Resumo: O presente artigo tem por finalidade fazer uma análise sobre o desenvolvimento da família brasileira no período que data do século XVIII. Trazendo como destaque a existência dos casamentos arranjados e as alianças construídas sobre o alicerce do matrimônio, salientando deste modo a relação de interesses políticos e econômicos que envolvia o mesmo, destacando o papel da mulher como ferramenta para atender os interesses do pai. E ainda as condições imposta para que o negro pudesse contrair casamento.
Palavras-chaves: casamento; interesses; família.
Abstract: This article aims to do an analysis on the development of the Brazilian family in the period dating from the eighteenth century. Bringing to light the existence of arranged marriages and alliances built on the foundation of marriage, thus emphasizing the relationship of economic and political concerns surrounding the same, highlighting the role of women as a tool to serve the interests of the father. And yet the conditions imposed for the black man could marry.

Keywords: marriage; interests; family.

INTRODUÇÃO
Em meados do século XVI, com a chegada dos portugueses, o Brasil sofreu um grande choque cultural. De um lado portugueses católicos e "defensores da moral e dos bons costumes", de outro, ameríndios com costumes e língua diferente3.
A própria história favoreceu, em muito, a figura do português. Em um lugar distante, de difícil acesso, na presença de pessoas ingênuas que desconheciam o comércio e a troca de objetos valiosos, o colonizador aproveitou a inocência dessas pessoas e usufruiu de tudo aquilo que a terra podia oferecer: riquezas, mão-de-obra e mulheres. Os portugueses que aqui chegavam casados, no horizonte onde o pecado e a luxúria passavam despercebidos, estabeleciam relações de concubinato com as índias. E quanto aos solteiros esses até que podiam tornar as índias suas esposas, mas a permissão que deveria vir de Portugal demorava muito e às vezes nem chegava por aqui, e por isso esses também estabeleciam o concubinato.
"Entre os indígenas havia, por exemplo, a nudez, a liberdade sexual, a poligamia, a antropofagia e crenças próprias", (CONTRIM, p.203). Preocupados com esses costumes, que para os portugueses eram estranhos e condenáveis, eles mandaram os jesuítas com a missão de catequizar o povo indígena.
Mas tudo vai muito além de relações e impactos. Para manter a terra conquistada era preciso colonizá-la, mas para isso era necessário instaurar uma economia que trouxesse lucro para Portugal. Foi nesse momento que surgiu no Brasil, a economia açucareira. E junto com essa economia o surgimento da família patriarcal, no Brasil.
Algum tempo depois foi instaurada a economia do café, que deu lugar à existência dos barões do café, senhores riquíssimos com suas senzalas repletas de escravos e seus interesses em uma proporção inimaginável.
Economia e matrimônio sempre estiveram presentes e caminharam de mãos dadas no decorrer da história brasileira.

1. A FAMÍLIA BRASILEIRA DO SÉCULO XVIII
1.1. A família patriarcal
Pode-se dizer que a família constituía na realidade um grande clã. Sua própria formação englobava além de pai, mãe e filhos, os avôs, parentes distantes, primos, tios, sobrinhos, amigos, afilhados, agregados, etc. Constituía exatamente uma espécie de sociedade que convivia e habitava na mesma região, onde aqueles que estavam em uma classe abaixo do senhor de escravos dependia deste para desenvolver as mais diversas faculdades humanas. O chefe patriarca da família possuía autoridade para comandar a vida de todos os membros e agregados de sua família, submetendo-os a todas as suas vontades.
Dentre as vontades do patriarca estava, principalmente, a de atender seus interesses econômicos e financeiros. Para isso usava suas filhas. Casava-as com um membro do mesmo clã quando pretendia manter a linhagem do sangue pura ou ainda manter as riquezas dentro da mesma família. Quando seu objetivo ia além dessas vaidades, chegava o momento de procurar um candidato que pertencesse a uma boa família e que atendesse a todas as suas exigências. A vida não passava de uma relação de interesses na qual a mulher era o principal objeto disposto à troca, por isso a preocupação de arranjar um "bom casamento" para as filhas.
