2012).

À esses problemas, segundo Batista, Barbosa e Godoy (2012), soma-se outro fator de importância que prejudicou o devido planejamento da era ferroviária mineira e conduziu esse processo à ineficiência, que foi a forma como as ferrovias foram inicialmente implantadas. A oferta de grandes incentivos atraíram capitais que não necessariamente foram eficiente em construir uma rede ferroviária que trouxesse desenvolvimento ao Estado. Ainda, quando estes empresas privadas se mostraram incapazes de obter lucros, o estado decidiu por encampa-las.

Salientamos então que o resultado ineficiente da instalação das ferrovias em nosso país se deu por fatores internos principalmente a falta de planejamento e demasiado fascínio com as ferrovias dissociado das reais necessidades brasileiras como por exemplo a quantidade de carga a ser transportada e a ligação com outras formas de transporte já existentes.

E não se pode atribuir os problemas a falta de mão de obra pois como bem disse Lamounier (2000) as evidências, demonstram que as companhias ferroviárias estavam bem supridas de mão-de-obra. Havia escassez de trabalhadores apenas em regiões desertas como a Amazônia. Também havia falta de mão-de-obra para aquelas tarefas consideradas muito difíceis, árduas ou perigosas. No Nordeste, assim como no Sudeste, os empreiteiros encontraram uma força de trabalho que podia ser recrutada localmente e que podia ser rapidamente treinada para desempenhar tarefas semiespecializadas. Nem a falta de financiamento pois houve uma relevante presença do capital estrangeiro, principalmente inglês e francês, e de capitais nacionais privados, principalmente no início da era ferroviária. Os capitais estrangeiros estiveram focados nas ferrovias ligadas à exportação dos produtos, enquanto os capitais nacionais foram ligeiramente dispersos.

REFERENCIAS

 

BATISTA, Felipe Alvarenga de; BARBOSA, Lidiany Silva; GODOY, Marcelo Magalhães. Transportes, modernização e formação regional: subsídios a história da era ferroviária mineira, 1870-1940. Belo Horizonte: UFMG/CEDEPLAR, 2012. (Textos para Discussão, 458)

LAMOUNIER, Maria Lúcia. Ferrovias, agricultura de exportação e mão-de-obra no Brasil no século XIX. História Econômica & História de Empresas, 2000, vol. 3, p.  43-76.

QUEIROZ, Paulo Roberto Cimó. Notas sobre a experiência das ferrovias no Brasil. História Econômica & História de Empresas, 1999, vol. 2, p. 91-111.

SILVA, Sérgio. Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. 7a ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1986. 114p.