Os Vínculos: Origem e Estruturação segundo a teoria Psicanalítica

Por Ernesto Friederichs Mandelli | 23/09/2021 | Família

Resumo  

Psicanaliticamente pode-se pensar que o (a) casal/parceria se desprende do núcleo familiar, de onde se originam seus modelos, levando em conta o desejo dos diferentes sujeitos de uma família, de perpetuar-se no tempo através da transmissão do desejo de ter filhos, transformado no desejo de possuir uma família, mediante vínculo de aliança. A primeira dificuldade para a constituição do casal surge da dificuldade do mundo psíquico de cada um dos seus membros, derivada da resolução trabalhosa, difícil, nem sempre terminada, da separação de seus liames familiares. Este trabalho tem como objetivo realizar uma abordagem psicanalítica da gênese na formação e estruturação dos vínculos na terapia de casal seja heteroafetivo ou homoafetivo. Trata-se da origem dessas conexões estabelecendo-se bases e parâmetros de identificação de uma relação de parceria, abordando ainda as estruturas formadas pelos tipos de vínculos e seu funcionamento, especificando-se algumas de suas patologias e estratégias de fortalecimento da relação conjugal. A metodologia deste trabalho foi a bibliográfica. Pode-se concluir que construir um relacionamento fundamentado na liberdade e não no apego e possessão é essencial para o fortalecimento do casal. Saber disso é a base para uma relação de crescimento. Se o sujeito não tiver estrutura para aceitar o outro de forma adequada, um afastamento é inevitável; quando a parceria consegue manter o respeito à individualidade, estabelecendo um relacionamento de troca, é possível que a magia do encantamento inicial nunca se esgote. Ela se transformará, junto com as mudanças e o aprofundamento da relação. 

Palavras-chave: Abordagem Psicanalítica; Vínculos; Terapia de casal.

 

1 Introdução 

A Psicanálise, como sendo uma maneira de reflexão e prática, tenta entender e determinar o modo como se opera esta díade de dois sujeitos, baseada na relação de desejos e necessidades de cada um dos parceiros. Entra em cena para elucidar o que está por trás dos ornamentos do fictício.

Este trabalho visa sobretudo mostrar certos elementos que podem ser vistos durante a prática clínica psicoterápica de casais sejam hétero ou homoafetivos de base psicanalítica. Nele pretende-se verificar e discutir alguns pontos característicos à dinâmica do casal, pelo qual inicia-se uma família.

A Psicanálise é o nome de uma prática clínica que se refere a análise de pacientes adultos ou crianças, ou seja, daqueles “pacientes ditos individuais”, e que de uma prática metapsicológica se propõe a uma teorização das particularidades dessa prática clínica. A partir da década de 40, o saber tem sido aplicado a outros tipos de contextos: grupos, famílias e casais. Essas duas últimas categorias são designadas pelo nome de pacientes de vínculo.

Sob o viés psicanalítico o termo casal (matrimonial) qualifica uma estrutura vincular entre duas pessoas, a partir de um momento dado, quando estabelece um compromisso de fazer parte dela em toda a sua amplitude, possam cumpri-lo ou não.

O tema do casal tem inspirado poetas, escritores, cineastas, e alimenta conversas da vida cotidiana, sendo material para inumeráveis consultórios de psicoterapia, sejam de base analítica ou de base psicológica. Fazer a transição do estado de enamoramento para o estado de amor não é tarefa fácil para o sujeito. É necessário um intrincado e complexo trabalho mental, o qual será abordado nas próximas páginas.

Este trabalho tem como objetivo realizar uma abordagem psicanalítica da gênese na formação e estruturação dos vínculos na terapia de casal.

O tipo de pesquisa realizado (....) foi uma pesquisa bibliográfica, com abordagem qualitativa e descritiva, no qual foi realizada uma consulta a livros, dissertações e a artigos científicos selecionados através de busca nas seguintes base de dados (livros, sites de banco de dados, etc.) “Biblioteca da FGV”, “Google acadêmico” e “Scielo”.

 

2 A origem dos vínculos

 

Ao longo dos 100 anos de existência da psicanálise, o surgimento de novas práticas clínicas foi sempre resultado da necessidade de resolver problemas que as modalidades terapêuticas tradicionais não permitiam abordar nem resolver. A prática analítica individual se caracteriza pela análise das representações e dos afetos governados pela lógica do princípio de prazer e dos derivados dos vestígios e inscrições das experiências precoces, aquelas mesmas que imprimiram suas marcas no aparelho psíquico e contribuíram para a construção do mundo interno, a partir da ausência do outro, quer dizer dos pais das crianças.

