A CONTRADIÇÃO DE LULA NA CHINA EM 2023.

 

Ivan Santiago

                A viagem do presidente Lula à China em abril de 2023 marca um ponto de convergência no plano internacional, onde os BRICS geraram um novo protagonismo internacional. No contexto da Guerra Fria 2.0 entre Rússia e Estados Unidos e da disputa pela hegemonia planetária entre Estados Unidos e China, Lula desequilibrou a disputa.

                A Guerra da Ucrânia, tão interessante aos Estados Unidos por atrair o Ocidente e os países da OTAN/NATO para a sua (decadente) órbita de influência, foi questionada por Lula. Lula sabe que precisa reinserir o seu país como um player global após o desastre das relações internacionais do seu antecessor, mas a pressa pode ter sérias consequências.

                Na recepção nas respectivas capitais em 2023, Joe Biden errou e Xi Jinping acertou. Lula foi recebido nos Estados Unidos como se este país fizesse um favor em recebê-lo após os escândalos de corrupção que se envolveu e aos quais foi envolvido pelo controverso sistema Judiciário brasileiro. Soou de forma arrogante. Na potência asiática foi recebido com as pompas de um chefe de estado de uma potência do Ocidente, o que o Brasil sempre foi e provavelmente sempre será. Desfiles, jantar, reunião com o chefe da Assembleia e vários acordos assinados.

                A Guerra da Ucrânia deflagrada após a invasão da Rússia em fevereiro de 2022, trouxe à tona questões geopolíticas antigas. Vimos a imprensa ter que trazer informações, gráficos, mapas e dados históricos da antiga URSS e da Guerra Fria para explicar ao leitor o motivo da invasão, o que chega a ser algo inusitado.

                Temos uma guerra na Europa. De um lado as democracias (Ucrânia, União Europeia e Estados Unidos) e um ditador do outro, Vladimir Putin da Rússia. Ainda possuímos uma ditadura que aspira ser a principal potência global, a China. Considere ao contexto um audacioso plano de infraestrutura dos chineses, a Nova Rota da Seda, que pode desequilibrar o frágil equilíbrio de poder planetário.

                E onde estaria a contradição de Lula? Ao disputar uma concorrida presidencial poucos meses atrás em 2022 a levantar a defesa da democracia brasileira como sua principal bandeira (e seus valores universais), o atual mandatário brasileiro angariou apoios importantes de lideranças históricas de oposição, como o ex presidente Fernando Henrique Cardoso e o atual vice-presidente, Geraldo Alckimin. Foram estes apoios que o elegeram com uma vitória, digamos, apertada no pleito eleitoral.

                Ao completar os cem dias de governo em 2023, Lula acena para as ditaduras como a Rússia e a China e desconsidera os crimes de guerra (como os abusos sexuais de soldados ucranianos e o sequestros de crianças) e genocídios na China, um total apoio aos regimes ditatoriais. Democrata em casa, mas nem tanto quando sai dela.

                O que pode ser um alerta para a sociedade brasileira? A Guerra Fria foi tecnicamente definida no Ocidente com o Golpe Militar de março de 1964 no Brasil, com o apoio da estadunidense CIA. A ditadura foi de direita, para expurgar o comunismo do país. O “modelo” foi implantado na Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile e outros países latinos. Todos foram satelizados pelos Estados Unidos.

                O Brasil vivenciou com o antecessor de Lula, quatro anos de ameaças ao sistema democrático, inclusive com embates significativos com outros poderes, em especial com o Judiciário na pessoa do Ministro Alexandre de Morais. Ocorreram ainda um festival de absurdos com relação ao meio ambiente, provocações aos chineses, atritos com europeus, suspeita de genocídio indígena dentre outros muitos. A vitória de Lula nas urnas foi bem frágil, o que significa que próximo de 50% do eleitorado não é endossa seu governo.

                Ao questionar a legalidade da defesa ucraniana pelos Estados Unidos e Europa, a acenar que existirá uma cooperação com as potências ditatoriais China e Rússia, defender a abolição do dólar estadunidense em algumas relações comerciais, Lula pode ter lançado as bases de movimentos a favor de uma nova ditadura militar no Brasil, só que a favor dos Estados Unidos. O erro pode ter sido grande demais neste abril de 2023. E era evitável. Um novo presidente republicano nos Estados Unidos já a partir de 2024 pode sim tentar resgatar a velha Doutrina Monroe (América para os americanos no sentido de influência dos Estados Unidos). Aliás, antes da viagem de Lula à China, congressistas americanos se reuniram e mencionaram a referida doutrina.

                A viagem de Lula ao gigante asiático foi cancelada aparentemente por uma doença e também para que o governo e o Itamaraty pudessem recalcular a rota e os impactos globais que esta causaria. O antigo mandatário brasileiro, que se exilou nos Estados Unidos no fim de 2022, árduo defensor do regime militar brasileiro e que é muito próximo aos republicanos estadunidenses, retornou ao Brasil no dia trinta de março de 2023, um dia antes da “celebração do golpe militar de 1964” ocorrido em 31 de março daquele ano. Sem dúvida, um sinal que pretende voltar ao poder, de qualquer forma.

                A democracia brasileira, tão enaltecida por Lula em 2022, foi colocada em cheque pelo próprio nesta viagem à China. A extrema direita brasileira (e também a mundial), os republicanos estadunidenses e o próprio país Estados Unidos receberam um sinal negativo do presidente brasileiro na Ásia. Agora Lula precisa se empenhar para acabar com a Guerra da Ucrânia e justificar assim seus atos e declarações, mas o Ocidente já se volta com desconfiança para o tão controverso líder brasileiro.

 

Ivan Santiago é graduado em geografia e profissional do mercado imobiliário no interior paulista.