Haja vista que muito se tem falado sobre uma consciência global, sobre a preservação das espécies e do cuidado para com a natureza. Ainda hoje erificamos essas abordagens e a abordagem também de uma espiritualidade. Por conta do aquecimento global, a Terra está dentro de uma nova situação. Essa nova situação desencadeia uma série de catástrofes com dimensões jamais vistas, o que também afeta toda a biosfera e o próprio futuro da espécie humana neste planeta.
Tudo isso nos leva a pensar que é necessária uma nova moralidade e um novo sentido de ser. Para que tais coisas aconteçam, devem alicerçar-se na espiritualidade planetária. Pensar em como evitar o aquecimento já não é mais suficiente, é preciso agir de forma que não se torne uma catástrofe. Com isso, nossa opção primeira é pela Terra como um todo, pois se trata de salvar o todo. Optar pela Terra leva-nos à esperança de que podemos enfrentar as ameaças e transformá-las em oportunidades de um novo salto rumo a um nível da história humana.
É possível que a Terra, na situação de caos à qual se encontra, consiga deparar um novo equilíbrio. Este equilíbrio deve envolver a consciência coletiva da humanidade e fazer com que se possa mudar de estado. Parece-nos que esta realidade está longínqua na compreensão quântica dos processos vivos do planeta, vistos e elaborados pelas ciências.
Na aurora da física quântica, tudo está interconectado, do mesmo modo como o farfalhar das asas de uma borboleta consegue produzir uma cadeia de efeitos imensos na outra ponta da realidade, conforme Edward Lorenz verificou na chamada teoria do efeito borboleta. A metáfora da borboleta é sugestiva pelo fato de ela ser pequena, com força quase que insignificante. Contudo, o potencial de transformação presente nisto é grandioso. Não existe apenas o efeito borboleta negativo, mas também o positivo.
É possível transportar a metáfora do efeito borboleta para o campo social e também para os comportamentos que pedem uma postura ecológica. Há uma tendência de se enfatizar a importância das transformações aparentemente pequenas que pessoas individuais e pequenos grupos introduzem no sistema. Há um desencadeamento grandioso de interconexões que acabam por criar mudanças profundas na totalidade. Dessa forma, até mesmo o bem realizado não se restringe ao âmbito da pessoa ou do grupo, mas se propaga, se espalha. E daqui podemos inclusive expressar aquele clichê: "o amor e o sorriso são contagiosos". E tanto aquilo que é positivo quanto aquilo que é negativo se propagam.
Podemos verificar pelo mundo afora uma grande corrente do bem. Uma corrente positiva, de um efeito borboleta positivo presente em mulheres, homens, jovens, crianças, em grupos alternativos, em cientistas, em artistas, em religiosos, enfim. Todos são movidos por um espírito de cooperação, de solidariedade, de compaixão e de cuidado.
Em meio a um sentimento de crise mundial, vemos que isso funciona como algo que limpa a essência de todos os arames e de tudo o que se torna insustentável para que a essência de possa ganhar uma nova configuração e que também possa dar à humanidade um novo rumo em sua história. É fato que a oportunidade está sendo oferecida. Quem são os que estão abraçando? Desse modo, não podemos desperdiçar o tempo nem as energias para que possa acontecer a renovação.
Ao refletir sobre esses momentos de crise, podemos perceber uma referência crítica em favor das medidas que atualmente são projetadas pelos vários governos e organizações multinacionais no intuito de adaptar-se ao novo estado da Terra e na intenção de diminuir seus efeitos venenosos. Para tanto, sente-se a necessidade de também não perpetuar o velho paradigma. As medidas devem estar abertas ao surpreendente, permitindo a emergência de um novo paradigma civilizacional. Contrário a isso, tais medidas enfraquecer-se-iam e não conseguiríamos alcançar a causa da doença, sem, desse modo, poder saná-la.