A partir dos anos 40, os analistas começaram, pouco a pouco, a acompanhar os pais das crianças e dos pacientes regressivos que tinham em tratamento, aqueles a cujo respeito se dizia que não se podia contar com seus Eu. Essas entrevistas transformaram-se depois numa verdadeira prática da terapia analítica familiar, o que permitiu rever sob novas perspectivas a relação com o Outro e com os outros, e desenvolver novas considerações metapsicológicas. (Berenstein, 2001. p. 186).

 

Ao longo da literatura psicanalítica, encontra-se o termo vínculo, de várias formas e com diferentes significados. Sempre se torna necessário juntar-lhe outra palavra, que possa ampliar a descrição de fenômeno para o qual está sendo utilizando. Na clínica psicanalítica este termo também é usado tanto para descrever a relação com o analista, como para as relações com os objetos internos. Bastante comum encontrar expressões como vínculo com o objeto interno, vínculo com o objeto externo, vínculo familiar, vínculo transferencial, relação de objeto interno, relação de objeto externo, e várias outras. Para tornar este trabalho mais claro e objetivo se faz mister conceituar os termos vínculo e relação.

 

Ambos os conceitos, vínculo e relação, recobrem uma área de problemas da teoria, que abrangem tanto a noção de ego e de objeto, como a difícil conceitualização dos limites entre o mundo interno e o externo, ou, em outra versão, entre o intra-subjetivo e o intersubjetivo. Um nível maior de complexidade se acrescentará, se incluirmos o nível do transubjetivo, mediante a inscrição inconsciente dos modelos socioculturais. Estabelecemos uma diferença entre uma relação objetal, como formação intra-subjetiva, intraterritorial em relação ao aparelho psíquico, e uma relação entre um Eu e outro Eu, características de extraterritorialidade, à qual chamamos de vínculo ou relação intersubjetiva. Chamaremos de relação transubjetiva a que é estabelecida entre um sujeito e o macrocontexto social. Como ademais a incluímos em uma estrutura emocional-relacional, dentro de um espaço que a contém, a chamamos de estrutura vincular complexa. Este enfoque nos permite reconhecer, o aparelho psíquico, diferentes espaços mentais (Puget & Berenstein, 1994, p. 17).

 

O termo vínculo, em português (Dicionário Aurélio Eletrônico 1999), se origina do latim e significa: tudo que ata, liga ou aperta; relação, subordinação e no sentido figurado ligação moral. A definição sugere a ideia de relação estável. Olhando para o viés do casal, este mesmo conceito pode ser utilizado com segurança, pois toda relação matrimonial parece estar associada à fantasia de ser estável no tempo e no espaço. Para este trabalho será usado o conceito dado por Bion, designando como uma experiência emocional.

 

Esse termo designa uma experiência emocional na qual duas pessoas, ou duas partes da mesma pessoa, estão relacionadas uma com a outra. Bion considera que pelo menos três emoções básicas são fatores sempre presentes em qualquer vínculo: as de amor(L), ódio(H) e conhecimento(K). Nos estados psicóticos, há um permanente ataque a todo vínculo com o analista: dos vínculos entre as partes diferentes do próprio paciente; e um ataque ao conhecimento das verdades penosas que estão contidas tanto na realidade externa como interna ( Zimerman, 1995, p. 67).

 

Durante o trabalho clínico a Psicanálise busca reconstruir a gênese psicossexual do individuo. Fundamenta-se a clínica na análise, sobre a dinâmica, a economia e a tópica intrapsíquicas. Durante este mesmo trabalho clínico desenvolvido ao longo da historia da Psicanálise, os estudiosos baseados nos trabalhos de Melaine Klein e Wilfred Bion, têm feito importantes contribuições como a postulação da "transmissão do psiquismo entre gerações", diferençando o que é da ordem da transmissão "intergeracional" e da "transgeracional".

 

2.1 Enamoramento

 

O início de um relacionamento é uma época singular. Apesar de o mundo continuar girando na mesma velocidade, para os parceiros apaixonados, as horas voam quando os dois estão juntos e duram uma eternidade quando estão separados. A rotina é dominada pelo sentimento da espera de um novo encontro.

Durante a chamada fase de encantamento, o casal está mais aberto e livre por não carregar a bagagem dos referenciais. Ambas as partes se expressam de maneira mais autêntica. O sujeito sente-se leve por estar sendo desejado apenas por aquilo que ele é.