Neste momento da história, onde prevalecia um Brasil de latifúndios e com base em uma economia agrária, o grande senhor de terras de uma determinada região era uma imagem incontestável, e sua presença imponha respeito e submissão. Dentro da comunidade em que "ele reinava" a presença de pessoas que não pertenciam a sua linhagem eram consideradas corpos estranhos. Acima desta família nem mesmo o Estado, pois se precisasse intervir em alguma decisão advinda da família dona de certa região, era preciso mudar sua postura, pois estas famílias fechadas e totalmente organizadas dentro de seus parâmetros era o sustentáculo da economia deste país agrícola.
Era dentro da casa-grande que se formavam os futuros administradores desse país, seja no sentido político, judiciário ou econômico. Os grandes chefes patriarcais tinham filhos pensando no seu próprio futuro político, por isso tinham como objetivo preparar os filhos para a administração. Todos cooperavam, cada um teria sua função, seu cargo. A preservação da família era peça essencial para a manutenção do poder. Por isso a preocupação de sempre arranjarem casamentos entre membros da mesma família.
Neste período, a sociedade passava por um de seus momentos de extremo machismo. Crianças e mulheres eram consideradas seres insignificantes sem nenhuma importância, serviam apenas para manter o ar de graça no ambiente do patriarca. Nem mesmo a religiosidade, algo tão marcante para a época, balançava a autoridade do patriarca. Missas, cultos e contribuições era algo que pertencia apenas a mulher e aos filhos mais jovens. O homem desfrutava de muitos privilégios, entre eles o de viver diversas aventuras amorosas com criadas ou ex-escravas, isso sem constituir um motivo concreto para um escândalo. Enquanto a mulher, não possuía sequer o direito de sair sozinha, tudo era pecado.
2.1. A família de cativos
"Os estudos sobre a família escrava são recentes, e fazem parte de uma nova abordagem historiográfica que visualiza os cativos como sujeitos de sua história (2009)." Seus costumes, suas crenças, seus sofrimentos e lutas só passaram a ser estudados na segunda metade do século XX. É bem provável que esse povo africano ao ser trazido para o Brasil também constituiu suas famílias e suas organizações sociais. Deste modo, puderam reaver suas origens e constituir novamente seus costumes. Muitas vezes essas uniões de escravo, mesmo sendo ilegítimas, foram uma grande vertente no que se diz respeito a apoio familiar.
Concunspicência, luxúria, satisfação de prazeres físicos era tudo que o catolicismo condenava. A população negra que vivia nas senzalas e estava entregue, segundo a igreja, aos mais diversos pecados da carne, seja por vontade própria ou por manipulação e ordens do dono para satisfazer as vontades deste. De uma forma ou de outra esses negros estavam propensos a uma vida pecaminosa, onde muitas vezes eram obrigados a isso. Mas perante a sociedade era a sua origem que o formara assim: "para o escravo a vida sexual responde às necessidades físicas, não visa à procriação, (Mattoso, 1982, p. 127)4".
O matrimônio entre escravos era uma prática reconhecida e aceita pelas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia.
"Conforme o direito Divino, (1) e humano os escravos, e escravas podem casar com outras pessoas captivas, ou livres e seus senhores não lhe podem impedir (2) o Matrimonio, nem o uso delle (3) em tempo, e lugar conveniente (...); (C.P.A.B., 1707, p. 125)"
Mas como nem tudo é perfeito e a Igreja Católica tinha os seus interesses, é claro, ela dava o direito ao matrimônio "no sentido de acabar com as práticas pecaminosas", mas em contrapartida imponha condições para que houvesse a cerimônia, dentre as quais o título LXXI deixa bem claro que os nubentes devem ter pelo menos um prévio conhecimento da doutrina. Conhecimentos esses que implicavam em saber pelos menos algumas orações e ter um conhecimento dos mandamentos de Deus, da Santa Igreja Católica para que pudessem, dessa forma, manter o casamento segundo os preceitos divinos. Portanto, seu direito será coibido apenas se houver alguma denúncia de fato que o impeça.
