O CAPITALISMO NEOLIBERAL EM TEMPOS DE CÓLERA

*Ivan Santiago

 

                Em janeiro de 2009 discorri sobre o surgimento, implantação e eventual queda do neoliberalismo, em função da crise do sub prime estadunidense, o que diante de pacotes vultuosos e resgastes financeiros do mais diversos países, comprovávamos que o neoliberalismo não poderia funcionar. Era portanto, um momento oportuno para questioná-lo. Sim, mas nem tanto.

                Naquele período do capitalismo, os BRICS (Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul) emergiram no plano internacional, onde pairava os estímulos e interferências destes países em suas economias, como os programas sociais do então presidente Lula a nortear os países latinos e outros líderes mundiais. O Estado mínimo proposto pelos neoliberais, altamente privatizado e privatizável, parecia algo inviável após os BRICS.

                De certa forma, aquele período foi marcado pela mudança de eixo econômico para a Ásia, com a inconteste liderança chinesa. As grandes corporações em tese, acenavam que precisavam de um Estado grande, e a China estatal planificada parecia ser o destino certo de investimentos. Nos dez anos seguintes, de 2009 a 2019 a ditadura chinesa passou a ser o principal ou segundo parceiro comercial de todos os países do mundo. 

                A pergunta que paira é: mas, e o todo poderoso Ocidente e as suas regiões periféricas? O seu poder se esvaiu? Naturalmente, não. O mundo não construiu uma nova superpotência como os Estados Unidos. Talvez, em menos de algumas década, seja impossível. O que aconteceu foi que além do neoliberalismo, surgiu o questionamento ao modelo de democracia liberal. E é neste ponto, que o Ocidente quase colapsou e ainda pode colapsar.

                A renda média do trabalhador estadunidense não sobe desde os anos 1980. Fica fácil expandir isto para as regiões que sempre orbitaram ao redor dos Estados Unidos, como a América Latina e Caribe. Detroit, tradicional centro da indústria automobilística do país, está abandonada. Os americanos e os europeus viram as suas indústrias buscarem novos destinos, com foco na Ásia. Ficou o desemprego, sub emprego, baixos salários além da devassa que o neoliberalismo provocou. No movimento inverso, os produtos das prateleiras e de outros setores, chegam de outros países. Prejuízos e talvez até alguma humilhação.

                Assim, países altamente industrializados outrora como a França se veem em uma situação internacional complexa e desafiadora. Aliado a isto, surgem os imigrantes em um movimento infinito de islamização da Europa, a nova etapa da revolução 4.0 impõe um mundo altamente conectado, em negócios, redes sociais e onde já não é mais possível vender a ideia de um Ocidente perfeito, afinal tudo é em tempo real transmitido para todo o globo.

                Diante desta conjuntura tão complexa para o Ocidente democrata e liberal, algumas ditaduras ganharam algum respaldo, como a de Putin na Rússia e a ditadura comunista chinesa. O problema surgiu quando a extrema direita resolveu reaparecer no cenário nacional de diversos países, com amplo apoio popular e de muitos empresários, com um discurso de ódio, antiglobalização e fechamento de mercado. Por eleições diretas, o republicano Donald Trump ascendeu à Casa Branca na América do Norte, Jair Bolsonaro no Brasil e Le pen quase na França.

                Surge o lema America First do Trump, Bolsonaro flerta durante quatro anos com os militares em uma alusão a uma nova ditadura militar brasileira (similar a ocorrida entre 1964 a 1985) e em diversos atritos com os outros dois poderes constitucionais. Shows militares na data cívica brasileira do 7 de setembro, impressionavam tanto no Rio de Janeiro quanto na capital Brasília. Sua popularidade no Brasil atinge o ápice um pouco antes da pandemia de Covid-19, que chega ao Brasil em fevereiro de 2020.

                As duas maiores democracias das Américas tinham lideres com um viés autoritário. Os dois governos não conseguiram e reeleição e ambos terminaram com seus seguidores, no Brasil e Estados Unidos, a invadir o poder legislativo (o Capitólio Estadunidense e o Congresso Brasileiro. Nota: no Brasil foram invadidos e depredados além do Congresso, a Suprema Corte e também a sede da presidência da República, o Palácio do Planalto em 8 de janeiros de 2023).

                Na outra faceta, surgiram as corporações avaliadas em mais de 1 trilhão de dólares americanos, como a Amazon. Temos o ultra acúmulo do sistema capitalista, já não tão neoliberal assim. A exploração espacial privada também já é realidade. A inteligência artificial chega forte no ano de 2023, com o GPT chat. Ao que parece, o capitalismo se deu ao luxo de dispensar o neoliberalismo para prosseguir e nós os analistas de 2009 achávamos que o Estado Mínimo tinha vencido o neoliberalismo. Subestimamos o principal modelo econômico da história.

 

Ivan Santiago - graduado em geografia e profissional do mercado imobiliário no interior paulista.