 

O amor infantil é ilimitado; exige a posse exclusiva, não se contenta com menos do que tudo. Possui, porém, uma segunda característica; não tem, na realidade, objetivo, sendo incapaz de obter satisfação completa, e, principalmente por isso, está condenado a acabar em desapontamento (Freud, 1987, p. 21).

 

Um rosto, ou uma voz, ou uma maneira de olhar, ou um jeito da mão. O corpo estremece. É a paixão. O sujeito está apaixonado. Tudo acontece num exato momento. No início da relação deseja-se somente uma coisa: atuar as paixões. E atuá-las num clima de perenidade e alucinação primitiva, próprias do inconsciente.

Um só corpo, uma só mente, um alucinar junto para a satisfação dos desejos incestuosos. Um(a) é o pai que ela deseja apaixonada e ardentemente. O(A) outro(a\) é a mãe exclusiva pronta para satisfazer-lhe todas as necessidades e desejos. Nada de conversar, nada de reprimir, nada de simbolizar os afetos dominadores e ardentes. Somente a vivência das paixões.

Seja qual for o conteúdo da motivação para a escolha, seja ele mais primitivo ou mais atual, ocorre sempre um cruzamento no momento do encontro. Cruzamento este entre o passado e o presente de ambos envolvidos, e então se estabelece um ponto, uma unidade indivisível, um núcleo de vivência mútua.

Esta vivência, este núcleo que à primeira vista constitui-se de elementos irreconhecíveis, mas cujo produto final retira da percepção conflitos e angústias, remete os parceiros a um estado ilusório de completude (narcísica) (Lamanno, 1993).

Sob o viés psicanalítico, as afinidades encontradas entre dois sujeitos são ecos do passado e que reproduzem os primeiros amores. O que está sendo evocado nestes encontros é o conhecimento e o desejo de infância, isto é, a recuperação de versões anteriores do enamoramento do bebê pela sua mãe.

Da Psicanálise recebe-se a ideia de que todos buscam retornar a um estado ideal, livre de conflitos, separações, perdas, lutos, do tempo e da morte, exatamente igual a quando o bebê estava fusionado com a mãe. No inconsciente são guardadas sensações dessa vivência e das relações experimentadas com os pais, irmãos e com todos com os quais já houve um encontro ao longo da jornada de desenvolvimento.

O início do vínculo casal, fica registrado na consciência a partir do enamoramento (ou apaixonamento). Este vínculo torna-se um marco no processo que o ser humano realiza para superar a dor mental surgida no processo de separação ocorrida no nascimento e reforçada no momento da castração. Enamorar-se é ter acesso novamente à ilusão original representada pelo desejo de retornar a um estado ideal, livre de conflitos, um estado onde não exista a separação de corpos nem de indivíduos.

Em algum momento a vida, acontece que o cruzar com alguém, faz surgir esta sensação de completude novamente. É o enamoramento. Relação esta que o outro representará como a ilusão de readquirir o paraíso perdido. Se os parceiros forem saudáveis emocionalmente, entre encontros e desencontros das ilusões, irá emergir um relacionamento sólido e duradouro.

 

2.2 Vínculo Casal (Matrimonial)

 

Reconhece-se a tendência do ser humano a organizar sua vida vincular em estruturas, que vão de uma menor a uma maior estabilidade, segundo os psicanalistas Puget e Berenstein (1994). Para os mesmos autores os parceiros possuem elementos definitórios, que permitem referir-se a ele como uma unidade ou estrutura com alto grau de especificidade. A fim de diferenciar a relação diádica matrimonial de outras não matrimoniais, necessário se faz, definir parâmetros:

 

Toda pessoa disposta a constituir um vínculo de casal sabe, consciente ou inconscientemente, a partir dos modelos socioculturais, que isto implica certos elementos constantes e pressupostos que dão sentido ao campo do permitido, oposto ao do proibido. Por exemplo, o modelo sociocultural prescrito para casais inclui relações sexuais, as tenham ou não. Os parâmetros definitórios, embora providos a partir do mundo sociocultural, possuem registros no mundo psíquico, proveniente do infantil, onde se incorpora o modelo objeto casal, construção imaginaria constituída por três representações: uma proveniente da inermidade do sujeito infantil, em relação ao objeto reparador, estrutura relacionada originária; esta estrutura corresponde ao narcisismo primário, a denominamos de Objeto Único e dela ocuparemos pormenorizadamente mais adiante. Outra é a representação de um papai e uma mamãe, dos quais o bebê tem uma posição de exclusão. A terceira, uma representação social, é a de um contexto extrafamiliar, que inclui papai, mamãe e bebê, compondo um código e uma serie de sinais, que se referem à organização da estrutura familiar. (Puget & Berenstein, 1994, p. 6).

