EU SOU DO TEMPO QUE...

Maria Eunice Gennari Silva

Observação: Este texto foi publicado em 16/12/2018. Foi revisado e complementado para nova releitura.

 

Eu sou do tempo em que o Natal se fazia presente em diferentes sabores da convivência e dos relacionamentos saudáveis – os sabores que ficam gravados na memória da gente.

Eu sou do tempo em que no Natal estendíamos o compromisso verdadeiro com sabor de gratidão pelo ano que passou.

Eu sou do tempo em que o Natal começava a vestir-se de festa, de surpresas e expectativas, lá pelos meados da primavera, porque a gente aprendia que Natal tinha que ser festa para todos – os mais próximos, os distantes, os desconhecidos.

Eu sou do tempo em que o Natal ia chegando bem devagarinho, escondido entre cochichos, planejamentos e muita alegria durante a sua preparação.

Eu sou do tempo em que a vizinhança levava cadeiras para calçada ao entardecer e conversava sobre os preparativos do Natal – os doces feitos no tacho, na calda, enrolados, açucarados, de pedaço, de comer com colher – tudo com muita paciência e seriedade. Era respeito e reverência ao trabalho artesanal das mães, das avós e das muitas ajudantes que sempre chegavam com suas colheres de pau.  

Eu sou do tempo que depois de tudo pronto, doces de todas as cores e sabores eram colocados em caixa de madeira, no vidro, na louça que foi da vovó, da madrinha e daquela vizinha que acudia em todo tempo.

E vasilha de plástico, nem pensar.

Eu sou do tempo que Natal tinha cesta recheada, comprada no armazém da esquina. E a mercadoria, de primeira qualidade, era anotada na caderneta para pagar, honesta e rigorosamente, no final do mês.

Era cesta que tinha de tudo, menos capim ou papel amassado no fundo para fazer volume. Ela vinha cheinha de verdade.

Ah, tinha também o peru que bebia pinga antes de morrer.

O pão velho que virava rabanada.

A castanha que a gente quebrava escondido entre a porta e o portal, e fazia força para ninguém ouvir o barulho e ter que levar uma bronca.

Eu sou do tempo que fruta apanhada no quintal de casa e da vizinhança, mais galho seco e as folhas caídas no chão viravam enfeites de natalinos.

Mas, bom mesmo eram os enfeites de Natal na vitrine das lojas da cidade, porque tinha tempo certo pra começar – nem muito cedo e nem muito em cima da hora, nem ansiedade para vender e nem atraso para comprar.

Então, na contagem regressiva para esta festa tradicional, e que nada e nem ninguém tira da gente, a gente tinha tempo para ver de tudo um pouco.

O visual não era congestionado. A decoração de cada loja era tão limpo e tão bonito que dava prazer de parar e ficar namorando os detalhes de enfeites produzidos nacionalmente. Além do mais, tinha fundo musical natalino no volume certo para não cansar o ouvido da gente e desistir de apreciar tanta beleza.

Eu sou do tempo que bem antes do Natal a gente sonhava com o presente. Então, fazíamos uma lista enorme com todos os nossos sonhos ali registrados.

Outra hora, a gente jogava indireta, mostrava na vitrine como quem não quer nada, ou contava o que queria para as pessoas mais próximas do pai e da mãe, na esperança delas enredarem.

Mas... à meia-noite de Natal, o presente escolhido pelos nossos pais era surpresa até ser desembrulhado. Fosse o que fosse a gente ficava numa alegria só!

A gente entendia que da lista de presente só se ganhava o que podia e dava para ganhar. E ninguém ficava traumatizado.

É que eu sou do tempo que presente não era exigência. Era, simplesmente, presente.

Sabe? Eu sou do tempo que Natal deixava marcas para gente nunca esquecer da família, dos amigos próximos, dos distantes, dos desconhecidos!

É que sempre tinha um mimo para todos, afinal havia o cuidado de lembrar e preparar muito antes do Natal chegar.

Portanto, eu quero te desejar, que neste tempo de agora, mesmo que não tenha sido nada fácil nem para mim e nem para você, põe-te em pé, anima-te, esforça-te e faça do seu Natal, um tempo para ficar na memória!!!