PROFISSÃO: PROFESSORA

Amalia Letícia Granetto

Licenciatura Plena em Química pela Universidade de Caxias do Sul.

Pós graduação em Educação Ambiental pela Universidade Federal de Santa Maria.

 

                Como é difícil escrever sobre a profissão que exercemos e escolhemos para seguir. Afinal, o que faz ficarmos nela? Costumo dizer que o magistério nos enlaça, e não estou falando aqui da complexidade e também do encantamento envolvidos nessa profissão. Estou falando de um “comodismo”, o magistério nos “enlaça” pela estabilidade, pelos dias a mais de férias, pelo pouco tempo que nos proporciona para dedicarmos e encararmos outra profissão. E vamos ficando... Não quero ser interpretada aqui como alguém que não gosta da profissão escolhida, nem pintar um quadro triste do magistério. Porém, depois de alguns anos nessa intrigante e inquietante profissão, me questiono para onde estamos indo, que tipo de cidadãos estamos ajudando a formar, que tipo de professores estamos nos tornando.

            Estamos todos conscientes que a sociedade encontra-se em uma crise, crise de valores, atitudes e identidade. Ouvimos constantemente que o papel do professor é fundamental, que a ascensão da sociedade pode ocorrer através do professor, que ele é um instrumento de transformação social. É papel do professor também auxiliar os alunos para uma visão mais ampla, sair do senso comum e enxergar mais longe, com um olhar crítico e reflexivo.

A educação (ligada ao professor), é também a salvadora da pátria, uma sociedade mais justa não vai brotar naturalmente, mas com educação, sim! Essa sociedade “nova”, revigorada pode surgir. Nessa perspectiva o professor assume um papel político e social.

 Ainda é habitual em artigos e textos ligados à área educacional, que o professor não pode se restringir apenas à sua área de atuação, temos que ir além, jogar nos outros campos do conhecimento.  Também já sabemos que não estamos prontos após o nosso curso de graduação, devemos realizar formação continuada para termos uma constante atualização teórica e prática refletindo na formação dos alunos.

E como esquecer que é estritamente necessário e aclamado que o professor conheça ao máximo a realidade de cada um de seus alunos para que possa desenvolver e utilizar ferramentas que reduzam a defasagem no aprendizado e o “abismo” que separa professores e alunos.

Acho muito bonito e concordo que o ato de ensinar está imbuído de dar condições para que os educandos possam perceber-se o máximo possível como cidadãos detentores de direitos e deveres membros de uma sociedade. E que é papel social do professor munir os alunos de instrumentos para libertação.

Concordo com tudo que ressaltei de maneira um pouco irônica nos parágrafos acima. Mas se tudo isso é dever dos professores? Será que não teríamos que receber uma contra partida? Não estou falando só de salário, mas também. Sabemos do nosso papel, de nossa importância, e não estamos nos eximindo de tudo isso. Mas se é papel do professor resgatar essa sociedade atual, início aqui um pedido de socorro. Diante dos recursos que temos, e da capacidade atribuída a cada um de nós, não estamos avançando.

A citação abaixo reforça o que pretendo destacar nesse artigo:

Mais importante que criticar educadores e educadoras sobre a resistência a mudanças estruturais que delegam a essa categoria, e não querendo aqui cair em generalidades, seria refletir sobre o porquê de tal resistência. A quem interessa essa imagem de resistência criada em torno dos educadores? Quais são as possibilidades reais de se efetuar tais mudanças? Se, teoricamente, foram pensadas (as mudanças) com maestria, será que apontam como transpor para a prática? Que estrutura oferecem as políticas educacionais para que essas mudanças aconteçam na prática? Como foram pensadas e por quem? Atendem a especificidade da educação brasileira, ou, mais uma vez, trata-se de modelos copiados? Como foram apresentadas aos professores e professoras? Será que, ao mudar as regras do jogo enquanto esse acontecia, os jogadores foram consultados? Essas e outras muitas questões poderiam ser formuladas a respeito da formulação desses documentos que atualmente regem a educação brasileira. (RUIZ, 2003).

            A autora continua fazendo uma reflexão sobre os modismos na educação, que ao meu ver acabam desmontando projetos que estão dando resultado, e até tirando a oportunidade da educação assumir uma identidade:

Entender essa complexidade da ação educativa faz-se necessário para que se saia de posturas extremistas, ora endeusando ora demonizando quaisquer que sejam as mudanças no setor educativo. Endeusando, porque se nota nos dizeres de alguns educadores total apego a tudo que de novo apareça, caindo em verdadeiros modismos educacionais que apontam receitas sem nenhuma profundidade teórica. Demonizando, porque também se nota, nos dizeres de outros, total desapego ao que de novo apareça, ou seja, fortemente ligados à tradição, ao que deu certo, portanto, não deve ser mudado (RUIZ, 2003).

                Miguel Arroyo em seu livro: Oficio de mestre, imagens e autoimagens, reforça o que chama de descaracterização da educação, a falta de uma identidade:

O direito à educação nunca será garantido por um clube de amigos. Já temos amigos e amigas da cultura, de animais de estimação ameaçados, de crianças de rua, de órfãos e agora a mídia e os governos lançam a campanha “Amigos da escola!” Mais um capítulo de nossa longa história, de sua descaracterização. A educação escolar tratada como uma terra vadia, sem cercas, facilmente invadida por aventureiros ou por amigos. Mui amigos! Qualquer um entende, palpita sobre a escola, aceita ser professor(a), secretário(a) ou gestor de educação. Paralelo a esse processo tivemos a descaracterização dos mestres da escola. Qualquer um que domine um conhecimento e uma técnica, poderá ensiná-los como um biscate e um complemento a seus salários ( ARROYO, p. 22-23, 2002).