 

A estabilidade pode ser descrita de duas diferentes maneiras: como vida, com o predomínio de Eros, onde o ritmo de estabilidade torna-se um sustentáculo para o crescimento e a abordagem de novas situações; ou como morte, através da predominância de Tanatos, que se caracterizará como presença marcante de tédio e aborrecimento na vida do casal.

 

2.3 Os vínculos

 

Os parceiros construirão e manterão uma representação do vínculo, a partir de três modalidades de contado com o outro, as quais, por pressuposto teórico, todo ser humano constrói desde seu nascimento. São chamados de nível originário, nível fantasmático e modalidade ideativa.

 

O casal então é, como dissemos na definição, uma estrutura vincular entre duas pessoas, isto é, uma relação intersubjetiva estável entre um Eu e outro Eu, onde tem cabimento o mundo intra-subjetivo de cada um, e onde o vínculo, por sua vez, ocupa uma área diferenciada da estrutura objeta (Puget & Berenstein, 1994. p. 18).

 

O nível originário é o contato que se estabelece com o outro antes da capacitação da fala, é, portanto, incapaz de ser traduzido em comunicação verbalizada. Sem esta presença não seria possível o sustentar de nenhum vínculo. Este contato primariamente estabelecido através das sensações com contato corporal do bebê com o corpo da mãe (Outro primordial), inscrito indelevelmente no aparelho psíquico do sujeito e que se expressa através de um composto de imagem-emoção-sentimento evocado quando o Eu olha, ouve ou sente a presença de um outro externo. É a partir deste nível o Eu imagina a si próprio relacionado com um outro, sem solução de continuidade, fundido e desconhecendo os limites próprios e os dos outros.

O Nível fantasmático é uma modalidade vincular quando o Eu reconhece a existência de um outro Eu. A presença deste outro é marcada por um desejo do que quer que o outro seja. É uma construção baseada nas fantasias.

A modalidade ideativa ocorre a partir das palavras intercambiadas entre os parceiros, as quais estarão sujeitas a serem bem-entendidas ou mal-entendidas.

 

2.3.1 Vínculo adesivo

 

Este vínculo também chamado de narcisista dual onde predominam fantasias e emoções relacionadas com o medo de ficar isolado diante da ameaça de separação ou de perda do outro. Sua expressão é realizada através da fantasia de contato pele a pele, como se formassem apenas uma. Ocorre uma sensação predominante de solidão objetal, da qual se defenderão criando um vínculo dual para confirmar sua crença de uma disponibilidade permanente do outro.

Toda separação é registrada como falta de contato, evocando vivências de desespero ocorridas na primeira infância e registradas como inexistentes, ficando a mercê de um mundo interno hostil e deteriorado.

Com a finalidade de evitar estas sensações recorrem à censura ou a algum tipo de atuação que tendam a idealizar quantitativamente os momentos passados fisicamente juntos ou em contato permanente, por intermédio de ligações telefônicas ou mesmo com intuições da necessidade de um e de outro. Neste vínculo um Eu fará o papel de aderido e o outro, de buscador de aderência.

 

2.3.2 Vínculo de posse

 

Como no vínculo anterior, neste também ocorre a hegemonia do contato corporal e concreto entre os Eu, a fim de diminuir a distância dos dois sujeitos que compõem o vínculo. Os papéis representados são o do possuído e o do possessivo, e eles são realizados com o objetivo de diminuir as angústias do reconhecimento das diferenças.

Neste vínculo possuído-possessivo, os controles visual e auditivo, são os meios usados para anular o afastamento. Esta circunstância é o resultado da persistência de uma modalidade de enamoramento, chamada amor à primeira vista, onde a imagem visual é priorizada para fugir da sensação de perda. Igualmente, é o produto de intensos sentimentos de perseguição dessa forma controlados, e mostrando com isto a não solução da posição esquizoparanóide.

2.3.3 Vínculo de controle

 

Este vínculo parte do princípio pelo qual os parceiros devem ocupar os mesmos lugares, embora tolere uma maior diferenciação e discriminação entre eles. As angústias se originam da castração e despedaçamento experimentados pelo Eu. Os papéis desempenhados são o do controlado e o do controlador.