Com o objetivo de combater essas práticas, a Igreja Católica insistia em cristianizar a vida sexual dos escravos, e para isso obrigava os senhores de escravos a permitir o casamento entre ele. Só que esse matrimônio por vezes acertava em cheio os interesses dos donos de escravos, pois no que pretendiam vender um de seus negros e fosse estes casados, ficaria impedido, segundo o Título LXXI das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia:
"(...) nem por esse respeito os podem tratar peior, nem (4) vender para outros lugares remotos, para onde o outro por ser captivo, ou por ter outro justo impedimento o não possa seguir. (C.P.A.B, 1707 p. 125)"
Por esse motivo, muitas vezes o dono do escravo não permitia que ele contraísse o matrimônio, mesmo sabendo que não possuía esse direito.
Muitas vezes os negros chegavam a constituir família, mas esse título das Constituições Primeira do Arcebispado da Bahia dava um direito praticamente utópico ao escravo. Não se pode alimentar a ilusão de que o senhor de escravos não tivesse total domínio sobre suas "mercadorias" e que apenas um mandamento do tribunal eclesiástico iria deter o patriarca de um grande clã familiar de fazer sua vontade e desse modo prejudicar os seus interesses. Logo, a Igreja e o Tribunal Eclesiástico eram sustentados pelo regime escravocrata, condição que o impedia de realizar qualquer ato que pudesse comprometer os interesses dos ricos fazendeiros. A destruição e separação das famílias de negros era algo constantemente presenciado. Quantas e quantas mães negras não tiveram seus filhos arrancados dos braços ainda crianças, levados para lugares onde nem sequer possam imaginar entregues de forma cruel ao mundo.
2. O CASAMENTO
Como já foi colocada anteriormente, a família brasileira, patriarcal, tem como principal fonte de nascença o interesse, uma classe de fazendeiros donos de milhares de quilômetros de terra, senhores riquíssimos, sempre insatisfeitos com o que possuem, e que alimentam uma busca incessante do poder.
Sempre de olhos bem abertos e ambição como lema de vida, o fazendeiro do século XVIII, proprietário das fazendas de café e principal condutor político e econômico do país, está sempre de em busca do que lhe pertence: o prestígio e o poder. A família era o seu principal ponto de apoio, era nela que ele encontrava ferramentas para correr atrás dos seus objetivos. E era entre dessas ferramentas a principal era a figura da filha. Desde muito cedo elas eram educadas para o casamento.
Escolher um noivo ou uma noiva para os filhos era uma tarefa árdua e difícil. Dentre os quesitos a serem preenchidos estavam à pureza do sangue, o poder das famílias, as influências e o prestígio. Para aquelas famílias que já eram muito ricas, tinham o sangue puro e queria assim o manter, ou que fosse muito poderosa e quisesse manter seus domínios e poderes dentro do mesmo clã, optavam pelo casamento entre membros da família. Já aquelas que tinham interessem na influência de outra família e vice-versa faziam o casamento entre membros das duas famílias. Desse modo passavam a fazer parte do mesmo grupo e consequentemente desfrutavam dos mesmos prazeres.
"Desde o período colonial eram frequentes as uniões de primos entre si e de tios e sobrinhos"(SAMARA, p. 95). A maioria dos casamentos eram arranjados e por isso dava-se preferência aos parentes. Esse tipo de matrimônio funcionava como uma forma de não ter que partilhar os bens com outra família já que ao contrair o contrato de casamento a mulher passava a pertencer à família do marido.
A demanda de uniões entre parentes era algo que preocupava o Tribunal Eclesiástico, já que este determinava até que grau o matrimônio podia ser contraído, mas em "casos específicos autorizava o contrato" no grau proibido. Muitos eram os documentos que vinham acompanhados de pedido de autorização para matrimônio em grau proibido. As requisições eram tantas que ainda segundo SAMARA, p. 95:
"fez com que o Papa Pio VI, em bula expedida em Roma, a 26 de janeiro de 1790, desse poder aos Bispos do Brasil para dispensarem de Graça em todos os graus de parentesco (à exceção do primeiro de consangüinidade assim em linha reta, como em linha transversal e do primeiro de afinidade em linha reta somente)".
Fato esse que reforça a idéia de que num país de economia agrária do século XVIII, onde religião e estado consistia em união quase que indissolúvel, era quase impossível que a igreja católica, sendo um parasita que habitava neste corpo, contrariasse um desejo de quem a sustentava.