            Com essa citação reforço os “irônicos” parágrafos do início desse artigo, onde relato algumas das “tarefas” e obrigações atribuídas aos professores, não que não sejam deveres e objetivos que nossa profissão permeia, mas me intriga e me incomoda o fato, de colocar nas mãos do professor uma responsabilidade que não é só dele, e sim de uma rede, onde família, escola e gestores públicos, devem estar unidos em prol de uma qualidade educacional. Também me chateia que pessoas muitas vezes leigas, distante da realidade educacional, relatam o papel do professor, o responsável por essa tão almejada educação de qualidade.

            Gosto de uma frase do filósofo escritor Jean Jacques Rousseau: “Quem quer agradar a todos não agrada a ninguém”, muitas vezes entramos nesse ciclo, afinal o professor está no palco, sendo julgado e analisado. Andamos na corda bamba.

Nas últimas décadas os docentes vem se debatendo e tentando equilibrar-se diante dessa dupla função: desenvolver as pessoas, formar cidadãos, desenvolver a sociedade e dar conta das novas exigências que são postas aos jovens que ingressarão no trabalho, numa ordem marcada pela competição e a excelência. Competição e excelência cada vez mais sofisticadas, exigentes, seletivas e excludentes. Que perfil de profissional da Educação Fundamental dará conta dessas funções tão desencontradas? Como ser capazes de transmitir os saberes e competências que preparem os jovens para o mercado competitivo, de excelência e seletivo e formar as competências abertas propostas como objetivos? As políticas públicas colocam os docentes em fronteiras de guerra, expostos ao tiroteio de todos os lados e esperam que eles se virem no cumprimento de papeis sociais incompatíveis. Serão obrigados a optar por um lado, frequentemente, pelo hegemônico, as exigências do mercado, do concurso, do vestibular. Terão de optar por determinados conteúdos e secundarizar outros. Possivelmente os abertos. O mercado de trabalho não é aberto, neutro, inocente, tem preferência por determinados conhecimentos e competências, fechados e uteis, ignora competências e conhecimentos abertos ( ARROYO, p. 99, 2002).

O autor ainda reforça:

De tanto viver, planejar e agir, dentro das grades curriculares, nós pensamos e pensamos o mundo, a sociedade e a história, os educandos, e sobretudo pensamos o conhecimento e a cultura gradeados, hierquizados. Separamos a cultura nobre da menos nobre, o conhecimento mais cientifico e mais sério, o mais valorizado pelo mercado, do menos valorizado. As matérias mais exigentes das mais fáceis de levar. O que cai ou não cai nos concursos, nos provões, nos vestibulares. Separamos os saberes mais importantes para a vida dos descartáveis ( ARROYO, p. 211, 2002).

            Estamos entre a cruz e a espada, fazendo escolhas o tempo todo, quando vejo os objetivos de minha área nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN, penso em como dar conta de tudo que consta lá e ainda formar cidadãos críticos e atuantes. Afinal, temos esse compromisso com a sociedade, temos um papel muito importante, a nossa profissão não é vista como as inúmeras outras, mas sim como uma vocação. Que lindo! Cito novamente Miguel Arroyo:

A imagem que a sociedade nos passa do magistério como uma ocupação fácil, feita de amor, dedicação do que de competências, essa imagem desastrosa, mas tão divulgada, vem colar com autoimagem de despreparo que foram acumulando os adolescentes e jovens dos setores populares. A sociedade, reforçada por um sistema escolar seletivo, credencialista e meritocrático vai convencendo os adolescentes e jovens das camadas populares que seu preparo e sua herança cultural não dão para grandes voos profissionais, ao mesmo tempo essa sociedade passa a imagem deturpada de que para professor(a) de escola qualquer preparo serve. Esse encontro de imagem sociais e autoimagens opera perversamente nas escolhas e termina internalizando o magistério como possível e suportável (ARROYO, p. 127-128, 2002).

            São inúmeras nossas inquietações e angústias, pois trabalhamos com pessoas, e sim, temos uma grande responsabilidade, e nós que estamos no “chão da escola” (outro termo muito usado por pessoas que sabem muito pouco da realidade do “chão da escola”), sabemos dessa responsabilidade e acredito que o mal só não é maior porque tem gente fazendo o bem, e nesse caso quem está fazendo o bem são nossos professores e sim, os professores do chão da escola.

            Escolhi essa profissão sabendo de todas essas problemáticas, não sei se vou deixar ela me enlaçar mais do que já me enlaçou. Sou feliz com o que faço, estou realizada e acredito realmente, com todas as minhas forças na frase de nosso educador Paulo Freire: “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela, tampouco, a sociedade muda”.

 

REFERÊNCIAS BILBIOGRAFICAS:

 

______________. Novas maneiras de ensinar, novas formas de aprender. Porto Alegre: Penso, 2002.

ANTUNES, Celso. Quanto vale um professor? - Reais ou imaginários, alguns imprescindíveis, outros nem tanto. São Paulo: Vozes, 2002

ARROYO, Miguel G. Oficio de mestre. São Paulo: Vozes, 2002.

Ruiz, Maria José Ferreira.   O papel social do professor: uma contribuição da filosofia da educação e do pensamento freireano à formação do professor. Revista Iberoamericana de Educacão,  nº 33.  Disponível em: http://www.rieoei.org/rie33a03.htm. Acesso em: 20 jul 2014.