As angústias precisam ser controladas através da existência de uma pulsão de domínio, exercida com o fim de garantir a saída da solidão ou do desamparo, através de uma ação direta de manipulação do parceiro a fim de garantir o amparo por parte dele. Isto pode ocorrer de várias formas, o intercambio econômico, por exemplo, e o das relações sexuais, controlando o próprio prazer e o do outro.

 

2.3.4 Vínculo amoroso

 

Os papéis desempenhados pelos participantes aqui são o de ser amado e o de amar. Os afetos que se fazem presente são originados pela resolução adequada do complexo de Édipo e também, da fase oral, da qual emana a capacidade de gratidão, base para o amor, ternura e carinho. Nele percebe-se interesse pelo outro e a existência da reciprocidade entre os sujeitos que compõem o vínculo.

A seguir serão apresentadas as modalidades que os vínculos poderão estruturar-se. Pode-se, a partir da compreensão da tipologia, explicar tanto os observáveis como sua significação inconsciente. Será definido em cada estrutura, o conector, sua modalidade característica e sua qualidade determinante do tipo de interação entre os dois sujeitos.

Conector é uma condição necessária para explicar porque dois sujeitos conseguem manter de maneira estável uma relação de casal/parceria, e entender aquilo que os une, assim como, depois de seu fracasso, aquilo que os separa.

O grau mínimo de posições e de ligações para que seja possível a existência de um casal/parceria será denominada estrutura zero. Ela permitira estipular as posições e suas qualidades de parceiros e o conector que atua como o terceiro elemento vinculante (Puget & Berenstein, 1994, p. 20).

 

2.4 Estrutura Um: Dual

 

Nesta estrutura o vínculo tipo fusão predomina através da idealização mútua de algum componente. Existe uma sensação de exclusividade, os sujeitos se bastam, isto é, são a fonte de toda a satisfação.

 

Pode existir uma relação de simetria, à qual chamaremos de gemelaridade, ou de assimetria estável, que chamaremos de complementaridade, com base no conceito de vínculo, com o modelo de Objeto Único. Cada uma delas poderá dar lugar à constituição do casal, a partir da modalidade fundante do enamoramento, seja qual for o seu destino (Puget e Berenstein, 1994, p. 34).

 

Na relação de simetria, denominada de gemelaridade, a junção do casal é mantida através do processo de idealização. Os participantes se percebem com uma pequena quantidade de diferenças. Quando esta simetria apoia-se em Eros, o princípio do prazer, os sujeitos buscam a fusão por desejarem ser um só. Como a representação de cada componente do vínculo dá-se neste nível de erotização, tem-se o desejo de um ser a imagem refletida (especular) do outro, daí o conceito de gêmeos (gemelaridade).

Por vez quando o tipo gemelaridade se apoia em Tanatos, seu símbolo é um permanente estrado de frustração. A relação está dominada por funcionamento narcisista, mantidas as fantasias de fusão e dependência máxima, porém agora produtoras de mal-estar. Cada um dos participantes está ligado (conectado) com seu objeto imaginado, buscando manter-se afastado de tudo aquilo que venha inutilizar sua ilusão de posse.

Neste enleio circulam afetos de desprezo e críticas, mas mesmo assim ficam presos um ao outro, para poderem demonstrar mutuamente suas falhas. Este fato atende a uma urgência compulsiva de apontar qualquer traço do outro que seja diferente do objeto imaginado. Existe uma dependência adesiva, isto é, nem juntos, nem separados, mas sempre presentes um para o outro.

Complementaridade enlouquecedora é uma modalidade de vínculo assimétrico estável, e pode assumir, total ou parcialmente as seguintes características: os afetos são da ordem da violência, irritação e hostilidade; as relações sexuais são de nível pré-genital; a tendência monogâmica não é conflitiva; a cotidianidade é satisfatória; o projeto vital está sujeito a desacordos ou, ao contrário, a uma submissão total, com redução do projeto de dois ao de um só. Neste elo pode ser encontrado em maior ou menor grau as seguintes disfunções:

  1. Disfunção temporal, que tende a evitar qualquer tipo de mudança no cotidiano, nas relações sexuais, no projeto vital, pois costumam confundir imobilidade com estabilidade;
  2. Disfunção semântica (mudanças ou translações sofridas, no tempo e no espaço, pela significação das palavras), ocasionada pela imposição de uma única significação das palavras usadas na comunicação dos sujeitos participantes do vínculo. Isto é conseguido por intermédio da violência, ataques ao pensamento e confusão, motivados pela impossibilidade de aceitar o diferente. As mensagens trocadas pelos participantes costumam ser contraditórias, produzindo uma relação baseada no enlouquecimento e confusão.