Se o velho paradigma for perpetuado, impedirá que encontremos uma saída para salvaguardar a crise ecológica. O velho paradigma baseia-se numa imagem do mundo baseada numa metafisica falsa: a de que podemos dispor dos recursos como queremos, porque somos reis e rainhas da criação, ou que somos prediletos aos olhos do Criador. Esse pensamento coloca-nos numa relação para com a natureza de ordem apenas utilitária. A natureza, nesse pensamento, é apenas um algo útil, que só tem sentido assim: sendo útil e ordenada ao ser humano.
Como herança da modernidade, hoje a sociedade é exclusivamente antropocêntrica, mas de um antropocentrismo egoísta, que coloca o homem e a mulher fora e acima e contra a natureza. A natureza não é nossa, não é bem privado de um só homem ou de um só grupo, ela é de todos, e fazemos todos parte dela. Pelo fato de pertencer à totalidade, a natureza serve ao ecossistema e à totalidade mundial, pois regula os climas e a composição físico-química terrestre. Uma nova perspectiva assim nos abriria os olhos para uma conduta de cooperação para com a Terra, respeitosos e não agressivos para com seus recursos e seus serviços. Essa perspectiva também impediria uma tragédia e garantiria um desfecho feliz para crise.
De pouco valem as soluções apenas técnico-científicas fundamentadas na metafísica do velho paradigma. Essas soluções não são a fonte da solução, pois precisamos, antes de tudo, de uma equação moral que mude os fins e não apenas os meios de nossa civilização. Tal cuidado está na obra da ética, da moral e da espiritualidade planetária. É preciso um novo sentido de ser, uma transformação grandiosa.
Pensando em uma nova moralidade, é possível elencar alguns pontos interessantes. Entre eles está o resgate da compaixão, do afeto, da simpatia, da piedade. A Modernidade relaxou profundamente nessas perspectivas, tornando-se essencialmente racional, analítica, instrumental e tecnocientífica. Essas realidades procuravam um método e assim distanciaram o sujeito de sua relação ao objeto. Resposta a isso vemos uma sociedade de Pós-Modernidade repleta de egoísmos e de individualismos. Tudo o que vinha da dimensão sensitiva do sujeito, sua emoção, seus afetos, entre outros, era tido como elemento que obscurecia e atrapalhava no olhar analítico do objeto. As dimensões passionais humanas, nesses casos, eram colocadas em suspensos e muitas vezes recalcadas e controladas.
Também a tecnociência operou verdadeira lobotomia nos seres humanos, que já não se sentiam como seres comunitários, mas indivíduos separados e desconectados por sua autonomia das redes de relações que todos entretinham com todos. Já que não há espaço nem para as sensibilidades passionais nem para coisa alguma que prejudicasse o olhar analítico da realidade, a natureza tornou-se simples joguete, não havendo necessidade de respeitá-la ou escutar as mensagens por ela enviadas. Pela suposição de que a mesma não possuía sequer qualquer espírito, pensou-se que esta podia ser tratada como um simples objeto a ser explorada impiedosamente.
E é um fato claro que também essa insensibilidade chegou até às relações sociais humanas. O próprio ser humano tornou-se um objeto de exploração de outros. Verificamos uma gama de condições que colocam poucas pessoas em dignidade de vida e uma maioria de outras pessoas que são subjugadas, são humilhadas até chegar ao grau de uma verdadeira desumanização. O sistema não ama as pessoas, apenas sua força de trabalho e sua capacidade de produção e de consumo.
Enquanto seres humanos, não somos tão somente racionalidade. Somos também sensibilidade. E uma dimensão nunca pode ser mais evidenciada que a outra, caso contrário, sempre verificaremos um verdadeiro desequilíbrio. Se não aprendermos a sentir a Terra como um todo e não cuidarmos dela como de nossos filhos e filhas, dificilmente a salvaremos. Sem a sensibilidade, a tecnociência será insuficiente, já que é demasiadamente utilitarista, fria e funcionalista.
