OS QUADRINHOS EM SALA DE AULA
Cleber Vieira dos Santos




Palavras-chave: HQs; escola; ensino.


Com o surgimento das Histórias em Quadrinhos (HQs) no século XIX, sua posterior consolidação nos jornais e finalmente sua publicação exclusiva nos gibis levou à formação de um considerável público leitor desse gênero. Se as HQs é leitura preferida entre os jovens, por que não foi totalmente aceita e incorporada entre os textos utilizados pela escola?
Antes de responder à indagação são necessárias algumas considerações a respeito desse gênero.
Pensava-se que as HQs fossem prejudiciais ao desenvolvimento intelectual, pois poderiam interferir na conduta de seus leitores levando-os à marginalidade. Mas através de pesquisas demonstrou-se sua evolução crítica desde seu surgimento.
As HQs são do tipo narrativo e são constituídas pela junção das linguagens verbal e não-verbal como apresenta Paulino:

As personagens e as ações são representadas simultaneamente pelos desenhos e pelas palavras. Estas, presas em "balões" ou inseridas como legendas de narração, enriquecem a produção de sentido em tiradas irônicas, falas rápidas, diálogos ou pensamentos que aliam a condensação à expressividade. (PAULINO, 2001:78)
Além disso, utiliza-se de recursos gráficos como fonte e signos icônicos (uma lâmpada acesa, por exemplo). Dessa forma a atenção requisitada é bem maior que num simples texto, pois tudo é carregado de significados. Há ainda, a necessidade de um conhecimento prévio a respeito de muitas personagens como Mafalda e Calvin que tomam atitudes críticas em relação ao mundo, diferente de crianças comuns. Todos esses recursos podem ser explorados pelo professor em sala de aula, o que demonstra a riqueza desse gênero. MENDONÇA comenta:

Os desenhos associados à seqüência narrativa funcionam como recursos didáticos poderosos, tornando tanto mais acessíveis quanto mais "palatáveis" tópicos complexos, com os quais os professores têm dificuldade na prática docente. (2002: 207)

Portanto os temas complexos poderiam ser mais ?digeríveis? quando transformados em quadrinhos, mas se percebe que é mais utilizado fora da sala e com muita eficácia. Segundo Eisner são quatro os meios de utilização das HQs: "(a entretenimento, b) instruções técnicas, c) condicionamento de atitudes e d) story boards (usadas para fazer a ponte entre o roteiro do filme e a fotografia final, na publicidade e no cinema.)" MENDONÇA, 2002:205). Destes o condicionamento de atitudes é a forma mais utilizada em diversos países através de panfletos de prevenção e de combate à doenças, pois com a quadrinização se efetua a persuasão, levando o cidadão a observar e pensar sobre o que está escrito.
Um dos motivos para a não-aceitação desse gênero no conteúdo escolar como texto central está ligado à idéia de leitura facilitada atribuída à junção das linguagens verbal e não-verbal, o que é pensado erroneamente. A estrutura dos quadrinhos possibilita a leitura de adultos e de crianças em fase de alfabetização, pois se apóiam no sentido implícito dos desenhos e personagens, por isso é leitura preferida entre esse público. Porém esses fatores condicionaram uma visão pessimista que levou os envolvidos em Educação a pensar que "Essa relativa facilidade pode ser confundida com baixa qualidade textual, levando à falsa premissa de que ?ler quadrinhos é muito fácil?." (MENDONÇA, 2002:202).
Com as pesquisas realizadas sobre as HQs, esse repúdio foi diminuindo e visivelmente os Livros Didáticos editados após 1990 traziam esse gênero dentre seus conteúdos textuais. O que ocorria era que as HQs, na maioria deles, estavam inseridos em seções para divertimento, ou em alguns casos, para atividades de metalinguagem, e nunca explorando a produção de sentido nos balões, nos personagens etc.
Essa dimensão lúdica é ignorada por CIRNE que reflete: "O que importa é o seu poder de comunicação e a sua capacidade de revitalizar formas expressionais." (1997:24). Esse comentário reafirma a importância do trabalho escolar com o gênero HQs, uma vez que valoriza o poder comunicativo e sua importância ideológica e social.
Além disso, esse gênero abarca suspense, terror, pornografia entre outros. "Trata-se de um gênero que se diversificou e apresentou propostas diferenciadas, até que os críticos da cultura de massas fossem obrigados a reconhecer suas possibilidades expressivas e polifônicas." (PAULINO, 2001:78). Essa afirmação retrata o fato de personagens que fogem a estereótipos sociais fazerem sucesso, como por exemplo, a Mônica, que não é definida segundo o padrão feminino, pois é indelicada, decidida e incompatível com o padrão de beleza instituído pela sociedade.
Ainda sobre a importância da utilização desse gênero no ensino toma-se o posicionamento dos PCNs em relação à utilização de textos e gêneros:

A compreensão oral e escrita, bem como a produção oral e escrita de textos pertencentes a diversos gêneros, supõem o desenvolvimento de diversas capacidades que devem ser enfocadas nas situações de ensino. É preciso abandonar a crença na existência de um gênero prototípico que permitiria ensinar todos os gêneros em circulação social. (Brasil, 1998: 24)

Com a criação da internet, torna-se mais necessário a utilização das HQs no contexto escolar, uma vez que os avanços tecnológicos colaboram para uma visão da sociedade que privilegia a imagem e a palavra e da junção delas se produz sentido. No entanto, para se ensinar os gêneros de circulação social, deve considerar a necessidade do ensino acompanhar os avanços da sociedade e utilizar os textos que os alunos lêem para que esse processo seja mais envolvente e realmente válido suscitando curiosidade e interesse em aprofundar o que se está aprendendo.

REFERÊNCIAS

MENDONÇA, M. R. de S. Um gênero quadro a quadro: a história em quadrinhos. In: DIONÍSIO, A. P.; MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. (Org.) Gêneros textuais & Ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.
CIRNE, Moacy. A explosão Criativa dos Quadrinhos. 5 ed. Petrópolis: Editora Vozes Ltda, 1977.
PAULINO, G.; WALTY, I.; FONSECA, M. N.; CURY, M. Z. Tipos de textos, modos de leitura. Rio de Janeiro: Formato, 2001. (Série Educador em Formação).
Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998.