 

2.5 Estrutura Dois: Terceiridade Limitada

 

Nesta estrutura ocorre a presença de um terceiro, que ocupa um lugar de excluído em diferentes posições. A dualidade indiscriminada da estrutura anterior é provocadora de uma sensação de angústia muito grande que é buscada amenizar pela presença de um terceiro, um filho, por exemplo. O seu funcionamento ocorre em modalidades diferentes.

 

2.5.1 Funcionamento pervertedor-pervertido

 

O que o caracteriza é a predominância da transgressão de valores. Está baseado em um certo tipo de indiscriminação, em intercâmbios sádicos e súbitas mudanças que ocorrem entre os componentes do vínculo. É um funcionamento onde o corriqueiro é transgredir tudo aquilo que sejam regras ou que sugiram normas.

Neste funcionamento a sexualidade é pré-genital, tortuosa e insatisfatória. O cotidiano é representado por súbitos desencontros e encontros idealizados. O projeto vital, em seu conteúdo manifesto, muitas vezes é a separação, mas, em seu conteúdo latente, inclui a possibilidade de conservá-lo.

O terceiro ocupa permanentemente um lugar de excluído. Sua função é o de ser impotente testemunha ocular de um quadro de maus-tratos e transgressões, ou testemunhar fascinado uma cena amorosa entre os parceiros. Este elemento pode ser presente ou ser um produto da imaginação, mas a cena sempre é representada para outro (s). O interno e o íntimo são exibidos e os de fora e externo são escondidos. O segredo é público.

 

2.5.2 Funcionamento enciumante-ciumento

 

A peculiaridade é que tem uma aproximação muito grande com o perverso no que se refere a erotização de uma situação a três, na qual um dos dois parceiros está situado no excluído e pendente da relação do outro, fusionado com um terceiro,

O terceiro (Eu externo) tem o imprescindível papel, de compor um triângulo onde é criada a cena de uma relação maravilhosa entre um dos parceiros e ele, cuja maior fonte de prazer será a exclusão do terceiro Eu. Este prazer não é genuíno, mas um prazer associado ao sofrimento do outro marcado pelo ciúme.

 

2.5.3 Funcionamento tipo hiperdiscriminação

 

A particularidade é existir por parte dos parceiros uma grande dificuldade de compartilhar. É uma defesa contra um vínculo dependente, o qual provoca uma vivência aterrorizadora. Cada parceiro, resultante de angústias paranoides, tem a sensação que esta sendo despojado ou devorado pelo outro, e ao qual é imprescindível se mostrar diferente do que ele promovendo constantemente desacordos e manifestos de independência.

Para que os dois sujeitos possam sentir-se tranquilizados dentro do isolamento buscado, ocorre uma hipertrofia de alguns parâmetros a fim de estabelecer uma conexão. O cotidiano estará cheio de obstáculos, pois os gostos, horários e formas de impor ordem ou de conceber a organização espaço-temporal da vida serão divergentes.

O projeto vital será resultado da superposição de dois projetos individuais que, algumas vezes, podem coincidir, embora sempre apresentarão alguma marca que informa o diferente. No caso do terceiro (o filho), ele é registrado mentalmente como filho de cada um. Ele é imaginado por cada um dos parceiros com aliado diante do outro, não para despertar ciúmes, mas para afirmar a independência.

A tendência monogâmica não é tolerável no momento que surge a angústia devida ao compartilhar e a seus componentes de fusão. As relações de amantes são toleradas para confirmar a autonomia, sendo usado um sistema defensivo chamado racionalização, segundo o qual é possível ter várias relações simultâneas.

As relações sexuais são escassas e geralmente insatisfatórias. No nível das fantasias, as relações sexuais, não são resultados do desejo de um pelo outro, mas de uma relação registrada como masturbatória compartilhada. O outro é utilizado como um objeto necessário, mas não fazendo parte de um corpo inteiro ou de um objeto amoroso.

O Objeto Único está carregado por uma valência negativa, ameaçadora e frustrante. Guarda semelhanças com o funcionamento narcisista da gemelaridade tanática.