O matrimônio funcionava como um contrato e mulher era a principal peça. Muitas vezes antes mesmo de nascer a mulher já era prometida a um homem, podendo ser ele já adulto ou mesmo que também esteja por nascer. Esse fato era tão comum e tão respeitado que se caso uma família prometesse sua filha e ao chegar o tempo de casar ela opte por ir embora com outro ou até mesmo a família desista, a mesma estava cometendo um crime e seria punida por isso. Como previa as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia.
Por outro lado, estabeleciam-se entre as camadas mais pobres da população relações com critérios bem menos seletivos. Mas é importante observar que mesmo sem possuir interesses significantes, essa classe mantivera o matrimônio dentro de um mesmo grupo, seja por etnia, raça ou religião. Desse modo pode surgir a indagação a respeito do principal fator que levavam essas pessoas contrair matrimônio ou meso viverem relações de concubinato.
Bem, primeiramente a necessidade de conjunção e procriação intrínseca do mundo animal. Onde é preciso escolher, se possível, o parceiro com que quer manter relacionamento e depois constituir família. Na população pobre era mais comum o nascimento da família com base no amor. Sendo essa parte mais propensa a formar relações de concubinato pelo fato de os custos com a celebração do matrimônio serem muito altos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da revisão bibliográfica apresentada pode-se perceber que a família brasileira de origem patriarcal, não passava de apenas mais uma maneira de sustentar a economia até então agrícola. A prova mais concreta que podemos ver neste caso é o próprio costume de arranjar para as filhas casamentos com pessoas que na maioria das vezes eram desconhecidas. Mais que uniões matrimoniais com objetivo de procriar e dá continuidade a raça humana, mais que um comércio onde a única mercadoria é a mulher, para a mulher que nasceu no século XVIII e sentiu na pele a reação dos interesses do pai escravocrata, uma relação de tortura e humilhações onde ela não passava de um objeto de uso para atender os interesses familiares.
Um regime onde casamento tinha apenas duas funções: procriar para formar os futuros administradores do país, no intuito de tornar a família cada vez mais poderosa e estabelecer alianças entre famílias poderosas. O outro lado da moeda era consistia em um futuro incerto: famílias que se formavam e se separavam sem nenhuma garantia de um futuro promissor. A certeza era apenas uma: serviriam sempre a alguém que estaria em uma condição bem melhor e que nunca seriam iguais ao patriarca dono da fazenda de café.




NOTAS:

1 Discente do curso de Direito da UFRN.
3 Como se pode observar no trecho da carta de Pero Vaz de Caminha: "a feição deles é serem pardos, quase avermelhados, de rostos regulares e narizes bem feitos; andam nus sem nenhuma cobertura; nem se importam de cobrir nenhuma coisa, nem de mostrar suas vergonhas. E sobre isto, são tão inocentes como em mostrar o seu rosto."
4 Citação retirada de: MOTT, Luiz R. B., Escravidão e homossexualidade. In: História da Sexualidade no Brasil.



















REFERÊNCIAS
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COTRIM, Gilberto. História Global: Brasil e geral. 7ª edição. Rio de Janeiro/RJ: Saraiva, 2003.
MOTT, Luiz R. B. Escravidão e homossexualidade. In: VAINFAS, Ronaldo. História e sexualidade no Brasil. Rio de Janeiro/RJ: Edições Graal, 1986.
PAULA, Juliano Tiago Viana de. Laços matrimoniais entre escravos e libertos: Comarca do Rio das Mortes - Freguesia de São Tomé das Letras (1841-1883). Disponível em: http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=alunos&id=182 Acesso em: 26/07/2010.
SAMARA, Eni de Mesquita. Estratégias matrimoniais no Brasil do século XIX. In: Sociedade e cultura.
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VENÂNCIO, Renato Pinto. Nos limites da sagrada família: ilegitimidade e casamento no Brasil colonial. In: VAINFAS, Ronaldo. História e sexualidade no Brasil. Rio de Janeiro/RJ: Edições Graal, 1986.
ZENHA, Celeste. Casamento ilegitimidade no cotidiano da justiça. In: VAINFAS, Ronaldo. História e sexualidade no Brasil. Rio de Janeiro/RJ: Edições Graal, 1986.