Ao tratarmos da palavra espiritualidade, é preciso desfazer diversos preconceitos que a cercam e que impedem de apreender sua riqueza antropológica. Comumente se identifica espiritualidade com religião e isso não é correto, pois ela é anterior e mais originária que as religiões. As religiões é que têm como substrato a espiritualidade e nasceram de uma profunda experiência espiritual feita pelo mestre fundador, pelo profeta ou pelo seu líder carismático. Ela não é, portanto, propriedade privada das religiões, mas é uma dimensão do profundo humano.
Do mesmo modo que o ser humano não é só racionalidade, mas também sensibilidade, também não é só corpo que faz parte do universo. Somos também alma, um universo interior de paixões, de desejos, de arquétipos, de energias que tornam singular a existência humana. Também somos espirito, momento da consciência pelo qual todo ser humano se sente parte de um todo maior e que se coloca indagações presentes ao longo de toda sua vida: de onde viemos, que podemos esperar depois de nossa curta passagem neste planeta?
Colocando estas questões, revelamos nossa dimensão de espírito enquanto seres humanos. Ser espírito é perceber as mensagens que o universo nos envia, captando o elo secreto que une e reúne todos os seres fazendo que sejam um cosmo e não um caos. Espírito é a transcendência pelo qual nós seres humanos nos comunicamos com o outro e que culmina com o fenômeno da vida consciente e livre.
Portanto, espiritualidade é toda atividade comportamental humana que encontra sua centralidade na vida. Não na vontade de pode, nem na acumulação, nem no desfrute fugaz do prazer. Encontra sua centralidade na promoção e na dignificação de tudo o que estiver ligado à vida.
Dessa forma, se espírito é vida, então, o oposto a espírito não é a matéria, mas é a morte. Para a morte não está reservado só o fim biológico da vida, mas tudo aquilo que desestrutura, que ofende e fere a vida, oprimindo-a, como a injustiça, a violência, o descuidado.
Como obras de espiritualidade estão a caridade, a solidariedade, a compaixão, o amor desinteressado, a cooperação e a capacitação de abertura a todo tipo de alteridade. É também próprio do ser humano espiritual ser capaz de dialogar com a Fonte originária de todo ser que ele percebe perpassando por toda a realidade. Podemos entrar em contato com esta suprema Realidade e senti-la dentro de nós na forma de um entusiasmo, de uma energia interior que move a vida e anima todos os projetos.
Podemos dizer que a espiritualidade trabalha com valores que têm a ver com o sentido da totalidade e com o futuro que vai além de nosso tempo histórico. Ela se pergunta por aquela energia que tudo move, que tudo penetra: seres e universo inteiro. Essa energia foi chamada pelos mais diversificados nomes: Espírito Criador, Fonte Originária ou, simplesmente, Deus. O ser humano possui a vantagem de poder discernir no transfundo dos fenômenos a ação dessa Presença. Somos capazes de dialogar com ela, de invoca-la para que venha e satisfaça nossos desejos de plenitude. Ela possui base biológica nos neurônios celebrais que revelam o assim chamado ponto Deus ou a mente mística.
A espiritualidade funda as razões para preservarmos o criado e nos instiga a seguir uma ética do cuidado, da compaixão, da responsabilidade e da cooperação. Ela nos fará entender que mais vale o discurso da vida que o discurso do método. Por tudo isso, a opção pela Terra pressupõe que tenhamos escolhido a vida. Fazendo um pouco desse impossível, conseguiremos salvar a vida e garantiremos o futuro para a Terra, apesar das mudanças que nos vêm das mudanças climáticas e do aquecimento geral do planeta.

Referência:
BOFF, Leonardo. Ética e espiritualidade planetárias, pp. 173-190. In: SOTER (org.). Sustentabilidade da vida e espiritualidade. São Paulo: Paulinas. Texto fotocopiado.