 

2.5.4 Funcionamento inibidor-inibido

 

Na categoria estarão presentes, com menor intensidade, todos os mecanismos anteriormente descritos, o que modificará a sua qualidade. Nele são reconhecidas tanto as inibições, como o mal-estar, fazendo com que algumas dificuldades, que podem ser sanadas pelo processo de psicanálise, encontrem-se presentes em todos os parâmetros.

Os sujeitos envolvidos não costumam falar em separação, pois sentem que se amam, embora lhes seja difícil encontrar sozinhos novas perspectivas para uma situação sofrida.

 

2.6 Estrutura Três: Terceiridade Ampla

 

Os parceiros possuem a capacidade de representação de si mesmos. Com isto tem-se um processo sinergético, onde o resultado se torna maior que a soma dos sujeitos.

 

Nesta estrutura vincular existem duas mentes discriminadas. Ambas possuem uma representação interna do outro, configurada para que não seja preciso referir-se permanentemente ao outro, para se sentir incluído. A linguagem adquire seu sentido paradigmático de código e valor de comunicação. Está aberta a possibilidade de desfazer as incógnitas ou os mal-entendidos criados por uma captação exata da existência de um outro diferente ego, sem o despertar de angústia insuportável (Puget & Berenstein, 1994, p. 47).

 

O compartilhar adquire seu valor mais completo, o de trocar significados diferentes a respeito do comum, construindo um código e podendo realizar uma série de recortes compartilhados sem medo de perder o vínculo. Os desacordos ou diferenças se tornarão estímulos para a colocação em andamento de um processo no qual surgirá a possibilidade de ampliação e fortalecimento do vínculo, que será resultado da articulação das diferenças, o que popularmente é chamado de “discutir a relação”.

O projeto vital compartilhado inclui o aparecimento de um terceiro, admite sentimento de exclusão, mas não possui o caráter abundante e exagerado dos vínculos anteriormente descritos. As relações sexuais permitirão uma elaboração genital da relação de Objeto Único que levará ao processo de passagem para o Objeto Unificado. As relações sexuais mesmo não seguindo um curso sempre igual, alternam-se com períodos nos quais podem ou não corresponder ao mesmo nível simétrico de desejo dos parceiros.

 

3 Resultados e Discussões

Transmitem-se as vivências psíquicas dos que antecederam o individuo geracionalmente, a partir, evidentemente, dos pais. O "intergeracional" é aquilo que foi transmitido devidamente simbolizado e representado, de modo que pode ser retomado, reelaborado ao nível de grupo familiar e vincular, individualmente. O "transgeracional" é aquilo que foi transferido sem ter sido devidamente representado, simbolizado, impossibilitando sua reelaboração posterior tanto pela família quanto pelo indivíduo. São comunicações como imagens em "negativo". Esse último tipo é especialmente característico de famílias onde surgem psicóticos (Prado, 2000). No espaço intrasubjetivo o foco é posto na distribuição do mundo interno, nas constelações auto engendradas das relações do sujeito com os objetos, em um tipo de espacialidade própria, onde predominam as representações e os afetos ligados a elas. Nele acontece uma relação chamada de intrasubjetiva que conterá os registros no mundo interno, dos objetos com os quais o Eu mantém diferentes tipos de ligação.

Berenstein (2001) designa assim uma estrutura inconsciente que, ligando dois ou mais sujeitos, instaura entre eles uma relação de presença ao criar uma investidura específica que os constitui como sujeitos do vínculo. Nessa situação encontram-se dois mecanismos: a identificação considerada como o desejo de ser como o outro enquanto origem de uma oferta identificadora; a imposição considerada como o dever de ser como este outro que imprime uma marca inédita.

Na relação amorosa, fica configurado um contexto compartilhado, no qual o mesmo Eu é objeto de desejo e foco de desejo. Durante o enamoramento, as exigências contextuais estão focadas em bases diferentes dos períodos seguintes da relação. Na vida do casal, a antecipação do futuro e a inclusão da temporalidade na estrutura compartilhada, é o resultado do projeto vital.

 

É formulado com base nas experiências realizadas e em função da avaliação dada pelo princípio da realidade. Inclui repetições de fontes de prazer, bem como condições ligadas ao desconhecido. Partem de uma suposição, isto é, de que o sistema de opções entre os membros do casal irá levá-los a conservar e criar uma ordem de acontecimentos cada vê mais complexos e de maior crescimento mental (Puget & Berenstein, 1994, p. 143).

