Diante da diversidade que ocupa nosso país, e que por consequência, encontramos em nossas salas de aula, faz-se necessário que o professor fique atento as questões das relações raciais. O professor consciente e legitimamente comprometido com a educação para todos precisa abordar estes assuntos incansavelmente, trabalhando em prol de uma educação anti-racista. Tal forma de trabalho não deve se dar simplesmente pela Lei Federal nº 10.639/03 que torna obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira no currículo escolar, pois pensando desta forma, essa questão será tratada como muitas outras, onde o conteúdo é tão somente transmitido aos alunos e não há nenhuma sintonia com a realidade do educando. Para se trabalhar estas questões é necessário que o professor venha a se despir de seu próprio preconceito, que reformule valores, que abrace esta causa como necessária e intransferível, fazendo-se parte atuante no processo. Conceição (2006) nos afirma que:

tais mudanças não são tarefas fáceis, pois implicam repensar e reformular práticas pedagógicas cristalizadas e que são consideradas, por seus praticantes, de boa qualidade e com resultados garantidos.

 O educador precisa demonstrar o interesse e a garra necessária para trabalhar em prol desta causa, com o objetivo de construir uma sociedade mais humana.

A escola, por muitas vezes, acha-se livre deste preconceito. Os professores nem percebem as práticas discriminatórias que por vezes cometem. Itani (1998, p. 122) nos dá um exemplo sobre a expressão “pessoa de cor” que usamos para nos referirmos às pessoas negras. Ao trocarmos a expressão, estamos de certa forma, negando aquilo que realmente é, pois ainda não tratamos as diferenças étnico-raciais com naturalidade. Ao negar a característica da pessoa negra, estamos os transformando em um grupo social sem identidade. Itani ainda ressalta que não conseguimos dizer “negros”, assim como dizemos “alemão”. Na verdade, tememos ser preconceituosos, mas ainda não sabemos o quanto o somos e como nos livrarmos desse mal.

A criança que cresce percebendo e sentindo esse tipo de atitude, vendo na mídia e nos inúmeros locais a sua volta a valorização e o estabelecimento de um modelo de beleza europeia, acaba sentindo-se inferior e passa também a negar sua identidade, ao ponto de não se enxergar negra. Tudo parece colaborar para a manutenção do preconceito e a sustentação de uma baixa autoestima: é o professor que arruma os cabelos lisos das meninas, mas não sabe arrumar o cabelo afro, e por isso nem o toca; é a mãe que passa protetor solar na filha branquinha enquanto a mãe da criança negra não se importa com isso, pois acredita não precisar destes cuidados; é o dia das mães que se aproxima e todos os colegas acham nas revistas pessoas parecidas com suas mães, mas na mesma revista não há nenhuma mulher que possa se assemelhar a mãe negra; são as lindas histórias de princesas que a professora conta, mas nenhuma delas possui uma princesa negra; é a situação que anda ruim e por isso ouvimos o vizinho falar que “a coisa está preta”; e inúmeros outros exemplos que poderia citar. Tudo isso pode gerar dificuldades em relação à autoestima, a aceitação, ao reconhecimento, a autonomia.

Cabe à escola mudar essa postura social. Porém, muitos educadores não sabem como começar. Conceição (2006) nos auxilia neste processo dizendo:

A preparação do ambiente escolar, bem como o de sala de aula, é muito importante para que todos(as) se sintam representados(as) e valorizados(as). Cartazes, fotos, textos diversos – em livros didáticos e paradidáticos - além de brincadeiras e jogos, são estratégias que visam à elevação da autoestima e do autoconhecimento de indivíduos discriminados e tornam a escola um espaço adequado à convivência igualitária.

Ao incluir as etnias e diferenças em sala de aula, o professor promove uma desacomodação, capaz de construir e destruir pensamentos e sentimentos. Esta inclusão não se dá de forma imediata, mas é um processo que vai se construindo e aos poucos, obtendo os resultados positivos que se pretende alcançar. Nesse sentido, o professor é referência e precisa acreditar na causa e fazer diferença diante dela. A respeito disto nos afirma Conceição (2006):

Abordar em sala de aula questões relativas à educação das relações étnico-raciais, para alguns educadores, é muito delicado, pois implica rever valores éticos, pessoais e profissionais. É, por vezes, se descobrir racista, preconceituoso, discriminador e que, muitas vezes, as atitudes diante dessas situações são de licenciamento, por não ter a sensibilidade necessária para identificá-las ou por não saber como agir.

O educador, enquanto mediador do processo das relações, tem por responsabilidade que esta inclusão social, tão falada e tão pouco praticada, seja cada vez mais parte de nossas vidas e que se estenda a toda a sociedade, visando a construção de um mundo mais justo e mais humano. Optar pela realização desta forma de trabalho é muito mais do que uma mera prática pedagógica, é de fato, o exercício pleno da cidadania e do nosso direito e dever enquanto homens e mulheres de bem.

Ao repensar sobre esta temática, não posso deixar de citar um conto de Eduardo Galeano, chamado “O mundo”, que retrata muito bem aquilo que precisamos nos conscientizar.

Um homem da aldeia de Neguá, no litoral da Colômbia, conseguiu subir aos céus.

Quando voltou, contou. Disse que tinha contemplado, lá do alto, a vida humana. E disse que somos um mar de fogueirinhas. O mundo é isso – revelou. Um montão de gente, um mar de fogueirinhas. Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras. Não existem duas fogueiras iguais. Existem fogueiras grandes e fogueiras pequenas de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco, que enche o ar de chispas. Alguns fogos, fogos bobos, não alumiam nem queimam; mas outros incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chegar perto pega fogo.

Essa diversidade precisa ser respeitada e receber o devido valor. Não podemos nos agrupar em mais ou em menos, somos apenas diferentes.

Enquanto educadora, sinto-me responsável por ter essa chama que incendeia, espalhando o calor humano a todos aqueles que de mim se aproximarem, possibilitando educar e educar-me.

 

OBRAS CONSULTADAS 

ITANI, Alice. Vivendo o preconceito em sala de aula. In: AQUINO, J.G. Diferenças e Preconceito na Escola: Alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1998.

PROJETO A COR DA CULTURA, 2007, Cachoeirinha. As relações étnico-raciais, história e cultura afro-brasileira na educação infantil. Porto Alegre: 2006.

PROJETO A COR DA CULTURA, 2007, Cachoeirinha. Fragmentos de um discurso sobre afetividade. Porto Alegre.

SOUZA, Yvone Costa de. Crianças negras: Deixei meu coração embaixo da carteira. Porto Alegre: Mediação, 2002.

ROSEMBERG, Fúlvia. Raça e desigualdade educacional no Brasil. In: AQUINO, J.G. Diferenças e Preconceito na Escola: Alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1998.