"Depois disto, o SENHOR, do meio de um redemoinho, respondeu a Jó: Quem é este que escurece os meus desígnios com palavras sem conhecimento? — Jó 38:1, 2

A dialética de Hegel consiste na técnica filosófica de uma tese (proposição) em confronto com uma antítese para se extrair uma síntese. Há milhares de anos, em um dos livros mais antigo da Bíblia, Jó, ao longo de seus quarenta e dois capítulos, vemos uma batalha épica contra a verdade, entre o pai da mentira e o Senhor da luz, entre um homem íntegro contra o engano travestido de virtude. Uma batalha que o próprio Deus provocou no céu, desceu para terra e reverbera até hoje. Tudo isso foi, e é, um precioso tesouro, um acontecimento real e literal, que entrega um escape de sabedoria para os dias de aflição.

Nos tempos mais antigos existia um homem “íntegro e reto, temente a Deus e que se desviava do mal”. Deus, orgulhoso desse servo, provoca Satanás, que o rodeava: “Observaste o meu servo Jó?”. Satanás entra com a sua antítese, sua acusação, sugerindo que Jó só era íntegro porque era abastado de uma prosperidade que Deus o dava, colocando a palavra e caráter do Eterno em questão. Deus permite que o inimigo de nossas almas destruísse tudo que Jó possuía. Foi lançado o desafio. Começa ali a guerra dialética e física entre o céu e o inferno. O tempo se fechou, e Jó não imaginava a turbulência que estava por vir.

Satanás matou seus dez filhos, seu numeroso gado e lhe levou a falência e luto. De pronto, na sua primeira fala, ele se humilhou, adorou e não atribuiu a Deus falta alguma, e disse: “Nu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei; o Senhor o deu e o Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor!”. Eis o primeiro round; a escuridão perdeu. Mas todo esse movimento se repete, e Satanás agora lhe tira a sua saúde com tumores da planta dos pés à cabeça. Entra em cena sua mulher, e lhe sugere blasfemar contra Deus. Ele replica: “Falas como qualquer doida; temos recebido o bem de Deus e não receberíamos também o mal?”. Mais uma vitória do Reino. Deus observava tudo e se alegrava com os anjos.

Entram em campo três “amigos”. São sete dias de consolo e silêncio que é quebrado pelo moribundo, que amaldiçoa seu dia natalício, mas não fala que aquilo seria por causa de seus pecados. Eis o gancho, a isca, o pressuposto teológico que rende os próximos vinte e nove capítulos do manuscrito: toda aflição de Jó é consequência do pecado dele e não de uma suposta “soberania e propósito” de Deus. O duelo de três contra um é acirrado, mas a argumentação do servo do Senhor prevalece e seus velhos amigos se calam. Termina o terceiro tempo, mas entra em campo a força jovial de Eliú, um exímio orador.

Mais seis capítulo se vão, e a longa antítese continua, algo do tipo: “Jó, você é um homem pecador e perverso, e atribui a um Deus santo sua desgraça, tornando-o injusto.” Essa é a teologia do inferno, que quer retirar a soberania de Deus do jogo e incutir a opressão da culpa àquele que está em paz com Deus. O Altíssimo se reserva no direito e soberania de governar todas as coisas do seu jeito e executar seus planos insondáveis: “Quem é este que escurece os meus desígnios com palavras sem conhecimento?” Mas um round vitorioso e sem registro de fala de Jó.

Deus sai dos bastidores, se apresenta na batalha e repreende a Jó do meio de um redemoinho. Jó, talvez à beira de pecar, não por blasfêmia, por rejeição, ou por negar a Deus e lhe atribuir falta, mas simplesmente pela altivez, em querer saber muito.

Os últimos cinco capítulos são dominados pela excelência das inefáveis palavras do Todo-Poderoso. É a resposta de Jó mais curta, somente para dizer que o que lhe cabe é ficar calado. O Senhor continua e disserta sobre os mistérios do universo e seu controle sobre ele desde sua criação. Por fim, as últimas palavras de Jó, sua conclusão e síntese: “Bem sei que tudo podes, e nenhum de teus planos pode ser frustrado... falei do que não entendia, coisas maravilhosas demais para mim... Eu te conhecia só de ouvir falar, mas agora os meus olhos te veem.” — Jó 42.

Deus manda Jó interceder pelos seus amigos, e a partir daí, tudo que ele tinha foi restituído em dobro e assombrosamente, depois disto, viveu cento e quarenta anos e viu seus filhos, netos e bisnetos. O propósito na vida de Jó se cumpriu: conhecer a Deus com profundidade. Deus ainda lhe deu um bônus: suas filhas foram as mais formosas à época.

Creio neste antigo registro como literal: Satanás, Jó, seus amigos, e o reino invisível do Eterno em nosso favor. Há muitas conspirações no mundo, e essa, a espiritual, é a mais relevante, que reverbera na terra. Por isso, ore, jejue e sirva a Deus com integridade. Entenda a síntese disso tudo: Deus está no controle e os seus planos são de paz e prosperidade. Cabe a nós crermos e esperarmos com paciência. Ele tudo pode.

Jó é um tipo de Cristo no Antigo Testamento. Um justo vilipendiado, que sofre sem causa e perde tudo, mas, no fim, vence e prospera. Sua vida torna-se objeto de admiração e exemplo. O seu Deus e Pai se alegra na sua obediência e fidelidade. Seja como Jó, seja como Jesus, sofra o dano sabendo que Deus está no controle e que no fim haverá uma segunda e maior glória.

“No mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo.” — João 16: 33