 

Nos casais/parcerias cuja evolução inclui o reconhecimento do outro, como objeto diferente, a busca da fonte de desejo, leva implicitamente, à aceitação da necessidade de utilizar indicadores e signos adequados. Para o estabelecimento de uma parceria, é imprescindível que ambos tenham a capacidade de diversificar os signos, o que em geral se produz na passagem da etapa do enamoramento para a relação de objeto-objetiva. O germe do mal-entendido é não poder realizar essa função significante, o que remete a uma angústia confusional primitiva.

Desde o momento da escolha baseada em aspectos conscientes e inconscientes, os parceiros sistematizam um conjunto de regras com as quais estruturam uma linguagem conhecida e entendida entre eles. O idioma singular é constituído por termos corporais e intercâmbios de significados, códigos e palavras. A diferença entre a representação de palavra e a representação corporal é forçada, pois em todo vínculo com tendência ao crescimento, a palavra intercambiada se apoia na representação corporal; pode-se afirmar que o corpo dos que se amam falam entre si.

 

4 Conclusão

 

Ter que lidar com o fato de serem dois sujeitos distintos sempre é complicado. Quando se está apaixonado, o outro é o bem total, e o Eu nem é digno de tanta perfeição. Esse sentimento vem de quando o bebê está faminto e se debate pelos cuidados da mãe ou sua sucessora atendê-lo cessando a fome e o desespero; isto deixa uma sensação de enorme prazer e gratidão com a mãe, até a seguinte mamada, quando tudo se repetirá.

É essencial reconhecer as distinções entre os componentes do vínculo. A diferença é trabalhosa, mas é muito mais instigante. Um dos parceiros que tem suas experiências profissionais, seus relacionamentos de amizade, suas opiniões, tem muito mais a oferecer no casamento do que aquela que só tem olhos para o outro. Quem dá muito tem a tendência de fazer cobrança intensa. Um sujeito que vibra com as próprias coisas e um outro que tem diversas fontes de satisfação têm possibilidades de tornar seu vínculo inovador. Porque diferentes são todos e também são sedentos de amor.

Construir um relacionamento fundamentado na liberdade e não no apego e possessão é essencial para o fortalecimento do vínculo. Saber disso é a base para uma relação de crescimento. Envolvidos pela magia do enamoramento, muitas pessoas acabam esbarrando no que Freud denominou "amor narcisista". Facilmente o sujeito cai na armadilha do "amor como reprodução". Este fenômeno é provocado pela projeção de um indivíduo no outro. É amar no outro a própria imagem, ou as características que gostaria de ter.

Este comportamento diminui as chances de a pessoa permanecer no estado amoroso, pois mais dia, menos dia, acorda e percebe a ilusão criada por sua própria fantasia. É o instante em que a cortina cai e o outro é visto sem as vendas de quem está tomado pela poção do amor.

Para construir uma relação são necessárias três etapas que devem ser vencidas; cada uma dela exige muitas vezes um trabalho psíquico com o qual os componentes do vínculo não foram aparelhados nas suas fases primordiais do seu desenvolvimento emocional.

  1. Enamoramento - quando o outro é tudo! É uma fase muito útil para casar-se;
  2. Descoberta - quando se descobre que a outra pessoa não é exatamente aquilo que se esperava. Esperanças e alegrias coexistem com as decepções e tristezas;
  3. Maturidade - quando se percebe o valor do outro como ele é e não como poderia ser. Tolerância e companheirismo.

 

O tempo de duração do estado prazeroso de descoberta, só depende da forma como se vai lidar com os aspectos reais, menos românticos do outro. O mar de rosas do primeiro momento se revela um oceano complexo, cheio de inseguranças, possíveis neuroses e dúvidas.

Se o sujeito não tiver estrutura para aceitar o outro de forma adequada, um afastamento é inevitável; quando o casal consegue manter o respeito à individualidade, estabelecendo um relacionamento de troca, é possível que a magia do encantamento inicial nunca se esgote. Ela se transformará, junto com as mudanças e o aprofundamento da relação.

 

Referências

 

Berenstein, Isidoro. (2001). Reflexão sobre a psicanálise do vínculo – in André Green (Org) Psicanálise contemporânea – Revista Francesa de Psicanálise.

Freud, Sigmund (1987). Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago Editores.

Lamanno, Vera Lúcia. (1993). Repetição e transformação na vida conjugal. São Paulo: Summus Editorial.

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Isabel Cristina Gomes, Maria Inês Assumpção Fernandes, Ruth Blay Levisky e outros (2016). Diálogos Psicanalíticos sobre Família e Casal. São Paulo: Editora Escuta.

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